Não é de hoje que a temática da infidelidade vem sendo debatida no Direito de Família, inclusive quando se trata da possibilidade ou não do ato resultar em indenização por danos morais.
Em razão da evolução tecnológica, surge uma nova vertente da infidelidade, que é a ocorrida pela internet, conhecida como infidelidade virtual. Atualmente, o grande debate ao redor desse assunto aumentou, a julgar pela presente pandemia, a qual trouxe consequente e necessário isolamento social, ocorrendo, dessa forma, um possível aumento da traição realizada por meios virtuais.
Segundo notícia publicada em 25 de abril de 2020, pelo site JMNOTÍCIA, a traição facilitada pelo uso da internet representa uma das maiores causas de divórcio no Brasil durante a atual pandemia do COVID-19, demonstrando, assim, uma maior existência do assunto no âmbito do judiciário. Apesar da importância do tema, não há regulamentação sobre o conceito da infidelidade na internet, sobre seus meios de provas ou se a mesma pode ou não gerar indenização por responsabilidade civil.
O instituto da infidelidade virtual não possui conceito firmado no âmbito jurídico, mas, apesar da ausência legal, a prática vem sendo conceituada pela maioria dos juristas como uma infidelidade moral ou emocional - em razão da ausência de conjunção carnal - realizada por meio da internet.
Nesse sentido, quando uma pessoa comprometida através de contratação expressa (casamento), ou tácita (união estável), se envolve amorosamente com terceiro estranho à relação através da internet, como, por exemplo, por WhatsApp ou Instagram, fere os deveres de fidelidade e lealdade previstos na legislação brasileira.
O dever de fidelidade está previsto expressamente no Código Civil de 2002, mais precisamente em seu art. 1.566, que expõe os deveres do casamento, além de possuir previsão implícita no art. 1.724, quando mencionado o dever de lealdade para os conviventes em união estável.
Nas ações judiciais de divórcio, não mais se discute a culpa do cônjuge. Por outro lado, não há compreensão sólida sobre a forma que um magistrado deve lidar quando é requerido, em conjunto, responsabilização civil por danos morais em razão da traição virtual do cônjuge ou companheiro.
Para uma maior compreensão, é válido recordar o instituto da responsabilidade civil, presente no artigo 186 do CC/02, o qual prevê que comete ato ilícito ‘’aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral (...)’’. Assim, aquele que causar dano a outrem, por meio da prática de um ato ilícito, deverá repará-lo, conforme deixa claro o artigo 927 do mesmo código.
Se o instituto da infidelidade virtual representa ou não a prática de um ato ilícito, isso não está clarificado na legislação, pois o próprio conceito ainda é debatido doutrinariamente.
Cito aqui o entendimento da autora Maria Berenice Dias, exposto em sua obra Manual de Direito das Famílias, a qual entende não ser infidelidade as trocas virtuais realizadas entre pessoa comprometida e terceiro estranho ao relacionamento, assim, caso o ato não acarrete violação à dignidade do seu consorte, não há que se falar em ato infiel ou adultério (DIAS, 2017).
Apesar das dúvidas, os casos que versam sobre o tema continuam marcando presença no judiciário. Para exemplificação, cito a notícia publicada pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, em 2 de julho de 2020, intitulada ‘’ TJPR exclui condenação de danos morais por ‘’infidelidade virtual’’ ‘’. Segundo o texto do referido site, nos autos de uma ação de divórcio fora requerida indenização por danos morais, a julgar que um dos cônjuges alega ter sido traído, tendo descoberto o fato após ler mensagens no celular de seu consorte.
Ademais, a parte supostamente traída alegou que o fato a transformou em alvo de comentários e chacotas, ferindo sua honra e sua dignidade. Em sede de recurso, o Tribunal de Justiça do Paraná modificou a sentença de 1º grau, a qual havia condenado a esposa por quebra de dever conjugal de fidelidade, fixando os danos morais em R$ 30 mil.
Nesta linha, a 12ª Câmara Cível do TJPR entendeu que ‘’ estavam ausentes os requisitos da responsabilidade civil’’, que ‘’ a ex-cônjuge não expôs e não ridicularizou o ex-marido, observando que o próprio autor do processo enviou para outras pessoas o conteúdo que ele encontrou no celular’’. Além disso, foi reconhecido a ilicitude da prova utilizada para comprovação da infidelidade, tendo em vista que o autor acessou mensagens no aparelho celular da ex-esposa sem seu consentimento.
Dessa forma, percebe-se que o entendimento preponderante é o de que a relação amorosa realizada pela internet com sujeito exterior à relação constitui sim ato infiel, mas a comprovação do ato, por si só, não gera indenização por danos morais. Porém, o assunto ainda possui muito a ser pesquisado e modificado, em razão da complexidade e subjetividade das relações familiares e dos casos judiciais que as envolvem.
Fontes:
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 12. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
JMNOTÍCIA:https://www.jmnoticia.com.br/2020/04/25/traicao-virtual-ja-e-maior-causa-de-divorcio-no-brasil/