Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

MS 37915 E O CONTROLE JURISDICIONAL DO PROCESSO LEGISLATIVO

Agenda 20/05/2021 às 10:38

Esse artigo tem por objeto analisar o Mandado de Segurança – MS 37915 que buscava a obediência da ordem cronológica de votação para que a Medida Provisória (MP) 1.031 não fosse posta em votação antes de outras 11 MPs enviadas ao Congresso Nacional

Objetivando que fosse obedecida a ordem cronológica, para que a Medida Provisória (MP) 1.031 - que trata da privatização da Eletrobras, não seja posta em votação antes de outras 11 MPs enviadas ao Congresso Nacional antes de sua edição, os parlamentares da Rede Sustentabilidade, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), do Partido dos Trabalhadores (PT), do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e do Partido Democrático Trabalhista (PDT) ajuizaram no Supremo Tribunal Federal o Mandado de Segurança – MS 37915[1].

Os parlamentares alegam que a apreciação de medidas provisórias deve seguir uma ordem cronológica, conforme a ordem de envio ao Congresso Nacional. Isto porque, segundo eles, o ato das mesas do Senado e da Câmara que estabeleceu as regras excepcionais de análise das medidas provisórias, diante da impossibilidade prática da instalação da Comissão Especial, manteve a garantia de observância da cronologia constitucional de vigência e esgotamento de prazos, conforme previsto na Constituição Federal (artigo 62, § 6º)[2].

Ao analisar o pedido liminar contido no MS, o Ministro Luís Roberto Barroso entendeu por indeferi-lo sob o fundamento de que o controle jurisdicional do processo legislativo tem caráter excepcional e que o STF só deve intervir em procedimentos legislativos para assegurar o cumprimento da Constituição, proteger direitos fundamentais e resguardar os pressupostos de funcionamento da democracia e das instituições republicanas.

Além do mais, segundo o Ministro, não é possível extrair da Constituição, de forma inequívoca que possa justificar a concessão da liminar, o dever de a Casa legislativa apreciar as medidas provisórias em ordem cronológica de edição. A propósito, em hipótese análoga[3], o próprio Supremo já definiu que no que se refere à apreciação dos vetos do Presidente da República a projetos de lei, deve ser afastada a obrigatoriedade de “deliberação dos vetos presidenciais na sua ordem cronológica de comunicação ao Congresso Nacional”.

É bem verdade que o princípio fundamental da separação de poderes se assenta na independência e na harmonia entre os órgãos do Poder Político. Não obstante, a Constituição Federal prevê um mecanismo para controle mútuo, havendo, pois, um “estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem à coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados”[4].

No Brasil, esse sistema de controle é revelado, por exemplo, pelo poder que têm os órgãos do Judiciário de declarar a inconstitucionalidade do processo legislativo, seja pela iniciativa legislativa que têm, seja pela prerrogativa de solicitar urgência na tramitação de projetos de leis de suas iniciativas, etc[5].

O caso estudado nesse artigo versa sobre um mandado de segurança contra ato da Mesa da Câmara dos Deputados, mais especificamente do seu Presidente, portanto, não há questionamento quanto a competência originária do STF para julgá-lo, segundo dispõe o art. 102, I, d, da CF.

No entanto, com relação ao mérito do MS há que se observar dois aspectos importantes.

O primeiro deles é o fato de realmente não haver na Constituição, de forma líquida e certa, a justificar um provimento liminar, o dever de a casa legislativa apreciar as medidas provisórias em ordem cronológica de edição. Mesmo quando a matéria possa ser discutida por ocasião do julgamento de mérito, pois, inexiste precedente do Supremo Tribunal Federal nesse sentido.

Portanto, a meu ver, no caso não existe direito líquido e certo que possa ser garantido por meio de Mandado de Segurança. Requisitos esses que são indispensáveis para o cabimento do mandamus[6]

Um segundo aspecto importante a ser notado é a tentativa dos parlamentares de fazer com que o Judiciário interfira em ato discricionário do Poder Legislativo, qual seja de estabelecer a ordem cronológica de apreciação de medidas provisórias, o que viola o princípio fundamental da separação de poderes.

Aliás, tal pleito faz transparecer que os partidos não conseguiram articular politicamente com o Presidente da Câmara dos Deputados a ordem de votação das MP que estavam pendentes e por isso, numa tentativa arriscada, buscou seu pleito no Judiciário.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Em vista disso, na minha concepção, ao buscar tal pleito no STF os parlamentares incorreram em grave risco de judicializar a política, buscando interferência indevida do Judiciário no Legislativo.

Sendo assim, a decisão do Ministro Luís Roberto Barroso parece-nos ter sido acertada, pois, do contrário, seria mais um caso de Judicialização da Política o que é condenável à luz do ideal democrático e princípios fundamentais elencados na Constituição Federal.

 


[1] Supremo Tribunal Federal (stf.jus.br)

[2] Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. (...) § 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.  

[3] MS 31.816-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Red. p/ acórdão Min. Teori Zavascki, j. em 27.02.2013

[4] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999.

[5] CUNHA JR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed., Salvador: Editora Juspodivm, 2013.

[6] CUNHA JR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 7ª ed., Salvador: Editora Juspodivm, 2013.

Sobre o autor
Jamil Pereira de Santana

Mestre em Direito, Governança e Políticas Públicas pela UNIFACS - Universidade Salvador | Laureate International Universities. Possui pós-graduações em Direito Público (Constitucional, Administrativo e Tributário) pelo Centro Universitário Estácio e em Licitações e Contratos Administrativos pela Universidade Pitágoras Unopar Anhanguera. Atualmente cursa especialização em Direito Societário e Governança Corporativa pela Legale Educacional. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio da Bahia. É 1 Tenente R2 do Exército Brasileiro e membro ativo na Comissão Nacional de Direito Militar da ABA (Associação Brasileira de Advogados), além de integrar a Comissão Especial de Apoio aos Professores da OAB/BA. Compõe o Conselho Editorial da Revista Direitos Humanos Fundamentais da UNIFIEO e da Editora Mente Aberta. Atua como Professor de Direito Administrativo na Múltipla Difusão do Conhecimento, onde também coordena o curso preparatório para a 2 fase do Exame da OAB em Direito Administrativo. Advogado contratado pelas Obras Sociais Irmã Dulce, com experiência em Direito Administrativo e Militar.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!