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As ações de ressarcimento ao erário nos atos de improbidade administrativa

Este trabalho busca analisar as justificativas favoráveis e contrárias ao fenômeno da prescrição nestes casos. Buscaremos apresentar os argumentos de ambos os posicionamentos e relacioná-los com a sua existência dentro da estrutura constitucional vigente.

Introdução

Sempre que violada uma norma na administração publica, busca-se identificar o agente responsável pela transgressão que, quando identificado, é submetido a processo administrativo para apuração da responsabilidade e imputação de possível punição prevista em lei. Em determinadas situações, esta ação do agente publico pode resultar em dano ao erário, com ou sem proveito do próprio agente, mesmo que a ação seja culposa. Motivo pelo qual existe a possibilidade de exigir que este agente venha a reparar o erário pelos danos sofridos, ações denominadas de ações de ressarcimento ao herário.

Esta é a pretensão do Estado em ver reparados os danos causados por atos de improbidade administrativa, aqui discutidos há posicionamentos que estipulam como necessidade que se impõe para que o princípio da supremacia do interesse público sejam mantidos inalterados. Há um grande clamor social que estamos experimentando no momento, que se baseia na imputabilidade de punições severas à aqueles que transgridem a lei, no resgate da confiança nas Instituições e na real punição dos responsáveis por desvios, atos de corrupção quando a eles é imputada alguma pena. Entretanto é necessário cautela quando ainda não estabelecida a culpa, não deveria haver pena sem antes ocorresse devido processo legal e que houvesse o transito em julgado, ultrapassadas todas as possibilidades de defesa do réu. Entretanto o numero de processos é grande, o numero de recursos possíveis é maior ainda, e com isso grande parte dos atos ilegais sofrem prescrição. Para que conseguíssemos alcançar êxito na maioria das ações, seja pela condenação ou por absolvição dos inocentes seria prudente que houvesse um aumento o numero de servidores do poder judiciário, mudanças que apurassem desempenho destes, premiando aqueles que desenvolvem um bom trabalho e identificando pontos críticos que atrasam o sistema, alem de modificações legislativas que possibilitassem uma tramitação mais rápida e o aumento dos prazos prescricionais, mas enquanto isto não se torna realidade é necessário celeridade do Ministério Público e do poder judiciário, que deve se movimentar para alcançar os ilícitos a tempo de que seja possível a devida responsabilização.

 Entretanto, uma vez que a lei estabelece lapso temporal para que o estado possa buscar a reparação causada determinados atos ilícitos, pode ocorrer o escoamento do tempo e o alcance do termo final com a prescrição da pretensão ressarcitória.

A discussão acerca da imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário nos atos de improbidade administrativa, apesar de recente decisão não unânime do Supremo Tribunal Federal acerca da possibilidade, encontra entendimentos divergentes desta posição, sendo que este trabalho busca analisar as justificativas favoráveis e contrárias ao fenômeno da prescrição nestes casos. Buscaremos apresentar os argumentos de ambos os posicionamentos e relacioná-los com a sua existência dentro da estrutura constitucional vigente.

Temos então o seguinte questionamento, a possibilidade de prescritibilidade de ações de ressarcimento ao erário nos atos de improbidade administrativa garante o interesse público e princípios constitucionais? Serão discutidos neste artigo a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário nos atos de improbidade administrativa e sua possibilidade de ser admitida frente à transgressão dos princípios que norteiam e erguem o arcabouço jurídico brasileiro e se a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário nos atos de improbidade administrativa pode conviver com a atual estrutura jurídico-constitucional sem que haja violação de seus princípios.

Desenvolvimento

O direito é uma ciência do dever ser, que nasce da vontade humana de estabelecer uma conduta ideal a ser seguida, muitas são as concepções sobre o que é o ideal, as vezes nos deparamos com posições contrarias, mas que consigo trazem argumentos que nos fazem debruçar sobre determinado tema e até mesmo mudarmos de idéia ao passo que descobrimos novas concepções e posicionamentos.

A imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário nos atos de improbidade administrativa encontra diversos posicionamentos conflitantes, de doutrinadores favoravéis e contra o tema, como Celso Antônio Bandeira de Mello:

“[...] ao ouvir a exposição feita no Congresso Mineiro de Direito Administrativo, em maio de 2009, pelo jovem e brilhante professor Emerson Gabardo, o qual aportou um argumento, ao nosso ver irrespondível, em desfavor da imprescritibilidade, a saber: o de que com ela restaria consagrada a minimização ou eliminação prática do direito de defesa daquele a quem se houvesse increpado dano ao erário, pois ninguém guarda documentação que lhe seria necessária além de um prazo razoável, de regra não demasiadamente longo (MELLO,2013).

Ora aqui, o sábio Celso Antônio Bandeira de Mello cita passagem de trexo que ouvira no Congresso mineiro de direito administrativo e elabora uma critica acerca do argumento utilizado para defender a necessidade de se estabelecer um prazo para que seja estabelecido ressarcimento ao erário por aqueles que praticaram determinado ato danoso. Segundo o professor Emerson Gabardo a imprescritibilidade fulminaria a própria possibilidade de defesa do réu, vez que a guarda dos documentos necessários para comprovar possível inocência nas acusações restaria prejudicada com o decurso do tempo.

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Assim como o argumento utilizado pelo ilustre professor , nos debruçamos também sobre posicionamento de doutrinadores que defendem a tese de imprescritibilidade, como a de José Afonso da Silva.

“É o princípio que consta do art. 37, § 5o, que dispõe: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porém, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus no sucurrit ius). Deu-se assim à Administração inerte o prêmio da imprescritibilidade na hipótese considerada.” (SILVA, 2005).

            Aqui podemos extrair dos ensinamentos de José Afonso da Silva de que não haveria sequer necessidade de discussão do tema, pois a propria letra da lei traduziria o comando a ser seguido, assim num breve leitura de interpretação não muito dificultada, quando da pratica de atos de improbidade administrativa, restariam prescritos quando do transcurso do tempo estabelecido pela própria lei, por quanto a necessidade de devolver a administração publica aquilo que dela foi retirado é uma exceção a regra e não estaria sujeita a prescrição.

Muita discussão sobre o tema pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, argumentos de forte estrutura são utilizados nos seus votos em diversas decisões, como os votos do MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES relator do recurso extraordinário RE 852475 e do MINISTRO EDSON FACHIN relator do acórdão que influenciou entendimento do STF nesse julgamento.

 Neste acórdão o MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES após apresentar satisfatória discussão acerca do tema votou pela seguinte tese:

“A pretensão de ressarcimento ao erário em face de agentes públicos e terceiros pela prática de ato de improbidade administrativa devidamente tipificado pela Lei 8.429/1992 prescreve juntamente com as demais sanções do artigo 12, nos termos do artigo 23, ambos da referida lei, sendo que, na hipótese em que a conduta também for tipificada como crime, os prazos prescricionais são os estabelecidos na lei penal” (BRASIL, 852475/SP, 2018).

No voto em recurso extraordinário RE 852475, o MINISTRO EDSON FACHIN aponta sua visão acerca do tema:

“[...] voto pelo parcial provimento do recurso extraordinário para (i) afastar a prescrição da sanção de ressarcimento e (ii) determinar que o tribunal recorrido, superada a preliminar de mérito pela imprescritibilidade das ações de ressarcimento por improbidade administrativa, aprecie o mérito apenas quanto à pretensão de ressarcimento” (BRASIL, 852475/SP, 2018).

Discussão

Não bastasse a pandemia que minguou as economias de muitos comerciantes e pequenos empresários por todos o pais e até pelo mundo, com a crise política que experimentamos que certamente influencia no desenvolvimento do pais e das decisões que dirigem nosso cotidiano, temos de discutir se haveria necessidade de devolver aos cofres públicos o resultado que ações que resultaram em dano. Hora, dos argumento apresentados, aquele que parece estabelecer o melhor resultado que levaria a justiça reside no posicionamento pela determinação de devolução dos valores apurados pelo dano causado, sem contudo  a imputação de punição que ultrapasse esse aspecto quando transcorrido o prazo prescricional, mesmo porque o erário lesado não atinge somente aqueles que vivem ou viveram em determinada época, mas tem seus efeitos estendidos a toda a eternidade.

Conclusão

A mudança é uma característica da própria construção humana, das necessidades sociais e da expectativa de superação dos problemas que determinada sociedade experimenta em certo recorte temporal de sua historia, motivo pelo qual múltiplas são as interpretações sobre o tema, muitos são os discursos, construções argumentativas nos fazem num mesmo momento discordar de nossa própria opinião. Muitas inda serão as decisões acerca do tema que deve forçar a sociedade a alcançar um ponto ideal ente a necessidade de punir e a necessidade de se punir de forma justa. Ainda não podemos aqui estabelecer qual seria este ponto ideal, nem saberemos dizer quando o alcançaremos, entretanto é possível anunciar que algo deve ser feito frente a lastimável situação que experimenta o povo brasileiro diante das noticias de desvios, corrupção, e falta de punição.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 19/11/2019.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão geral no recurso extraordinário 852475/SP, Relator: Min. Alexandre de Moraes. Diário de Justiça Eletrônico 058, Brasília, 25 de março de 2018. disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=749427786>. Acesso em 16/11/2019.

GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos De Pesquisa. 3 Ed. São Paulo : Atlas, 1991. Disponível em: <https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&cad=rja&uact=8&ved=2ahUKEwiF8qvk_OnlAhUJCrkGHWOgAoMQFjAAegQIAhAC&url=http%3A%2F%2Fwww.ie.ufrj.br%2Fintranet%2Fie%2Fuserintranet%2Fhpp%2Farquivos%2F031120162924_AntonioCarlosGil_ComoElaborarProjetosdePesquisa_EditoraAtlasCopia.pdf&usg=AOvVaw3Curqvmxy5fVFFEByellMc>. Acesso em 10/11/2019.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia do Trabalho Científico. 7 Ed. São Paulo (Sp): Atlas, 2014.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. Ed. São Paulo: Malheiros, 2013.

SILVA, José Afonso. Curso De Direito Constitucional Positivo. 25. Ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

           

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