1. INTRODUÇÃO
A perda de um ente próximo sensibiliza todos aqueles que ficaram. O luto, às vezes, faz emergir sentimentos que antes estavam ocultos e torna mais evidente conflitos que sempre existiram mas que eram escondidos em razão daquele elo que partiu. No momento que se faz o inventário e a partilha dos bens deixados, com frequência, surge discórdia. Não necessariamente por ganância, mas também por dificuldade de negociar neste momento de ausência. A mediação surge, então, como alternativa para se obter um consenso baseado na confidencialidade, boa-fé e autonomia da vontade das partes além de proporcionar aos mediandos que busquem sozinhos soluções para futuras contendas.
O Estado avocou para si a responsabilidade de solucionar os conflitos da sociedade. Como consequência, eleva-se o número de processos em tramitação e faz com que a prestação jurisdicional seja demasiadamente morosa em âmbito federal, estadual e, até mesmo, nos juizados especiais. Segundo Relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Justiça em Números de 2020, o ano de 2019 recebeu mais de 30 milhões de novos casos e encerrou o ano com mais de 77 milhões de casos pendentes de decisão definitiva. E o tempo médio entre o peticionamento da inicial e a prolação da sentença, num processo de conhecimento, é de 2 anos e 5 meses nas Varas Estaduais.
Alternativas foram buscadas num passado recente na tentativa de amenizar esse grande acervo existente e que insiste em aumentar. A elaboração da Lei 7.244/1984, que criou os Juizados Especiais de Pequenas Causas e, posteriormente, as leis 9.099/1995 e 10.259/2001, que instituíram os Juizados Especiais em âmbito estadual e federal, respectivamente, são exemplos de tentativas de solucionar causas de valor e complexidades reduzidos pois contam com procedimento simplificado. A Lei de Arbitragem (9.307/96) contribuiu para consolidar o instituto que é cada vez mais usado. A criação das Comissões de Conciliação Prévia em 2000, através da lei 9.958, permitiu a conciliação pré-processual no âmbito da Justiça do Trabalho. Por sua vez, a resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, em 2010, foi fundamental para incutir a importância das medidas alternativas de resolução de conflitos na consciência dos operadores do direito.
A crise do judiciário sempre foi o principal motivo para a busca de alternativas que sejam mais céleres. Mas essa não deve ser a única razão para se buscar novas alternativas para resolução de conflitos.
A Constituição Federal, em seu preâmbulo, prevê um Estado Democrático baseado em uma sociedade fraterna, fundada na harmonia social e comprometida com a solução pacífica das controvérsias. A lide surge quando há um conflito de interesses, quando há uma pretensão resistida. E inerente a todo processo está a disputa para se provar quem está certo e quem está errado. Durante todo o trâmite, que pode levar anos, o processo judicial evidencia, por exemplo, pais e filhos, um contra o outro, como autor e réu. O desgaste existe e poderia ser evitado através do diálogo. O objetivo que se procura alcançar com os meios alternativos é o cumprimento voluntário, pondo fim real ao conflito através do acordo e do consenso. É resgatar a responsabilidade pessoal.
O sistema multiportas apresenta diferentes métodos de resolução de acordo com as características de cada conflito. Esse conjunto de possibilidades que o jurisdicionado possui a sua disposição pode ser o heterocompositivo, que “é o meio de solução de conflitos em que um terceiro imparcial define a resposta com caráter impositivo em relação aos contendores” (TARTUCE 2019, p.57), ou a autocomposição, em que “as partes resolvam, isoladamente ou em conjunto, uma saída para o conflito” (TARTUCE, 2019, p. 26). Dentre as alternativas disponíveis, temos, como mais conhecidas, a arbitragem, a conciliação e a mediação. O atual Código de Processo Civil dá grande relevância aos meios alternativos.
Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
A mediação, segundo o parágrafo único do art. 1º, da lei 13.140 de 2015, é definida como “atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, auxilia e estimula a identificar ou a desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”. A técnica da mediação é indicada nos casos em que se deseja a permanência da relação entre as partes envolvidas. Um exemplo é o divórcio que envolve a guarda de um filho ou a resolução de um conflito envolvendo a definição da divisão dos bens deixados pelos ascendentes. Assim, a mediação, além de finalizar a situação controvertida, permite a continuidade da relação.
O Código Civil prevê, em seu artigo 2.015, que, sendo os herdeiros capazes, poderão eles fazer a partilha amigável seja por escritura pública, seja por termo nos autos do inventário, seja por escrito particular, sendo necessária a homologação pelo juiz. A lei processual já contempla a homologação de plano pelo juiz da partilha amigável, celebrada entre as partes capazes. Até mesmo quando a ação já se encontra em trâmite a mediação pode ser usada com o fito de se chegar a uma concordância quanto aos termos da partilha. Nesse sentido, para aqueles que desejam brevidade quanto à partilha dos bens, seja num momento pré-processual ou incidental, a medição se apresenta como ferramenta adequada.
O inventário e a partilha são tratados dentro do título dos procedimentos especiais do Código de Processo Civil. Neste capítulo, existe a possibilidade de inventário e partilha amigável quando há maiores capazes e concordes. Entretanto, sabe-se que em grande número dos casos não há acordo entre os sucessores e o procedimento adotado é o Inventário Tradicional, pela via judicial. Diante disso, o presente estudo tem o objetivo de apresentar seus benefícios e estimular o uso da mediação para solução dos conflitos existentes entres os herdeiros.
A mediação é uma forma de resolução de conflito que permite a cada envolvido apresentar seus interesses de modo que possam chegar a um meio termo fazendo com que todos tenham suas necessidades atendidas. Acreditamos que o uso prévio da mediação evitaria anos de demora na via judicial. Propor um acordo para se chegar a uma partilha amigável tornaria mais célere a resolução do processo.
Para o desenvolvimento deste estudo foi feita uma revisão bibliográfica buscando nos bancos de dados existentes, físicos e virtuais, autores que se debruçam sobre o assunto. Inicialmente abordaremos os conflitos familiares de modo geral. Seguiremos pelos conceitos principiológicos, a mediação nos conflitos familiares e, finalmente, na importância da mediação aplicada no direito sucessório.
2. CONFLITOS FAMILIARES
O ambiente familiar é cercado de conflitos que poderiam ser melhores solucionados se buscássemos a mediação como via para sua resolução. “Nenhuma área de conflito reflete melhor as vantagens e desvantagens da negociação de acordos, feitos através da mediação, do que a familiar” (SERPA, 2018, p. 320).
A família, ao longo dos anos, passará por momentos nos quais decisões deverão ser tomadas, sendo que, muitas das vezes, não haverá um consenso. Todos conhecem casos de separação, de guarda dos filhos menores, de pagamento de alimentos, de cuidados com os ascendentes idosos e de divisão de herança. Como regra, transformamos esses conflitos em lides judiciais. Mas, ao eleger esse caminho, colocamos nas mãos do juiz o poder de decidir algo que nós mesmos, através do diálogo, poderíamos solucionar.
A decisão tomada pelo judiciário provoca um efeito de perde-ganha, ou seja, a parte vencedora impõe à outra uma decisão elaborada pelo terceiro. É certo que uma das partes sairá insatisfeita com o resultado. E, em muitas das vezes, ambas as partes poderão não concordar com sentença exarada. Como resultado temos diversos recursos que culminam em processos judiciais intermináveis e em decisões que não serão cumpridas pelas partes. Todos esses problemas poderiam ser resolvidos se as partes tomassem as rédeas da situação e se tornassem protagonistas da tomada de decisão.
Os conflitos familiares são recheados de questões legais mas também emocionais que não conseguem ser atingidas pelas decisões do poder judiciário. “Um dos grandes desafios das decisões judiciais em conflitos familiares é o incessante retorno dessas pessoas aos tribunais em demandas constantes, principalmente porque não participaram da construção das respectivas decisões, que lhe foram impostas”. (GONÇALVES et. al., 2019)
A mediação, sempre indicada onde haverá um relacionamento continuado, busca uma solução que será construída pelas partes conflitantes. Desse modo, por participarem ativamente da elaboração, dificilmente não cumprirão com os termos do acordo. Os resultados serão mais duradouros e mostrará que possuem autonomia para resolverem suas divergências.
3. PRINCÍPIOS DA MEDIAÇÃO
Os princípios na mediação, segundo Fredie Didier Jr., são uma espécie normativa que traduzem um objetivo a ser alcançado, assim como no âmbito processual. Dessa forma, são os princípios que vão informar e orientar os facilitadores e os operadores do direito em suas condutas práticas.
O Código de Processo Civil, em seu art. 166, caput, informa quais são os principais princípios da conciliação e da mediação. São eles: a independência, a imparcialidade, a autonomia da vontade, a confidencialidade, a oralidade, a informalidade e a decisão informada.
Os princípios da independência e da imparcialidade estão diretamente ligados ao mediador. Segundo o Código de Ética de Conciliadores e Mediadores Judiciais, em seu art. 1º, V, o princípio da independência permite ao facilitador “atuar com liberdade, sem sofrer qualquer pressão interna ou externa, sendo permitido recusar, suspender ou interromper a sessão se ausentes as condições necessárias para o bom desenvolvimento”. Ao seu turno, o princípio da imparcialidade impede que o mediador tome partido a favor de uma das partes envolvidas no conflito. Segundo Didier Jr., a imparcialidade decorre do princípio da impessoalidade do direito administrativo, encontrado no art. 37, caput, da Constituição Federal. Assim, importante que o mediador não possua qualquer vínculo com uma das partes. Segundo Maria Nazareth Serpa, não cabe a ele aconselhar, emitir parecer ou apresentar uma solução significando, assim, ausência de favoritismo ou preconceito com relação a palavras, ações ou aparência.
O objetivo da mediação é dar condições para que as partes elaborem um acordo. O princípio da autonomia da vontade é primordial para que isso ocorra. A lei processual brasileira obriga a presença das partes na sessão de conciliação e mediação. Entretanto, ninguém é compelido a conciliar. As partes só chegarão a um acordo se atuarem voluntariamente. Ademais, o princípio reveste as partes “do poder de (...) elaborar, discutir e decidir qual a solução deverá ser aplicada ao caso apresentado” (SERPA, p. 166). Resta ao facilitador o poder de conduzir o processo de mediação que ainda assim poderá sofrer intervenção das partes. Segundo o §4º, do art. 166 do CPC, a mediação e a conciliação serão regidas conforme a livre autonomia dos interessados, inclusive no que diz respeito à definição das regras procedimentais. Dessa forma, o fato de estarem diante de um acordo confeccionado por elas mesmas ajuda a cumprirem com o pactuado.
Dissemos acima que cabe ao mediador conduzir o processo. Para um bom trâmite das sessões é primordial a existência de confiança entre as partes e o mediador. E ela só é adquirida quando as partes sabem que o que for dito será mantido em segredo. As sessões de mediação podem ser feitas individualmente ou com ambas as partes. Assim, “as revelações que uma fizer separadamente ao mediador permanecerão em sigilo, salvo solicitação em contrário, por uma parte em relação a outra” (SERPA, p.168).
O processo judicial, além de seguir procedimentos positivados, exige vestimentas e sessões solenes que muitas vezes inibem as partes. Ao contrário, as sessões de mediação são regidas pelos princípios da oralidade e da informalidade. Cabe ao mediador “comunicar-se em linguagem simples e acessível” (DIDIER JR, 366). Como as partes são as verdadeiras autoridades na sessão e cabe a elas a autocomposição, é extremamente relevante que ambas estejam totalmente a par de todo o problema a ser solucionado. O princípio da decisão informada se baseia na total compreensão do caso e das consequências que o acordo exigirá.
4. MEDIAÇÃO NOS CONFLITOS FAMILIARES
A família, para Maria Berenice Dias, é uma construção social em que cada membro ocupa uma posição seja como pai, mãe ou filho. Segundo a doutrinadora, o casamento, como uma convenção social, foi o que permitiu a organização dos vínculos interpessoais e a multiplicação da população.
Inicialmente, numa sociedade conservadora, a família possuía um caráter patriarcal, hierarquizado e patrimonialista. O homem era o único membro provedor e, por isso, impunha as ordens. E por ser a família uma organização inicialmente rural, cada filho representava força de trabalho. Quanto maior a família, melhores condições ela dispunha.
Com o passar do tempo, após a Revolução Industrial, a família adotou novas características. Com o aumento da necessidade de mão de obra, a mulher buscou seu espaço e passou a dividir, juntamente com o homem, a função de provedora. Em razão disso, a família migrou do campo para os centros urbanos, passou a morar em espaços menores, diminuiu o número de membros e ganhou contornos mais afetivos, deixando de ser uma entidade patrimonializada.
Atualmente as relações familiares adquiriram novos contornos. As uniões homoafetivas foram reconhecidas como família pela Justiça e atualmente discutimos sobre as famílias poliafetivas, parentais e pluriparentais. Em suma, a lei posta não consegue acompanhar o ritmo das mudanças sociais. E, ainda segundo Maria Berenice, “excluir do âmbito da tutela jurídica as entidades familiares que se compõem a partir de um elo de afetividade (...) é ser conivente com a injustiça”. Entretanto, é justamente esse elo de afetividade que a justiça adversarial não consegue alcançar.
A jurisdição, segundo Fabiana Marion Spengler, “ainda decide os conflitos com a utilização de "molduras", ou seja, a família mudou, mas a concepção processual de seus conflitos, baseada em ritos inflexíveis e em legislações muitas vezes inadequadas, continua a mesma” (SPENGLER, p. 54). Esquecemos que os conflitos familiares são complexos e multifatoriais.
A sociedade, como já dissemos, tem a jurisdição como a principal via para resolução de conflitos. Entretanto, no âmbito familiar esse, certamente, não é a melhor opção. Maria Nazareth Serpa afirma que numa família que acaba de se desfazer, a síndrome do perde-ganha é um verdadeiro desastre pois “nenhum juiz ou tribunal tem condição de chegar às minúcias que envolvem um processo de divórcio” (SERPA, p. 337).
A mediação, por definição, deve ser aplicada em relações que precisam perdurar no tempo. Serpa diz que “existirão sempre discussões sobre questões que envolvem ex-cônjuges, sejam decisões de última vontade dos pais, uso comum de propriedade de herança entre irmãos ou disposição de um negócio de família” (SERPA, p. 321). Mas pode ainda ser aplicada em questões que envolvem guarda de filhos, direito de visitação, divisão de bens e herança.
A mediação, ao contrário da jurisdição, “trabalha com a figura do mediador que, ao invés de se posicionar em local superior às partes, se encontra no meio delas. O mediador partilha de um espaço comum e participativo, voltado para a construção do consenso” (SPENGLER, p. 62). Na mesma linha de pensamento de Maria Berenice, Spengler afirma que “não se pode perder de vista a importância dessa prática em uma sociedade cada vez mais complexa, plural e multifacetada, produtora de demandas que a cada dia superam-se qualitativa e quantitativamente”. (SPENGLER, p. 62).
Buscando os princípios, podemos observar que na mediação aplicada aos conflitos familiares, as partes participam voluntariamente. Não obstante o atual Código de Processo Civil exigir o comparecimento das partes em sessão de conciliação e mediação, a lei processual não tem o condão de coagir as partes a entrarem em acordo. É essencial que as partes estejam à vontade e tenham confiança no mediador, pois todo o procedimento é confidencial. É dever deste mostrar às partes envolvidas que elas têm a autonomia e o poder de definirem suas próprias decisões.
O principal objetivo da mediação é restabelecer a comunicação e o diálogo. Assim, “o acordo pode ser um dos desfechos possíveis, mas, ainda que não ocorra, se o diálogo amistoso foi restabelecido a mediação poderá ser considerada exitosa” (SPENGLER, p. 65/66).
5. MEDIAÇÃO NA SUCESSÃO
A sucessão, de forma ampla, é o ato de substituir outrem, ou seja, assumir o lugar de outra pessoa. É a substituição do titular de um direito ou de uma obrigação. Ainda em sentido lato sensu, a sucessão pode ocorrer inter vivos ou mortis causa. E ao discutirmos a sucessão em razão do falecimento, um novo vocábulo surge obrigatoriamente: herança. E ao abordar o tema, comumente ela vem acompanhada de conflitos.
A herança constitui uma universalidade de direitos e obrigações deixadas pelo de cujus e transmitida aos herdeiros que pode ser uma pessoa ou um conjunto de pessoas. Nas palavras de Maria Berenice Dias:
“Quando ocorre a morte, não só o patrimônio, mas também direitos e obrigações do falecido se transmitem para outrem. Daí, transmissão causa mortis. É neste sentido estrito que se usa o vocábulo sucessão: a transferência, total ou parcial, de herança, por morte de alguém, a um ou mais herdeiros”.(p. 50)
Podemos dizer que o direito sucessório tenta trabalhar de forma harmoniosa o direito de propriedade e o direito de família. Dizemos isso pois, após a perda de um ente querido, vemos, não raramente, a dificuldade dos herdeiros em chegarem a um consenso quanto à partilha. Segundo Fabiana Marion Spengler:
“Esse problema torna-se ainda mais grave quando a dificuldade de comunicação acontece dentro da família, envolvendo parentes próximos que perderam um ou mais entes queridos e, não obstante partilharem dessa dor, agora não conseguem chegar a um consenso quanto ao melhor caminho para resolver as pendências judiciais trazidas pela sucessão”. (p. 78)
Nesses casos a mediação se apresenta como melhor alternativa para a resolução do impasse. Diante das dificuldades de relacionamento, que muitas das vezes passa pela falta de comunicação entre as partes, a mediação pode ser utilizada para restabelecer o diálogo, manter o vínculo e a afeição entre parentes.
Segundo Freddie Didier Jr., a mediação, diferentemente da conciliação, é “mais indicada nos casos em que exista uma relação anterior e permanente entre os interessados, como nos casos de conflitos societários e familiares”. O doutrinador vai ao encontro do texto da lei processual civil que assim leciona em seu art. 165, §3º:
§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.
Podemos observar que, distintamente do conciliador, o papel do mediador não é apresentar possíveis soluções para o conflito. Cabe a ele investigar e identificar os conflitos, que muitas vezes estão escondidos, e, através de técnicas, facilitar o diálogo entre as partes para que elas, como protagonistas, apresentem alternativas e elaborem um acordo que atenda satisfatoriamente a todos. Mister esclarecer que, em ambas as técnicas, veda-se ao mediador e ao conciliador constranger ou compelir as partes a entrarem em acordo.
Após o inventário, que é o levantamento dos bens e obrigações deixados pelo autor da herança, inicia-se a fase da partilha, momento que surgem os maiores conflitos. É na partilha que os herdeiros buscam o seu quinhão expondo seus interesses nos bens deixados. Na visão objetiva do advogado, segundo o art. 2.017 do Código Civil e o princípio da igualdade da partilha, basta o levantamento dos valores e a hermana divisão entre os sucessores. Entretanto, na maioria dos casos, o operador do direito não consegue enxergar a subjetividade existente. Muitas das vezes, os bens herdados possuem uma carga emocional para os sucessores que se transforma em um empecilho para a divisão. Ademais, segundo Joaquim Toledo Lorentz, após a morte, as partes envolvidas “se encontram no meio de um turbilhão de emoções que podem afetar o poder de negociação”. A ausência do ente pode trazer à tona sentimentos como raiva, mágoa e ressentimentos que a frieza da lei não consegue alcançar. Nesses casos, o mediador terá o desafio de identificar os interesses e necessidades e conduzir os envolvidos até uma decisão justa e satisfatória.
A partilha, segundo o Código Civil e a melhor doutrina, pode ser feita de forma extrajudicial, judicial e em vida. Em todos os casos, a possibilidade de existência de conflito é real. Segundo o art. 2.015, os herdeiros, sendo capazes, poderão fazer a partilha de forma amigável, por escritura pública, por termo nos autos do inventário ou escrito particular e homologado pelo juiz. O próprio código traz o termo ‘amigável’, ou seja, sem qualquer conflito. Mas para se chegar a um consenso obrigatoriamente passamos por um diálogo.
A partilha judicial, nos moldes do art. 2.016, deverá ser feita sempre que os herdeiros divergirem, quando há incapaz envolvido e quando existir testamento. Tal divergência pode ser solucionada através da mediação e levada a juízo. Vale lembrar que não há impedimentos para que a mediação ocorra na via judicial pelos CEJUSC’s ou por mediadores particulares. Ademais, abrindo aqui um rápido parênteses, desnecessária a exigência legal da via judicial em casos em que há testamento. Maria Berenice Dias entende que o tabelião é a pessoa mais indicada para verificar a existência de vícios ou violações nos testamentos, considerando que é ele quem participa da elaboração e do registro dos mesmos. Se as partes são maiores e concordes, deveria-se obrigar a via extrajudicial. Era uma boa oportunidade de promover a desjudicialização.
Finalmente, a partilha em vida é um ato inter vivos ou de última vontade entre ascendentes e descendentes mas respeitando a reserva da legítima e a renda suficiente para a subsistência do doador, conforme previsto no art. 548 do Código Civil. Segundo Flávio Tartuce, nada mais é que um planejamento em vida e a realização de doação ou confecção de testamento. É um ato de mera liberalidade do doador ou testador mas que pode gerar conflitos entre os donatários e herdeiros por se sentirem preteridos.
Como vemos, a mediação é uma excelente opção para qualquer hipótese que envolva a sucessão, seja ela mortis causa ou inter vivos. Podendo ser usada tanto nas vias extrajudiciais como incidentalmente, quando já instaurado o processo judicial.
6. CONCLUSÃO
O sistema multiportas oferece diferentes métodos de resolução de conflito de acordo com as características de cada caso. A mediação como método alternativo de resolução de conflitos é a mais indicada para os casos em que há um relacionamento prévio e contínuo. A perda de um ente querido pode fazer transparecer sentimentos que antes estavam abscônditos e que agora podem facilmente dificultar a negociação entre os herdeiros. O mediador imparcial tem, então, a função de fazer com que as partes protagonizem a busca do consenso, expondo suas necessidades num ambiente informal e seguro, baseado na confidencialidade e na boa-fé. Assim, no âmbito jurídico, a mediação contribui para a aplicação do direito de forma célere, justa e evitando processos judiciais desnecessários e morosos. E no lado social, socorre a nossa dificuldade de comunicação. Dissemos todo o tempo que a mediação é a busca pelo acordo. Entretanto, esse pode ser considerado um objetivo secundário já que, mesmo não alcançado, podemos dizer que cumprimos com o nosso objetivo de conseguirmos manter os laços afetivos e restabelecer o diálogo.
Referências Bibliográficas
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