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Exposição ou abandono de recém-nascido, art. 134, CP.

Agenda 31/05/2021 às 11:43

O presente conteúdo jurídico dispõe sobre o art. 134, CP, que prevê a exposição ou abandono de recém-nascido. Veremos a diferença deste para o art. 133 que prevê o abandono de incapaz.

Introdução

O Código Penal, prevê em seu art. 134 o crime de “exposição ou abandono de recém-nascido”, que, segundo os doutrinadores, constituiria uma forma privilegiada do delito de abandono de incapaz (CP, art. 133), em face do especial motivo que “empurra” o agente a praticar o crime: ocultar a desonra própria.

Contudo, o Código Penal não prevê o infanticídio honoris causa (título de honra), ou seja, a ocisão (ação de matar) da vida do ser nascente para ocultar desonra própria. O legislador optou em conceder o privilégio ao delito de abandono de recém-nascido como estímulo para que o agente não vá até a ocisão (ação de matar) do recém-nascido, isto é, até a prática de um malefício mais grave, que é o cometimento do delito de infanticídio.

  1. Objetivo jurídico

Tutela-se a vida e a saúde do recém-nascido; sua incolumidade pessoal.

  1. Elementos do tipo

2.1. Ação nuclear

São ações nucleares os verbos expor ou abandonar. Ambos significam deixar o recém-nascido sem assistência, ao desamparo. Contudo, o primeiro verbo exprime uma conduta ativa, o recém-nascido é removido do local onde lhe é prestada a assistência para outro diverso, em que está inexiste; por outro lado, o segundo exprime uma conduta omissiva: o sujeito ativo, sem remover a vítima para outro local, deixa de prestar-lhe a devida assistência. Trata-se aqui do abandono físico.

Se o abandono for moral e não físico, poderá constituir crime contra a assistência familiar (arts. 244 a 247).

A exposição ou abandono do recém-nascido deve criar uma situação de perigo concreto, a qual deve ser comprovada. Como elenca E. Magalhães Noronha, tratando-se de recém-nascido “há uma presunção juris et de jure da impossibilidade de ele defender-se, porém circunstâncias de fato podem impedir o perigo: a criada que, à sorrelfa, coloca o próprio filho no quarto da criança da casa onde trabalha, não comete o crime em questão. Nem nesse caso há dolo: vontade de abandonar, com risco para a vida ou a saúde do abandonado (...)”. Dessa forma, nota-se que a incapacidade de autodefesa do neonato não gera uma presunção absoluta de perigo.

2.2. Sujeito ativo

O sujeito ativo é a mãe, solteira, adúltera, viúva, que concebeu fora do matrimônio, ou seja, crime próprio. Contudo, a doutrina admite que o pai que abandone recém-nascido para ocultar incesto ou relação adulterina possa ser sujeito ativo do delito em estudo. Entretanto, autores como Celso Delmanto e Cezar Roberto Bitencourt repelem tal posicionamento sustentando que o crime de abandono de recém-nascido é crime próprio, pois a lei expressamente se refere a “desonra própria”, isto é, somente podendo ser cometido pela mãe, à semelhança do delito de infanticídio. O genitor, nessas circunstâncias, deveria então responder pelo delito de abandono de incapaz (CP, art. 133).

Portanto, o crime é praticado com o fim de salvaguardar a honra pessoal do agente que pode vir a ser maculada com o conhecimento por parte de terceiros da concepção extra matrimonium. A honra a ser preservada é a de natureza sexual, a boa fama e a reputação do agente. Se a pessoa for desonesta ou de desonra conhecida ou se já concebeu ou foi pai extra matrimonium, não cabe a alegação de preservação da honra. Dessa forma, prostituta não pode ser sujeito ativo desse delito, devendo responder pelo delito de abandono de incapaz (CP, art. 133).

2.3. Sujeito passivo

É o recém-nascido, isto é, ao contrário do art. 133, que pode ser qualquer incapaz. Entretanto, diverge na doutrina acerca do exato limite de tempo em que o sujeito passivo se considera recém-nascido, vejamos a posição de alguns doutrinária:

  1. Damásio E. de Jesus e Julio Fabbrini Mirabete - recém-nascido é aquele considerado até a queda do cordão umbilical;

  1. E. Magalhães Noronha - recém-nascido é o que nasceu há poucos dias.

  1. Nelson Hungria – “o limite de tempo da noção de recém-nascido é o momento em que a délivrance se torna conhecida de outrem, fora do círculo da família, pois, desde então, já não há mais ocultar desonra”.

  1. Cezar Roberto Bitencourt e Heleno Fragoso – Recém-nascido é aquele que nasceu há poucos dias, não ultrapassando um mês e desde que não se tenha tornado de conhecimento público.

  1. Concurso de pessoas

O motivo de honra constitui elementar do tipo, de modo que o terceiro que concorrer para a exposição ou abandono de recém-nascido, pelo genitor, responderá como coautor ou partícipe do crime em tela, em face da comunicabilidade daquela condição pessoal entre os participantes (CP, art. 30).

  1. Elemento subjetivo

É o dolo direto de perigo, consistente na vontade e consciência de expor ou abandonar o recém-nascido, acrescido do fim especial do agente, de “ocultar desonra própria”. Não se admite o dolo eventual por ser incompatível com o especial fim de agir exigido pelo tipo penal. Se o motivo do abandono for a miséria, prole excessiva, filho doentio etc., ocorre abandono de incapaz. Observe-se que só haverá a possibilidade deste crime se o nascimento infamante for sigiloso, uma vez que, sendo notório, o abandono do bebê não poderá “ocultar” um fato desonroso já descoberto. Contudo, tal requisito deve ser analisado de forma menos severa, não se podendo afastar o crime nos casos em que o conhecimento se limite a determinadas pessoas, em especial aos próprios familiares. Nesse sentido, Cezar Roberto Bitencourt, leciona: “falar em ‘nascimento sigiloso’ nos parece um arrematado exagero, quer porque a restrição não consta da definição legal, quer pela inadmissibilidade de conceber e gestar por longos nove meses ‘sigilosamente’! A finalidade de ocultar a gravidez, por questões de honra, não precisa ir além da cautela de não tornar público tanto o ‘estado gravídico’ quanto o nascimento do neonato, mas isso está muito distante de ser ‘sigiloso’, pois inevitavelmente os familiares e empregados, pelo menos, terão conhecimento. E essa ciência, ainda limitada, de algumas pessoas é suficiente para afastar o indigitado ‘sigilo’, e nem por isso excluirá o benefício consagrado no art. 134”.

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Se houver dolo de dano, ou seja, se o agente realizar o abandono com a intenção de causar a morte do neonato, responderá, se estiver sob influência do estado puerperal, pelo delito de infanticídio; por outro lado, ausente esse estado, pelo delito de homicídio.

  1. Momento consumativo

Consuma-se o delito com o abandono, desde que resulte perigo concreto para o recém-nascido. Dessa forma, trata-se de crime instantâneo de efeitos permanentes, ou seja, que o crime de exposição ou abandono de recém-nascido consuma-se em um dado instante (com a exposição ou abandono), mas seus efeitos perduram no tempo, independentemente da vontade do agente, já que o resultado produzido pela conduta subsiste sem precisar ser sustentado por ele.

Da mesma forma que o delito de abandono de incapaz, não há que se falar em exclusão do crime na hipótese em que o agente temporariamente abandone o recém-nascido, vindo a retomar a sua guarda posteriormente, pois, desde que a vida ou a saúde do recém-nascido tenha sido exposta a perigo com o abandono, estará consumado o delito. Entretanto, nada impede que no caso incida o instituto do arrependimento posterior (art. 16, CP).

  1. Tentativa

De igual forma ao delito de abandono de incapaz, a tentativa é admissível nos crimes de perigo, desde que o delito seja praticado na modalidade comissiva, de modo a haver um iter criminis a ser fracionado.

  1. Formas
    1. Simples

Está totalmente previsto no Caput.

  1. Qualificada (art. 134, §§1º e 2º)

As formas qualificadas do crime em estudo estão previstas nos §§ 1º e 2º do art. 134, sendo:

  1. Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave (pena – detenção, de 1 a 3 anos);
  2. Se resulta morte (pena – detenção, de 2 a 6 anos). Cuida-se aqui dos crimes qualificados pelo resultado na modalidade preterdolo.

Há dolo de perigo no fato principal (exposição ou abandono do recém-nascido); já os resultados agravadores são punidos a título de culpa. Se presente o dolo de dano, o agente poderá responder pelo delito de infanticídio ou homicídio, conforme esteja ou não sob influência do estado puerperal, ou então pelo delito de lesão corporal qualificada, se presente o animus laedendi, ou seja, vontade de ferir.

  1. Culposa

Não há previsão da modalidade culposa. Entretanto, se o agente abandonar culposamente o recém-nascido e sobrevier a sua morte ou a ocorrência de lesões corporais, deverá ele responder pelos delitos de homicídio ou lesão corporal na modalidade culposa.

  1. Ação penal e lei de juizados especiais

Para finalizar este conteúdo, trata-se de crime de ação penal pública incondicionada, que independe de representação do ofendido ou de seu representante legal. O caput desse artigo é considerado infração de menor potencial ofensivo e, por essa razão, está submetido ao procedimento dos Juizados Especiais Criminais.

Em face das penas mínimas previstas no caput (detenção, de 6 meses a 2 anos) e no § 1º (detenção, de 1 a 3 anos), é cabível a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei n. 9.099/95).

REFERÊNCIA:

Capez, Fernando, curso de Direito Penal, parte especial. Ed. 13º, Saraiva - https://amzn.to/38PJwEO

Bittencourt, Cezar Roberto - Tratado de Direito Penal, Vol. 2, Pt. Esp., 21ª Ed. 2021 - https://amzn.to/3agd27p

Masson, Cleber, Direito Penal, parte especial. Ed. 14º, Metodo - https://amzn.to/30QbITT

Greco, Rogério, Direito Penal, Pt. Especial, Ed. 17ª - https://amzn.to/3bU1gAu

Sobre o autor
Jonathan Ferreira

Acadêmico de Direito pela universidade Estácio de Sá com foco em Dir. Penal, Dir. Proc. Penal, Dir. Constitucional Brasileiro. Administrador e fundador da página Âmbito Criminalista, no qual ajudo pessoas a entenderem o Direito Penal de forma simples e descomplicada. Amante da Sabedoria e estudante da psicanálise lacaniana em conjunto com a seara penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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