Um dos princípios que devem (ao menos, deveriam) reger um processo licitatório é o planejamento das compras. A questão é de tamanha importância que integra o texto da recém-aprovada Lei nº 14.133/2021 – Lei de Licitações e Contratos Administrativo.
Esta legislação estabelece as normas gerais de licitação e contratação para as administrações públicas em nosso país e destaca, em seu artigo 5º, que devem ser observados princípios basilares de nossa administração, entre os quais legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, interesse público, probidade administrativa, igualdade, transparência e... planejamento!
‘Planejamento’, nunca é demais ressaltar, é o ato de prever de forma organizada, verificando o que foi feito no passado para que, no futuro, eventuais correções de rota, métodos e rotinas possam ser implantados em busca dos objetivos a serem alcançados.
Nesse sentido, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativo traz em seu texto diversos dispositivos que mostram essa necessidade na organização de procedimentos, bem como evidencia, ainda, a importância da formação continuada dos servidores envolvidos nos processos de compras.
Essa vontade do legislador em reforçar o planejamento de compras está positivada no artigo 40 da Lei nº 14.133/2021 - que define critérios para serem observados e determina, inclusive, que a observância do consumo anual é uma das diretrizes a serem previstas.
Desta forma, no artigo 12, inciso VII, há orientação no sentido de regulamentar, dentro de cada administração, a existência de um plano anual de contratações, providência que demonstraria um passo adiante no tocante ao planejamento.
De fato, tenho observado com frequência que os gestores que adotam a estratégia de um plano de contratações para cada período de doze meses têm sucesso na área, pois tal providência racionaliza as compras e contratações e, por extensão, fornece subsídios fundamentais para a elaboração de uma boa peça orçamentária.
Do ponto de vista jurídico, com a nova lei, devemos questionar: será necessária a formalização de um plano anual de contratações? Pode uma norma infraconstitucional definir regras de organização administrativa para todos os entes federados?
Ora, o próprio teor do já citado inciso VII do artigo 12 da Lei 14.133/2021 é esclarecedor, ao prever que a elaboração de plano de contratação anual é um mecanismo não obrigatório, que visa a racionalização de recursos financeiros e humanos, de tempo e visa garantir a execução do planejamento das políticas públicas, subsidiando as leis orçamentárias.
Veja-se que a expressão do dispositivo legal é “poderão” e não “deverão”. Portanto, nenhum dos entes federados têm obrigação de elaborar um plano de contratações anual. Além disso, sempre fundamental salientar o que está contido no artigo 18 da Constituição Federal, segundo o qual os entes federados são autônomos no que tange à organização administrativa.
Temos, portanto, duas conclusões: a primeira é que a norma infraconstitucional não pode criar expediente de organização administrativa para nenhum ente federado, haja vista que essa capacidade de auto-organização administrativa é um dos fundamentos da autonomia dos municípios, Distrito Federal e dos Estados.
A segunda conclusão é que, de qualquer forma, me parece muito pertinente que o Poder Executivo de todas as esferas de governo possa regulamentar, via decreto ou outro instrumento pertinente (no caso dos Poderes Legislativo e do Judiciário), um plano anual de contratações anuais.
Uma vez implantado, tal ‘plano’ passará a ser visto como poderosa ferramenta de gestão administrativa pois, conforme sua regulamentação, cada órgão poderá definir quais são suas metas, a necessidade de contratos de serviços contínuos e efetuar o levantamento dos materiais que anualmente repetem sua aquisição.
Assim, os gestores poderão verificar, durante o exercício financeiro, se o plano de contratações está sendo executado, podendo serem responsabilizados os servidores que não estão acompanhando a perfeita execução do planejamento anual, haja vista que outro princípio licitatório definido expressamente no artigo 5º da Lei nº 14.133/2021 é a segregação de funções.
Portanto, além de ferramenta singular de planejamento administrativo para contratações anuais, a introdução de um plano como o descrito também protege o ordenador de despejas. Afinal, temos que: 1) uma vez que a autoridade máxima de um órgão público tenha aprovado o plano anual de contratações o planejamento deve ser executado como definido; 2) e se não for o ordenador que der causa à lentidão na contratação, a autoridade superior não poderá ser responsabilidade, tendo em vista que, como autoridade máxima, aprovou um planejamento anual de contratações. Tal providência faz com que seja de competência dos seus auxiliares e dos servidores efetivos dar andamento ao plano de contratações devidamente autorizado e disponível em site oficial.
Fica claro, pelo exposto, que o plano de contratações anual não é obrigatório, porém, traz uma tranquilidade à autoridade ordenadora de despesas, no sentido de responsabilização no caso de atrasos não justificados na aquisição de matérias e na contratação de serviços.