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Afinal, o que são os direitos humanos?

Abolindo equívocos ao redos deste conceito tão importante à humanidade

Agenda 18/05/2021 às 17:24

Os direitos humanos são princípios universais que protegem as pessoas da discriminação e garantem sua liberdade e dignidade. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948.

Em 10 de dezembro de 1948 foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tendo, já em seu primeiro artigo, que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.” (Assembleia Geral da ONU, 1948)

Passados mais de 70 (setenta) anos as razões que fundamentaram a Declaração Universal parecem cada vez mais acentuadas, o que demanda um esforço profundo para que haja de fato uma compreensão social acerca do que de fato são os direitos humanos e qual a importância de sua defesa.

Tratando do conceito, nas palavras de Peces-Barba (1982, p. 7), direitos humanos:

são faculdades que o direito atribui a pessoa e aos grupos sociais, expressão de suas necessidades relativas à vida, liberdade, igualdade, participação política ou social, ou a qualquer outro aspecto fundamental que afete o desenvolvimento integral das pessoas em uma comunidade de homens livres, exigindo o respeito ou a atuação dos demais homens, dos grupos sociais e do Estado, e com garantia dos poderes públicos para restabelecer seu exercício em caso de violação ou para realizar sua prestação.

Tem-se, portanto, que direitos humanos são os direitos básicos de quaisquer seres humanos, garantidos às pessoas pelo simples fato de serem humanas. São os direitos relacionados à garantia de uma vida digna a todas as pessoas, independentemente de cor, credo, sexo, gênero, orientação sexual e religião.

O Brasil, signatário da Declaração, expressa em sua Carta Magna tal norte. Destaca-se o conteúdo do no caput do artigo 5˚ da Constituição Federal de 1988:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...).

Neste panorama grupos que se manifestam contra a defesa inata da dignidade humana, por vezes, manifestam-se alegando que o “problema” dos direitos humanos é querer diferenciar as pessoas por trabalhar as especificidades dos segmentos da sociedade, a exemplo dos direitos das mulheres, das pessoas negras, LGBTQI+ e etc., afirmando ainda que a única diretriz deveria ser o respeito e tolerância a todas as pessoas, assumindo uma proposição generalista.

Ocorre que o norte dos direitos humanos é o respeito universal às garantias fundamentais, mas este norte não deve impedir o reconhecimento explícito das desigualdades específicas que a sociedade ainda promove ao dar diferentes tratamentos a determinados grupos de pessoas, sobretudo as que mais sofrem preconceitos e violências naturalizadas. Tem-se que reconhecer desigualdades não é propagá-las, mas sim visibilizar para poder tratar. É como diagnosticar uma doença para que se possa dar um remédio específico.

Nesse sentido, a própria Declaração Universal dos Direitos Humanos destaca, em seu artigo 2º, a importância ao respeito considerando a diversidade humana, aduzindo que “todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.”

Fazendo um paralelo, observa-se, por exemplo, que o direito do consumidor é um segmento dos direitos humanos que não carrega tanto estigma, e qual a razão? Certamente este cenário se deve ao fato de que todas as pessoas, mesmo as que afrontam estes direitos, sentem na pele o que é ser um consumidor em algum momento de suas relações sociais. Entretanto, ser mulher, ser uma pessoa negra ou LGBTIQ+, por exemplo, é uma condição de uma minoria social sub-representada das quais grande parte da população não se identifica, ao passo em que só quem vive nesta pele sabe o real significado da afronta aos seus direitos humanos fundamentais ao longo de sua existência.

Certamente o grande estigma e rejeição aos direitos humanos venha da dificuldade das pessoas em ter empatia, ou seja, de se colocarem no lugar do outro ou da outra e por pensar que o mundo é conforme a sua perspectiva apenas, desconsiderando realidades diversas.

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O diferencial de quem reconhece e trava uma luta em defesa dos direitos humanos, de fato universais mas não universalizantes da condição humana, é compreender que o mundo é muito mais que o seu olho enxerga, o seu corpo sente e seu umbigo é cercado. Que existem outras realidades para além do seu pequeno mundo social.

Frisa-se que defender a humanidade de pessoas em cárcere, por exemplo, não é levantar uma bandeira de que a punição a estas pessoas não deva existir, muito pelo contrário. Mas compreender que mesmo aquelas pessoas, que em regra tiveram muitos outros direitos fundamentais agredidos antes da criminalidade, ainda continuam sendo seres humanos e, nos termos da lei penal brasileira, provavelmente ainda retornarão para vida em sociedade.

Desumanizar pessoas é sem dúvida uma das maiores sementes da criminalidade, pois é a falta destes direitos em algumas trajetórias que, em muitos casos, as levam a um caminho em que elas mesmas não se enxergam como tal.

A política do “bandido bom é bandido morto” é um entendimento tão equivocado que uma simples reflexão a destrói, afinal seria uma política apenas punitivista, com pouco caráter preventivo, de modo que se indaga: é melhor matar bandidos ou evitar que pessoas entrem no mundo da criminalidade lutando para que todos e todas tenham acesso a garantias fundamentais como dignidade, educação, saúde e segurança?

Outra questão é que a política do “bandido bom é bandido morto” já é a política vigente, pois é justamente a camada social mais marginalizada que hoje mais morre e sem qualquer comoção, tornando-se apenas números para se promover uma falácia de que os que quem mais morrem são os considerados “homens de bem”. No Brasil as principais vítima de homicídio são homens, negros, jovens e pobres, conforme aduz a seguinte matéria:

As 61.283 mortes violentas ocorridas em 2016 no Brasil encerram algumas assimetrias importantes: a maioria das vítimas são homens (92%), negros (74,5%) e jovens (53% entre 15 e 29 anos).

Segundo o Atlas da Violência 2017, publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as mortes violentas no país subiram 10,2% entre 2005 e 2015. Mas, entre pessoas de 15 a 29 anos, a alta foi de 17,2%.

(...)

Mais pobre e menos escolarizada, essa fatia dos brasileiros ainda vive, em grande parte, marginalizada, com poucas oportunidades de ascensão social e exposta ao cotidiano de violência das periferias.[1]

A grande questão, e que fará muita diferença sobretudo nos indicadores de criminalidade, é considerar que realmente existem fatores de prevenção associados ao acesso aos direitos humanos, que existem muitas pessoas “recuperáveis” e que hoje a punição também é seletiva, basta olhar um retrato da população carcerária brasileira que também é povoada predominantemente de negros, pobres com baixa escolaridade:

Além da precariedade do sistema carcerário, as políticas de encarceramento e aumento de pena se voltam, via de regra, contra a população negra e pobre. Entre os presos, 61,7% são pretos ou pardos. Vale lembrar que 53,63% da população brasileira têm essa característica. Os brancos, inversamente, são 37,22% dos presos, enquanto são 45,48% na população em geral. E, ainda, de acordo com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em 2014, 75% dos encarcerados têm até o ensino fundamental completo, um indicador de baixa renda.[2]

Resta evidente o quanto é fundamental que a sociedade entenda de fato o que são os direitos humanos e o quanto sua defesa caminha no sentido do progresso social por buscar a assimetria de direitos e a busca por dignidade.

Nesse sentido vale mencionar que:

Reconhecendo a necessidade de conscientizar a sociedade brasileira em razão do processo contínuo de transformação social, em 2012 o Conselho Nacional de Educação, do Ministério da Educação, homologou a Resolução no 1, que estabelece as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos e ressalta os seguintes princípios em seu art. 3º: dignidade humana; igualdade de direitos; reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades; laicidade do Estado; democracia na educação; transversalidade, vivência e globalidade; e sustentabilidade socioambiental.[3]

Indubitavelmente a educação é um caminho primordial para que a sociedade compreenda o que são e a importância dos denominados direitos humanos.

Para além do caráter humanístico a defesa dos direitos humanos é também demanda de viés utilitarista por ser medida básica da boa gestão. No tocante a atuação do Estado é fundamental se ter claro que pensar e planejar políticas públicas com perspectiva de direitos humanos é mais que uma questão de empatia, é uma questão de sensatez e de estratégia.

Portanto, atuar na defesa dos direitos humanos é mais que uma luta por progresso das sociedades, mas uma revelação da superação de muitas ignorâncias e sensos comuns descolados da realidade.


REFERÊNCIAS


Notas

[1] E agora, Brasil? Segurança pública. Disponível em: <https://temas.folha.uol.com.br/e-agora-brasil-seguranca-publica/criminalidade/homens-negros-e-jovens-sao-os-que-mais-morrem-e-os-que-mais-matam.shtml> Acesso em 18 de janeiro de 2021.

[2] Sistema carcerário brasileiro: negros e pobres na prisão. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/noticias/sistema-carcerario-brasileiro-negros-e-pobres-na-prisao>. Acesso em 18 de janeiro de 2021.

[3] Direitos Humanos: atos internacionais e normas correlatas. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/508144/000992124.pdf>. Acesso em 18 de janeiro de 2021.

Sobre a autora
Anne Caroline Fidelis de Lima

Advogada, bacharela em Direito pela Universidade Federal de Alagoas, professora universitária, mestra em sociologia pela Universidade Federal de Alagoas, pós-graduada em direito civil, processo civil pela Escola Superior de Advocacia da OAB/AL e em gestão pública municipal pela Universidade Federal de Alagoas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo apresentado na pós-graduação em Direitos Humanos e Questões Étinico-raciais da UBF.

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