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AS ALTERAÇÕES AO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO TRAZIDAS PELO PACOTE ANTICRIME

Agenda 07/05/2021 às 00:05

Este estudo se refere à Lei 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, na parte em que alterou o art. 52 da Lei de Execução Penal (LEP), o qual trata do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), inserido no Brasil pela Lei 10.792/2003.

RESUMO: Este estudo se refere à Lei 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, na parte em que alterou o art. 52 da Lei de Execução Penal (LEP), o qual trata do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), inserido no Brasil pela Lei 10.792/2003. Utilizando-se do método dedutivo-comparativo analisar-se-á, sob o aspecto jurídico, as modificações da reforma legislativa produzida pelo pacote para o Regime Disciplinar Diferenciado, comparando a antiga redação com a atual.

PALAVRAS-CHAVE: execução penal – regime disciplinar diferenciado.

ABSTRACT: This study refers to Law 13,964 / 2019, known as the Anti-Crime Package, in the part in which it changed art. 52 of the Law of Penal Execution (LEP), which deals with the Differentiated Disciplinary Regime (RDD), inserted in Brazil by Law 10,792 / 2003. Using the deductive-comparative method, it will be analyzed, from the legal point of view, the changes in the legislative reform produced by the package for the Differentiated Disciplinary Regime, comparing the old wording with the current one.


KEYWORD: penal execution - differentiated disciplinary regime.

SUMÁRIO

Introdução. 1. Comparação entre a redação anterior e a introduzida pelo Pacote Anticrime quanto as características do Regime Disciplinar Diferenciado. 2. As novas previsões incluídas nos parágrafos quanto a duração e forma de cumprimento da medida. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

A política criminal é o conjunto de princípios e regras pelos quais o Estado pretende promover a prevenção e repressão das infrações penais. A partir disso o direito penal e processual penal atuam na ordem jurídica para impor esses preceitos e garantir a segurança pública.

A busca por segurança pública, se inicia na prevenção de delitos e se ultima na execução da pena, porém mesmo durante a fase de execução não é raro a perpetuação das práticas criminosas, não só daqueles que cumprem regimes mais brandos, como também daqueles que cumprem penas em penitenciárias no regime fechado.

Diante desse quadro é que em 2003 foi inserido o Regime Disciplinar Diferenciado pela Lei n. 10.792. Noticiou-se nesse período a inserção de famosos traficantes nessa medida disciplinar.

Passados os anos ainda vê-se que outros tantos apenados, especialmente por integrarem organização criminosa para a prática de tráfico de drogas, continuavam comandando e integrando as organizações mesmo presos.

Além disso, pelas constantes notícias sobre o aumento da criminalidade desde população mais pobre até entre a classe política, a sociedade ansiava pelo recrudescimento de todo o ordenamento jurídico penal.

Nesse contexto, reuniu-se diversos projetos de lei que já tramitavam no Congresso Nacional em um único, chamado Pacote Anticrime, que restou aprovado em 24 de dezembro de 2019 como Lei n. 13.964, entrando em vigor em 23 de janeiro de 2020.

1. Comparação entre a redação anterior e a introduzida pelo pacote anticrime quanto as características do regime disciplinar diferenciado

O Regime Disciplinar Diferenciado é modalidade de sanção disciplinar (art. 53, V, da LEP), e para a sua aplicação basta a prática do fato regulado. Não é preciso aguardar eventual condenação ou o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o que por certo inviabiliza a finalidade do instituto.[1]

O artigo 52 estabelece “A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso provisório, ou condenado, nacional ou estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:”. (grifou-se).

No caput a única alteração foi a inclusão de “nacional ou estrangeiro” ao texto original. O que se mostra de pouca serventia, uma vez que aquele que cumpre pena no Brasil, seja nacional ou estrangeiro, segue as regras estabelecidas no ordenamento jurídico pátrio, nos termos do art. 1 º do Código de Processo Penal:

Art. 1o O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por este Código, ressalvados:

I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional;

II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos com os do Presidente da República, e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, nos crimes de responsabilidade;

III - os processos da competência da Justiça Militar;

IV -os processos da competência do tribunal especial;

V - os processos por crimes de imprensa.

Sabe-se que os incisos IV e V não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988. O inciso II refere-se a crimes de responsabilidade, os quais não se tratam efetivamente de crimes, mas de infrações administrativas. Os processos de competência da Justiça Militar, previstos no inciso III, possuem regramento próprio, mas similar no art. 4 do Código de Processo Penal Militar, porém caso a execução da pena seja cumprida em estabelecimento civil, reger-se-á pelas regras do processo penal comum e pela Lei de Execução Penal.

O inciso I é que importa para o estrangeiro, e traz a ressalva dos tratados, convenções e regras de direito internacional, os quais se sabe serão introduzidos no direito brasileiro, ao menos como lei ordinária, e tratando-se de lei especial posterior, por certo prevaleceriam sobre a regra geral do Código de Processo Penal. Com mais razão ainda se tratar de direitos humanos em que será supralegal, ou se aprovado com quórum qualificado equivalerão às emendas constitucionais.

Outrossim, a Constituição Federal não faz diferença entre o nacional e o estrangeiro no país (art. 5º, Caput), mas quando pretende ressalvar o nacional, o faz de maneira expressa, como no caso de cargos privativos de brasileiro nato, para citar um exemplo.

Nos incisos do referido artigo estão as características do Regime. A redação anterior previa:

I – duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;

Com o Pacote Anticrime passou a prever:

I - duração máxima de até 2 (dois) anos, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie;

Na primeira ocorrência de falta grave, o Regime podia ter duração por até quase um ano. No caso de reincidência, até 1/6 (um sexto) da pena efetivamente aplicada (e não a cumprida ou a que resta cumprir), podendo, desse modo, ultrapassar ou não o limite de um ano, pois dependente da reprimenda imposta na sentença.

Agora não só houve um aumento do prazo inicial de cumprimento que passou de 360 (trezentos e sessenta) dias para 2 (dois) anos, como também a reincidência também poderá chegar a esse patamar, sem contudo haver uma limitação de quantas vezes a medida poderá ser imposta.

Pela leitura do dispositivo a sanção poderá ser imposta quantas vezes quantas faltas graves repetidamente praticadas, sem limites.[2] 

II - recolhimento em cela individual;

A sanção disciplinar diferenciada deverá ser cumprida em cela individual, também conhecida popularmente como ‘solitária’. Entretanto, não se poderá infringir o artigo 45, § 1º da Lei de Execução Penal, que impede o uso de cela escura. À luz do princípio da humanidade a doutrina também acrescenta que não se pode fazer uso de celas ou alojamentos insalubres ou inabitáveis.

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Não houve alterações quanto a esse inciso.

Quanto às visitas a redação anterior dispunha:

III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;

Para Mirabete[3] é fundamental ao regime penitenciário a regra de que o preso não deve romper seus contatos com o mundo exterior e que não sejam debilitadas as relações que o une aos familiares e amigos. A manutenção dos laços (principalmente com a família) é essencial para o habitante prisional, porque o leva a sentir que, mantendo contatos, embora com limitações, com as pessoas que se encontram fora do presídio, não foi excluído da comunidade.

A redação deste inciso era criticada porque trouxe à baila diversas discussões.

A ressalva “sem contar as crianças” trazia duas interpretações, estariam as crianças excluídas da visitas ou apenas não computadas no limite máximo de dois visitantes? Para as duas afirmativas há fundamento doutrinário em uma interpretação teleológica do que pretendeu o legislador.

Outra questão é se dentre as duas pessoas computa-se o advogado ou defensor do preso. Ainda que de início possa se ter gerado alguma dúvida, não se pode deixar de aplicar o que determina a Constituição da República, artigo 5º, inciso LV e da Lei de Execução Penal artigo 41, incisos VII e IX, sendo resguardado o direito de se comunicar com o advogado sempre que necessário, sem prévia data estabelecida.

Agora as visitas foram restritas:

III - visitas quinzenais, de 2 (duas) pessoas por vez, a serem realizadas em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, por pessoa da família ou, no caso de terceiro, autorizado judicialmente, com duração de 2 (duas) horas;

Aqui houve redução drástica à metade da quantidade de visitas, que passaram de semanais para quinzenais. O número de pessoas continuou o mesmo, sem mais ressalvas quanto as crianças, o que leva a conclusão que elas serão computadas nesse número. Manteve-se também o tempo de visita.

Previu-se que a visita de terceiros deve ser precedida de autorização judicial. Embora a lei não preveja entende-se que o terceiro deve apresentar os motivos pelos quais pretende encontrar o preso e, em sendo justificáveis, o juiz deferirá o pedido.

A intenção do legislador é clara em impedir que integrantes de organizações e associações criminosas continuem a manter contato com seus membros encarcerados.

Espera-se que na prática se tenha em vista essa interpretação teleológica a fim de se evitar injustiças, com pessoas do círculo afetivo do preso, mas que não necessariamente são seus familiares.

Nesse ponto, importante notar que não houve restrição de grau familiar, o que portanto, leva a crer que inclui a família extensa de qualquer grau. Não podendo-se afastar o direito dos companheiros, após a declaração de equivalência entre cônjuges e companheiros pelo Supremo Tribunal Federal[4].

Com o impedimento do contato físico também se impede as chamadas “visitas íntimas”.

Por fim, não há de se incluir como terceiro o advogado, como já exposto o advogado tem seus direitos tanto na Lei de Execução Penal, quanto no seu Estatuto, art. 7º.

A vedação constitucional a penas cruéis impôs ao direito de saída do preso, mesmo encontra-se em um regime diferenciado. A redação do inciso IV previa:

IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol;

Na nova redação houve certo arrefecimento no chamado “banho de sol”:

IV - direito do preso à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol, em grupos de até 4 (quatro) presos, desde que não haja contato com presos do mesmo grupo criminoso;

O preso terá limitado seu horário de saída da cela em duas horas diárias, ainda que a lei não determinasse horário, é certo que além de ser obrigatoriamente todos os dias, a saída deve-se dar durante o dia, até pela necessidade humana de sol, ou claridade natural.

A saída da cela antes era individual, agora é possível a saída simultânea de até 4 (quatro) presos, inexistindo vedação ao diálogo entre eles, tanto assim que se proibiu apenas que estes fossem do mesmo grupo criminoso.

Novamente a fica clara a intenção do legislador em impedir a perpetuação da atuação criminosa de associações criminosas mesmo dentro da penitenciária.

Não obstante, o caput não apresente como elementar integrar associação ou organização criminosa, como ocorre no parágrafo primeiro, como se verá, incidindo todas essas vedações também aquele que mesmo não integrando esses grupos pratique falta greve e ocasione subversão da ordem e disciplina internas.

A redação original se encerrava neste inciso. Com a Lei 13.964/19 incluiu-se mais três características a serem observadas para os que ingressarem no RDD.

V - entrevistas sempre monitoradas, exceto aquelas com seu defensor, em instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, salvo expressa autorização judicial em contrário;

O referido inciso estaria mais bem colocado junto ao inciso III, que trata das visitas, pois é de se compreender que tais entrevistas se tratam das realizadas com suas visitas. De todo modo, naquele inciso já havia a previsão de impedimento do contato físico, mas sem qualquer ressalva de autorização judicial, o que pode gerar discussões a respeito da aplicação desse permissivo.

Havendo exceção somente ao advogado, pode-se concluir que em eventual visita de membro do Ministério Público, magistrado, ou outra autoridade também devem ser monitoradas, em especial, para eventual comprovação de crimes previsto na Lei de Abuso de Autoridade.

A visita de membro do Ministério Público prescinde de autorização judicial, uma vez que ainda que se terceiro, possui prerrogativas previstas nas leis orgânicas (art. 9, I, LC 75/93 e art. 41, Lei 8.625/93).

Em relação ao defensor, a exceção é unicamente quanto ao monitoramento, que em regra não ocorrerá para preservar o direito do preso de se entrevistar livremente com seu advogado. Contudo, pelo poder geral de cautela, em havendo indícios de que o defensor está integrando o grupo criminoso, a monitoração pode ser determinada pelo juiz.

Inovou-se ainda quanto a outra forma de contato do preso com o mundo exterior, ao prever:

VI - fiscalização do conteúdo da correspondência;

O sigilo da correspondência é previsto no art. 5ª, XII da Constituição Federal, que prevê a quebra de sigilo telefônico na forma da lei para fins penais. A interpretação literal do dispositivo leva a conclusão de que o sigilo de correspondência estaria a salvo de qualquer fiscalização.

Embora a Constituição não preveja expressamente a quebra do sigilo de correspondência, nenhum direito é absoluto, é preciso usar os vetores da ponderação e razoabilidade em cada caso para determinar quando um direito deve ceder a outro. É o presente caso.

Tratando-se de preso que encontra-se em uma medida disciplinar diferenciada, a não fiscalização da correspondência poderia impedir o êxito da medida, que como já reiterado aqui é impedir a continuação das atividades criminosas.

A restrição em verdade não é nova, há redação semelhante no art. 41 da lei de Execução Penal, e já era aplicada na prática, apenas tornou-se positivada em relação ao RDD.

Nessa toada, o Supremo Tribunal Federal já havia decidido pela validade do art. 41, parágrafo único, da LEP, que prevê que a autoridade administrativa pode interceptar correspondência de presos que se destinem ao exterior do presídio, por entender que o direito à privacidade e à intimidade do preso deve ceder espaço aos ditames de segurança pública, disciplina prisional e a própria preservação da ordem jurídica, uma vez que “a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas” (STF, HC 70.814-5/SP, DJ de 24-6-1994, Rel. Min. Celso de Mello).

Por fim, previu-se a participação virtual em audiências:

VII - participação em audiências judiciais preferencialmente por videoconferência, garantindo-se a participação do defensor no mesmo ambiente do preso.

A videoconferência foi introduzida no Código de Processo Penal pela Lei n. 11.900/09, alterando o art. 185, que trata do interrogatório do réu, dentre outros motivos para “prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento”, aplicada excepcionalmente apenas.

Agora a regra passa a ser a videoconferência, pelo vocábulo “preferencialmente”, e presencial de forma excepcional. Tratando-se de execução da pena, não se restringe a interrogatório, mas para qualquer audiência.

O objetivo é reduzir os gastos públicos, pois não raro os presos de maior periculosidade são transferidos para penitenciárias de segurança máxima longe do local onde foram condenados, o que importava em longos e caros deslocamentos.

A escolta do preso era sempre arriscada pela possibilidade de sua organização criminosa intentar seu arrebatamento.

Para garantir a ampla defesa, através da defesa técnica, é garantida a presença do defensor junto ao acusado. Nada obsta que haja outro presencialmente com o juiz.

Embora a lei seja do final de 2019, esse ponto veio ao encontro da pandemia do COVID-19, em que as audiências, quase em sua totalidade, passaram a ser realizadas de forma virtual, tendência que pode se perpetuar, pela agilidade e economicidade.

2. As novas previsões incluídas nos parágrafos quanto a duração e forma de cumprimento da medida

A Lei elenca as hipóteses de cabimento do Regime.

A primeira hipótese de cabimento da medida extrema é a prevista no caput, referente à prática de fato previsto como crime doloso, que tenha como consequência a subversão da ordem ou disciplina internas.

Observe-se que o dispositivo menciona fato e não crime, pois se fosse esta a previsão dever-se-ia aguardar o trânsito em julgado pelo Poder Judiciário, ante o princípio da presunção de inocência.[5]

Os parágrafos primeiro e segundo também elencavam outras hipóteses, antes previstas:

§ 1o O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.

§ 2o Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

Alterou-se o parágrafo primeiro para dividi-lo em incisos, para incluir a previsão do parágrafo segundo, que foi revogado, em redação quase idêntica.

§ 1º O regime disciplinar diferenciado também será aplicado aos presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros:

I - que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade;

II - sob os quais recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, independentemente da prática de falta grave.

Não obstante no parágrafo segundo não estivesse expresso os estrangeiros, como já de discorreu a eles o RDD também seria aplicável.

Atualizou-se a nomenclatura dos delitos de quadrilha ou bando para associação criminosa, e incluiu-se a milícia privada.

A doutrina já alertava que “o regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade, basta que apresentem a malfadada expressão do alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade. Melhor teria feito o legislador se relacionasse ao menos um rol exemplificativo de casos que pudessem servir de orientação para a interpretação da lei”.[6]

Veja-se que neste caso, a aplicação do RDD independe de prática de falta grave, basta integrar o grupo criminoso, não obstante a medida seja originalmente disciplinar.

Desde a edição do RDD muitas críticas doutrinárias têm sido feitas à expressão “fundada suspeita”, pois não se pode conceber a aplicação de medida tão grave quando presente apenas suspeitas, ainda que fundadas.

O Pacote Anticrime inovou ao inserir outros cinco parágrafos.

§ 3º Existindo indícios de que o preso exerce liderança em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou que tenha atuação criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da Federação, o regime disciplinar diferenciado será obrigatoriamente cumprido em estabelecimento prisional federal.

As disposições finais, a Lei n. 10.792/03 trazia recomendações de padrões mínimos aos presídios que se destinam ao regime disciplinar diferenciado, e a prioridade na construção de presídios federais para abrigar os presos sujeitos ao RDD.

Pelas novas disposições, torna-se obrigatória a inserção em presídio federal, quando se tratar de líder de organização criminosa, o qual não precisa ser necessariamente o principal, mas um dos vários dentro da hierarquia do grupo.

Assim, como à quele que atue em dois ou mais estados da federação. O que tem se visto, mesmo antes da mudança, é que os grandes líderes são transferidos periodicamente entre os presídios federais de todo o país, justamente na tentativa de não se fixar e aproximar de sua organização, os estendê-la a novas localidades.

§ 4º Na hipótese dos parágrafos anteriores, o regime disciplinar diferenciado poderá ser prorrogado sucessivamente, por períodos de 1 (um) ano, existindo indícios de que o preso:

I - continua apresentando alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal de origem ou da sociedade;

II - mantém os vínculos com organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, considerados também o perfil criminal e a função desempenhada por ele no grupo criminoso, a operação duradoura do grupo, a superveniência de novos processos criminais e os resultados do tratamento penitenciário.

Apresenta-se aqui uma diferenciação quanto a duração do RDD, a depender se o preso for enquadrado nas hipóteses do caput ou dos parágrafos.

Em se tratando de preso que pratique falta grave e ocasione subversão da ordem e disciplina o prazo é de dois anos, prorrogável por períodos de dois anos quantas vezes forem necessárias.

No caso dos parágrafos o período pode se inciar até dois anos mas as prorrogações são anuais, também sem limitações.

As prorrogações devem ser determinadas por decisão fundamentada do juízo da execução que apontem que o alto risco para a segurança ou o vínculo com grupo criminoso se mantém.

§ 5º Na hipótese prevista no § 3º deste artigo, o regime disciplinar diferenciado deverá contar com alta segurança interna e externa, principalmente no que diz respeito à necessidade de se evitar contato do preso com membros de sua organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, ou de grupos rivais.

A alta segurança já deve ocorrer nos presídios federais, que são classificados como de segurança máxima. Mas deve-se atentar especificamente em se evitar o contato com outros membros da mesma entidade criminosa, como já se viu na disposição sobre o banho de sol, e também quanto a grupos rivais, vez que de conhecimento que muitas vezes a resolução de diferenças entre grupos não encerra senão com a morte.

§ 6º A visita de que trata o inciso III do caput deste artigo será gravada em sistema de áudio ou de áudio e vídeo e, com autorização judicial, fiscalizada por agente penitenciário.

Mais uma vez a disposição poderia ter sido disposta junto ao inciso III, já que a ele se refere.

Como já se tem feito, os atos processuais realizados são gravados para posterior análise.

Neste ponto, importante destacar que a princípio a gravação será armazena, pois o direito a intimidade do preso com seus familiares deve ser resguardada.

Somente, com autorização judicial é que essas conversas poderão ser fiscalizadas, pois presume-se que a princípio os familiares apenas trataram de suas relações pessoais. Contudo, há evidencia de que houve alguma forma de envolvimento do familiar com a organização ou associação criminosa a que faz parte o preso, vendo e trazendo informações, esse direito pode ser quebrado. Se assim noa fosse a medida restaria fadada ao insucesso.

§ 7º Após os primeiros 6 (seis) meses de regime disciplinar diferenciado, o preso que não receber a visita de que trata o inciso III do caput deste artigo poderá, após prévio agendamento, ter contato telefônico, que será gravado, com uma pessoa da família, 2 (duas) vezes por mês e por 10 (dez) minutos.

Nova disposição que trata das visitas. Considerando o maior isolamento do preso em RDD, o legislador previu formas de contato dele com o mundo exterior, em especial sua família e advogado, mesmo que diante de diversas restrições.

Como dito, é comum que presos em RDD cumpram a medida em estabelecimentos prisionais distantes do local da culpa, o que pode impossibilitar os familiares de visitá-lo. Assim, se em seis meses não houver visitas será concedida a possibilidade de contato telefônico, na mesma periodicidade da visita pessoal, porém por 10 minutos.

O dispositivo parece presumir que nesses seis meses os familiares tentaram de alguma forma visitar, mas que por qualquer motivo não conseguiram.

Porém, se de plano o preso informar que seus familiares não tem condições de visitá-lo, não há motivos para aguardar esse prazo, inexistindo a princípio óbice em desde logo se iniciar as conversas telefônicas, como se visita fosse.

Entendimento contrário traria prejuízo e ofensa a isonomia do preso, cuja família tem maior condição econômica ou que reside mais próxima a ele.

CONCLUSÃO

Promover a segurança pública é dever do Estado, iniciando-se por uma boa política criminal, passando pelo Legislativo na aprovação de leis que criem mecanismos hábeis aos fins pretendidos. Restando ao Poder Executivo cumprir as determinações e aos órgãos de controle como o Ministério Público e a própria sociedade exigir esse cumprimento.

Somente com a efetivação das medidas é que poderá avaliar se as alterações foram salutares para frear o problema da criminalidade que persiste aos muros das penitenciárias, ou se mais uma vez está-se diante de um direito penal simbólico.

Pautou-se aqui em trazer breves comentários às diferenças no regramento do Regime Disciplinar Diferenciado, sem maiores incursões nas problemáticas que podem advir desse recrudescimento da medida.

Não é demais lembrar que dentro do Estado democrático de Direito é imprescindível, especialmente diante de medidas tão drásticas e que restringem sobremaneira os direitos dos presos que há de se estar em alerta para eventuais abusos, que suprimam direitos ou desvirtuem os fins da pena além do previsto na lei e na Constituição Federal.

É preciso levar em conta as intenções do legislador e do momento que o Brasil enfrenta para correta aplicação do instituto, evitando abusos e injustiças.

REFERÊNCIAS

MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

MIRABETE, Julio Fabrini. Execução Penal: Comentários à lei n. 7210 de 11-07-1984. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

NUCCI, Guilherme de Souza. Primeiras considerações sobre a Lei nº. 10.792/03. Disponível em: <www.cpc.adv.br>. Acesso em 09.09.2020.

SANCHES CUNHA, Rogério; PÁDUA CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de. Regime Disciplinar Diferenciado. Breves Comentários (RDD). Leituras Complementares de Execução Penal.


[1] MARCÃO, Renato. Curso de Execução Penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005 p. 38.

[2] SANCHES CUNHA, Rogério; PÁDUA CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. Breves Comentários (RDD).Leituras Complementares de Execução Penal, p. 105.

[3] MIRABETE, Julio Fabrini. Execução Penal: Comentários à lei n. 7210 de 11-07-1984. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 121.

[4] RE 646721 e 878694.

[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Primeiras considerações sobre a Lei nº. 10.792/03. Disponível em: <www.cpc.adv.br> . Acesso em 09.09.2010.

[6] SANCHES CUNHA, Rogério; PÁDUA CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. Breves Comentários (RDD).Leituras Complementares de Execução Penal, p. 107.

Sobre a autora
Cristiane Pereira Machado

Assessora Jurídica de Procurador do Ministério Público do Estado do Paraná. Especialista em Direito pela Escola Superior do Ministério Público do Estado do Paraná - EMAP. Especialista em Direito penal e processual penal pela academia Brasileira de Direito Constitucional. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA.

Informações sobre o texto

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