Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Hipótese de nepotismo cruzado????

Troca de favores

Agenda 08/06/2021 às 22:15

Trata-se de artigo polêmico o qual retrata a realidade da maioria dos estados brasileiros nos quais vários políticos que são empresários ou possuem algum familiar empresário acaba se beneficiando nas contratações públicas. "Favoritismo"

Hipótese de nepotismo cruzado????

O Estado do Rio de Janeiro nos últimos anos ocupa lugar de destaque em todas as mídias, cujo tema central, infelizmente é a corrupção. Esta chaga dominou o cenário das notícias referente ao Estado que dantes era destacado por suas belezas naturais.

As mazelas herdadas, por esse período nefasto são inúmeras, haja vista os desvios de verbas que consequentemente acarretou sua falta para atender as necessidades básicas do cidadão fluminense, ou seja, o interesse da coletividade restou prejudicado com serviços de: saúde, educação, segurança, saneamento básico e outros.

No caso, verifica-se que os Gestores públicos não observaram os princípios da Administração Pública, esculpidos no artigo 37, caput da CRFB/88 e, por sua vez também no artigo 77, caput da CERJ/89, in verbis:

“Art. 77. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado e dos Municípios, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, interesse coletivo e, também, ao seguinte:” (RIO DE JANEIRO, 1989). (grifos)

Diante de tais premissas, é salutar encontramos soluções de vanguarda e, sobretudo de coragem para que possamos dar exemplo, no intuito de resgatar a moralidade tão desprezada nas últimas décadas.

Com efeito, antes de adentarmos ao mérito, convém trazermos a cola o que estabelece a CRFB/88 no inciso XXI, do artigo 37, haja vista ser imprescindível para compressão da proposta que será apresentada:

“(...) ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (BRASIL, 1988). (grifos)

A legislação aludida no supramencionado inciso da Constituição de 1988, sem prejuízo de outras, é a Lei nº 8.666/1993, a qual: “estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.” (BRASIL, 1993). (grifos)

Exatamente na esteira da própria CRFB/88, precisamente em seu inciso XXVII, do artigo 22, o qual disciplina que é de competência privativa da União legislar sobre as:

 “(...) normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III.” (BRASIL, 1998). (grifos)

Pois bem, seguindo nessa toada, à União compete dispor sobre normais gerais e Estados e Municípios, por seu turno, podem suplementar tais normas a fim de atender seus objetivos regionais e locais, sem que isso venha ferir os princípios constitucionais.

Ademais que, destaca a CRFB/88 no artigo 24, § 2º que: A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

Sendo assim, Estados e Municípios tem buscado nos últimos anos editar normas complementares, no intuito de atender suas necessidades e, como exemplos, citam-se a Lei no. 9.433/05 da Bahia e Lei nº. 9.090/08 do Espírito Santo, que tratam de inversão de fases (julgamento x habilitação), haja vista que os aludidos Estados consideram e, com razão, que os artigos da Lei nº 8.666/93 que versam sobre esta matéria (habilitação x julgamento), são normas específicas e não gerais.

Outrossim, como exemplo e, indo direto ao ponto que nos interessa, vejamos o que dispõe o artigo 36 da Lei Orgânica do Município de Brumadinho – MG:

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

“O Prefeito, o Vice-Prefeito, os Vereadores, os ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança, as pessoas ligadas a qualquer deles por matrimônio ou parentesco, afim ou consanguíneo, até o 2º grau, ou por adoção e os servidores e empregados públicos municipais, não poderão contratar com o Município, subsistindo a proibição até seis meses após findas as respectivas funções”. (BRUMADINHO, 1990).

 A constitucionalidade da norma foi questionada no Egrégio Supremo Tribunal Federal que assim ementou:

“DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL. LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE BRUMADINHO-MG. VEDAÇÃO DE CONTRATAÇÃO COM O MUNICÍPIO DE PARENTES DO PREFEITO, VICE-PREFEITO, VEREADORES E OCUPANTES DE CARGOS EM COMISSÃO. CONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DOS MUNICÍPIOS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO. A Constituição Federal outorga à União a competência para editar normas gerais sobre licitação (art. 22, XXVII) e permite, portanto, que Estados e Municípios legislem para complementar as normas gerais e adaptá-las às suas realidades. O Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que as normas locais sobre licitação devem observar o art. 37, XXI da Constituição, assegurando “a igualdade de condições de todos os concorrentes”. Precedentes. Dentro da permissão constitucional para legislar sobre normas específicas em matéria de licitação, é de se louvar a iniciativa do Município de Brumadinho-MG de tratar, em sua Lei Orgânica, de tema dos mais relevantes em nossa pólis, que é a moralidade administrativa, princípio-guia de toda a atividade estatal, nos termos do art. 37, caput da Constituição Federal. A proibição de contratação com o Município dos parentes, afins ou consanguíneos, do prefeito, do vice-prefeito, dos vereadores e dos ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança, bem como dos servidores e empregados públicos municipais, até seis meses após o fim do exercício das respectivas funções, é norma que evidentemente homenageia os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, prevenindo eventuais lesões ao interesse público e ao patrimônio do Município, sem restringir a competição entre os licitantes. Inexistência de ofensa ao princípio da legalidade ou de invasão da competência da União para legislar sobre normas gerais de licitação. Recurso extraordinário provido”. RE 423560/MG, rel. Min.Joaquim Barbosa, 29.5.2012. (RE-423560).

Não diferente, o Município de São Tiago, também no estado de Minas Gerais traz em seu artigo 144 de sua Lei Orgânica:

Art. 144 O Prefeito, o Vice-Prefeito, os Vereadores e os servidores municipais bem como as pessoas ligadas a qualquer deles, por matrimonio ou parentesco afim ou consanguíneo, até o terceiro grau ou por adoção, não poderão contratar com o município, subsistindo a proibição até seis meses, após findas as respectivas funções. (SÃO TIAGO, 2003).

Pelo visto, as normas em comento prestigiam princípios tão esquecidos pelos Gestores do Estado do Rio de Janeiros nos últimos anos, quais sejam: a impessoalidade e a moralidade. Não é atoa que estamos em pleno Regime de Recuperação Fiscal a fim de equilibra as contas públicas.

A constituição do Estado do Rio de Janeiro dispõe sobre a matéria no artigo 77, § 11:

“(...) São vedadas, na Administração Pública do Estado do Rio de Janeiro: Acrescentado pela Emenda Constitucional nº 34, de 14.06.05.

I - a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente, até o terceiro grau civil inclusive, de membro de Poder, para cargo em comissão declarado em Lei de livre nomeação e exoneração ou função de confiança, qualquer que seja a denominação ou símbolo da gratificação; Acrescentado pela Emenda Constitucional nº 34, de 14.06.05.

II - a contratação, sem que seja por concurso público, ainda que por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, das pessoas descritas no inciso anterior.” (RIO DE JANEIRO, 1989).

Nota-se claramente, que a mesma não disciplina contratações oriundas de LICITAÇÃO PÚBLICA. Apenas cita contratação, sem que seja por concurso público. Ora, com a máxima venia, sabemos que isso, dar margens para diversos tipos de contratações (licitação, dispensa e inexigibilidade), já que não há empecilhos para que haja aquisições, seja de bens ou serviços com as pessoas descritas no inciso I do § 11 do supramencionado artigo.

Vale frisar que, visando combater a malversação dos recursos públicos, no Estado de Amazonas, por intermédio do Comitê Amazonas de Combate à Corrupção e Caixa 2 Eleitoral foi encaminhada à Assembleia Legislativa em 04 de maio de 2020, proposta de emenda à Constituição do Estado a fim de acrescentar ao artigo 104, o parágrafo 6°, que impede a celebração de contratos com empresas de políticos e de seus parentes até segundo grau com a Administração Pública. A matéria acessada em: https://amazonasatual.com.br/comite-indica-pec-que-proibe-contrato-com-parentes-de-politicos-no-am/.

Corroborando com os pilares da Administração Pública foi promulgado a Lei Ordinária nº 5.311, de 26 de novembro de 2020, que DISPÕE sobre a proibição da contratação de cônjuge, companheiro, ou qualquer parente consanguíneo ou afim, em linha reta, até o segundo grau, de Secretário de Estado do Amazonas, como prestador de serviços e/ou produtos.

Por fim, é bom ressalta que mesmo com o advento da Nova Lei de Licitações e Contratos de nº 14.133/21, não há que se esquecer, que a Lei nº 8.666/93, permanecerá vigente por mais 2 anos.

De todo modo, a nova Lei de Licitações e Contratos de nº 14.133/21, precisamente no artigo 9º, § 1º, ainda que timidamente, ou seja, requer complementação, pois se percebe que se trata de norma geral, caminha no sentido de vedar contratação com pessoas que possam de algum modo se beneficiar com a máquina publica, o que configuraria conflito de interesse.

Portanto, diante de tantos desgastes na politica do Estado, é salutar encontramos soluções de vanguarda e coragem para que possamos dar exemplos, no intuito de resgatar a imagem e, sobretudo a moralidade tão desprezada nas últimas décadas.

Assim sendo, apresentamos a seguinte proposta, em nome da moral, da ética e da impessoalidade e da eficiência administrativa  do estado fluminense , com fulcro no artigo 111, inciso I  da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, os quais dispõe que poderá a mesma ser emendada mediante proposta: 1/3 dos membros da Assembleia Legislativa e  que seja acrescentado mais o inciso III  no § 11 do artigo 77 para assim dispor:

  1. III - O Governador, o Vice-Governador, os Deputados Estaduais, os ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança, as pessoas ligadas a qualquer deles por matrimônio ou parentesco, afim ou consanguíneo, até o 2º grau, ou por adoção e os servidores e empregados públicos estaduais, não poderão contratar com o Estado, subsistindo a proibição até seis meses depois de findas as respectivas funções;

Ou com fulcro no artigo 112 da mesma carta, iniciativa de lei ordinária, que no caso cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa ou até mesmo a nós do povo, “e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição” para propor:

        2. Ou alternativamente, se assim entender conveniente e oportuno propor iniciativo da matéria por intermédio de Lei Ordinária.

Sobre a autora
Fabio Vilas Gonçalves Filho

Graduado em Direito (2010); Pós – Graduado em Direito Público e Tributário - com habilitação para Docência no Ensino Superior - (2012); MBA em Licitações e Contratos Administrativos (2018); Mestre em Saúde e Tecnologia no Espaço Hospitalar pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO (2017).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!