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O DIREITO À SAÚDE E A RESERVA DO POSSÍVEL FRENTE À TUTELA JURISDICIONAL

Agenda 21/05/2021 às 08:36

O presente artigo analisa os limites impostos à prestação estatal do direito à saúde frente aos limites orçamentários, bem como em relação aos limites das decisões judiciais em impor ao Estado a prestação compulsória da saúde.

O DIREITO À SAÚDE E A RESERVA DO POSSÍVEL FRENTE À TUTELA JURISDICIONAL

RESUMO

O presente artigo analisa os limites impostos à prestação estatal do direito à saúde frente aos limites orçamentários, bem como em relação aos limites das decisões judiciais em impor ao Estado a prestação compulsória, abordando para tanto os posicionamentos dos Tribunais Superiores e os aspectos doutrinários controvertidos.

PALAVRA-CHAVE: “Direitos Sociais”. “Reserva do Possível”. “Limites à Jurisdicionalização”. “Imposição das decisões judiciais”.

ABSTRACT: This article analyzes the limits the state provision of the right to health in the budgetary limits and the limits on judicial decisions to impose the state compulsory provision by addressing both the positions of the High Courts and the controversial doctrinal aspects.

KEYWORD: Social Rights. Reserve possible. Limits on judicial nature. Enforcement of judgments

I INTRODUÇÃO

O direito à saúde está previsto na Constituição Federal de 1988 – CF, materializado no art. 196, que estabelece: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação”.

A localização topográfica do no texto constitucional encontra-se no Título VII, Capítulo II, da Saúde.

Conforme se observa no texto constitucional acima transcrito, e por força de determinações do legislador constituinte, o qual atribuiu a CF/88 natureza protecionista aos direitos dos administrados, é dever do Estado à garantia a saúde do cidadão, independente de sua posição social, nos termos do artigo 6º da Constituição Federal, dispõe que o direito à saúde é dever do estado, conforme a seguir transcrito:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)”.

Considerando o status constitucional do direito à saúde, e por ser fundamental a existência humana, o Estado criou o Sistema Único de Saúde – SUS, com o fito de promover a implementação de tal direito independentemente de qualquer contrapartida ou mesmo condição, ou qualquer distinção de tratamento e doença, ou seja, o sistema é universal[1].

Por está previsto na CF, o direito à saúde é tratado pela doutrina como um direito público subjetivo, de modo que a implementação é dever dos entes estatais de todas as esferas do Estado Brasileiro, seja a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Ademais, o art. 23, II, da CF[2], expressamente estabeleceu a competência comum quanto à responsabilidade na prestação da saúde, no sentido de que cada ente é responsável, de acordo com seu âmbito administrativo de prestar à adequada assistência aos administrados.

Tais normas que regulamentam o direito a saúde, são normas programáticas, i.e., que estabelecem as diretrizes para a atuação dos órgãos estatais, determinando os ditames que devem ser obedecidos para que se alcance a vontade do legislador constituinte.

Embora as normas que regulam os direitos à saúde detenham força constitucional e serem programáticas, a tutela deste direito social é muitas vezes obstado por limites orçamentários, sendo sempre sustentado pelo Gestor Público como o fator de impossibilidade no cumprimento dos serviços de saúde, tais como, fornecimento de medicamentos de alto custo, cirurgias, enfim, aqueles serviços que estão previstos como dever do Estado e não são ofertados.

Frente a tal cenário, o Judiciário muitas vezes passa a desempenhar, de forma atípica, a promoção de políticas públicas que obrigam a implementação por parte do Executivo, a efetivação deste direito a saúde a quem necessita.

Neste ponto, o presente ensaio fará uma abordagem sobre os Direitos Sociais, Direito a Saúde, a obrigação do Estado, a reserva do possível e a escassez de recursos materiais e humanos frente a obrigatoriedade da prestação de saúde e apresentado uma abordagem jurisprudencial sobre o tema.

II DIREITOS SOCIAIS

Os direitos sociais são desdobramentos da perspectiva de um Estado Social de Direito, o qual possui como marco a Constituição mexicana de 1991, a de Weimar na Alemanha, de 1919, iniciando no Brasil em 1934[3].

CUNHA (2008, p. 691) aduz que:

“Os direitos sociais surgiram na tentativa de resolver a profunda crise de desigualdade social que se instalou no mundo período pós-guerra. Fundados no princípio da solidariedade humana, os direitos sociais foram alçados a categorias jurídicas concretizadora dos postulados da justiça social, dependentes entretanto, da execução de políticas públicas voltadas a garantir amparo e proteção social aos mais fracos e pobres.”

 

O artigo 6º, da Constituição Federal de 1988, com a redação dada pelas Emendas Constitucionais nºs 26/200 e 64/2010, define os direitos sociais e dentre eles a saúde.

Consoante preleciona a doutrina de Alexandre de Moraes, ““Direitos Sociais são direitos fundamentas do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal.” (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 2002, p. 202).

Nesse sentido, a finalidade dos direitos sociais é tratada pela doutrina como sendo de dupla vertente, pois consistem em direito de natureza positiva e negativa. Os direitos de natureza positiva são aqueles que necessitam de uma prestação estatal, o Estado tem que movimentar a “máquina” pública para programar a prestação. No entanto, os de natureza negativa, são àqueles que o Estado deve se abster de praticar atos que intervenham no usufruto de tais direitos.

 

II.I DIRETO À SAÚDE

A Constituição Federal de 1988 inovou no âmbito do direito à saúde, tendo em vista que foi a primeira carta magna brasileira prevê expressamente tal garantia como fundamental e com ampla acesso. Anteriormente, as constituições brasileiras previam apenas de modo difuso, sem qualquer especificidade. Um exemplo foi a Constituição de 1824, que no TITULO 8º Das Disposições Gerais, e Garantias dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, no inciso XXXI, do art. 179, preconizava: “A Constituição tambem(sic) garante os soccorros(sic) publicos(sic).”

Destarte, figura-se a evolução e a valorização dos direitos trazida pela Carta Magna atual. Como é cediço, os gatos públicos estão adstritos ao orçamento previamente aprovado. Que por sua vez, devem está em consonância com a lei de diretrizes orçamentária e esta se alinhará ao lei que estabelece o plano plurianual. Neste sentido, todo gasto público deve ser devidamente planejado de modo a assegurar, primeiramente, os direitos consagrados como básico, v.g., saúde, educação e segurança. Contudo, o Estado Brasileiro investe menos em saúdo do que a média, cerca de 5 (cinco) vezes menos, conforme matéria veiculada no endereço eletrônico do Jornal Estadão[4], tomando como referência dados da Organização Mundial da Saúde – OMS. Diante de tal situação, o direito básico a saúde resta prejudicado, de modo que a reserva do possível figura como justificativa para o não cumprimento.

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O ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal, em sua doutrina, traz importante classificação dos elementos, de modo que segundo a constituição (previsão do art. 196), o direito à saúde possui 6 (seis) elementos, quais sejam:

  1. Direito de todos

A dimensão individual do direito à saúde foi destacada pelo Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, relator do AgR-RE n. 271.286-8/RS, ao reconhecer o direito à saúde como um direito público subjetivo assegurado à generalidade das pessoas, que conduz o indivíduo e o Estado a uma relação

jurídica obrigacional. Ressaltou o Ministro que “a interpretação da norma programática não pode transformá-la em promessa constitucional inconsequente”, impondo aos entes federados um dever de prestação positiva. Concluiu que “a essencialidade do direito à saúde fez com que o legislador constituinte qualificasse como prestações de relevância pública as ações e serviços de saúde (art. 197)”, legitimando a atuação do Poder Judiciário nas hipóteses em que a Administração Pública descumpra o mandamento constitucional em apreço.

Não obstante, esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas. Ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize. Há um direito público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde.

(2) dever do Estado:

O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).

O dever de desenvolver políticas públicas que visem à redução de doenças, à promoção, à proteção e à recuperação da saúde está expresso no art. 196. Essa é uma atribuição comum dos entes da federação, consoante art. 23, II, da Constituição.

(3) garantido mediante políticas sociais e econômicas:

A garantia mediante políticas sociais e econômicas ressalva, justamente, a necessidade de formulação de políticas públicas que concretizem o direito à saúde por meio de escolhas alocativas. É incontestável que, além da necessidade de se distribuírem recursos naturalmente escassos por meio de critérios distributivos, a própria evolução da medicina impõe um viés programático ao direito à saúde, pois sempre haverá uma nova descoberta, um novo exame, um novo prognóstico ou procedimento cirúrgico, uma nova doença ou a volta de uma doença supostamente erradicada.

 

(4) políticas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos:

Tais políticas visam à redução do risco de doença e outros agravos, de forma a evidenciar sua dimensão preventiva. As ações preventivas na área da saúde foram, inclusive, indicadas como prioritárias pelo art. 198, II, da Constituição.

O âmbito de abrangência dessas políticas públicas é bastante amplo. Pesquisas da Organização Mundial da Saúde indicam, por exemplo, uma direta relação entre saneamento básico e acesso à água potável e saúde pública. Políticas no sentido de melhorias na rede de esgotos reduziriam consideravelmente a quantidade de doenças e, consequentemente, os dispêndios com saúde no Brasil.

 

(5) políticas que visem ao acesso universal e igualitário:

O constituinte estabeleceu um sistema universal de acesso aos serviços públicos de saúde, o que reforça a responsabilidade solidária dos entes da federação, garantindo, inclusive, a “igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie” (art. 7º, IV, da Lei n.8.080/90).

Questão que pode ser incluída no rol das políticas para um acesso universal ao sistema de saúde é a quebra de patente de medicamentos. No Brasil, esta foi utilizada como forma de concretização de política pública, dando -se maior efetividade ao direito à saúde. Melhor exemplo é a quebra de patente de medicamentos para o tratamento da AIDS e o Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis. Antes de sua ocorrência, o deferimento de pedidos para a obtenção do “coquetel” para o tratamento da AIDS era extremamente comum no Supremo Tribunal Federal, e os custos com sua compra, elevados(6) ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde:

O estudo do direito à saúde no Brasil leva a concluir que os problemas de eficácia social desse direito fundamental devem-se muito mais a questões ligadas à implementação e manutenção das políticas públicas de saúde já existentes – o que implica também a composição dos orçamentos dos entes da federação – do que à falta de legislação específica. Em outros termos, o problema não é de inexistência, mas de execução (administrativa) das políticas públicas pelos entes federados.

Numa visão geral, o direito à saúde há de se efetivar mediante ações específicas (dimensão individual) e mediante amplas políticas públicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos (dimensão coletiva). Nessas perspectivas, as pretensões formuladas e formuláveis tanto poderão dizer respeito a atos concretos como a políticas e ações administrativas que contribuam para a melhoria do sistema de saúde, incluídas aqui as normas de organização e procedimento. (MENDES, GILMAR, 2014, págs. 588-590)

Nesse ponto, como demonstrado acima, o direito à saúde além de ser um comando constitucional, é imposto para que o Estado garanta ao indivíduo uma vida saudável em seu sentido mais amplo, por meio da política de prioridade em seu orçamento, a fim de aplicar um mínimo preestabelecido, conforme dispõe o §2º e inciso do artigo 198, CF/88, a fim de garantir efetivamente o acesso à saúde aos administrados. Esse é o entendimento de CUNHA (2008, p.699-700).

“O direito social á saúde é tão fundamental, por estar diretamente ligado ao direito à vida, que nem precisa de reconhecimento explicito. Nada obstante,a Constituição brasileira dispõe que é um direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem á redução dos riscos de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196)”.

 

III O PRINCÍPÍO DA RESERVA DO POSSÍVEL

 

NOVELINO (2013, pág. 621) define como:

A reserva do possível pode ser compreendida como uma limitação fática e jurídica oponível, ainda que de forma relativa à realização dos direitos fundamentais, sobretudo os de cunho prestacional.”

Nas palavras do saudoso professor, e em atendimento ao princípio da reserva do possível, é função do legislador, avaliar quais os interesses sociais deverá ser prioritariamente atendido em razão do orçamento.

Tal princípio teve seu nascedouro na Alemanha, por volta da década de 70 (setenta), sendo sinônimo da expressão reserva do financeiramente possível. O qual preleciona: “[…] o princípio da reserva do possível regula a possibilidade e a extensão da atuação estatal no que se refere à efetivação de alguns direitos sociais e fundamentais, tais como o direito à saúde, condicionando a prestação do Estado à existência de recursos públicos disponíveis.” (SILVA, LENY PEREIRA, disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/DIREITO_A_SA UDE_por_Leny.pdf.).

A Constituição Federal de 1988 veda expressamente a efetivação de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual (art. 167, inc. I), a realização de despesas que excedam os créditos orçamentários (art. 167, inc. II), bem como a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra ou de um órgão para outro, sem prévia autorização legislativa (art. 167, inc. VI).

Do conceito e das vedações legais acima se depreende que não basta à necessidade do administrado, a Administração deve possuir recursos suficientes para o atendimento do pleito. Logo, em razão de tais limitações, deverá o administrador na realização de tais políticas, e de acordo com o momento encontrado, realiza-las de acordo com as quais considere de maior importância.

Contudo, embora haja limitações ao administrador, e este tenha que sempre optar por aquilo que ache prioritário, muitas vezes tais aportes financeiros não são suficientes ao atendimento dos administrados, de modo que faz mister a intervenção do Judiciário na garantia do direito social. Porém, muito embora necessária, em tais intervenções os julgadores, conforme ensina Novelino, em seu curso Manual de Direito Constitucional, “Na perspectiva do demandante do direito social, devem ser analisados a proporcionalidade da prestação e a razoabilidade de sua exigência”(2013, pág. 623).

Nesse ínterim, é de bom alvitre trazer a ilação a importante decisão do Min. Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Pet.1.246-SC, vejamos:“: (...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana (20). Portanto, como ficou demonstrado, “o simples argumento de limitação orçamentária, ainda que relevantes e de observância indispensável para a análise da questão, não bastam para limitar o acesso dos cidadãos ao direito à saúde garantido pela Constituição Federal”

Portanto, o princípio da reserva do possível pode-se assim dizer, que corresponde a um sistema de freios e contrapesos estabelecido para regular as relações jurídicas nas quais o Estado não atenda os preceitos fundamentais, notadamente quanto ao direito à saúde, de modo que para ter a efetivação e garantia dos direitos à saúde, é necessário que exista uma previsão orçamentária para custear o direito pleiteado.

IV A JURISDICIONALIZAÇÃO DO DIREITO A SAÚDE

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, conforme já abordado neste artigo, descreve que a saúde “é dever de todos e obrigação do Estado”. Logo, pelo descrito na norma, é função do Estado à garantia de acesso a todos os administrados, não devendo ser encontrados obstes pelo usuário no acesso a tais serviços nem ao menos justificativa por parte do Estado para a não prestação. Entretanto, o Administrador, na efetivação dos direitos sociais, deverá fazê-lo em razões de sua discricionariedade e necessidade atual da sociedade, devido às limitações orçamentárias a ele impostas, atendendo assim ao Princípio da Reserva do Possível.

Diante dessa situação, trazidas em razão da obrigatoriedade do Estado na promoção de forma plena do direto a saúde, e a limitação imposta ao Gestor em razão da indisponibilidade orçamentária, e em razão da necessidade de muitos administrados em adquirir, por exemplo, serviços de saúde não fornecidos pelo Estado e essenciais a sua sobrevivência, cria-se nesse momento o fenômeno denominado de “jurisdicionalização” que ocorre quando há intervenção judicial na efetivação dos direitos sociais.

Em artigo publicado, cujo título é: Doutrina Da falta de efetividade à judicialização  excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, endereço eletrônico: http://bd.tjmg.jus.br/jspui/bitstream/tjmg/516/1/D3v1882009.pdf, acessado em 03.02.2017,  o Min. Luiz Roberto Barrozo, assim sintetiza as hipóteses em que o judiciário poderá intervir na efetivação do direito à saúde, in verbis:

[...] a atividade judicial deve guardar parcimônia e, sobretudo, deve procurar respeitar o conjunto de opções legislativas e administrativas formuladas acerca da matéria pelos órgãos institucionais competentes. Em suma: onde não haja lei ou ação administrativa implementando a Constituição, deve o Judiciário agir. Havendo lei e atos administrativos, e não sendo devidamente cumpridos, devem os juízes e tribunais igualmente intervir. Porém, havendo lei e atos administrativos implementando a Constituição e sendo regularmente aplicados, eventual interferência judicial deve ter a marca da autocontenção.

Contudo, cumpre ressaltar que tal fenômeno, conquanto o posicionamento acima ainda encontra resistência em parte da doutrana, embora de forma minoritária, de “que a interferência do Poder Judiciário nas demandas a serem produzidas por meio de políticas públicas é antidemocrática e incompatível com o princípio da separação dos poderes por significar uma usurpação de competência do Legislativo e Executivo.” (Novelino, Marcelo. 2013. Pág. 619).

NOVELINO (2013, p. 619), entende que:

 

“Os direitos sociais, na qualidade de direitos fundamentais, possuem uma dimensão subjetiva, conferindo aos cidadãos o direito de exigir do Estado determinadas prestações materiais”.

 

Assim, a argumentação da separação dos poderes não é adequado para se verificar a existência ou não de um direito. Esse argumento é respaldado pela jurisprudência pátria em julgamento proferido na ADPF MC 45/DF, de relatoria do Min. Celso de Mello, DJ 29.4.2004:

 

 EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).

Nesse sentido, embora possível à argumentação por parte do Estado sobre a reserva do possível, sempre que houver grave ameaça ao direito individual ou abusividade do Estado, deverá o judiciário intervir, a fim de garantir ao administrado a efetivação do seu direito.

Cumpre ressaltar que, conforme demonstrado, o objeto dos direitos sociais dependem de recursos financeiros, sujeitando-se assim, conforme leciona parte da doutrina a reserva do possível. No entanto, a escassez destes recursos não pode ser um impedimento ao cumprimento destes, quando estes forem essenciais à vida e a dignidade humana.

Esse é o entendimento CUNHA (2008, p. 713):

“Os problemas de “caixa” não podem ser guinados a obstáculos à efetivação dos direitos fundamentais sociais, pois imaginar que a realização desse direito depende de “caixas cheios” do Estado, significa reduzir a sua eficácia a zero (Ibedim, p.54), o que representaria uma violenta frustração da vontade constituinte e uma desmedida contradição do modelo do Estado de Bem-Estar Social.”

Portanto, embora defendido minoritariamente por parte da doutrina a existência de violação dos Poderes, e a possibilidade de alegação por parte do Estado quanto à aplicação do princípio da reserva do possível em sua defesa, é de se observar que a jurisdicionalização é legal e visa a proteger bem maior, qual seja, a vida e a dignidade humana, razão pela qual ser praticamente unânime a concessão da segurança ao administrado. Ademais, como demonstrado, a oponibilidade do mínimo existencial tomando como fundamento a reserva do possível não podem servir como sustentáculos para assegurar ao Estado a não efetivação da saúde por ser um direito que resguarda o bem mais precioso da humanidade que é a vida.

IV.I CRÍTICAS QUANTO A IMPLEMENTAÇÃO DA SAÚDE POR MEIO DE DECISÃO JUDICIAL

Segundo BARROSO (2009. pág. 10 a 13), há várias críticas quanto à implementação das políticas de saúde feitas pelo judiciário, dentre às quais se destacam duas (2):

A mais recorrente crítica doutrinária quanto à implementação da saúde por meio de decisões judicias se apoia no fato de que o texto constitucional que assegura o direito à saúde encontra-se esculpido, segundo a classificação de José Afonso da Silva, em uma norma de natureza programática, portanto, por ser espécie das normas de eficácia limitada, carecendo, segundo a redação do art. 194 da CF, de políticas públicas sociais e econômicas e não decisões judiciais.

Por conseguinte, há doutrina que sustenta a falta de legitimidade do Judiciário em impelir o Executivo a implementar certa política por faltar-lhe legitimidade democrática, na medida em que os representantes do povo, legitimamente eleitos, destarte, seus representantes, detêm a discricionariedade de efetivar o direito à saúde como melhor entenda dentro do orçamento por ele planejado e não caberia ao Judiciário interferir na vontade popular.

V CONCLUSÃO

Por fim, nota-se que os direitos sociais garantidos constitucionalmente não podem ser objetos de descuido ou desprezo por parte do Estado e seus Gestores sob a justificativa de falta de orçamento e recursos para o custeio dos mesmos, uma vez que estes recursos são normalmente mal planejados ou distribuídos e objetos de desvios e desmandos por partes daqueles que possuem a prerrogativa de geri-los.

Assim, o não atendimento desses direitos, principalmente àqueles relativos a saúde, e ao bem estar pleno do indivíduo, que possam ocasionar grave lesão ou ameaça ao administrado deverá sempre sofrer a intervenção judiciária.

Contudo, faz-se importante entender que não deverá ser a todo caso garantido o acesso a jurisdicionalização dos direitos sociais, devendo para tanto, haver uma analise casuística dos julgadores, que deverá decidi-lo sempre que convencido do grave risco e ameaça a que se encontram os administrados. Logo, cabe ao judiciário agir na inércia do Estado.

 

VI REFERÊNCIA

SILVA, Leny Pereira. Direito à saúde e o princípio da reserva do possível. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/processoAudienciaPublicaSaude/anexo/DIREITO_A_SAUDE_por_Leny.pd f.

Saraiva. MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. São Paulo, 4ª edição, 2009. Saraiva. NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. São Paulo. Ed. 2013. 8ª Edição. Método. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 05 Out 1988.

CUNHA JÚNIO, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador. Ed. 2008. Jus Podivm.

BARROSO. Luiz Roberto. Doutrina Da falta de efetividade à judicialização  excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, endereço eletrônico: http://bd.tjmg.jus.br/jspui/bitstream/tjmg/516/1/D3v1882009.pdf, acessado em 03.02.2017, 

Jornal Estadão. Endereço eletrônico:< http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,gasto-publico-do-brasil-com-saude-e-inferior-a-media-mundial,1686846.> Acesso em: 29.01.2017

BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Brasília, 16 jul. 1934.

 

 

[1] Universalidade é um dos princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde (SUS) e determina que todos os cidadãos brasileiros, sem qualquer tipo de discriminação, têm direito ao acesso às ações e serviços de saúde.

A adoção desse princípio fundamental, a partir da Constituição Federal de 1988, representou uma grande conquista democrática, que transformou a saúde em direito de todos e dever do Estado. Universalidade é um dos princípios fundamentais do Sistema Único de Saúde (SUS) e determina que todos os cidadãos brasileiros, sem qualquer tipo de discriminação, têm direito ao acesso às ações e serviços de saúde. Conceito extraído do endereço eletrônico da Fundação Owaldo Cruz – FIOCRUZ < http://pensesus.fiocruz.br/universalidade>. Acesso em: 01.02.2016.

[2] Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[...]

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

[3] Art 10 - Compete concorrentemente à União e aos Estados:

[...]

        II - cuidar da saúde e assistência públicas; 

[4] O governo brasileiro destina por ano à saúde de cada cidadão menos do que a média mundial. Os dados estão sendo publicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e apontam que mais da metade da conta da saúde de um brasileiro continua sendo arcada pelo bolso do paciente. Em média, os gastos públicos nos países ricos chega a ser mais de cinco vezes o que o Estado brasileiro oferece. Jornal Estadão. Endereço Eletrônico < http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,gasto-publico-do-brasil-com-saude-e-inferior-a-media-mundial,1686846>. Acesso em 02.02.2017.

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