A Sucessão é um fenômeno jurídico no qual uma pessoa vem a tomar o lugar de outra por motivos diversos, assumindo direitos e obrigações.
Segundo Silvio de Salvo Venosa, “Suceder é substituir, tomar o lugar de outrem no campo dos fenômenos jurídicos. Na sucessão, existe uma substituição do titular de um direito.” (Venosa, 2017).
Destarte a sucessão se operar diante de uma transmissão de direitos (ou deveres) de qualquer natureza, o direito civil ocupa-se transmissão de bens, direitos e obrigações em razão da morte. É o direito hereditário, que se distingue do sentido lato da palavra sucessão, que se aplica também à sucessão entre vivos.[1]
Neste sentido “o Direito das Sucessões possui estreitos vínculos com o Direito de Família e com o Direito das Coisas, pois, de um lado, os herdeiros legítimos são membros da família (cônjuge, companheiro, descendentes, ascendentes, colaterais) e, de outro, a sucessão configura um dos modos de aquisição de propriedade.” (Nader, 2016).
Contudo, o direito civil pátrio é produto de muitas transformações no decorrer do tempo, tornando-o, hoje, mais igualitário, justo e isonômico, pois com a instauração da família patriarcal, nos primórdios da evolução humana, o homem exerceu o poder exclusivo sobre a nascente família monogâmica, estabelecendo o fim do direito materno.
Com o desmoronamento do direito materno e a derrota histórica do sexo feminino, o homem modificou a ordem de herança, abolindo afiliação feminina e o direito hereditário materno. Os descendentes da linha paterna passaram a permanecer na gens[2], ao passo que os descendentes de um membro feminino sairiam dela.
Adentrando no direito romano, a propósito da vocação hereditária, verificamos diversas transformações. Em suas origens, quando prevalecia o parentesco agnatício, a sucessão de patrimônio era manifestada através da sucessão da religião doméstica e do culto dos antepassados. A mulher casada, considerada in loco filiae[3] e como tal, não tinha patrimônio próprio, e, consequentemente, não se cogitava de sua sucessão por morte do cônjuge varão.
Mais tarde, o direito pretoriano introduziu melhoramentos apreciáveis, que resultaram no reconhecimento do parentesco cognatício para fins de sucessão. No mesmo período, com a decadência do casamento seguido da conuent io in manum, passou-se a ser prestigiado o casamento sine manu, pelo qual a mulher continuava vinculada à sua família de origem e, se sui iur is, seus bens não mais ingressavam no patrimônio da família do marido. (Pereira, 2017 p. 145)
Ainda em nosso Código Civil de 1916, o cônjuge estava em terceiro lugar na posição hereditária, o que já era uma melhora, visto que, nas palavras de Clóvis Beviláqua, na legislação civil anterior ao Código de 1916 estava em décimo grau, tão remoto que “se encontravam mais na condição de conterrâneos que de parentes.” (Pereira, 2017 p. 145).
Em que pese havendo situado o cônjuge sobrevivente na terceira classe de herdeiros legítimos, após os descendentes e os ascendentes do autor da herança, o Código Civil de 1916 condicionava sua vocação a que, ao tempo do óbito, não estivesse dissolvida a sociedade conjugal.
O Código Civil de 2002 alterou significativamente a posição do cônjuge na ordem da vocação hereditária. Tanto no sistema do Código Civil de 1916, quanto no atual, não há confundir o direito à herança, reconhecido ao cônjuge supérstite, com a sua meação. No sistema do Código de 1916, a meação era um efeito da comunhão, ao passo que o direito hereditário não dependia do regime de bens; no Código Civil de 2002, todavia ainda dependerá do regime de casamento escolhido.
Um ponto interessante, quanto à transmissão dos bens do de cujus aos seus herdeiros, é o princípio da Saisine, instituto que surgiu na Idade Média e foi instituído pelo direito costumeiro francês, como reação ao sistema do regime feudal. Por morte do arrendatário, a terra arrendada devia ser devolvida ao senhor, de modo que os herdeiros do falecido teriam de pleitear a imissão na posse, pagando para tal uma contribuição. Para evitar o pagamento desse tributo feudal, adotou-se a ficção de que o defunto havia transmitido ao seu herdeiro, e no momento de sua morte, a posse de todos os seus bens. (Gonçalves, 2017 p. 33).
Trata-se de princípio fundamental do Direito Sucessório, em que a morte opera a imediata transferência da herança aos seus sucessores legítimos e testamentários, visando impedir que o patrimônio deixado fique sem titular, enquanto se aguarda a transferência definitiva dos bens aos sucessores do falecido.
Pela saisine a transmissão se opera no plano teórico apenas, pois, no prático, fica na dependência de aceitação no inventário, cujo procedimento é simples, mas às vezes envolve litígios. Estes não são apurados no inventário, mas em ações próprias. A abertura da sucessão implica a transmissão da herança, independentemente de requerimento, tanto em favor dos herdeiros legítimos quanto dos testamentários. Os interessados podem até desconhecer a sua condição de herdeiros. (Nader, 2016 p. 54)
O Código Civil de 2002 demonstra plenamente o princípio da saisine em seu art. 1.784 onde dispõe que “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”. Portanto, nossa lei não se ateve à tradição romana, a qual aguardava um interregno, após a morte, com a delação e a adição da herança para passar os bens aos herdeiros. A questão entre nós merece destaque, tendo em vista as consequências da posse imediata por parte dos herdeiros. (Venosa, 2017)
Em consequência desses dispositivos, os herdeiros podem alienar validamente suas partes ideais na herança.
Cumpre sempre lembrar que o que se transmite com a morte é um patrimônio. Portanto, a referência à herança como um todo é abrangente dessa ideia (art. 1.784). No patrimônio, haverá domínio, é verdade, mas também débitos e créditos.
Referências
Dias, Maria Berenice. 2016. Manual de Direito das Famílias (Livro Eletrônico). Sao Paulo : Revista dos Tribunais, 2016.
educalingo. 2021. Educalingo. Educalingo. [Online] 03 de julho de 2021. https://educalingo.com/pt/dic-en/gens.
Foz, Marcela Gonçalves. 2014. https://www.migalhas.com.br/autor/marcela-goncalves-foz. MIGALHAS. [Online] 25 de maio de 2014. https://www.migalhas.com.br/depeso/201513/breves-apontamentos-historicos-sobre-o-direito-sucessorio-do-conjuge-e-do-companheiro.
Gonçalves, Carlos Roberto. 2017. Direito civil brasileiro, volume 7 : direito das sucessões. São Paulo : Saraiva, 2017.
Nader, Paulo. 2016. Curso de direito civil, v. 6: direito das sucessões. Rio de Janeiro : Forense, 2016.
Pereira, Caio Mário da Silva. 2017. Instituições de direito civil – Vol. VI / Atual. Carlos Roberto Barbosa Moreira. Rio de Janeiro : Forense, 2017.
Planalto. 2002. Codigo Civil - LEI N o 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. planalto.gov.br. [Online] Presidência da República, 10 de janeiro de 2002. [Citado em: 06 de julho de 2021.] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm.
Venosa, Sílvio de Salvo. 2017. Direito civil: sucessões. São Paulo : Atlas, 2017.
[1] A palavra “sucessão”, em sentido amplo, significa o ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens. Numa compra e venda, por exemplo, o comprador sucede ao vendedor, adquirindo todos os direitos que a este pertenciam. De forma idêntica, ao cedente sucede o cessionário, o mesmo acontecendo em todos os modos derivados de adquirir o domínio ou o direito.
A ideia de sucessão, que se revela na permanência de uma relação de direito que perdura e subsiste a despeito da mudança dos respectivos titulares, não ocorre somente no direito das obrigações, encontrando-se frequente no direito das coisas, em que a tradição a opera, e no direito de família, quando os pais decaem do poder familiar e são substituídos pelo tutor, nomeado pelo juiz, quanto ao exercício dos deveres elencados nos arts. 1.740 e
1.741 do Código Civil.
Nas hipóteses mencionadas, ocorre a sucessão inter vivos.
No direito das sucessões, entretanto, o vocábulo é empregado em sentido estrito, para designar tão somente a decorrente da morte de alguém, ou seja, a sucessão causa mortis. O referido ramo do direito disciplina a transmissão do patrimônio, ou seja, do ativo e do passivo do de cujus ou autor da herança a seus sucessores. (Gonçalves, 2017).
[2] Gens era uma instituição romana. O conjunto de famílias que se encontravam ligadas politicamente a uma autoridade em comum, o Pater Gentis. Usavam um nome em comum por se julgar descendentes de um antepassado comum. A gens tinha seu equivalente na Grécia com o nome genos, que se formava a partir de uma grande família consangüínia com um antepassado em comum. A gens ou genos é a unidade. Várias gens constituem uma fratria e várias fratrias uma tribo.
Os gens iniciais eram chamados de patriotas, os outros, de pebleus. (educalingo, 2021)
[3] Direito Romano considerava a mulher casada in loco filiae e como tal, podia herdar do marido, mas não dispor dos bens. Sendo alieni iuris, não tinha patrimônio próprio, e, consequentemente, não se cogitava de sua sucessão por morte do cônjuge varão. (Pereira, 2017)