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Poder Constituinte

Agenda 17/07/2021 às 16:05

O presente artigo visa apresentar o conceito de poder constituinte e trazer elementos desenvolvidos pela doutrina a respeito do tema.

          Introdução

          O direito constitucional como o conhecemos hoje, nem sempre existiu como um ramo do direito, sendo seu surgimento bem mais recente do que o do direito civil, por exemplo. Muitos autores apontam o francês Sieyès, como um dos primeiros a teorizar sobre o assunto. Diante disso, ele inaugurou o conceito de poder constituinte diferenciando-o dos demais poderes do Estado, por ser ele dele que se originam os demais e ele que os legitima. Diante do exposto, cumpre, inicialmente, compreender o que se entende por poder constituinte o qual, nas palavras de Bernardo Gonçalves Fernandes (2020, p.125), é “aquele poder ao qual incumbe criar ou elaborar uma constituição, alterar ou reformar uma constituição e complementar uma constituição.”.

          Poder Constituinte Originário

          A partir disso, dois outros conceitos emergem, quais sejam o de poder constituinte originário e poder constituinte derivado. Em relação ao primeiro, pode-se defini-lo como: “uma prerrogativa extraordinária que ocorre em um momento extraordinário e que visa à desconstituição de uma ordem anterior e à constituição de uma nova ordem constitucional” (FERNANDES, 2020, P. 129). Assim, esse poder é pertencente ao povo (ou à nação, conforme Seyès), o qual tem sua titularidade, podendo exercê-lo, em uma sociedade democrática, diretamente ou a partir de representantes eleitos (indiretamente).

          Doutrinariamente, o poder constituinte originário pode ser classificado quanto à sua dimensão e à sua manifestação histórica. Em relação à primeira categorização, diferencia-se o poder constituinte originário material e o formal. Assim, o primeiro refere-se às forças sócio-políticas pertencentes a determinado período histórico, as quais rompem com o status quo e criam as condições necessárias para que uma nova ordem possa reger a sociedade. A partir disso, emerge o poder constituinte formal, como uma decorrência do material, ao qual cabe redigir a nova carta política (considerando-se tratar de um povo que adote a magna-carta em sua modalidade escrita). Já no que diz respeito à manifestação histórica, distinguem-se o poder constituinte fundacional —o qual é aquele responsável por fundar, constituir um novo Estado— e pós fundacional, isto é, aquele que, em uma nação já existente, rompe com a ordem vigente e culmina com a elaboração de uma nova carta política.

          Ademais, é possível extrair características intrínsecas ao Poder Constituinte originário. Em primeiro lugar, ele é inicial, ou seja, a partir dele uma nova ordem jurídica inicia-se, ou conforme Bernardo Gonçalves Fernandes (2020, p.132): “se toda vez que surge uma nova constituição temos um Estado novo, então o Poder Constituinte Originário é sempre inicial, é o marco inicial da ordem jurídica e desse Estado.”. Em segundo lugar, ele é ilimitado, ou melhor, não sofre restrições em seu conteúdo por parte de nenhum ordenamento anterior. Todavia, de acordo com o Curso de Direito Constitucional de Gilmar Mendes e Gonet Branco (2018, p. 155-156) “O caráter ilimitado deve ser entendido em termos. Diz respeito à liberdade do poder constituinte originário com relação a imposições da ordem jurídica que existia anteriormente.”, assim, continuam os autores dizendo que, apesar disso “haverá limitações políticas inerentes ao exercício do poder constituinte.” (Branco e Mendes, 2018, p.156). Em terceiro lugar, ele é autônomo, isto é, não deriva de nenhum outro ordenamento jurídico —essa característica, para Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, estaria incluída em ser ilimitado—. Em quarto lugar, é o poder constituinte originário incondicionado, logo não está sujeito a limitações procedimentais, podendo ele próprio estabelecer sob quais regras formais deverá a lei maior ser aprovada. Por fim, em quinto lugar, há o atributo de ser permanente, ou melhor, seu titular (o povo) tem a prerrogativa de redigir uma nova constituição a qualquer momento, não se exaurindo esse poder com a instauração de uma nova. Dessa forma, ainda que o poder constituinte originário não se manifeste a todo instante, o povo não perde o direito de exercê-lo quando assim entender conveniente.

          Outrossim, o poder constituinte originário pode exprimir-se de duas maneiras distintas. Assim, ora pode manifestar-se por meio de outorga, quando, sem representação popular, um pequeno grupo de indivíduos ou apenas um somente elabora a constituição. Mas também, ora manifesta-se por meio da promulgação, quando o povo, diretamente ou mediante seus representantes, formula a lei básica do futuro Estado-Nacional.

          Questões Práticas Relativas ao Poder Constituinte Originário

          É possível ainda apontar algumas questões relativas ao poder constituinte originário as quais são debatidas nos tribunais. Trata-se da recepção, revogação e repristinação. Diante disso, considera-se recepção “uma revalidação das normas que não desafiam, materialmente, a nova constituição” (Branco e Mendes, 2018, p.162). Assim, esse fenômeno, o qual é atribuído a Kelsen ocorre sempre que não há choque entre a matéria de uma norma e a da nova constituição, independente de essa ter ou não seguido os ditames procedimentais exigidos pela nova carta. Nesse contexto, porém, é cabível ressaltar que, no direito brasileiro, essa regra não se aplica à normas constitucionais da magna-carta anterior. Ou melhor, malgrado haja disputa doutrinária (tendo-se, por exemplo, a posição de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda advogando que as regras da antiga constituição materialmente compatíveis com a nova continuariam em vigor; perdendo, contudo, o status de norma constitucional), prevalece no direito brasileiro a ideia de que “se a nova Constituição não prevê expressamente a desconstitucionalização, a Lei Maior anterior inteira fica superada.” (Branco e Mendes, 2018, p.166).

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          Já a revogação diz respeito aos casos em que a norma, anteriormente válida, não guarda relação com a nova constituição; sendo, por isso, retirada do ordenamento. Há ainda a tese da inconstitucionalidade superveniente, segundo a qual a norma, anteriormente válida, ao invés de ser revogada, é declarada inconstitucional. Contudo essa última tese não é aceita em nosso país, assim segundo a ADI 2-DF: “O vício da Inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente” (STF, 1997, online). A repristinação, por sua vez, refere-se a um fenômeno em que uma norma, válida em seu ordenamento, é revogada por uma constituição posterior. No entanto uma terceira constituição a revalida no ordenamento jurídico. Em regra, não se aceita o fenômeno da repristinação, a fim de se evitar insegurança jurídica, a menos que a terceira carta política expressamente o aceite, porquanto, na prática, estar-se-á, em verdade, criando norma idêntica àquela revogada, o que é permitido ao poder constituinte originário, por ser esse ilimitado.

          Poder constituinte derivado de reforma

          A discussão acerca do poder constituinte não se encerra com a elaboração da Lei Maior, uma vez que a sociedade está em constante mudança, logo seria inviável não permitir que a constituição tivesse meios de acompanhar a dinâmica social. Nesse contexto, emerge a importância do poder constituinte derivado de reforma (também cognominado de poder constituinte derivado, poder constituinte constituído, poder constituinte instituído e poder constituinte de segundo grau), o qual é responsável por alterar no decorrer do tempo o texto da constituição, com o intuito de atualizá-lo e readequá-lo aos ideais da população por ele regido; impedindo, assim, que o texto torne-se obsoleto.

          O poder constituinte instituído manifesta-se ao fazer revisões ou emendas no texto do poder constituinte originário, desse último distinguindo-se, uma vez que por esse é criado e a esse subordina-se. Por isso, é também dotado de uma série limitações, quais sejam as limitações temporais, circunstanciais, formais e materiais.

          As primeiras se referem a “uma determinação feita pelo próprio Poder Constituinte Originário no sentido de proibir ou impedir as manifestações do Poder Constituinte de Reforma em um determinado lapso temporal” (FERNANDES, 2020, p. 143). Já as restrições circunstanciais, de acordo com Gilmar Medes e Gonet Branco, dizem respeito a qualquer proibição constitucional à “mudança em certos contextos históricos adversos à livre deliberação dos órgãos constituintes, como a intervenção federal, estado de sítio ou estado de defesa” (CF, art. 60, § 1º)” (2018, p. 177). As terceiras tratam das obrigatoriedades procedimentais, isto é, tratam do dever do poder constituinte de segundo grau de seguir determinadas regras relativas ao modus operandi para realizar alterações na Lei Maior. As últimas consagram impedimentos à retirada (limites materiais de cunho superior) ou ao acréscimo (limites materiais de cunho inferior) de normas de determinadas matérias e temas considerados de maior relevância pelo Poder Constituinte Originário.

          Além disso, é possível que haja alterações na interpretação do texto constitucional, sem que em sua redação haja mudanças. Esse fenômeno denomina-se mutação constitucional, o qual ocorre quando —em decorrência da evolução da sociedade e do modo de se interpretar o direito e os fatos sociais— a norma constitucional passa a ser aplicada e lida por uma ótica diferente da que o foi em momento anterior. Contudo, a mutação constitucional não implica uma leitura fora dos parâmetros do que está escrito na regra. Portanto, é uma interpretação possível de uma regra, a qual, embora não fosse adotada em outro tempo, passou a o ser com a evolução social.

          Poder constituinte (derivado) decorrente

          Por fim, tem-se o poder constituinte decorrente, que é aquele por meio do qual cada estado-membro elabora sua Magna-carta, de modo a complementar a Lei Maior da nação, levando em conta suas peculiaridades. Esse também é dotado de restrições e subdivide-se em poder constituinte decorrente instituidor, como sendo aquele que incialmente elabora a constituição estadual e poder constituinte decorrente reformador ou anômalo, o qual é o que altera o texto originário, adaptando-o às mudanças sociais.

          Diante disso, possui esse poder certos atributos, os quais são: ser derivado, já que tem como fundamento de validade a constituição federal; subordinado, uma vez que é hierarquicamente inferior à Carta Política Federal; condicionado, visto vez que é passível de limites procedimentais impostos pela Magna-Carta Federal e limitado, porquanto não tem plena liberdade quanto às matérias, devendo, inclusive, no caso brasileiro repetir certas normas, tidas como de repetição obrigatória.

          Conclusão

          Destarte, é o conceito de poder constituinte bastante amplo, mas também de enorme relevância para o estudo do direito. Isso se deve a esse ser o poder o qual elabora o mais importante conjunto de normas de um ordenamento jurídico, do qual todas as demais regras, em última análise, extraem seu fundamento de validade.

Referências bibliográficas:

. STF. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: ADI- 02- DISTRITO FEDERAL. Relator: Ministro Paulo Brossard. DJ: 06-02-1992. 1992. Disponível em: <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur114170/false >. Acesso em: 17 de outubro de 2020

. FERNANDES, Bernardo. Título: Curso de Direito Constitucional. 12ª Edição. Belo Horizonte- MG: Editora JusPodivm, 2020;

. MENDES, G.; BRANCO, P. Curso de Direito Constitucional. 13ª Edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

Sobre o autor
Felipe de Castro Santos

Graduando de direito na Universidade de Brasília (UnB) Instagram: castrosantosfelipe0809 email: castro.felipesantos@gmail.com

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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