RESUMO
O presente artigo tem por objetivo abordar a relevância da atividade empresarial para o próprio desenvolvimento do Estado, e seu importante papel como mecanismo apto a desenvolver a economia e toda a sociedade, a partir da existência de novos paradigmas e finalidades para sua perpetuação, que não somente o lucro. Nesta perspectiva, será objeto de destaque a função social que também deve desempenhar a empresa, diante da sua importância econômica e social, na medida em que que produz riquezas para o país, atuando como fonte de tributação e arrecadação para o Estado e renda para as pessoas, pois é fonte geradora de postos de trabalho, e é essencial para a estrutura organizacional e satisfação das necessidades humanas, revelando-se como um elemento subjetivo ao interesse privado do empresário ou dos sócios da empresa, que é a obtenção de lucro. Assim, será objeto de enfoque essa nova visão sobre a atividade empresária, que deve atender aos ditames da ordem social, assegurando a todos existência digna, obediência aos princípios gerais da atividade econômica, da solidariedade, na busca pelo bem-estar social, durante a produção e distribuição dos bens e produtos, pautando-se pela transparência e pela ética, não compactuando ou participando com qualquer forma de corrupção, em respeito aos novos princípios do Direito Comercial, da ética e boa-fé. Por outro lado, será abordado o compliance, sistema positivado no Brasil através das Leis 12.846/13 e 12683/2012, como ferramenta de autorregulação a ser implementada na atividade empresarial, visando atender aos preceitos de proceder ético na atividade empresarial, e também dar cumprimento à tratados internacionais dos quais o Brasil tornou-se signatário, comprometendo-se a adotar ferramentas eficazes de combate a corrupção em todas as esferas. O compliance será objeto de conceituação e analisadas suas funções, dentre as quais se encontra a prevenção, mediante orientação e fiscalização, do descumprimento de preceitos legais, garantindo que as normas existentes efetivamente sejam respeitadas e cumpridas durante o desenvolvimento da atividade empresarial, assim como as normas éticas e as regras internas da companhia.
PALAVRAS CHAVE: função social; compliance; empresa.
ABSTRACT
This article aims to approach the company as extremely important activity for the state of The purpose of this article is to address the relevance of business activity to the state's own development, and its important role as a mechanism capable of developing the economy and the whole society, from the existence of new paradigms and purposes for its perpetuation, which do not only profit. In this perspective, the social function that the company must play in relation to its economic and social importance, as it produces wealth for the country, acting as source of taxation and collection for the State and income for the people, since it is the source of jobs, and is essential for the organizational structure and satisfaction of human needs, revealing itself as a subjective element to the private interest of the entrepreneur or partners of the company, which is profit making. Thus, this new vision on business activity, which must meet the dictates of the social order, will be object of focus, assuring everyone a dignified existence, obedience to the general principles of economic activity, solidarity, the pursuit of social welfare, during the production and distribution of goods and products, based on transparency and ethics, not compromising or participating with any form of corruption, in compliance with the new principles of Commercial Law, ethics and good faith. On the other hand, compliance will be addressed, a system that has been enacted in Brazil through Laws 12,846 / 13 and 12683/2012, as a tool for self-regulation to be implemented in business activity, in order to comply with the ethical precepts of business activity, and also comply to international treaties to which Brazil has become a signatory, committing to adopt effective anti-corruption tools in all spheres. Compliance will be object of conceptualization and its functions analyzed, among which is the prevention, through orientation and inspection, of noncompliance with legal precepts, ensuring that the existing norms are effectively respected and fulfilled during the development of the business activity, as well as the ethical standards and the company's internal rules.
KEY-WORDS: social role; compliance; company.
1. INTRODUÇÃO
O desenvolvimento do presente artigo está baseado na análise atual da atividade empresarial, sua importância econômica e social, além do papel de protagonismo que a empresa atualmente desempenha no Estado Brasileiro, na medida em que muitas vezes possui mais capital agregado e valor econômico do que o próprio Estado, e deixou de ter como finalidade única e exclusiva o lucro, passando a também exercer uma função social.
E quando se fala em função social, o artigo também destacará a existência de um interesse coletivo na atividade empresarial, embora seja privada, que deve em alguns casos, prevalecer sobre o individual, na medida em que a propriedade e a empresa, possuem proteção, ante a sua relevância, desde que seja dada a ela função social na sua utilização, no caso da propriedade, ou no desenvolvimento de sua atividade, quando se referir a empresa.
A problemática então é definir, a partir de uma pesquisa bibliográfica e doutrinária, o novo papel da empresa e o espaço que hodiernamente ela ocupa no Estado, e a necessidade de que ela venha a cumprir uma função social, desprendendo-se de um único objetivo, que outrora era somente o lucro, na medida em que atualmente é uma das maiores fontes de produção de bens e serviços consumidos, de geração de emprego e renda, além do que é dela que provém a maior parte das parcelas de receitas fiscais.
Por outro lado, a realidade social atual, exige no desempenho da atividade empresarial, o cumprimento de novos princípios que foram inseridos no Direito Comercial, como o da ética e da boa-fé.
Para concretizar o atendimento da empresa e do empresário a esse novo panorama vivido atualmente, também será objeto de enfoque o compliance, que se apresenta como uma ferramenta capaz de possibilitar o controle e cumprimento pela empresa, de sua função social, ética e o respeito pela boa-fé.
O compliance tem sido objeto de muitos debates atualmente, justamente, por tratar-se de um sistema de autocontrole recentemente introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, pelas Leis 12.846/13 e 12683/2012, em razão de uma tendência mundial de levar as companhias a adotar programas eficientes de autocontrole de conduta.
Deste modo, o trabalho também destacará o compliance como programa de autocontrole e abordará as consequências positivas de sua implementação na atividade empresarial, revelando o quanto o programa pode contribuir, para que a empresa, a partir de sua implementação, venha a cumprir sua função social e deveres éticos, através da adoção de procedimentos eficazes de prevenção contra os mais variados tipos de irregularidades praticadas na atividade empresarial, além de primar pela transparência, pela boa-fé nas relações obrigacionais, pela ética e pelo cumprimento das Leis e normas internas das companhias, visando combater, inclusive pela autodenúncia, atos de corrupção.
Desse modo, o primeiro passo será destacar o novo papel que a empresa desempenha perante o Estado moderno, na medida em que é responsável por grande parte da produção e circulação de bens e serviços consumíveis, geração de postos de trabalho, e de receitas fiscais arrecadas pelo Estado.
Com efeito, diante dessa nova força desempenhada pela empresa e pelo empresário no Estado, que atualmente não pode ser estudada simplesmente como fonte geradora de lucro para um indivíduo, daí decorrendo seu único objetivo, será elemento de enfoque a função coletiva atualmente desempenhada, denominada pela doutrina como função social, que necessariamente deve ser objeto de análise, conjuntamente com novos paradigmas do Direito Comercial, como a boa-fé e a ética.
Posteriormente, será objeto de estudo o compliance como programa de autorregulação da atividade privada, destacando-se a sua finalidade e as consequências de sua implementação pelas companhias.
E na sequência, serão delimitados os possíveis reflexos da implementação do compliance pela empresa, como forma eficaz de auxiliá-la no cumprimento de sua função social, para ao final, concluir-se, sobre a possibilidade do compliance, a partir de sua previsão na ordem jurídica vigente, e implementação na atividade empresarial, ser considerado uma ferramenta apta a auxiliar as companhias no efetivo cumprimento de sua função social, na medida em que se trata de um programa de autocontrole, que busca efetivar o cumprimento das Leis do Estado e as normas da própria empresa, além de primar pela transparência e pela ética em todos os níveis da atividade empresarial.
2. O NOVO PAPEL DA EMPRESA NO ESTADO - A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E OS NOVOS PARADIGMA DA ATIVIDADE EMPRESARIAL
A empresa ganhou maior importância quando a classe burguesa ascendeu ao poder em 1789, momento em que foram implementados os ideais da revolução burguesa.
Desde então, com a expansão do capitalismo e o estimulo ao aumento do consumo, que levou também a necessidade de contratação de mais mão-de-obra para atender a procura, a empresa cada vez mais foi tomando notabilidade, tornando-se primordial para a manutenção do próprio sistema capitalista.
O Brasil, por sua vez, como a grande maioria das nações, adota o capitalismo como sistema econômico, fonte de produção e circulação de riquezas, inspirando-se atualmente no modelo norte-americano, destacando-se sobremaneira a atividade empresarial.
No que se refere ao conceito da atividade empresarial, o Código Comercial de 1850, destacava em seu artigo 9°, que a empresa era fundamentada no exercício efetivo do comércio, conceituação que, ao longo dos anos foi se mostrando deficiente, em razão de sua subjetividade e amplitude.
Com efeito, na década de 40 do século passado, com a entrada em vigor do Código Civil Italiano, adotou-se uma sistemática diferente em relação a empresa, na medida em que unificou-se em uma só legislação as disciplinas de Direito Civil e Comercial, mantendo-se, contudo, a autonomia da última, modelo que posteriormente veio a ser adotado no Brasil.
O principal marco do referido diploma legal Italiano, foi a nova concepção teórica utilizada para explicar a atividade empresária, denominada como teoria da empresa, capaz de aglutinar qualquer profissão econômica existente ou que ainda pudesse existir.
Segundo ensina o professor Waldirio Bulgarelli (1999, p.68) "nos dias que correm, transmudou-se (o direito comercial) de mero regulador dos comerciantes e dos atos de comércio, passando a atender à atividade, sob a forma de empresa, que é o atual fulcro do direito comercial".
Na elaboração do CC/2002, o legislador brasileiro, seguiu a orientação do italiano, destacando as figuras da empresa e do empresário, adotando oficialmente a teoria jurídica da empresa, para conceituar a atividade empresarial, ao destacar no artigo 96, que “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.
Com efeito, veja-se que o Código Civil conceituou o empresário, no entanto, a dificuldade da teoria da empresa é justamente conceituar a empresa, que para Fábio Ulhoa Coelho (2002, p.18),
Empresa é a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens e serviços. Sendo uma atividade, a empresa não tem natureza jurídica de sujeito, nem de coisa. Em outros termos, não se confunde com o empresário (sujeito) nem com o estabelecimento comercial (coisa).
Segundo Alberto Asquini (1996, 111), empresa:
“É o fenômeno econômico poliédrico, que tem sob o aspecto jurídico não um, mas diversos perfiz em relação aos diversos elementos que o integram. As definições jurídicas de empresa, podem, portanto, ser diversas, segundo o diferente perfil pelo qual o fenômeno econômico é encarado. Um é o conceito de empresa como fenômeno econômico; diversas as noções jurídicas relativas aos diversos aspectos do fenômeno econômico. Quando se fala genericamente de direito da empresa, de direito da empresa comercial, de direito da empresa agrícola, considera-se a empresa na sua realidade econômica unitária. Mas quando se fala da empresa em relação a sua disciplina jurídica, opera-se com noções jurídicas diversas, de acordo com os diversos aspectos jurídicos do fenômeno econômico”.
Uma vez conceituada a empresa, faz-se necessário destacar que a atividade empresarial pode ser exercida de duas formas, tanto de maneira individual, quando o empresário, sozinho, decide montar sua empresa e exercê-la sem o concurso de nenhum outro sócio, ou de forma coletiva, quando mais pessoas se juntam para formar uma sociedade para fins de exploração da atividade empresarial.
De outro vértice, de tão relevante para o Estado, ante ao papel econômico e social que desenvolve, a empresa foi lembrada na Constituição Federal de 1988, com dispositivos que ressaltaram a sua importância, destacando-se a livre iniciativa prevista tanto no artigo 1°, IV, como no caput do art. 170, como um dos fundamentos da ordem econômica, além do que também fez previsão no inciso IV, do mesmo artigo, sobre a livre concorrência, a fim de regular de maneira geral a atividade empresária, mostrando-se o constituinte preocupado com o seu bom desenvolvimento.
Desse modo, uma vez já destacado o surgimento da empresa, seu conceito atual e sua importância para o Estado, na medida em que inclusive mereceu proteção ao desenvolvimento de sua atividade na própria Constituição Federal, faz-se necessário destacar a questão atinente a função social, que também deve, conforme será especificado abaixo, ser desenvolvida pela empresa.
A ideia de função sócia, foi estabelecida pela primeira vez que se tem notícia, por São Tomás de Aquino, quando afirmou que os bens apropriados individualmente teriam um destino comum, que o homem deveria respeitar.
Com efeito, a ideia de função social no contexto jurídico, tornou-se relevante a partir da Constituição Federal Mexicana ne 1917, e alemã em 1919, quando denotaram a existência de uma conotação inclinada a função social da propriedade.
No Brasil, a Constituição de 1934 foi a primeira que dispôs acerca da função social da propriedade.
Conforme destaca Gustavo Tepedino (1999), foi com a promulgação da Constituição de 1988, chamada Constituição Cidadã, que se consagraram vários direitos sociais e restou claramente demonstrado o interesse do legislador constituinte em estabelecer proteção e mecanismos para atingir objetivos sociais bem definidos, atinentes à redução das desigualdades.
No contexto da Constituição de 1988, levando em consideração a importância atribuída a empresa e sua atividade, conjugada com a relevância também estabelecida aos direitos sociais e a contemplação do princípio da solidariedade, evidente que a partir deste contexto, a atividade empresarial passa a ter de desenvolver-se também com a finalidade de promover a justiça social, de forma a preocupar-se com valores que extrapolam o lucro e o interesse das minorias dominantes, não sendo crível encarar o liberalismo como liberdade absoluta, devendo não somente ser fonte de geração de riquezas para o empresário, devendo preocupar-se com o social e com o coletivo.
Mais especificamente, a função social também mereceu previsão constitucional, estando alocada nos incisos XXII e XXIII, no sentido de que “é garantido o direito à propriedade” e que “a propriedade atenderá a sua função social”.
Logo, entende-se que além de sua previsão específica na Magna Carta, relacionada a propriedade, em razão do princípio da solidariedade, também consagrado na Constituição Federal, a função social possui três vertentes mais comumente empregadas no Direito, segmentando-se em função social da propriedade, do contrato e da empresa.
Com efeito, em relação a função social da empresa, não existe divergência doutrinária considerável acerca da sua existência, em que pese inexistir disposição legal especifica, e do mesmo modo, é pacifico o entendimento de que a função social da empresa decorre da função social da propriedade, destacada nos termos acima.
Carvalhosa (1977, p.237), reconhece a função social da empresa, destacando que:
“Tem a empresa uma óbvia função social, nela sendo interessados os empregados, os fornecedores, a comunidade em que atua e o próprio Estado, que dela retira contribuições fiscais e parafiscais”.
No entanto, o ponto de divergência da doutrina, refere-se ao fato de a função social da empresa decorrer da função social da propriedade, em razão de ser a função social da propriedade um conceito mais abrangente, ou pelo fato de que a empresa representa a propriedade privada organizada de forma dinâmica.
Carlos Eduardo de Castro Palermo, destaca que incluem-se na proteção constitucional da propriedade, bens sobre os quais o titular não exerce nenhum direito real, como as pensões ou contas bancárias para depósito, também o poder de controle empresarial, que não pode ser qualificado como um direito real, razão pela qual há de ser incluído na abrangência do conceito constitucional de propriedade.
Por outro lado, Tullo Cavallazzi filho (1007, p.57), destaca que a indicação do dinamismo e a repercussão da atividade empresarial tem salutar importância para demonstrar que a empresa, como já previamente apresentado em seu conteúdo, não é um objeto ou bem corpóreo, mas sim, um conjunto de bens que, reunidos e movimentados pelo homem, realizam um determinado fim, tornando-se um desdobramento da propriedade privada, como importante papel no desenvolvimento da Ordem Econômica Nacional.
Logo, ainda há quem defenda que a função social da empresa independe da função social da propriedade, como é o caso de Rafael Vasconcellos de Araújo Pereira, que entende que o direito de propriedade é real, estando positiva em artigos outros que não disciplinam a atividade empresarial, razão pela qual a função social da propriedade e da empresa são independentes, de modo que mesmo que fosse derrogada a função social da propriedade, ainda assim, subsistiria a função social da empresa, que é sujeito de direitos e não objeto de direitos como a propriedade.
Contudo, independentemente de onde decorre a função social da empresa, fato é que a empresa deve desempenhar função social, não podendo restringir-se a ideia liberal de possuir como função precípua a obtenção de lucro, mesmo porque, a questão da função social e a busca por um estado social, são características marcantes da Constituição Federal de 1988, que destacou a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho como princípios fundamentas.
No direito italiano, Pietro Perlingieri (2007, p.220), destaca que o proprietário-empresário tem a obrigação de utilizar o bem e que sua atividade é livre, desde que o bem não fique inutilizado. Em sendo o bem utilizável, mas não lhe tenha sido dada destinação adequada, ele será utilizado no interesse da coletividade.
Em relação ao que especificamente consiste a função social da empresa, Carvalhosa (São Paulo, 1977), antes mesmo da Constituição de 1988, já destacava que se consideravam principalmente três as modernas funções sociais da empresa. A primeira refere-se às condições de trabalho e às relações com os colaboradores. A segunda, volta-se ao interesse dos consumidores. A terceira volta-se ao interesse do concorrente.
Com efeito, para fins de efetiva definição da função social da empresa, foi de crucial importância o texto do artigo 47, trazido com as inovações da Lei de recuperação judicial e falência sancionada em 2005, sendo certo que o referido dispositivo destacou expressamente, os objetivos a que se busca chegar com a função sócia da empresa: a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
A função social da empresa já foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, quando a Ministra Nancy Andrighi, ao relatar o Agravo Regimental no Conflito de Competência n.° 110.250 DF, chegou a conclusão de que:
“a função social da empresa exige sua preservação, nas não a todo custo. A sociedade empresária deve demonstrar ter meios de cumprir eficazmente tal função, gerando empregos, honrando seus compromissos e colaborando com o desenvolvimento da economia, tudo nos termos do art. 47 da Lei 11.101/05”.
Para Fábio Ulhoa Coelho (2002), a empresa estaria cumprindo sua função social quando gera empregos, tributos, riqueza, ao contribuir para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em que atual, de sua região ou do país, ao adotar práticas empresariais sustentáveis, visando a proteção do meio ambiente e respeitando o direito dos consumidores, desde que estritamente obedeça as leis a que se encontra sujeita.
Daniela Vasconcellos Gomes, (2006, p.63), afirma que a empresa mantém sua essência na produção e na circulação de bens e riquezas, porém seu papel está cada vez mais atrelado ao compromisso com a justiça social e a redução das desigualdades, não podendo se eximir de cumprir sua função social.
Dessa maneira, pode-se concluir que o foco de uma sociedade empresarial é gerar renda e riqueza para a sociedade, propiciando o crescimento de todos, através da produção, distribuição de seus produtos e consequentemente, a criação de empregos e o pagamento de tributos, respeitando-se sempre as Leis as quais está obrigada a cumprir.
A contrário senso, estaria, portanto, descumprindo a função social, o empresário que praticasse concorrência desleal, que sonegasse ou não recolhesse impostos, que violasse direitos trabalhistas e dos consumidores, utilizando-se dos meios de produção sem respeitar o meio ambiente, deixando de observar a saúde e segurança de funcionários e clientes, atuando de forma antiética e irresponsável no trato com o Estado, cometendo atos de corrupção ativa, dentre outras condutas, e procedesse ao descumprimento rotineiro das Leis, inclusive as que criminalizam determinadas condutas.
Nesse prisma, o empresário que atua de forma antiética e contrária a ideia de boa-fé, evidentemente não está cumprindo a função social da empresa, e certamente correrá sérios riscos em razão de sua atuação, seja pela mudança de ideia da sociedade acerca da necessidade de cumprimento de preceitos éticos pelas sociedades, seja pela crescente positivação de mecanismos aptos a combater as ações antiéticas, contrárias a ideia de Justiça e muitas vezes corruptas, adotadas por companhias.
É importante pontuar, que o Senado Federal recentemente, aprovou na comissão especial de reforma do Código Comercial (Projeto de Lei do Senado nº 487, de 2013), o texto que será submetido para votação no plenário da referida casa.
E do que importa para o tema em debate, o artigo 5°, inciso IV, positivará, em caso de aprovação, a ética e a boa-fé como princípios comuns a todas as divisões do Direito Comercial.
Significa que o legislador e os maiores juristas que se dedicam ao estudo do Direito Comercial, já estão convencidos da necessidade de se primar pela ética e a boa-fé nas relações submetidas ao âmbito de abrangência do Direito Comercial, situação que já é tendência mundial.
Tal situação se dá, porque em meio a tempos de escanda-los em companhias, sejam ligados a sua relação com os colaboradores, com fornecedores e com o Estado, a ética empresarial tem sido valorizada sobremaneira no mercado, e os incentivos para o proceder ético são cada vez mais evidentes.
A ética e a boa-fé nas relações empresariais atualmente são tidas como um valor, que ocorre quando se segue princípios morais, se cumprimento das normas, tanto as internas como as legais, se busca a justiça contratual, se atende as legítimas expectativas, e com isso, as empresas conseguem manter sua reputação e, consequentemente, seus resultados positivos no mercado.
Com efeito, uma das dificuldades de se implementar comportamentos e condutas que venham a atender a função social da empresa, respeitando-se a ética e a boa-fé, está intimamente ligada ao desconhecimento, daqueles que exercem a atividade empresarial, de ferramentas capazes de possibilitar o controle e a concretização de tais preceitos, dentre os quais, se encontra o programa de compliance, que abaixo será melhor abordado.
3. O COMPLIANCE COMO PROCEDIMENTO DE AUTORREGULAÇÃO
A palavra compliance origina-se do verbo inglês “to comply”, que significa cumprir, executar, satisfazer, realizar o que lhe foi imposto.
O compliance é originário do Direito norte-americano, que foi o primeiro país a comprometer-se com a luta contra a corrupção internacional, o que fez através do Foreing Corupt Practive Act, instituto que foi fortemente ampliado após a crise financeira de 2008. (Antonietto. Castro, 2014, p.2).
No contexto do Direito, o compliance é utilizado como um programa eficaz de prevenção de descumprimento pela empresa, de qualquer tipo normas vigentes, já no contexto empresarial, inclui-se a necessidade de regular preceitos éticos e dar cumprimento as normas internas da companhia.
O compliance pode ser definido como sendo um sistema implementado na empresa, capaz de prevenir mediante orientação e fiscalização dos colaboradores e diretores, o descumprimento de preceitos legais, garantindo que as normas existentes efetivamente sejam respeitadas e cumpridas durante o desenvolvimento da atividade empresarial, assim como as normas éticas e as regras internas das companhias.
Quando se destaca que o compliance se trata de um programa ou sistema de autorregulação ou autocontrole, é relevante partir da premissa de que o vocábulo controle está intimamente relacionado a diminuição de riscos e incertezas em relação a eventos futuros.
Diz-se que as coisas estão sobre controle, se o grau de dúvida em relação aos procedimentos de todas as atividades, e suas consequências, estão dentro de um limite tolerável. E quando o controle é realizado pela própria empresa, diz-se, autocontrole.
Desse mote, o autocontrole significa não correr riscos de descumprir marcos regulatórios estabelecidos pelo Estado e, no âmbito intra-empresarial, atuar de acordo com um procedimento conforme de conduta, que respeite as regras éticas e institucionais e seja implementado e cumprido pela própria companhia através do compliance.
De modo geral, o compliance ganhou maior notoriedade na medida em que as infrações cometidas pelas companhias no desenvolvimento da atividade empresarial passaram a ser punidas de forma mais rigorosa, com a sanções severas, sendo certo que em alguns países, inclusive, como é o caso do Brasil, existe previsão acerca da responsabilização criminal da pessoa jurídica em determinadas infrações, além da aplicação de multas com patamares extraordinários, situações que passaram a impactar nos resultados financeiros das companhias e até mesmo na atividade empresarial das companhias.
Neste prisma, a prevenção contra condutas que importem em infrações a legislação vigente e que desrespeitem as próprias normas de conduta das companhias, tornou-se necessária para a manutenção da imagem, credibilidade e para a própria sobrevivência da empresa, principalmente nos mercados mais competitivos.
Segundo destaca Coimbra (2010, p.6):
“O compliance constitui a base para o estabelecimento de uma cultura ética na empresa, cultura esta imprescindível à prevenção e redução de fraudes, que representam perdas financeiras para as organizações. Com efeito, uma organização que seja ética e que faça a difusão de uma cultura pautada na ética, por meio de um programa de compliance, tem menos problemas com fraudes. A cultura organizacional ligada à ética exerce uma clara influência sobre a integralidade dos funcionários. Assim, quanto mais profunda a cultura de integridade organizacional, menor a incidência de fraudes e outros comportamentos que representam desvios de recursos”.
Veja-se, que de acordo com os ensinamentos acima, a implantação do compliance como ferramenta de prevenção à prática de infrações dentro da atividade das companhias, acaba por ser primordial para que se implemente uma cultura ética no âmbito da empresa, o que é propiciado através da adoção de procedimentos comportamentais capazes de diminuir os risco de prejuízos financeiros para as companhias, seja por atos cometidos por colaboradores, seja pela ação dos diretores.
Como já destacado, a função precípua do compliance como ferramenta de autocontrole é fazer uma gestão dos riscos da atividade desenvolvida pelas companhias, que evidentemente são diminuídos quando se respeita a legislação do país, além de preceitos éticos e as regras internas da empresa.
O controle também tende a aumentar a eficácia da atividade empresarial, chegando ao objetivo almejado, a exemplo da diminuição de custos ou de tempo, de contingencias, com a adoção de procedimentos eficientes. É que os controles internos serão sempre mais eficazes se a companhia tiver segurança de que os objetivos operacionais da entidade estão sendo alcançados; as demonstrações financeiras estão sendo preparadas de maneira confiável; e as leis e regulamentos aplicáveis estão sendo cumpridas.
Nesta linha de perspectivas, é relevante destacar que o programa de compliance visa prevenir todos os tipos de irregularidades que possam ser praticadas no âmbito da atividade empresarial, sejam relacionadas a desvio de conduta, valores ou bens por colaboradores, ou diretores para proveito próprio ou para pagamento de propinas para agentes políticos.
Na prática diária da atividade empresarial, o programa de compliance deve ser destacado como uma área da companhia criada para cuidar do cumprimento das leis, dos regulamentos, das normas internas e dos padrões éticos de conduta, mediante a prevenção de comportamentos que venham a trazer temeridade para a empresa, seus clientes, colaboradores, quotistas, diretores, fornecedores e a sociedade de um modo geral, visando garantir que a atividade empresarial se desenvolva de forma contínua, com o menor risco possível e obedecendo preceitos éticos, além da boa-fé.
Na visão do BACEN(2007):
“A área de Compliance é assistir os gestores no gerenciamento do risco de compliance, que pode ser definido como o risco de sanções legais ou regulamentares, perdas financeiras ou mesmo perdas reputacionais decorrentes da falta de cumprimento de disposições legais, regulamentares, códigos de conduta etc”.
Outro ponto digno de nota, é o fato de ser traço marcante do programa de compliance a sua independência dentro da atividade empresarial, mesmo porque, a imparcialidade deve permear a relação entre o programa e as demais áreas da companhia, visto que as ações suspeitas, antiéticas e corruptas, além de serem prevenidas, quando constatadas, devem ser reprimidas e denunciadas pelo compliance, que deverá reportar todas as falhas de conduta verificadas, que venham de alguma forma a destoar de normas regulamentares do poder público ou da própria companhia.
De acordo com as ponderações acima, pode-se concluir que o programa de compliance visa dar cumprimento as normas legais, intra-empresariais e resguardar o cumprimento de preceitos éticos pela companhia. Se trata de um núcleo a ser implementado dentro da companhia, que obrigatoriamente deverá contar com imparcialidade e independência, em razão das características de sua função, primando por uma correta gestão de riscos, visando diminuí-los, através de ações de prevenção e combate a práticas corruptas e antiéticas e o cumprimento das normas legais e dos regulamentos internos das companhias.
4. O COMPLIANCE NO DIREITO BRASILEIRO
Uma vez destacado o compliance como mecanismo de autocontrole, assim como sua adoção como programa de controle interno das companhias, faz-se necessário neste momento, destacar a difusão do referido sistema no Brasil.
Em que pese ter passado a ser difundido no Brasil há pouco tempo, é relevante destacar que não é de hoje que os países desenvolvidos estão exigindo a adoção do programa de compliance pelas companhias que exercem atividade empresarial em seu território.
Conforme destacado anteriormente, os Estados Unidos, pioneiro em relação a implementação do compliance, já previa a necessidade de autocontrole das companhias em sua legislação desde 1977, sendo posteriormente seguido por outros países da Europa.
Com efeito, no Brasil, o compliance foi introduzido a partir da necessidade de alinhar-se a legislação dos países desenvolvidos e para dar cumprimento à tratados internacionais dos quais tornou-se signatário, tendo em vista que o aumento de investimento estrangeiro, em razão da globalização, têm exigido adequação das companhias que atuam no Brasil às diretrizes internacionais anticorrupção e de prevenção à prática de crimes relacionados à atividade econômica.
É relevante destacar que o primeiro setor a investir em programas de compliance no Brasil foi o bancário, e o cumprimento de tais normas teve início há menos de uma década.
No entanto, recentemente o Brasil sancionou duas Leis, sendo elas a 12683/2012 e 12.846/13, e ambas fizeram previsões expressas no sentido de ressaltar a necessidade de autocontrole das companhias, como forma de proteger a pessoa jurídica de penalidades impostas pelo Poder Público, ou no mínimo, atenuar as aplicadas.
O primeiro diploma legal acima destacado, promoveu sensíveis modificações na Lei de Lavagem de Dinheiro, sendo traço marcante da nova legislação a instituição obrigatória do sistema de compliance no âmbito de determinadas pessoas jurídicas que possuam como atividade primária ou secundária a atuação no âmbito do mercado financeiro.
Ao que parece, o intuito do legislador com a consagração do compliance na Lei de Lavagem de Dinheiro e Capitais, foi impedir, ou no mínimo dificultar, a lavagem de dinheiro e a ocultação de bens e de valores, impondo as pessoas jurídicas elencadas na legislação a adoção de políticas e programas de autocontrole interno, compatíveis com sua estrutura operacional e atuação no mercado.
Lado outro, em relação a Lei Anticorrupção, nela consta previsão expressa de que havendo transgressão a referida norma, ou seja, apurando-se a prática de corrupção através das ações descritas no artigo 5° da referida Lei, que destaca as condutas consideradas como ato lesivo a administração pública nacional e estrangeira, quando for aplicada a penalidade prevista, de acordo com o artigo 7°, VIII, do mesmo diploma, deverá ser levado em consideração a existência ou não de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.
Levando em consideração as questões acima pontuadas, resta claro que o Brasil através da edição de legislações prevendo a necessidade e concedendo benefícios em caso de implementação de programas de autocontrole nas companhias, acabou por demonstrar a preocupação com a matéria, seja porque está obrigado a dar cumprimento à tratados internacionais que firmou, conforme será destacado abaixo, ou em razão da necessidade de adequar-se as práticas internacionais, principalmente em uma economia periférica, que ainda depende sobremaneira do capital externo.
Com efeito, atualmente no Brasil, mesmo com a previsão expressa em algumas legislações, os programas de compliance estão implementados, salvo casos isolados, somente nas companhias que correm maior risco de crises institucionais e de imagem, ou então, quando os órgãos de regulação externa exigem a criação do setor.
Segundo o professor Antonietto Castro, (2014, p.7), a implantação do compliance no Brasil, através da sanção das Leis acima mencionadas e de regulamentação de órgãos de controle externo, além da tendência global já mencionada, também é proveniente de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no combate à corrupção, devendo ser tomado por exemplo; a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto 5.687/2006; Convenção Interamericana contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto 4.410/2002; e a Convenção Sobre o Combate da Corrupção dos Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, promulgada pelo Decreto 3678/2000.
A partir das ponderações acima, em relação aos motivos que levaram a regulamentação acerca da necessidade de implementação do compliance em determinadas áreas da atividade empresarial, pode-se concluir que tal situação decorre tanto do fato de o Brasil ter firmado tratados internacionais se comprometendo a combater a corrupção, como pela tendência dos países desenvolvidos de exigir das companhias a obediência de programas eficazes de conduta.
5. CONCLUSÃO.
Pela análise das questões postas acima, se pode verificar que a doutrina e os tribunais pátrios, têm entendido que atualmente a empresa assumiu um papel de protagonismo, mesmo porque, algumas empresas são até mesmo maiores do que Estados inteiros, em se tratando de patrimônio acumulado e faturamento.
Assim, não há como se prender em uma visão estática da empresa, é preciso se ter em mente que diante da sua importância, a atividade empresarial não pode ser desenvolvida única e exclusivamente visando a obtenção de lucro, daí surgindo, conjuntamente com os novos preceitos constitucionais estatuídos na Constituição Federal de 1988, a exemplo do princípio da solidariedade, da dignidade da pessoa humana, e da função social da propriedade, a ideia de que a empresa também deve cumprir uma função social, agir com ética e em respeito a boa-fé, tamanha a sua importância atualmente.
E como também restou destacado, a empresa cumpre a sua função social, na medida em que respeita seus colaboradores e os direitos a eles inerentes, os consumidores e os direitos a eles inerentes, quando recolhe tributos corretamente, deixando de sonega-los, utiliza os meios de produção em atendimento a normas ambientais, cumpre um papel ético, respeitando as legislações vigentes e as próprias normas internas da empresa.
Não se está a desvirtuar a finalidade da empresa, que evidentemente possui o lucro como fator preponderante de sua atuação, no entanto, o lucro, diante da nova sistemática destacada acima, não pode ser considerado o único objetivo da empresa.
Lado outro o compliance se apresenta como um sistema de autocontrole, que visa diminuir riscos, na medida em que atua no sentido de levar a empresa a respeitar as legislações do poder público e suas normas internas, no desenvolvimento de suas atividades, primando pelo respeito aos direitos trabalhistas, dos consumidores, a livre concorrência, desde que leal, e ao respeito aos princípios da administração pública no trato com o Estado, evidentemente é uma ferramenta eficaz na busca pelo cumprimento da função social pela empresa.
Evidentemente, que se implantado o sistema de compliance na empresa, a tendência é que se atendidos os ditames necessários para seu emprego correto, a empresa respeite as legislações trabalhistas, primando pelo bem estar de seus colaboradores, atue de forma diligente na produção e comercialização dos bens de produção ou na prestação de serviços, atendendo os interesses e direitos dos consumidores e as leis ambientais, além de recolher corretamente os tributos, já que a função do compliance é diminuir os riscos da empresa, através do cumprimento das Leis.
Analisando-se os objetivos que se almeja com a ideia de atribuir função social à empresa, verifica-se que eles coincidem em vários pontos com aqueles que o compliance officer também busca tutelar, na medida em que a efetiva diminuição dos riscos passa pelo respeito as mais variadas legislações e normas internas da companhia.
Dessa forma, se pode concluir que a implementação do programa de compliance officer é uma feramente eficaz na busca de que a empresa venha a efetivamente cumprir a sua função social.
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