Sumário:1. Considerações iniciais. 2. O conceito de sentença. 3. Sentença e coisa julgada: mera adequação. 4. Da liquidação de sentença. 5. Do cumprimento da sentença. 6. Dos embargos à execução contra a Fazenda Pública. 7. Da ação monitória. 8. Dos embargos à arrematação e à adjudicação. 9. Dos honorários advocatícios. 10. Considerações finais.
1. Considerações iniciais
Trata-se de legislação oriunda do Projeto de Lei nº 3.253/2004 (PLC 52/2004), publicada no Diário da União em 23 de dezembro de 2005, que diz respeito ao cumprimento de sentenças no processo de conhecimento, dando nova redação a diversos dispositivos do Código de Processo Civil, em especial, pondo fim à execução autônoma de sentenças, que, doravante, passa a se caracterizar como atividade ulterior do mesmo processo iniciado com a fase cognitiva.
A Lei nº 11.232/2005 está vigendo desde junho de 2006, tendo em vista a vacatio legis de 6 (seis) meses, prevista no art. 8º, e, como adiante se analisará, traz modificações substanciais ao cumprimento de sentenças.
2. O conceito de sentença
O art. 1º da Lei altera a redação dos artigos 162, 267, 269 e 463, do Código de Processo Civil, e o faz, modificando o conceito tradicional de sentença, para adequá-los à nova concepção da execução.
A nova redação, inserida no Código de Processo Civil através da Lei 11.232/2005, sob estudo, define a sentença não mais como sendo o ato do juiz que põe termo ao processo, julgando, ou não, o mérito da demanda, mas sim como o ato do juiz que ou resolve o mérito do processo ou o extingue, sem resolução de mérito. E mais, trata a sentença, doravante, como sendo o ato do juiz que implica em apenas alguma das hipóteses previstas nos incisos dos arts. 267 (tratava do julgamento sem resolução de mérito) e 269 (com resolução de mérito) do CPC, o que significa dizer, em suma, que, pela nova redação, sentença é o que está previsto nos artigos 267 e 269 do CPC.
Infere-se o intuito do legislador de deixar clara a substituição, no art. 162, do CPC, da palavra julgamento por resolução. Isso ocorreu porque embora a sentença continue sendo o ato de julgar a causa, trata-se de um ato que não finaliza mais o processo de conhecimento, pois o seu cumprimento, que antes se dava através do processo de execução, passa a ocorrer no mesmo processo cognitivo, isto é, a execução passa a ser mera etapa do processo de conhecimento, daí a necessidade de se adequar o conceito de sentença aos termos dos artigos 162, 267, 269 e 463, do CPC.
Além disso, impõe salientar que, mesmo diante da sistemática anterior, em que o processo de execução era autônomo, a redação do art. 269 não era adequada, pois o juiz, ao acolher alguma das hipóteses previstas em seus incisos, tais como a homologação da transação ou da desistência do autor, previstas nos incisos III e V, respectivamente, na verdade, não julgava o mérito, proferindo simples decisão homologatória, ainda que extintiva do processo.
A nova redação, nesse sentido, parece ter suprimido tal incongruência, tendo deixado, de igual sorte, bastante clara a idéia de que a sentença é o ato do juiz que, mesmo ao decidir o mérito, não põe mais fim ao processo cognitivo.
Quanto à questão recursal, permanece inalterada a redação do art. 513, sendo certo que contra sentenças o recurso cabível continua sendo o de apelação.
3. Sentença e coisa julgada: mera adequação
O art. 2º da Lei 11.232/2005 cria os artigos 466-A, 466-B e 466-C que, na verdade, representam, literal e respectivamente, os artigos 641, 639 e 640, do Código de Processo Civil, ora revogados. O legislador apenas transportou tais dispositivos do capítulo que tratava das "obrigações de fazer e de não fazer" para o que trata da "sentença e da coisa julgada", o que parece lógico, pois, de fato, se referem aos efeitos das sentenças em geral.
4. Da liquidação de sentença
O art. 3º da Lei 11.232/2005 insere os artigos 475-A, 475-B, 475-C, 475-D, 475-E, 475-F, 475-G e 475-H, que passam a compor um novo capítulo, IX, do título VIII, do Livro I, da Lei 5.869/73, tratando da liquidação de sentença.
O art. 475-A corresponde ao antigo art. 603, do CPC – revogado por força da Lei nº 11.232/2005 - e merece análise.
A alteração procedida no caput revela que, doravante, somente são passíveis de liquidação as sentenças que não determinem o valor devido a título de condenação, excluindo-se os casos em que a sentença não individue o objeto da condenação. Isto é, agora, não mais poderão ser proferidas sentenças sem individuação do objeto. A antiga redação assegurava a liquidação tanto para os casos em que a sentença não individuasse o objeto da condenação, quanto para aqueles em que a sentença não determinasse o valor da mesma (art. 603).
Por força da alteração do dispositivo, todas as sentenças, obrigatoriamente, doravante, individuarão o objeto da condenação, isto é, discriminarão a coisa devida ou o fato exigível, desde logo, uma vez que a liquidação não poderá mais se proceder. A meu ver, por causa da limitação de tal procedimento, os autores das ações deverão, ao proporem as demandas, atentar com mais rigor para a previsão do art. 286, do CPC, no sentido de elaborar pedido certo ou determinado, ao invés de deixar tal ônus a critério do magistrado, como antes ocorria, sob pena, a meu sentir, de indeferimento da sua inicial, nos exatos termos do art. 296 do CPC.
O §2º traz inovação: a liquidação provisória da sentença. O dispositivo prevê a possibilidade de a parte vencedora iniciar a liquidação da sentença mesmo na pendência de recurso recebido com efeito suspensivo. Parece uma importante forma de dar celeridade ao processo, sem criar obstáculos ou ferir garantias fundamentais das partes, adiantando a fase de execução.
O §3º também inova, ao determinar que nas causas de ressarcimento por danos causados em acidente de veículo de via terrestre e de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, sujeitas, nos termos do art. 275, inciso II, alíneas "d" e "e", ao procedimento sumário, é proibida a prolação de sentença ilíquida, cumprindo ao juiz fixar, de plano, por força da nova Lei, e a seu prudente arbítrio, o valor que entender ser devido, a título de condenação.
Os casos de acidente de veículo, em quase sua totalidade, exigem liquidação de sentença, em razão, justamente, de seus efeitos supervenientes. Na maioria das vezes, a parte não possui condições e não consegue prever os gastos com eventual tratamento, bem como os danos estéticos, morais e materiais que lhe foram causados, sendo impossível valorar a condenação. A prática forense demonstra, sem sombra de dúvida, a absoluta impossibilidade de, na maior parte dos casos de acidente de veículo, um juiz fixar um valor qualquer, a título de condenação, a seu arbítrio, no momento de proferir a sentença.
O dispositivo, embora, numa primeira análise, pareça inadequado, por seu cunho de arbitrariedade, chama a atenção, no entanto, para a necessidade, cada vez mais premente, de os julgadores conduzirem as causas de modo a tornar possível a quantificação do dano antes da sentença. Na instrução do feito, muitas vezes, é possível a exigência de que as partes produzam provas capazes de alcançar a liquidez do pedido. É certo que os casos de acidente de veículo são os mais complicados, mas sempre que possível, os juízes devem exigir das partes - caso não o façam de ofício - uma postura comprometida com a quantificação do valor do dano sofrido, o que se fundamenta, inclusive, no ônus imposto pelo art. 286, já comentado acima. Significa dizer, que as partes deverão juntar laudos, receituários médicos, documentos e tudo mais que quantifique o dano sofrido, na fase instrutória, não mais em liquidação.
Caso a instrução do feito não possibilite a liquidação do valor do dano, o Juiz deverá converter o julgamento em diligência, a fim de viabilizar a quantificação determinada pela Lei, antes de prolatar a sentença.
O art. 475-B é, praticamente, idêntico ao antigo art. 604, do CPC – ora revogado - sendo certo que as modificações nele inseridas visam, apenas, a adequar a sua redação ao atual conceito de processo cognitivo, do qual a execução é mera continuação. Tal dispositivo prevê que quando a quantificação do valor da condenação depender, apenas, de cálculo aritmético, é dever do credor instruir o pedido de cumprimento da sentença com a memória discriminada e atualizada do débito.
O §2º merece destaque porque introduz pequena alteração. A redação do art. 604 – modificada pela nova lei - previa que quando a quantificação do valor da condenação dependesse de dados, os quais estivessem em poder de terceiro ou do próprio devedor, o juiz, a requerimento do credor, poderia requisitá-los, fixando o prazo de 30 dias para o cumprimento da determinação. Caso os dados não fossem apresentados pelo devedor, os valores informados pelo credor seriam considerados corretos, todavia, em havendo descumprimento por parte de terceiro, a sua resistência configuraria desobediência. A atual redação estende a responsabilidade do terceiro que, em se recusando, injustificadamente, a apresentar os dados solicitados, sofrerá as cominações impostas pelo art. 362, do CPC, cuja previsão é - além da configuração do crime de desobediência - de apreensão de documentos e eventuais dados.
O art. 475-C corresponde, literalmente, ao antigo art. 606 – revogado – ao prever os casos em que se procederá à liquidação por arbitramento. O art. 475-D foi modificado, apenas, para se adequar à nova sistemática processual, em que a liquidação de sentença é mero incidente e, portanto, a sua decisão final não é sentença - como a lei previa - mas decisão, de caráter interlocutório, passível de agravo de instrumento, nos exatos termos do art. 475-H, que, por sua vez, acaba revogando o inciso III do art. 520, que previa a interposição de apelação, recebida no efeito meramente devolutivo.
Nesse particular, vale lembrar a nova redação do art. 522, do CPC, introduzida pela Lei 11.187/2005, transformando em regra geral o agravo retido e reservando o de instrumento para os casos em que a decisão recorrida causar lesão grave e de difícil reparação à parte, bem assim, nos casos de inadmissão da apelação e naqueles relativos aos efeitos em que é recebida.
Na comparação de tais diplomas, vê-se que o legislador da Lei 11.232/2005 - ao prever que contra a decisão final da fase de liquidação cabe agravo de instrumento e não mais apelação - ou está pressupondo que, nesses casos, sempre haverá lesão grave e de difícil reparação à parte, incluindo-se, então, tal hipótese, na ressalva do novo art. 522 do CPC; ou cria nova hipótese de interposição de agravo de instrumento, complementar à do art. 522.
Fato é que, independentemente da interpretação que se dê ao intuito do legislador, a exceção está imposta pelo art. 475-H: contra a decisão final de liquidação, o recurso cabível é o agravo de instrumento.
Vale registrar, entretanto, que - ao se interpretar que o legislador previu a interposição de agravo de instrumento contra decisão proferida em sede de liquidação - por pressupor que em todos esses casos há, sempre, lesão grave e de difícil reparação à parte, indiscutivelmente, como conseqüência lógica, dever-se-á entender que, havendo relevância de fundamentação (art. 558), a regra dos agravos de instrumento interpostos em casos tais será a concessão de efeito suspensivo pelo Relator. Uma interpretação, necessariamente, levará à outra.
Nesse sentido, a única exegese razoável do art. 475-H é a de que o recurso cabível contra decisão de liquidação é o agravo de instrumento porque assim determina a lei, ao qual se concederá, ou não, efeito suspensivo, conforme análise do caso concreto, independentemente da motivação do Legislador no momento da elaboração da Lei 11.232/2005.
Os artigos 475-E, 475-F e 475-G equivalem, expressa e respectivamente, aos artigos 608, 609 e 610 do Código de Processo Civil, todos revogados por força do art. 9º, da Lei ora estudada. Tais dispositivos tratam, respectivamente, da liquidação por artigos; e o último, da proibição de, em sede de liquidação, discutir-se de novo a lide ou modificar-se a sentença que a tenha julgado.
5. Do cumprimento da sentença: aspectos principais
O art. 4º da Lei 11.232/2005 insere, no texto do Código de Processo Civil, os arts. 475-I, 475-J, 475-L, 475-M, 475-N, 475-O, 475-P, 475-Q e 475-R, que compõem uma série de mudanças, tratando do cumprimento da sentença, valendo realçar as principais delas.
Vale registrar que as alterações introduzidas pela Lei, especialmente no art. 4º, suscitam inúmeras dúvidas e questionamentos, tendo este trabalho o compromisso de sugerir alguns caminhos às obscuridades da Lei, ou melhor, aqueles que a mim foi possível enxergar numa primeira análise.
O §1º do art. 475-I preconiza como sendo definitivas as execuções originadas de sentenças transitadas em julgado, e provisórias, aquelas decorrentes de sentenças impugnadas mediante recurso ao qual não se tenha atribuído efeito suspensivo. Neste aspecto, tal dispositivo se harmoniza com a previsão contida no art. 587, do CPC, não revogado.
A Lei 11.232/2005, ao inserir o art. 475-I no Livro I do CPC (Processo de Conhecimento), com redação equivalente a do art. 587 - que, por sua vez, permanece vigendo, na íntegra, no Livro II (Processo de Execução) - apenas procura harmonizar os dispositivos à nova sistemática processual, sendo certo que o art. 475-I aplica-se, tão-somente, aos títulos judiciais e o art. 587, aos títulos executivos extrajudiciais.
Tal adequação advém da proposta contida no PL 4.497/2004 (processo de execução de títulos extrajudiciais) – em trâmite na Câmara dos Deputados - que, apesar de preservar a autonomia do processo executório, mantém em vigor, integralmente, o Livro II do CPC (Do Processo de Execução), que passa a ser aplicado, com exclusividade, às execuções de títulos extrajudiciais.
Assim, o Capítulo X, Título VIII, do Livro I do CPC, que cuida do cumprimento da sentença - ora analisado - não se aplica às execuções de títulos extrajudiciais, tornando-se lógica a alteração proposta no §1º do art. 475-I.
O art. 475-J não tem correspondente na legislação anterior e se apresenta como sendo o dispositivo que, justamente, concretiza a nova concepção autônoma do processo executório.
Dispõe o referido artigo que, quando o devedor for condenado ao pagamento de quantia certa, ou fixada em incidente de liquidação, deverá efetuar o pagamento do valor da condenação, incontinenti, no prazo de 15 (quinze) dias, sob pena de multa de 10% sobre o respectivo montante e da imediata expedição de mandado de penhora e avaliação.
Chama atenção a fixação do prazo de 15 dias para pagamento, sem que se especifique a partir de que ato processual o mesmo deverá ser contado. Supõe-se, por lógica, que se iniciará a contagem a partir da publicação da sentença, onde houver Diário Oficial, ou da intimação do advogado, onde inexistir, isto quando não se impuser a liquidação. Em havendo, parece razoável que o prazo de quinze dias seja contado da data da publicação da decisão do incidente de liquidação, onde houver Diário, ou da intimação do advogado, onde não houver.
Em sendo assim, no caso de sentença líquida, o prazo para pagar o valor da condenação e para apelar se findará na mesma data.
Embora a Lei não defina com precisão as diversas conseqüências decorrentes da inserção desse artigo 475-J, no Processo Civil, é possível compreendê-las numa interpretação sistemática.
Em princípio, ao devedor restam duas hipóteses: 1) pagar o valor determinado na sentença; 2) prestar caução e recorrer; o que se fará ou mediante depósito do valor da condenação ou através da indicação de bens; tudo com o fito de evitar a incidência da multa de 10% sobre o montante determinado na sentença.
Se o devedor pagar, por concordar com a sentença que o condenou, basta depositar o respectivo valor em Juízo, no prazo de 15 dias, e informar que se trata de pagamento para dar fim ao processo, requerendo a sua extinção e a respectiva baixa no Distribuidor.
Caso pague, para dar fim ao feito, mas o faça após os 15 dias, deverá depositar o valor da condenação, acrescido da multa prevista no caput do art. 475-J, no percentual de 10%.
Se, por outro lado, desejar recorrer, as conseqüências serão as seguintes: a) no caso de opor embargos de declaração, o devedor não precisará pagar o valor da condenação, a fim de evitar a incidência da multa de 10%, porque os embargos têm efeito suspensivo; b) no caso de o devedor interpor apelação, ter-se-á de analisar o efeito em que a apelação deverá ser recebida, nos termos do art. 520, do CPC.
Caso a apelação seja recebida no duplo efeito, o devedor não precisará pagar, desde logo, o valor da condenação e não será penalizado, pois a sentença que o condenou terá os seus efeitos suspensos, até que se julgue o recurso.
No entanto, se o efeito da apelação for meramente devolutivo, o devedor deverá, preferencialmente, depositar em garantia o valor da condenação ou prestar caução, a fim de evitar a multa de 10% e, concomitantemente, interpor o recurso. Todavia, o credor não poderá levantar a importância, sem que ele próprio dê garantias idôneas e suficientes ao Juízo (inciso III, do art. 475-O), como sempre se fez nos casos de execução provisória, cujas disposições se mantêm praticamente inalteradas, conforme art. 475-O, a ser posteriormente analisado. Pois bem, se o depósito é em pagamento o recurso está prejudicado. Se o é em garantia, o levantamento do dinheiro tem de esperar a execução provisória, a conversão do depósito em penhora e o prazo para impugnação.
Se o devedor não dispuser do dinheiro para proceder ao depósito, nem puder prestar caução, a fim de evitar a incidência da multa de 10%, deverá interpor o recurso de apelação e, em preliminar, antecipadamente, requerer a dispensa do pagamento da multa, enquanto não for julgado o recurso, evitando a lesão grave e de incerta reparação.
Uma outra hipótese possível - caso o devedor queira apelar e não tenha condições de depositar a multa ou de prestar garantia - é interpor o recurso de apelação e aguardar o despacho que o receberá. Em sendo recebido no duplo efeito, como dito acima, problemas não haverá, entretanto, em sendo recebido no efeito meramente devolutivo, poderá provocar o Juízo, por petição, e requerer a dispensa da multa, em razão da impossibilidade do depósito e da prestação de garantia, antes mesmo de iniciada a execução pelo credor. Caso o Juiz defira o pedido – obviamente, com a garantia do contraditório à parte contrária - o devedor estará dispensando do pagamento da multa em futura execução. Todavia, caso o Juiz indefira o pedido de dispensa, o devedor deverá interpor agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo, evitando a lesão grave e de incerta reparação, com fundamento no art. 522, §4º do CPC.
Há, outrossim, a possibilidade de o devedor requerer, na impugnação à execução, a dispensa do valor da multa de 10%, todavia, a meu sentir, tal hipótese não é a mais indicada porque há meios de, antes disso, se levantar a questão no tribunal, resguardando à execução apenas as questões afetas a este procedimento.
No caso de sucumbência recíproca, impõe-se esclarecer alguns fatos.
É cediço que o pagamento efetuado pelo devedor com o intuito de pôr fim ao processo só se perfaz mediante quitação irrestrita pelo credor.
É certo ainda que, nos termos do art. 503 do CPC, a parte que aceita, ainda que de forma tácita, a sentença ou a decisão, não poderá recorrer, por falta de interesse processual, considerando-se aceitação tácita a prática, sem ressalva, de um ato incompatível com a vontade de recorrer, por exemplo, o pagamento.
Com base nessas questões e em se tratando de sucumbência recíproca, o devedor terá de estar atento para o seguinte fato: caso queira quitar o valor da condenação, para dar fim ao processo, no prazo de 15 dias previsto no art. 475-J, o devedor deverá pagar, porém ressalvar, desde já, o seu direito de recorrer adesivamente caso o credor recorra, pois, se assim não fizer, o pagamento efetuado configurará aceitação tácita da sentença e, por conseguinte, lhe faltará interesse de recorrer.
Em outras palavras, se o devedor - quando depositar a importância equivalente ao valor da condenação esclarecer que o faz para dar fim ao processo, porém, resguardar-se ao direito de recorrer adesivamente caso o credor interponha recurso contra a sentença – terá a garantia de que a admissibilidade do seu recurso adesivo não será questionada por falta de interesse processual.
O recurso do credor poderá ser recebido no duplo efeito ou no efeito meramente devolutivo.
Se for recebido no duplo efeito, os efeitos da sentença serão suspensos e, por conseguinte, o devedor que depositou o valor da condenação com o intuito de pagar poderá levantá-la. Ao contrário, se o recurso for recebido no efeito meramente devolutivo, para evitar a incidência da multa de 10% do art. 475-J, o devedor poderá deixar o valor depositado como garantia ou substituí-lo por caução idônea.
O credor, caso queira levantar, em execução provisória, a importância depositada pelo devedor como garantia da não incidência da multa, deverá prestar, ele próprio, caução idônea, como já explicitado anteriormente.
O caput do referido artigo 475-J fixa multa de 10% sobre o valor da condenação, como pena por descumprimento de comando judicial. Embora, pela redação do dispositivo, a multa pareça ter natureza moratória, na verdade, se trata de sanção a fim de evitar a procrastinação do processo e de imprimir mais respeito às decisões judiciais.
Em função da própria ideologia [01] que rege as reformas processuais recentes, a má-fé e os recursos procrastinatórios têm sido, veementemente, reprimidos, em prol da celeridade e da efetividade da tutela jurisdicional, havendo uma notória intensificação das cominações de penas de tal natureza.
O fundamento subjacente da multa prevista no caput do art. 475-J é, sem dúvida, "coagir" a parte sucumbente a evitar a interposição de recurso protelatório – e, por conseguinte, a aceitar a sentença prolatada - tendo, tal pena, portanto, a natureza de sanção, criando mais um dever processual para a parte: o pagamento espontâneo da condenação.
Ocorre que, o art. 475-J não exclui as cominações impostas, com a mesma finalidade – de sanção - nos artigos 14, 17 e 600 do CPC, possibilitando, por conseguinte, a aplicação cumulativa de todas elas, o que caracterizará bis in idem, além de excesso de punição àquele devedor que se obstar ao pagamento do valor da condenação, causando-lhe ônus insuportável e desproporcional.
Nesse sentido, os Magistrados deverão arbitrar – se for o caso, uma vez que, a meu ver, a multa incide automaticamente - somente uma das penas previstas nos dispositivos citados, interpretando-os isoladamente, em razão da similitude da natureza das cominações.
Outra ponderação deve ser feita. Na forma do referido dispositivo, caso o devedor fique inerte, ou seja, nem pague o valor da condenação nem recorra da sentença no prazo de 15 dias, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação, tão-logo requeira o credor.
A lei dispõe no §3º do artigo sob análise - o art. 475-J - que o exeqüente poderá indicar bens do devedor no momento em que requerer a penhora e a avaliação, donde se conclui que o legislador extirpou do executado a garantia de indicar os bens cuja constrição lhe traga menor ônus, o que, a meu ver, viola garantia fundamental do processo, prevista no art. 620 do CPC, no sentido de que a execução se dará, sempre, da forma menos onerosa possível para o devedor (art. 620 c/c art. 652 do CPC). O objetivo da execução não é enriquecer o credor, mas, tão-somente, possibilitar o pagamento do valor devido. Sempre que isso puder ser feito sem onerar demasiadamente o devedor, a finalidade do processo executório estará assegurada.
Além disso, como se infere da redação já citada, retirou-se do devedor o direito de se manifestar nos autos antes de ter seus bens penhorados, uma vez que o mandado de penhora e avaliação é imediatamente expedido após o requerimento do credor.
Em casos em que, por exemplo, o processo tramitar à revelia do devedor, ele será cientificado de que é réu em uma ação judicial depois de já ter sofrido a constrição de seus bens pessoais, o que me parece grave lesão à garantia fundamental do contraditório [02] e da ampla defesa. O direito de defesa é constitucional e sofrer constrições sem saber o motivo é por demais arbitrário. O direito de defesa estar condicionado a uma garantia de pagamento me parece muito mais razoável do que a constrição ocorrer antes mesmo da ciência do devedor. O direito à propriedade é uma garantia que não pode ser violada sem oportunidade de defesa.
Para equacionar tal problemática, a fim de se evitar lesão à garantia fundamental da parte, penso que deva prevalecer a sistemática antes adotada pelo Código de Processo Civil, que concedia ao devedor o direito prioritário de indicar bens à penhora. Até mesmo porque o novo dispositivo preconiza que o credor poderá indicar os bens do devedor, não caracterizando uma imposição, nem mesmo prevê pena por descumprimento da determinação legal, o que se coaduna e permite a interpretação aqui sugerida.
Obviamente, caso o credor tome conhecimento da existência de um bem prioritariamente penhorável, por analogia ao art. 655 do CPC, poderá informar o fato ao Juiz, a quem caberá decidir sobre qual deles recairá a constrição.
O §1º deste artigo (art. 475-J) prevê que do auto de penhora e avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado, ou na falta deste, do seu representante ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação em 15 dias. Se tal artigo for comparado aos dispositivos que tratam dos embargos à execução, hoje cabíveis, apenas, nas execuções contra a Fazenda Pública - como se demonstrará – ver-se-á a majoração de 10 para 15 dias do prazo para defesa na execução (impugnação).
A Lei não esclarece a partir de que ato será computado o prazo de 15 dias para impugnação (nova denominação dos embargos), ou seja, se da intimação do advogado quanto à penhora e/ou avaliação ou se, por exemplo, da juntada aos autos do mandado de intimação da penhora e avaliação.
Acredita-se que será mantida a prática até então vigente, relativa aos embargos à execução, isto é, o devedor terá 15 dias para apresentar a sua impugnação, a serem contados ou da intimação do advogado, por Diário Oficial, tal como ocorre nas hipóteses do §5º do art. 659 do CPC; ou da juntada aos autos do mandado de intimação da penhora e avaliação; ou da juntada aos autos do aviso de recebimento, quando a intimação se fizer por correio.
Outro fato que merece análise diz respeito à atuação do oficial de justiça a partir da vigência desta lei. A nova redação introduzida pela Lei 11.232/2005 indica que o próprio oficial de justiça avaliará o bem objeto da constrição. Diante disso, o §2º do art. 475-J, ora comentado, prevê que, caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação dos bens a serem penhorados, fará, apenas, a penhora e a intimação e, após, avaliador a ser nomeado pelo Juízo, se encarregará daquela diligência.
Na prática, tal previsão traz conseqüência para a qual a Lei não aponta as saídas, mas a razoabilidade acaba por indicá-las, vejamos: o devedor tem o prazo de 15 (quinze) dias para apresentar impugnação; prazo este a contar, por suposição ou da intimação do advogado, quando por Diário Oficial; ou da juntada do mandado de intimação da penhora e avaliação aos autos; ou da juntada do aviso de recebimento, quando a intimação se fizer pelo correio. Pois bem, o artigo 475-L, dispõe como sendo uma das causas de impugnação, a alegação de penhora incorreta ou avaliação errônea. Diante disso, na hipótese de o oficial de justiça não realizar a avaliação - por impossibilidade, nos termos do §2º do art. 475-J - procedendo apenas à penhora e respectiva intimação, o devedor não saberá se a avaliação foi errônea e, por conseguinte, não poderá alegar isso em impugnação. E como procederá? O mais razoável é que apresente impugnação com os fundamentos que lhe sejam possíveis até então e, a posteriori, apresente nova impugnação, especificamente para alegar, em sendo o caso, que a avaliação fora errônea.
O art. 475-L impõe modificações necessárias à adequação da execução à sua nova dinâmica, enumerando as causas que poderão fundamentar a impugnação do devedor. Nota-se que, em geral, as matérias a serem tratadas em sede de impugnação são equivalentes àquelas, objeto de embargos de devedor, nos termos do art. 741, do CPC. Vale destacar, apenas, o §2º, que dispõe: "quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação". Infere-se, na prática forense, que, nem sempre, é possível à parte quantificar, de imediato, o valor exeqüendo. Rejeitar liminarmente a impugnação em razão disso é por demais exagerado. Creio que tal dispositivo deva ser utilizado com certa cautela, demandando análise do caso concreto.
O art. 475-M determina que a impugnação não terá efeito suspensivo, podendo o juiz conceder tal efeito se relevantes seus fundamentos e se o prosseguimento da execução causar dano grave e de incerta reparação ao devedor. Impedir o efeito suspensivo automático da impugnação é medida que, de há muito, já poderia ter sido adotada, relativamente aos embargos de devedor, a fim de imprimir celeridade processual. Os casos em que os fundamentos forem relevantes à concessão do efeito suspensivo e houver dano grave de dificil ou incerta reparação, deverão ser analisados pelo juiz, concretamente.
Vale registrar que tais requisitos – fundamentos relevantes e grave dano de difícil ou incerta reparação - previstos no caput do artigo são concorrentes.
Além disso, importante destacar o §3º, no sentido de prever a interposição de agravo de instrumento, e não mais de apelação, contra as decisões em sede de impugnação, o que se deve, obviamente, à nova natureza da execução. Os comentários acima, relativamente ao recurso na liquidação de sentença, são extensivos a este dispositivo.
O art. 475-N é correspondente ao art. 584 do CPC, revogado pela Lei 11.232/2005, e enumera os títulos executivos judiciais, que se mantêm inalterados, salvo o inciso I, que excluiu da redação anterior a palavra condenatória como qualificadora da sentença, substituindo-a por "sentença que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia". Tal modificação se deve ao fato de que a atual lei considerada a classificação quinária das sentenças, para considerar títulos executivos também as sentenças mandamentais e executivas lato sensu.
O art. 475-O trata da execução provisória das sentenças, antes prevista no art. 588 do CPC, revogado pela Lei 11.232/2005. A redação do dispositivo foi praticamente mantida, no entanto, merece realce a inclusão de duas novas hipóteses em que se dispensa a caução na execução provisória, ambas previstas no §2º do inciso III do referido dispositivo. São elas: a) nos casos de créditos decorrentes de atos ilícitos, no limite de 60 salários mínimos, quando o exeqüente demonstrar situação de necessidade, tal como já ocorria com os créditos de natureza alimentar, por força do antigo art. 588 do CPC; b) nos casos de execução provisória que dependa de julgamento de agravo de instrumento, no STF ou no STJ.
Neste último caso, parece que a modificação se deve ao fato de que, na prática, tais recursos, dificilmente, são providos, nos tribunais superiores. Em geral, as decisões dos tribunais de 2º grau, denegando seguimento a recursos especial e extraordinário, são mantidas. Vale registrar que, desde 13/12/1963 e até o advento do código de 1973, com base na súmula 228, o STF, com fulcro no Código de 1939, entendia se tratar de execução definitiva aquela em que pendia de julgamento recurso extraordinário ou agravo destinado a fazê-lo admitir.
O parágrafo único do art. 475-P institui, além das regras de competência já existentes, previstas no art. 575, do CPC – em geral mantido - a possibilidade de o exeqüente optar, para dar cumprimento à sentença, pelo juízo do local onde se encontrarem os bens sujeitos à execução ou pelo juízo do atual domicílio do executado. Trata-se de regra de competência que merece destaque por comportar inovação que facilita o cumprimento da sentença (execução) e os atos de constrição, ampliando o acesso à Justiça, garantia fundamental do cidadão.
O art. 475-Q trata das indenizações por ato ilícito e da constituição do capital, nos casos de prestações de alimentos, substituindo, em parte, o art. 602, do CPC, revogado por força da Lei 11.232/2005.
Referido dispositivo permite ao Juiz a opção de determinar ao devedor a constituição de capital garantidor, em casos de indenização por ato ilícito em que haja prestação de alimentos. O art. 602, do CPC, antes vigente, impunha ao juiz que determinasse a constituição do capital garantidor, não lhe concedendo escolhas, salvo a caução fidejussória.
Nota-se tal alteração pela mudança no modo verbal utilizado na redação da Lei. O art. 602 preconizava: "(...) o juiz (...) condenará o devedor a constituir um capital, cuja renda assegure o seu cabal cumprimento (...)". Já a redação do art. 475-Q dispõe: "(...) o juiz, quanto a esta parte, poderá ordenar ao devedor constituição de capital, cuja renda assegure o pagamento do valor mensal da pensão (...)".
Tal modificação pode ter ocorrido em razão das outras hipóteses de garantia instituídas pela nova Lei, tais como, imóveis; títulos da dívida pública; aplicações financeiras em banco oficial; inclusão da vítima ou do beneficiário, em folha de pagamento de entidade de direito público ou de empresa de direito privado de notória capacidade econômica; fiança bancária; garantia real; enfim, outros meios capazes de assegurar o cumprimento efetivo da obrigação.
Todavia, ainda que assim seja, parecia-me mais razoável a redação anterior, uma vez que, havendo tantas alternativas na Lei, os Juízes podem vir a utilizá-las da forma como entenderem devido e, pela própria natureza da garantia, parece não ser recomendável haver "brechas" para distintas interpretações.
Para recompor o sistema, razoável será interpretar a nova norma de modo a tratar como regra de garantia ao cumprimento de obrigações a constituição do capital, devendo-se aceitar as demais hipóteses inseridas pela nova lei, apenas quando forem tão seguras e suficientes quanto a constituição do capital, tratando-as, destarte, como medidas excepcionais.