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Elementos fático-jurídicos da relação de emprego

Agenda 26/05/2021 às 16:18

Trata-se de um artigo que reflete sobre a conjuntura estrutural na relação de emprego, buscando entender se os elementos que caracterizam o vínculo de emprego são suficientes para continuar conceituando as relações laborais nos dias atuais.

Introdução

 

            Existe diferença entre relação de trabalho e a relação de emprego, aquela trata de forma mais ampla a relação, como sendo qualquer relação em que se tenha uma pessoa física prestadora de serviço à outra pessoa física ou jurídica, a relação de emprego observa de forma mais restritiva, pois nessa relação compete apenas os serviços prestados sobre condições determinadas que versam sobre as normas protetiva trabalhista, portanto, nem todo trabalhador tem relação de emprego.

Na obra de Sergio Pinto Martins[1], Carnelutti é citado sobre o tema contrato de trabalho, este entendia que o contrato de trabalho tem natureza de venda e compra. O salário era o preço do serviço e o trabalho a energia ou mercadoria vendida, como ocorre com a energia elétrica. O objeto do contrato de trabalho seria como a energia despendida pelo trabalhador, que dele se desprende com o exercício do mister, não retornando à fonte de que se originou, assim como a energia elétrica.

Martins não concorda com o posicionamento de Carnelutti, criticando que: “na verdade, não se trata de venda e compra, pois o trabalho não é mercadoria. Deve-se considerar a dignidade da pessoa humana que trabalha”.

            Ocorre diversas divergências acerca do conceito nominal e formal das relações laborais, mas se atentaremos neste artigo sobre a relação de emprego na diferenciação anteriormente explanada.

 

Relação de Emprego

 

Em qualquer relação jurídica existe os sujeitos, o objeto e o negócio jurídico que vinculam as partes, os elementos que caracterizam o vínculo empregatício, são os norteadores para entender tal relação, portanto, a relação de emprego ocorre entre no mínimo duas partes, de um lado o empregador e do outro o empregado, o conceito daquele, conforme o caput art. 2º da CLT, é: “considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços” e no caput do art. 3º, também da CLT, conceitua-se o empregado, como sendo toda pessoa física que presta serviço de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Podemos destacar brevemente o conceito dessa relação jurídica existente a luz do art. 11 do Código do Trabalho português[2], sendo “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.

Esclarece o caput do art. 442 da CLT, que: “contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego” o qual recebe críticas por mencionar contrato individual de trabalho, sendo que poderá ocorrer relação de forma pluralista.

Têm como requisitos caracterizadores da relação de emprego, o trabalho realizado por pessoa física, sendo tal trabalho realizado de forma pessoal, não eventual, havendo onerosidade, subordinação e alteridade.

O objeto direto do contrato de trabalho é, segundo Sergio Pinto Martins[3], a prestação de serviço subordinado e não eventual do empregado ao empregador, mediante o pagamento de salário. O trabalho autônomo prestado a uma pessoa física ou jurídica, não gera o contrato de trabalho, pois não há subordinação, logo, deve-se coexistir os elementos caracterizadores da relação, caso falte um elemento resta afastada a relação de emprego.

Maurício Godinho Delgado[4] completa:

 

Relação de trabalho versus Relação de emprego – A Ciência do Direito enxerga clara distinção entre relação de trabalho e relação de emprego. A primeira expressão tem caráter genérico: refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível. A expressão relação de trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de trabalho autônomo eventual, de trabalho avulso e outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de estágio, etc.). Traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as formas de prestação de trabalho existente no mundo jurídico atual.

A relação de emprego do ponto de vista técnico-jurídico é apenas uma das modalidades específicas de relação de trabalho juridicamente configuradas. Corresponde a um tipo legal próprio e específico, inconfundível com as demais modalidades de relação de trabalho ora vigorantes.

 

Elementos fático-jurídicos

 

            Os elementos - aqui compreendidos como requisitos - que caracterizam uma relação de emprego são: trabalho realizado por pessoa física, pessoalidade, não eventualidade, onerosidade, subordinação e alteridade. Tais elementos devem ser coexistentes para se configurar o vínculo empregatício, ou seja, na falta de qualquer um desses elementos resta descaracterizado a relação empregatícia.

            Leciona Mauricio Godinho Delgado[5]:

 

De Fato a relação empregatícia, enquanto fenômeno sociojurídico, resulta da síntese de um diversificado conjunto de fatores (ou elementos) reunidos em um dado contexto social ou interpessoal. Desse modo, o fenômeno sociojurídico da relação de emprego deriva da conjugação de certos elementos inarredáveis (elementos fático-jurídico), sem os quais não se configura a mencionada relação.

 

            Quanto ao trabalho ser realizado por pessoa física, Godinho[6] diz: “a prestação de serviços que o Direito do Trabalho toma em consideração é aquela pactuada por uma pessoa física (ou natural). Os bens jurídicos (e mesmo éticos) tutelados pelo Direito do Trabalho (vida, saúde, integridade física e psíquica, segurança, igualdade em sentido substancial, bem estar, lazer, etc.) importam à pessoa física, não podendo, em grande parte, ser usufruídos por pessoas jurídicas. Assim, a figura do trabalhador há de ser, sempre, uma pessoa natural”. Portanto, é absoluto o entendimento que para ser empregado, necessariamente deverá ser pessoa física.

            Entende-se que o contrato de trabalho é intuitu personae, devendo o serviço ser realizado por certa e determinada pessoa, não podendo ser substituído por outra pessoa, pois o vínculo de emprego poderia recair sobre esta que prestou o serviço.

 

Maurício Godinho Delgado[7] comenta:

 

É essencial à configuração da relação de emprego que a prestação do trabalho, pela pessoa natural, tenha efetivo caráter de infungibilidade, no que tange ao trabalhador. A relação jurídica pactuada – ou efetivamente cumprida – deve ser, desse modo, intuitu personae com respeito ao prestador de serviços, que não poderá, assim, fazer-se substituir intermitentemente por outro trabalhador ao longo da concretização dos serviços pactuados. Verificando-se a prática de substituição intermitente – circunstância que torna impessoal e fungível a figura específica do trabalhador enfocado – descaracteriza-se a relação de emprego, por ausência de seu segundo elemento fático-jurídico.

 

            Vólia Bomfim Cassar[8] escreve:

 

A pessoalidade pretendida pelo legislador vincula-se à repetição no tempo dos serviços por um mesmo trabalhador, isto porque o fato de uma mesma pessoa ter executado o serviço comprova que o contrato foi dirigido à pessoa do trabalhador e não aos serviços, impedindo assim que qualquer outro possa executá-lo.

 

            Surge algumas correntes doutrinárias quanto a terminologia para definir o sentido de não eventualidade, o art. 3º da CLT traz a expressão “não eventual”. A legislação estabelece como sendo “não eventual” toda atividade normal do empregador. Sergio Pinto Martins[9] utiliza da expressão “continuidade”, que em seu entendimento a continuidade é da relação jurídica, da prestação de serviços e que certos contratos se exaurem com uma única prestação, como ocorre com a venda e compra, em que, entregue a coisa e pago o preço, há o término da relação obrigacional, sendo que no contrato de trabalho não é isso que ocorre, pois há um trato sucessivo na relação entre as partes, que perdura no tempo.

Ainda no tema da não eventualidade (continuidade), devemos destacar a relativização/flexibilização, que trouxe sobre o tema, a lei 13.467/2017 (reforma trabalhista), o legislador, afim de buscar garantir a manutenção e geração de emprego formal, ainda que de outro ponto de vista houve uma certa precarização,  incluiu um novo tipo de contrato, chamado contrato de trabalho intermitente, o §3º do art. 443 da CLT possui redação exemplificativa ao dizer que “considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria”. Observada a inovação do legislador brasileiro quanto ao tema, na relação de emprego, houve então, uma flexibilização no reconhecimento do vínculo, ou seja, resta claro que, na modalidade de contrato intermitente, não há continuidade do trabalho e pode não existir a habitualidade também.

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            É considerado trabalho intermitente aquele serviço prestado, com subordinação, porém não contínuo, ocorrendo uma alternância entre os períodos de prestação do serviço e a inatividade, sendo determinado em horas, dias ou meses, assim agrega sob o tema Sergio Pinto Martins[10]:

 

O contrato intermitente serve para contratar garçons extras quando há necessidade em razão de maior movimento em buffets ou restaurantes.

Não é possível que o empregado seja contratado pelo trabalho intermitente para trabalhar todo sábado e domingo, em razão do maior movimento da empresa. Nesse caso, não há trabalho intermitente, mas contínuo.

 

            Essa modalidade de contrato (contrato de trabalho intermitente) distingue-se do trabalho eventual, sendo este conceituado na alínea g do inciso V da lei 8.212/91: “aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego”, portanto, o trabalhador eventual é a pessoa natural que presta serviços esporádicos a uma ou mais pessoas, Martins[11] complementa:

 

Para a teoria do evento, eventual é o trabalhador contratado para trabalhar em certo evento ou obra. O trabalhador deve prestar serviços em razão de necessidade esporádica de trabalho, ocasional, episódica, incerta em relação ao tomador de serviços. Ex.: o eletricista que repara a instalação elétrica da empresa.

Para a teoria dos fins da empresa, eventual é o que trabalha numa atividade que não coincide com os fins da empresa.

 

            A diferença entre o empregado intermitente e o trabalhador eventual, que, no primeiro momento aparenta semelhança, contudo não são iguais, em resumo, o trabalho eventual não gera o vínculo empregatício, pois, ele é realizado por evento e não se utiliza no escopo final da pessoa contratante, o que já ocorre nos contratos intermitentes, sendo possível, o empregado ser chamado para executar função de atividade fim da empresa em período intercalado, havendo subordinação e todos os demais elementos fático-jurídico, e com isso, reconhecido o vínculo empregatício e consequentemente as verbas trabalhista são devidas.

            Onerosidade é o inverso de gratuidade, se gratuito for, a prestação do serviço será serviço voluntário conforme tipificado no paragrafo único do art. 1º da lei nº 9.608/1998[12], não havendo vínculo de emprego, portanto, o contrato de trabalho não é gratuito. A onerosidade é a contraprestação pecuniária pela disponibilização do tempo do empregado. O empregado tem o dever de prestar serviços e o empregador o de efetuar o pagamento de salário pelos serviços prestados.

            Alteridade refere-se, pelo fato de o empregado prestar serviço por conta alheia, está intrinsicamente ligado ao risco do negócio ser alheio ao interesse do empregado, e essa característica de assunção dos riscos é também conhecida pela denominação alteridade onde alter significa outro e -i- dade qualidade, isto sendo, a qualidade do outro que está alheio a sua pessoa, Sergio Pinto Martins[13] expressa:

 

O empregado presta serviços por conta alheia (alteridade). Alteridade vem de alteritas, de alter, outro. É um trabalho sem assunção de qualquer risco pelo trabalhador. O empregado pode participar dos lucros da empresa, mas não dos prejuízos.

O parágrafo único do art. 6º da CLT mostra que empregado é o que presta serviços por conta alheia e não por conta própria, ao usar a expressão “supervisão do trabalho alheio”.

 

            Maurício Godinho Delgado[14] complementa:

 

A característica da assunção dos riscos do empreendimento ou do trabalho consiste na circunstância de impor a ordem justrabalhista à exclusiva responsabilidade do empregador, em contraponto aos interesses obreiros oriundos do contrato pactuado, os ônus decorrentes de sua atividade empresarial ou até mesmo do contrato empregatício celebrado. Por tal característica, em suma, o empregador assume os riscos da empresa, do estabelecimento e do próprio contrato de trabalho e sua execução.

 

Encontra-se formado no art. 3º da CLT, o conceito de empregado, destaco, portanto, a subordinação, como sendo a dependência do empregado em relação ao empregador, quanto ao entendimento da subordinação leciona Martins[15] no seguinte sentido:

 

O obreiro exerce sua atividade com dependência ao empregador, por quem é dirigido. O empregado é, por conseguinte, um trabalhador subordinado, dirigido pelo empregador. O trabalhador autônomo não é empregado justamente por não ser subordinado a ninguém, exercendo com autonomia suas atividades e assumindo os riscos de seu negócio.

 

            Demonstra-se a subordinação na relação de emprego, quando através do poder de direção empresarial existente, ficando o empregado, limitado a acolher as ordens de hierarquia superior, realizando assim, sua prestação de serviço. É clara nesses casos a limitação de sua autonomia de vontade, atribuindo então, ao empregador o poder de direção na função que cumprirá. Mauricio Godinho Delgado[16] completa:

 

A subordinação, como qualquer fenômeno social, tem sofrido ajustes e adequações na realidade do mundo do trabalho, quer em virtude de novas percepções aferidas pela ciência do Direito acerca desse crucial elemento fático-jurídico da relação empregatícia. Três dimensões principais, nesse contexto, destacam-se com relação ao fenômeno: a clássica, a objetiva e a estrutural.

Clássica (ou tradicional) é a subordinação consistente na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o trabalhador compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no tocante ao modo de realização de sua prestação laborativa. Manifesta-se pela intensidade de ordens do tomador de serviços sobre o respectivo trabalhador. É a dimensão original da subordinação, aquela que mais imediatamente na história substituiu a anterior servidão na realidade europeia, propagando-se genericamente pelo capitalismo disseminado nas décadas e séculos seguinte. Continua, hoje como a mais comum e recorrente modalidade de subordinação, ainda bastante destacada nas relações socioeconômicas empregatícias.

Objetiva é a subordinação que se manifesta pela integração do trabalhador nos fins e objetivos do empreendimento do tomador de serviços ainda que afrouxadas.

Estrutural é, finalmente, a subordinação que se expressa “pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente sua dinâmica de organização e funcionamento”[17]. Nesta dimensão da subordinação, não importa que o trabalhador se harmonize (ou não) aos objetivos do empreendimento, nem que receba ordens diretas das específicas dinâmica operativa da atividade do tomador de serviços.

A conjugação dessas três dimensões da subordinação – que não se excluem, evidentemente, mas se completam com harmonia – permite se superarem as recorrentes dificuldades de enquadramento dos fatos novos do mundo do trabalho ao tipo jurídico da relação de emprego, retomando-se o clássico e civilizatório expansionismo do Direito do Trabalho. Na essência, é trabalhador subordinado desde o humilde e tradicional obreiro que se submete à intensa pletora de ordens do tomador ao longo de sua prestação de serviços (subordinação clássica ou tradicional), como também aquele que realiza, ainda que sem incessantes ordens diretas, no plano manual ou intelectual, os objetivos empresariais (subordinação objetiva), a par do prestador laborativo que, sem receber ordens diretas das chefias do tomador de serviços e até mesmo nem realizar os objetivos do empreendimento (atividades-meio, por exemplo), acopla-se, estruturalmente, à organização e dinâmica operacional da empresa tomadora, qualquer que seja sua função ou especialização, incorporando, necessariamente, a cultura cotidiana empresarial ao longo da prestação de serviços realizada (subordinação estrutural).

Essa moderna e renovada compreensão do fenômeno da subordinação, que efetivamente possui nítido caráter multidimensional, tem sido percebida não só pela doutrina e jurisprudência mais atentas e atualizadas, como também pelo próprio legislador. Nesta linha despontou a Lei n. 12.551, de 15.12.2011, conferindo nova redação ao caput do art. 6º da CLT[18] e lhe agregando novo parágrafo único, de modo a incorporar, implicitamente, os conceitos de subordinação objetiva e de subordinação estrutural, equiparando-os, para os fins de reconhecimento da relação de emprego, à subordinação tradicional (clássica), que se realiza por meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Desse modo, o novo preceito da CLT permite considerar subordinados profissionais de comando, controle e supervisão. Esclarece a regra que os “...meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”. Ora, essa equiparação se dá em face das dimensões objetiva e também estrutural que caracterizam a subordinação, já que a dimensão tradicional (ou clássica) usualmente não comparece nessas relações de trabalho à distância.

A compreensão dessas três dimensões do fenômeno subordinativo (a tradicional, a objetiva e a dimensão estrutural) não somente permite adequar o conceito jurídico, pela via interpretativa, às modificações da realidade, renovando o necessário expansionismo do ramo juslaborativo, como também relativiza a utilidade de fórmulas jurídicas restritivas de direitos sociais e fundamentais. Demonstra, ademais, a elevada capacidade de adaptação do Direito do Trabalho aos desafios das cambiantes sociedade e economia capitalistas.

 

Portanto, em resumo, Godinho continua:

 

No Direito do Trabalho a subordinação é encarada sob um prisma objetivo: ela atua sobre o modo de realização da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador. É, portanto, incorreta, do ponto de vista jurídico, a visão subjetiva do fenômeno, isto é, que se compreenda a subordinação como atuante sobre a pessoa do trabalhador, criando-lhe certo estado de sujeição (status subjectiones). Não obstante essa situação de sujeição possa concretamente ocorrer, inclusive com inaceitável frequência, ela não explica, do ponto de vista sociojurídico, o conceito e a dinâmica essencial da relação de subordinação. Observe-se que a visão subjetiva, por exemplo, é incapaz de captar a presença de subordinação na hipótese de trabalhadores intelectuais e altos empregados.

 

Para Godinho[19], a natureza da subordinação, é pacificada na teoria justrabalhista, o fenômeno da subordinação, classificando-a, inquestionavelmente, como um fenômeno jurídico, derivado do contrato estabelecido entre trabalhador e tomador de serviços, pelo qual o primeiro acolhe o direcionamento objetivo do segundo sobre a forma de efetuação da prestação do trabalho.

 

Pejotização

 

As alterações legislativas sofridas na esfera trabalhista, trouxe discussões acerca da terceirização na atividade fim das empresas, vieram à tona, chegando ao Supremo Tribunal Federal, através do julgamento do Recurso Extraordinário, com repercussão geral reconhecida nº RE-958.252[20], entendeu na possibilidade de terceirizar para qualquer exercício de atividade não segregando a atividade meio da atividade fim.

O ingresso da lei 11.196/2005 no ordenamento jurídico pátrio, trouxe o fenômeno da “pejotização” onde viabilizada pelo art. 129, in verbis:

 

Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil. 

 

O art. 129 da referida lei foi objeto de julgamento no STF de Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 66 declarada constitucional, portanto, tema superado por ora.

Em sua tese de mestrado o Prof. Leone Pereira[21] diz: “com a previsão legal, diversos empregadores passaram a contratar mão de obra para a prestação de serviços intelectuais, sob a máscara de pessoa jurídica, sem relação de emprego, desrespeitando dessa forma, os princípios basilares do Direito do Trabalho”, narra ainda que, “os empregadores-contratantes alegam que, o trabalhador, por livre iniciativa e vontade, aceita a condição de prestador de serviço ao constituir pessoa jurídica e assinar contrato de prestação de serviços”.

Quando se exige a abertura de pessoa jurídica ao trabalhador, para que esse exerça as mesmas atividades na forma pessoal, onerosa, não eventual, subordinada e com alteridade, é clara a vontade do empregador em fugir da área trabalhista, o que acontece é que, se demonstrada os elementos que configurem a fraude, restará prejudicado toda a “encenação” da relação entre pessoas jurídicas e o empregado terá seu vínculo de emprego reconhecido, a luz do princípio da primazia da realidade, onde os fatos prevalecem sobre a forma.

Essa prática fere inúmeros princípios do direito do trabalho, traz a luz a precarização do trabalho e desequilibra a relação empregatícia, pois, há o chamado “despotismo” no âmbito da relação laboral, não restando alternativas ao empregado, a não ser, acatar e constituir pessoa jurídica para manter seu emprego, perdendo assim direitos como 13º salário, férias remuneradas, FGTS, assistência médica, vale transporte, seguro-desemprego, licença maternidade, entre outros benefícios. O tema precarização do trabalho ganhou força com a vigência da lei 13.467 em 11 de novembro de 2017.

 

Reflexão sobre os elementos

 

O Direito do Trabalho possui o escopo de equiparar forças, entre o capital e a mão de obra, o capital por sua vez, possui o recurso financeiro, a compensação para se elevar os trabalhadores em busca por uma maior igualdade, é justamente no plano jurídico, concedendo-os uma proteção através da legislação trabalhista.

Por detrás de toda a roupagem das relações de emprego, os empregadores não só deverão buscar obter lucros, mas, se esforçar no exercício da sua função social em busca da valorização do trabalho, contribuindo assim para uma existência digna de seus empregados.

Em busca da justiça social, em um contexto mais amplo, o trabalhador terá na sua valorização, vivência digna e condições de cumprir seu papel na sociedade, que extrapola a simples sobrevivência, ao empregado sendo devido e garantido, o acesso a educação de qualidade, a cultura, lazer, esporte, e todas as demais atividades que se possa participar, a fim de se ver, verdadeiramente integrado e sentindo-se integrado na sociedade, que são tutelados de forma mínima pela legislação trabalhista. Para que essa integração ocorra, não se pode precarizar o trabalho.

            “Existência abstrata do homem como um mero ser do trabalho, que dia a dia pode precipitar de seu zero de conteúdo no nada absoluto em sua inexistência social, porém efetiva” (Marx, 1955c, pp. 524-525).

Nesse sentido, a inserção do trabalhador em projetos e iniciativas que gerem oportunidades, além do mínimo legal, como o aperfeiçoamento humano, restará reflexo positivo não só a pessoa, mas como em toda a sociedade.

 Os elementos caracterizadores da relação de emprego, principalmente sobre o tema da subordinação e não eventualidade, devem ser ampliados. Com o desenvolvimento tecnológico, serviços podem ser feitos além da estrutura física do empregador, e ainda, não havendo, contato pessoal entre as partes envolvidas nessa relação.

A forma de vivência social, e principalmente, a transformação da economia, vem se moldando numa velocidade incontrolável, surgiu um novo momento, denominado sharing economy ou gig economy, que se resume, em uma economia compartilhada, saindo do campo da propriedade, do possuir, do ter, partindo para o algo mais englobado e compartilhado. Com o surgimento dessas mudanças, surgem também, discussões sobre reconhecimento do vínculo de emprego. Nesse sentido observamos a questão da relação entre aplicativos e prestadores de serviços que são usuários cadastrados nessas plataformas, para melhor ilustrar, observamos a relação existente entre a empresa Uber e o motorista cadastrado, o mundo se envolve nessa questão atualmente, buscando caracterizar essa relação, se existe ou não uma relação de emprego. Lembramos do conceito de vínculo, subordinação, onerosidade, não eventualidade, pessoalidade e alteridade.

Se conceituarmos a relação de emprego utilizando as características atuais, no exemplo da Uber, respondemos a primeiro momento, que não existe relação de emprego, mas sim, uma relação de trabalho, justificamos que o serviço pode ser eventual, e não há subordinação, e na falta de um dos elementos não há, portanto, vínculo de emprego.

Vamos explanar brevemente, cada elemento fático-jurídico até aqui discutido, para entender a relação de emprego, entre um motorista de aplicativo e a empresa detentora da plataforma, (não engloba unicamente os motoristas de transporte de pessoas, mas sim, todos os motoristas de aplicativo que realiza entrega de cargas e objetos).

Reflexão sobre o primeiro elemento, ser pessoa física, quando se realiza o cadastro nas empresas pelo aplicativo, há inserção de dados pessoais caracterizadores da exclusividade da pessoa física, havendo campo apenas para o CPF e não CNPJ, portanto, primeiro elemento fático existe na relação.

Segundo elemento, a pessoalidade, ainda no momento do cadastro, se requer a foto da pessoa, em “corridas” o cliente deverá necessariamente confirmar se o motorista que está conduzindo o veículo é o mesmo que aparece no cadastro do aplicativo, sendo vedada pela empresa o cadastro em nome diferente do qual prestará de fato os serviços, logo, temos o segundo elemento caracterizador da relação empregatícia configurado.

Terceiro elemento, não-eventualidade, ou como prefere Martins, continuidade, na relação tradicional deverá ser a prestação ininterrupta dos serviços, não se pode negar que esse elemento é existente no caso dos cadastrados em aplicativos, apesar de possuírem certa autonomia em relação aos horários de trabalho, mas, a continuidade é clara aos que se dedicam a forma de trabalho, mesmo que, não obrigatório. Veja que existe a flexibilização na relação de emprego, como por exemplo, nos contratos intermitentes relação reconhecida no art. 443 §3º da CLT[22], a luz do princípio da continuidade da relação de emprego, o qual se motiva a permanência indefinida do vínculo, mesmo que haja a alternância no tempo, para a prestação dos serviços.

Quarto elemento, onerosidade, o cadastrado no aplicativo aufere rendimento através de sua prestação de serviço, dispondo do seu tempo, recebendo em contra partida salário, estipulado de acordo com os serviços prestados (produtividade). Em média o repasse do aplicativo ao prestador de serviço gira entre 70% a 80% dos recebidos pelos usuários clientes.

Quinto elemento, alteridade, o qual se entrelaça sobre os riscos do negócio, o cadastrado dispõe de seu bem, seja veículo automotor ou não, como ferramenta na prestação do trabalho. Sendo automotor, os riscos que porventura surgirem, tais como, as multas, manutenções, combustíveis e demais despesas, fica a cargo do cadastrado. Neste ponto não podemos afirmar, já com tanta certeza se existe a alteridade, pois o risco, pelo menos no campo material, do negócio está em parte para o próprio prestador, o que não ocorre na relação empregatícia convencional, não se admite tal risco ao empregado.

Podemos chamar de sexto elemento a subordinação, talvez o tema da subordinação seja o mais complexo, juntamente com a não eventualidade, pois a forma clássica de subordinação como anteriormente visto, não é existente nessa relação, pois não há, tecnicamente, subordinação humana nos serviços prestados, há quem diga, que existe uma subordinação por algoritmo, que poderia se enquadrar em subordinação estrutural, apesar de não ser esse o entendimento no julgado de relatoria do Ministro Ives Gandra Martins Filho[23].

Se buscarmos uma certa flexibilização na questão da subordinação, assim como ocorreu na relativização da não eventualidade para o reconhecimento da relação empregatícia nos contratos de trabalho intermitente, encontraremos algo relacionado a parassubordinação, que Vólia Bomfim Cassar[24] conceitua como: “a parassubordinação é sinônimo de subordinação e designa o estado de sujeição do trabalhador que não é empregado, podendo ser autônomo, eventual, ou qualquer outra espécie”, seria portanto, um meio termo entre o trabalho subordinado e o trabalho autônomo.

 

Considerações Finais

 

A forma de viver está em constante mudança, resta ao direito acompanhar tais mudanças. O não reconhecimento do vínculo empregatício entre o trabalhador e empresas de tecnologia/aplicativo, trás a precarização ao prestador de serviço na relação de trabalho existente, mas por outro lado, pensando na empresa, detentora da tecnologia, que conecta o cliente e o prestador de serviço, gera oportunidade de trabalho. Essa conexão realizada pela empresa, entre o passageiro e o motorista, caso reconheça o vínculo de emprego na condição atual existente, todos os encargos devidos, custos operacionais, talvez torne a atividade dessas empresas inviáveis, ou que no mínimo, aumente o custo considerável aos consumidores/usuários.

O assunto aqui é muito mais amplo e está sendo debatido em todo o mundo, portanto, devemos ponderar que os motoristas não são em todo autônomos e não são empregados convencionais, devemos encontrar um entendimento ponderado a fim de não precarizar o trabalho e não tornar a atividade empresarial inviável.

 

 

 

 

 

Referências Bibliográficas

 

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2020.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2019.

PEREIRA, Leone. Pejotização. São Paulo: Saraiva, 2013.

CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. Niterói: Impetus, 2009.

MARX, Karl, 1818-1883. Manifesto do Partido Comunista. /Karl Marx e Friedrich Engels. Tradução Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Martin Claret, 2014.

 

BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho. Lex: Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho: edição federal, Brasília, 2017.

 

PORTUGAL. Lei nº 7, de 12 de fevereiro de 2009. Aprova a revisão do Código do Trabalho. Diário da República -1ª Série nº 30, Lisboa, 2009.

 

 


[1] MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 36. Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p.162

[2] Código do Trabalho, lei nº 7/2009.

[3] MARTINS, op. cit., p.175.

[4] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18. Ed. São Paulo: LTr, 2019, p.333 e 334.

[5] DELGADO, op. cit., p.337.

[6] DELGADO, op. cit., p.338

[7] DELGADO, op. cit., p.339

[8] CASSAR, Vólia Bomfin. Direito do trabalho. 3. Ed. Niterói: Impetus,2009

[9] MARTINS, op. cit., p.175

[10] MARTINS, op. cit., p.216

[11] MARTINS, op. cit., p.280

[12] Art. 1 Considera-se serviço voluntário, para os fins desta Lei, a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa.

[13] MARTINS, op. cit., p.176 e 177

[14] DELGADO, op. cit., p.495

[15] MARTINS, op. cit., p.176

[16] DELGADO, op. cit., p.349 à 354.

[17] DELGADO, Mauricio Godinho. Direitos Fundamentais na Relação de Trabalho, Revista LTr, São Paulo: LTr, v. 70, n.06, junho de 2006,p. 667. Neste texto é que se referiu, inicialmente, à expressão subordinação estrutural.

[18] Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio

[19] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18. Ed. São Paulo: LTr, 2019, p.350.

[20] É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante (Tema 725 da tabela de Repercussão Geral).

[21] PEREIRA, Leone. Pejotização: O trabalhador como pessoa jurídica. 1. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.77.

[22] Art.443 O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente.

§3º Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é continua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

[23] RR-10555-54.2019.5.03.0179, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, DEJT 05/03/2021

[24] CASSAR, op. cit., p. 269

Sobre o autor
Djeymes Amelio de Souza Bazzi

Advogado. Possui graduação em Direito pela Universidade de Cuiabá/MT. Mestre em Direito da Empresa e dos Negócios - UNISINOS/RS. Pós-graduado em Direito Processual - PUC/Minas. Pós-graduado em Prática Trabalhista Avançada com capacitação para o Ensino no Magistério pelo Instituto Damásio de Direito - IBMEC/SP. Pós-graduado em Direitos Humanos e Constitucional pelo Ius Gentium Conimbrigae/Universidade de Coimbra/Portugal. Pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal Aplicados - Ebradi. Pós-graduando (MBA) em Direito Penal Econômico - Galícia Educação. Cofundador do escritório Bazzi Advogados. Site: www.bazziadvogados.com.br. E-mail: djeymes@hotmail.com

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Com a mudança nas empresas atribuída por maior parte aos avanços tecnológicos, busca-se uma forma para adaptar as relações laborais que surgiram com essas mudanças. Refletindo se os elementos que caracterizam a relação de emprego atualmente, podem ser mantido ou deve-se haver uma flexibilização.

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