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Ainda que o art. 225 da Constituição Federal preveja ser direito de todos os cidadãos um meio ambiente ecologicamente equilibrado, entendemos possível a aplicação do princípio da insignificância ao infrator que, embora surpreendido em atividade de pesca em local proibido, não capturou nenhum peixe.
Isso porque, se nenhum peixe foi retirado da água, não há qualquer ameaça ao bem jurídico tutelado. Até porque, o princípio da insignificância depende da análise de determinados requisitos, sobretudo, o da reincidência.
Logo, não há de se falar em condenação pelo mero fato de o infrator estar pescando em local proibido ou com apetrechos irregulares, porque estariam presentes os requisitos:
- mínima ofensividade da conduta;
- ausência de periculosidade social da ação;
- reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e,
- inexpressividade da lesão jurídica causada.
Aplicação do princípio da insignificância ao crime de pesca
A aplicação do princípio da insignificância é possível a casos de pouca relevância, já que o crime, como fato social que é, deve ser apreciado em sua integralidade, notadamente em relação à afetação do bem jurídico e ao desvalor da conduta.
O princípio da insignificância pode ser conceituado como aquele que permite desconsiderar-se a tipicidade de fatos que, por sua inexpressividade, constituem ações de bagatela, afastadas do campo de reprovabilidade, a ponto de não merecerem maior significado aos termos da norma penal, emergindo, pois, a completa falta de juízo de reprovação penal.
A propósito, sobre o assunto, a doutrina de Carlos Vico Mãnas[1]:
A Lei Penal jamais deve atuar em casos menores, de pouca ou escassa gravidade como o presente, e o princípio da insignificância surge justamente para evitar situações desta espécie, atuando como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, com o significado sistemático e político-criminal de expressão da regra nullum crimen sine lege. Que nada mais faz do que revelar a natureza fragmentária e subsidiária do Direito Penal.
Nesse mesmo sentido, com propriedade, preleciona o Min. Francisco de Assis Toledo[2]:
Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela própria denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocupar-se de bagatelas.
Sabe-se que, para que ocorra o reconhecimento do princípio da insignificância, necessário se faz que a conduta perpetrada pelo agente se revista, sobretudo, de lesividade mínima.
Em outras palavras, o bem atingido está destituído de qualquer valor, não justificando a movimentação da máquina estatal para punir o agente.
Crime ambiental do art. 34 da Lei 9.605/98
O delito de pesca está tipificado no art. 34 da Lei 9.605/98:
Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente:
Pena – detenção, de 1 (um) ano a 3 (três) anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Naqueles casos em que o infrator é surpreendido em local de pesca proibida, munido de apetrechos de pesca não permitidos em lei, porém, não chegou a capturar nenhum peixe, entendemos que não há grave ameaça ao bem jurídico tutelado.
Para que se conclua pela existência do delito, é necessário analisar os três elementos que compõem o conceito analítico de crime, ou seja, o fato típico, a antijuridicidade e a culpabilidade, necessariamente nesta ordem, de forma que, inexistente o fato típico, prescinde- se da investigação da ilicitude e assim por diante.
Por sua vez, o fato típico é formado por quatro requisitos: conduta, resultado, nexo causal e tipicidade.
A tipicidade, classicamente, é vista apenas sob o prisma formal ou, em outras palavras, importa, tão só, saber se há perfeita adequação da conduta ao tipo penal para concluir sua existência.
Contudo, pela função precípua do Direito Penal de proteger os interesses e valores relevantes para a sociedade e evitar a sua utilização descomedida, posicionamentos doutrinários surgiram para demonstrar a prescindibilidade desse ramo jurídico na regência de certos casos concretos.
Em tais casos, cindiu-se a tipicidade em formal e material. Enquanto aquela representa o conceito clássico de tipicidade, esta é definida como a conduta formalmente típica que causa um ataque intolerável ao objeto jurídico penalmente tutelado.
Conduta irrelevante
Ainda que em muitos casos a conduta do infrator se subsuma ao tipo penal do art. 34 da Lei 9.605/98, e se amolde à tipicidade subjetiva, pois presente estava o dolo de pescar, não ultrapassa a análise da tipicidade material, mostrando-se desproporcional a imposição de pena privativa de liberdade.
Isso porque, embora existente o desvalor da ação de pescar, por ter o infrator praticado uma conduta relevante, o resultado jurídico, ou seja, a lesão, é insignificante quando apenas estava no local de pesca proibida, mas sem nenhum peixe.
Entendemos que, se o infrator não capturou nenhum peixe, é de rigor a aplicação do princípio da insignificância, porque o crime, de natureza material, somente se consuma se houver a morte ou apreensão de peixe.
Com efeito, é caso típico para aplicação do princípio da insignificância, ou da bagatela quando não ocorrer qualquer lesão ao bem jurídico tutelado, até porque a criminalização de uma conduta somente se justifica se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico.
Realmente, o direito penal, por sua natureza subsidiária, de última ratio, somente deve ir até onde seja necessária a real proteção dos bens jurídicos, não podendo se ocupar de ofensas inexpressivas aos valores tutelados.
Por isso defendemos que o mero fato de portar apetrechos de pesca ou estar pescando em local de pesca proibida, constituiu mera infração de caráter bagatelar, à qual deve ser aplicado o princípio da insignificância, tido como causa supralegal de atipicidade penal ou, tipicidade conglobante.
Conclusão
O princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal, que não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima.
A sua relevância é indiscutível, na medida em que exclui da incidência da norma penal aquelas condutas cujo desvalor da ação ou do resultado (dependendo do tipo de injusto a ser considerado) impliquem uma ínfima afetação ao bem jurídico.
Por se assim, a conduta de pesca em local proibido, embora se subsuma à definição jurídica do crime ambiental e, em muitos casos, se amolde à tipicidade subjetiva, não ultrapassa a análise da tipicidade material.
Desse modo, mostra-se desproporcional a imposição de pena privativa de liberdade prevista no tipo penal do art. 34, sobretudo quando a ofensividade da conduta se mostrou mínima; não houve nenhuma periculosidade social da ação; a reprovabilidade do comportamento foi de grau reduzidíssimo e a lesão ao bem jurídico se revelou inexpressiva.
Por fim, mesmo que o infrator capture algum peixe, não se pode ter a conduta como ofensiva ao meio ambiente e passível de causar um desequilíbrio ecológico uma ação dessa natureza, ainda que levada a efeito em local interditado para pesca. Mas esse tema já tratamos aqui.
[1] MANÃS, Carlos Vico. Princípio da insignificância como excludente da tipicidade do direito penal. São Paulo: Ed. Saraiva, 1994, p. 56.
[2] TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos do direi- to penal. 5. ed. São Paulo, Saraiva, 2000, p. 133.
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