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A greve e a relevância da consideração da negociação prévia na solução do dissídio coletivo

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Agenda 19/07/2021 às 18:29

O ajuizamento de dissídio coletivo e a resolução da greve pela Justiça do Trabalho deve observar disposições convencionadas anteriormente?

INTRODUÇÃO

A greve é uma suspensão coletiva, temporária, pacífica, total ou parcial da prestação do trabalho ao empregador. Reconhecida como direito constitucional do trabalhador, exercida coletivamente, a greve consiste em um instrumento de pressão dos trabalhadores que tem por escopo trazer o empregador à mesa de negociações a fim de que seja possibilitada a evolução das relações de trabalho.

Considerado direito fundamental, a greve trata-se de um instrumento da efetivação do direito à negociação coletiva voltada para a concretização de garantias destinadas a resguardar a pessoa humana, objetivando a melhoria das condições sociais dos trabalhadores.

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 9.º, dispõe sobre a garantia do direito de greve aos trabalhadores, competindo a estes a decisão sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. No entanto, o mesmo ordenamento jurídico destinado a estabelecer o modo do exercício do direito à greve também apresenta alguns dispositivos cujas interpretações podem nos conduzir a deduções diversas quanto ao seu conteúdo, sendo que o entendimento restritivo, não raramente, pode frustrar a solução democrática do conflito.

Refiro-me ao art. 114, §2.º, da Constituição Federal de 1988, o qual dispõe sobre o ajuizamento de dissídio coletivo em que a Justiça do Trabalho decide o conflito com a estrita observância das disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as “convencionadas anteriormente”.

A doutrina e a jurisprudência remetem da expressão “convencionadas anteriormente” a uma interpretação restrita aos Acordos Coletivos de Trabalho e as Convenções Coletivas de Trabalho já estabelecidos, olvidando-se de todo esforço das partes convenentes na busca pela melhor solução para o atual conflito.

É neste ponto que proponho uma análise pormenorizada, com fundamento na autonomia da vontade coletiva e a valorização dos meios extrajudiciais de solução de conflitos. Sabemos que nem sempre as negociações coletivas alcançam o objetivo almejado, resultando, consequentemente, na procura da Justiça do Trabalho como meio de pacificação do conflito. Ocorre que, data vênia aos entendimentos divergentes, o poder normativo como forma de solução de conflitos coletivos de trabalho tem sido alvo de duras críticas pela doutrina, visto que no julgamento do magistrado, por sua condição, está desprovido de conhecer a realidade das partes, bem como conhecer os motivos locais e relacionais que originaram determinado conflito. Deste modo, entendo que as decisões impostas pela Justiça do Trabalho, por meio das sentenças normativas, não são plenamente adequadas ao caso concreto.

Neste contexto, cabe trazer à baila as palavras de Paulo Sergio João as quais afirmam que “a decisão judicial em dissídio coletivo resolve o processo, mas não o conflito”.

Pautaremos o presente estudo na negociação prévia, caracterizado como um dos requisitos formais para a efetivação do direito de greve, conforme estabelecido na Lei n.º 7.783/89 - Lei de Greve, bem como no art. 114, §2.º, da CF/88, cuja hermenêutica sustentará a observância das disposições anteriormente convencionadas na ocasião do dissídio coletivo.

Para a hermenêutica proposta serão abordados os seguintes aspectos:

  1. A lei de greve;
  2. efetivação do direito de greve;
  3. titularidade do direito de greve; requisitos para a deflagração da greve;
  4. procedimento negocial;
  5. restrições ao direito de greve;
  6. abuso do direito de greve;
  7. a autonomia da vontade coletiva;
  8. o poder normativo e o dissídio coletivo;
  9. aspectos relevantes quanto ao termo "convencionadas anteriormente"; e,
  10. a relevância da consideração da negociação prévia na solução do dissídio coletivo.


1. A LEI DE GREVE

Diversos foram os fatores que conduziram ao estabelecimento de uma norma que regulamentasse a matéria, tendo, neste contexto, considerável destaque o reconhecimento da greve pela Constituição Federal de 1988, bem como a necessidade de regulamentação das várias greves que ocorriam nesse período.

Diante das circunstâncias sociais e econômicas vivenciadas pela sociedade brasileira nos 80, árdua tarefa ficou a cargo dos legisladores, os quais pretendiam a criação de normas restritivas de direito contrapondo as modificações introduzidas pelo Congresso Nacional, todas de cunho liberalizante. Essa celeuma, igualmente afetou as forças sociais interessadas, as quais não expressavam entendimento uniforme sobre o assunto. Neste contexto, surgiram entendimentos da greve como um direito irrestrito e ilimitado, bem como, ao seu contraponto, entendimento da grave como ato passível de constrangimento e punição.

Frente à diversidade de entendimento, o Poder Legislativo se omitiu quanto ao tema, porém, a frequência de greves em atividades essenciais repercutiu negativamente sobre considerável parte da população, de modo que o Estado se viu provocado a regulamentar o assunto.

Nesse contexto, surge a Medida Provisória n.º 50[1], com nítido objetivo restritivo em relação à greve, tais como a prévia formalização do estado de greve, enumeração das atividades essenciais e condicionamento da greve à garantia do atendimento dos serviços inadiáveis à comunidade, requisição civil de pessoas para a prestação desses serviços e a penalização, no âmbito penal, para atos considerados abusivos ou excessivos. Embora a Medida Provisória n.º 50 tenha sido considerada conveniente, foi severamente criticada por seu caráter inibitório do direito de greve.

Durante a vigência da referida Medida os entendimentos acerca do assunto não se pacificaram, fato que impediu sua aprovação pelo Congresso, forçando o Poder Legislativo a reproduzir o expediente na Medida Provisória n.º 59[2] em busca da elasticidade temporal para buscar consenso de entendimento das lideranças partidárias.

Pouco depois, o Projeto de Lei de conversão da Medida Provisória n.º 59 resultou na aprovação, pelo Congresso, da Lei n.º 7.783[3], de 28/06/89, a qual passou a reger a matéria de maneira mais especifica e flexível.

Na edição da Lei n.º 7.783, o constituinte procurou observar na norma algumas regras constitucionais, tal qual a garantia do direito de greve e a garantia da prestação de serviços essenciais à comunidade.

A norma não conceituou o abuso de direito, antes, limitou-se a caracterizá-la como inobservância das exigências da lei. Outro aspecto relevante se verificou com a simplificação dos procedimentos, resultante da eliminação das formalidades anteriormente previstas, como os previstos na Lei n.º 4.330, de 1964[4].

A Lei n.º 7.783, também merece destaque quanto à descriminalização da greve, com exceção, obviamente, feita aos ilícitos praticados nos termos da lei penal.

Por fim, para sintetizar os objetivos da Lei de Greve, valho-me das palavras de Paulo Sérgio João[5], “a lei ordinária cuida dos requisitos formais para a paralisação coletiva do trabalho, regras de comportamento antes, durante e após a cessação da greve, relaciona quais são os serviços considerados essenciais e que exigem dos grevistas cuidados especiais, e finalmente, estabelece a obrigatoriedade de retorno pelos trabalhadores à atividade profissional após a celebração de acordo ou convenção coletiva de trabalho ou decisão da Justiça do Trabalho e, finalmente, punição para os atos praticados em desconformidade ao exercício do direito de greve.”.

2. EFETIVAÇÃO DO DIREITO DE GREVE

Para que ocorra a efetivação do direito, é relevante a determinação dos elementos constitutivos da definição legal da greve, isto porque, durante a tentativa de resolução do conflito, só há respaldo e garantia constitucional para o comportamento que se subsume às regras estabelecidas pela lei.

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Nesse trilho, assevera Amauri Mascaro Nascimento que “não haverá a disponibilidade dessas garantias quando o comportamento do grupo estiver sem sintonia com os elementos constitutivos da definição, por força do princípio da legalidade no sentido de correspondência entre as garantias conferidas por um direito e a tipicidade do ato social e sua exata correspondência com a descrição legal[6].”.

Deste modo, os requisitos formais para a efetivação do direito de greve encontram-se estabelecidos na Lei n.º 7.783/89, quais sejam: a) a negociação prévia, b) a assembléia dos trabalhadores na forma dos estatutos sindicais para decidir sobre a paralisação, c) a comunicação ao empregador com prazo de 48 horas para as atividades não essenciais e de 72 horas pata as atividades essenciais.


3. TITULARIDADE DO DIREITO DE GREVE

O direito de greve consiste em um instrumento de pressão do trabalhador na luta por sua dignidade e melhores condições sociais e de trabalho, bem como pelo reconhecimento e efetivação de seus direitos.

Ao tratar da greve, Antônio Lamarca destaca que “a elevação do instituto à categoria de direito constitucional é, como vimos, a consequência de labor secular e representa uma forma transacional de solução para certas contradições não do Estado, mas da própria sociedade capitalista.”[7].

Costumeiramente, no Brasil, a greve apresenta-se como um direito coletivo atribuído à entidade sindical, porém, de fato a natureza do direito é outra, como bem aponta Claúdio Armando Couce de Menezes[8] que “tal assertiva, porém, contraria expressamente a Constituição em vigor que, no seu art. 9º, caput, dispõe com clareza que cabe aos trabalhadores - e não aos sindicatos - a decisão sobre os interesses a defender e a oportunidade da realização da greve.”.

O autor entende que há na doutrina brasileira uma construção de que a Lei 7.783/89, também conhecida como Lei de Greve, seria adstrita aos sindicatos, devido ao dispositivo do seu art. 4.º[9], a qual dispõe sobre a convocação da assembléia geral pelo sindicato e que é interpretada sob uma ótica restritiva.

O contraponto deste entendimento encontra amparo na própria leitura do texto Constitucional que transcende o próprio conteúdo, envolvendo ainda o sistema jurídico e os Tratados e Convenções sobre o tema. Não cabe ao legislador ou o aplicador da lei limitar, deliberadamente, o alcance de princípios e regras constitucionais conforme o disposto nas normas ordinárias, que deveriam tratar dos Direitos Fundamentais sob a ótica de sua efetividade.

A natureza coletiva da greve e o disposto no art. 8º, III[10], da Constituição Federal Brasileira que atribui a representação coletiva aos entes sindicais, não exclui a possibilidade dos obreiros exercerem esse Direito Fundamental em conjunto ou até contra a vontade dos sindicatos, sem falar evidentemente, da hipótese em que não haja entidade sindical organizada. Na visão de Claúdio Armando Couce de Menezes[11], inúmeros seriam os fundamentos que conduziriam à tal conclusão, dentre os quais a existência de Tratados e Convenções Internacionais sobre o tema, o direito comparado, a jurisprudência da OIT, razões de ordem sociológica, princípios de direito coletivo, além do art. 9.º[12] da Constituição Federal de 1988.


4. REQUISITOS PARA A DEFLAGRAÇÃO DA GREVE

Em períodos de crise econômica, reduz-se a demanda por empregados, pelo que, ante a maior oferta de mão-de-obra, perdem eles parte de sua capacidade de negociação, aumentando a assimetria entre os atores da relação de trabalho, a qual pode ser maior ou menor, dependendo da dinâmica econômica.

Henrique Macedo HINZ aponta que “quando os empregados, reunidos em torno do seu sindicato, estabelecem um processo negocial com um ou mais empregadores, tal assimetria desaparece [...] ainda com a possibilidade de deflagrarem um movimento de greve, fazem desaparecer a assimetria, tornando possível a igualdade entre os agentes. Decorre, aliás, deste principio a inaplicabilidade as relações coletivas de trabalho da maioria dos princípios regentes das relações individuais, e o principal deles — o da proteção, do qual provem o da norma mais favorável — é substituído pelo da autonomia privada coletiva. [13]

Dispõe o Art. 1º, da Lei 7783/89: É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. Contudo, para o seu legal exercício, sob o aspecto formal, a lei fixou etapas para a deflagração da greve, cuja inobservância acarreta no reconhecimento da ilegalidade ou abusividade. Os requisitos impostos pela de Greve deverão ser estritamente observados, são eles: a negociação prévia, a assembléia deliberativa do sindicato ou interessados para decidir sobre as reivindicações e a paralisação, depois de exaurido e frustrada a negociação coletiva e verificada a impossibilidade de recurso à arbitragem (art. 3.º)[14], sendo que as formalidades de convocação, o quorum para deliberação e a deflagração são as estabelecidas no estatuto do sindicato (art. 4.º, § 1º)[15]; a notificação prévia de greve ao sindicato patronal ou ao empregador com antecedência mínima de 48 horas (art. 3.º, parágrafo único)[16] e 72 horas nas atividades essenciais, sendo essa notificação extensiva aos usuários (art. 13)[17].

Deste modo, para a efetivação do exercício do direito de greve e da autonomia da vontade coletiva devem ser observados os requisitos formais que se encontram estabelecidos na Lei n.º 7.783/89, que regulamentou a matéria. Sucintamente, a lei prevê como requisitos a negociação prévia, a assembléia dos trabalhadores na forma dos estatutos sindicais para decidir sobre a paralisação, a comunicação ao empregador com prazo de 48 horas para as atividades não essenciais e de 72 horas para as atividades essenciais.


5. PROCEDIMENTO NEGOCIAL

Para que o processo negocial se realize, importa que uma das partes chame a outra para a negociação. Quanto a este aspecto, importa destacar que ante a possibilidade do processo negocial restar infrutífero, necessário se faz a comprovação dos motivos da não celebração de acordo ou convenção coletivos de trabalho. Portanto, todas as fases da negociação, desde as assembleias deliberativas, convocações e as negociações propriamente ditas devem estar na forma escrita, documentada, de modo que suas atas sejam redigidas e assinadas pelas partes negociantes.

Anteriormente à convocação da parte contrária para a negociação, é importante que tenha sido elaborado a pauta de reivindicações, contendo o rol de direitos e obrigações que se pretende incluir no instrumento coletivo a ser celebrado.

A pauta de reivindicações deve ser elaborada na ocasião da assembléia geral, convocada especificamente para tal ato, devendo ser, criteriosamente, observadas as disposições legais e estatutárias que estabelecem a forma do ato, as quais devem, igualmente, constar detalhadamente na ata da assembléia.

Nesse trilho, cabe destacar os apontamentos de Henrique Macedo Hinz o qual afirma que “costuma-se colocar nessa assembléia, como ordem do dia (rol de assuntos a ser nela discutidos), não só a convocação para a elaboração da pauta de reivindicações, senão também a escolha da comissão de negociação, eventual autorização para instaurar dissídio coletivo, caso restem frustradas as tratativas [...] Recebidos pela parte contrária a pauta de reivindicações e o convite à negociação, deverá ela proceder à realização de sua assembléia geral, caso se trate de entidade sindical patronal. Nessa assembléia, em que também devem ser observados os prazos e condições estatutárias, a categoria patronal discutirá as pretensões da classe dos trabalhadores, podendo mesmo apresentar, junto com sua contraproposta, novas questões a ser fixadas nos instrumentos normativos.[18]

Por seu turno, Amauri Mascaro Nascimento destaca que as assembleias sindicais estão entre as manifestações sindicais de maior importância, pois representam fonte maior do poder de decisão do sindicato na representação da categoria.[19]

Nesse sentido, o autor assevera que “a assembleia é a fonte de decisões, e será geral ou extraordinária, dela participando os associados do sindicato nas suas votações, para deliberações vitais, como a deflagração de greve, a autorização à diretoria para fazer negociações coletivas, a escolha de listas de representantes sindicais nos órgãos do Estado, as eleições sindicais de diretoria etc.”[20].

Por seu turno, Antônio Lamarca destaca que “para que haja greve, no sentido do Direito Coletivo do Trabalho, é de mister um prévio acôrdo, com vistas a um interesse de categoria ou, pelo menos, da maioria de um grupo de trabalhadores.”[21].

Para Octávio Bueno Magano, o procedimento para o exercício da ação coletiva (dissídio), é condição obrigatória a tentativa de prévia negociação ou de arbitragem. Nesse sentido, assevera o autor que “a exigência, constante do § 2.º, do art. 114, da Constituição, guarda paralelismo com o § 4.º, do art. 616, da CLT, onde se lê o seguinte: Nenhum processo de dissídio coletivo de natureza econômica será admitido sem antes se esgotarem as medidas relativas à formalização da convenção ou acordo correspondente. Tanto num caso como no outro está presente o desígnio de favorecer procedimentos de autocomposição”[22].

Importa destacar a relevância que os tribunais trabalhistas conferem à efetiva negociação como condição para o processamento dos dissídios coletivos, condições que, quando não observadas, torna o direito de greve abusivo, conforme previsão da Lei 7783/89, art. 3º[23] e o entendimento expresso pela OJ nº 11, SDC, TST[24].

Nesse mesmo contexto, seguem as Orientações Jurisprudenciais 8[25], 29[26] e 32[27], todas da SDC do TST, entre outras normas, dispondo sobre a necessidade da obrigatoriedade da etapa negocial, da convocação para a assembleia geral, da pauta reivindicatória, da tentativa de solução pacífica do conflito e a apresentação fundamentada das reivindicações.

É pacífico o entendimento da jurisprudência quanto à necessidade de comprovação do cumprimento do requisito da negociação prévia anterior ao estabelecimento do dissídio coletivo. Sem a comprovação desse requisito o processo será extinto sem a resolução do mérito[28].

6. RESTRIÇÕES AO DIREITO DE GREVE

Parte da doutrina classifica as restrições de greve conforme critérios objetivos, relacionados ao seu conteúdo e finalidade, bem como das irregularidades do seu exercício; e subjetivo, vinculado aos sujeitos ativos.

A Lei 7.783/89 em seu art. 2.º estabelece o conceito legal da greve, considerando como legítimo o exercício da greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação de serviços a empregador[29]. Conforme se depreende da redação legal, o legislador estabeleceu uma série de restrições ao direito de greve.

Nesse compasso, o procedimento estabelecido pela Lei de Greve fixa algumas limitações de seu exercício, admitindo, deste modo, a deflagração da greve somente após a frustração das negociações ou verificada a impossibilidade de recurso via arbitral.

Assim, importa destacar que devem ser observados os critérios para a convocação, deliberação e deflagração da greve, visto que, embora a lei tenha conferido autonomia ao sindicato para tal procedimento, deverá este seguir rigorosamente as formalidades previstas em estatuto para a realização da assembléia geral.

7. ABUSO DO DIREITO DE GREVE

A definição de abuso do direito, que torna a greve abusiva, está prevista, genericamente, no artigo 14 da Lei de Greve, nos seguintes termos: “Constitui abuso do direito de greve a inobservância das normas contidas na presente Lei, bem como a manutenção da paralisação após a celebração de acordo, convenção ou decisão da Justiça do Trabalho.”.

Portanto, é considerado abuso de direito de greve a inobservância das normas[30] contidas na Lei 7.783/89, o que dá à figura até uma amplitude, de certa forma, maior do que resultaria o delineamento de um conceito.

Neste prisma, Amauri Mascaro Nascimento assevera que “a lei não é uma inutilidade e tem a função maior e inafastável de promover, através de medidas de garantia aos trabalhadores e aos sindicatos, e, de outro lado, de instrumentos desestimuladores da violência dos excessos, o indispensável equilíbrio entre os interesses que envolvem os trabalhadores, os empregadores, o governo e a sociedade, partes componentes da problemática dos conflitos coletivos de trabalho[31].”.

A doutrina classifica o abuso de direito segundo aspectos formais e materiais. A esse respeito, merece destaque o aspecto formal, o qual Nascimento esclarece: “É formal o abuso de direito quando a greve é iniciada com a inobservância das exigências do procedimento legal, pela não realização de assembléia para deliberação, pela falta de aviso prévio ao empregador e pela falta de comunicação prévia da greve aos usuários dos serviços essenciais[32].”.

Enquadram-se no abuso de direito, dentre outras, as condutas das entidades sindicais ou comissão eleita o descumprimento das obrigações a que estão sujeitas pela lei, como o descumprimento do dever de tentar a prévia negociação com o empregador, conforme estabelecido pelo art. 3.º da Lei de Greve. Em outras palavras, frustrar a negociação, no sentido de não tentar o diálogo, é abuso de direito.

Por este e outros aspectos até aqui apresentados é que salientamos a importância da negociação coletiva realizada previamente à deflagração da greve e consequente instauração do dissídio.

8. A AUTONOMIA DA VONTADE COLETIVA

Consagrado pela Constituição Federal de 1988, o princípio da autonomia coletiva dispõe sobre o reconhecimento dos acordos e convenções coletivas, estabelecendo a autonomia da vontade coletiva, permitindo as partes o estabelecimento de normas jurídicas específicas e adequadas ao ambiente de trabalho, conforme seus interesses.

Idealizada sobre o pilar da paridade de armas, em que se destaca o equilíbrio entre o poder do capital e os trabalhadores, o qual somente é possível por meio das negociações coletivas que se revelam como valiosos instrumentos para a expressão da autonomia da vontade coletiva.

Em contraposição ao princípio protetivo ao empregado, nascido a partir das prerrogativas conferidas aos trabalhadores no contrato de trabalho, a Constituição Federal, sobretudo após reconhecer as mudanças nas relações de trabalho de um contexto neoliberalista e aderir ao fenômeno da flexibilização no intuito de abrandar a rigidez legal, consagrou amplamente nos artigos 7º, incisos 7º, VI, XIII, XIV, XXVI, e 8º, VI, o princípio da autonomia privada coletiva, que, segundo a doutrina, vem a ser um princípio cuja expressão do pluralismo político, por meio das negociações coletivas, assegura aos grupos sociais, empregados e empregadores, o direito de elaborar normas jurídicas a partir da fixação das condições de trabalho aplicáveis às peculiaridades do ambiente laboral[33].

O princípio da autonomia da vontade coletiva guarda íntima relação com o princípio da liberdade sindical, o qual foi fortalecido pela CF/88, responsável por extinguir o sistema intervencionista e o excessivo controle por parte do Estado sobre a estrutura dos sindicatos, promovendo, desta maneira, maior atuação dessas entidades. É essa liberdade dos sindicatos que fundamenta a autonomia coletiva, exercida por meio das negociações coletivas que dão origem às convenções e acordos coletivos de trabalho.

Importante consideração faz Renato Rua de Almeida a respeito da natureza jurídica dos instrumentos de negociação coletiva ao citar Michel Despax, o qual afirma que “a convenção coletiva é essencialmente contratual no seu processo de elaboração, uma vez que a autoridade pública não pode substituir as partes para elaborar o acordo que regerá suas relações”. [34]

Ao tratar de conflitos decorrentes das relações de trabalho na esfera coletiva, pode-se afirmar que a negociação coletiva é um dos métodos de solução de conflitos que apresenta maior relevância, visto que ao utilizar-se da autocomposição, a solução da controvérsia se dá pelo entendimento das próprias partes segundo seus próprios interesses. Deste modo, merece destaque o fato de que a autonomia da vontade coletiva é a principal fonte de ampliação dos direitos trabalhistas.

Nas palavras de Maurício Godinho Delgado “a autocomposição ocorre quando as partes coletivas contrapostas ajustam suas divergências de modo autônomo, diretamente, por força e atuação próprias, celebrando documento pacificatório, que é o diploma coletivo negociado.”[35].

Neste contexto, emergem como instrumentos de promoção da negociação coletiva trabalhista as Convenções nº 98 e 154 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, as quais fomentam a negociação coletiva voluntária e protegem os trabalhadores quanto ao exercício do direito de sindicalização, estimulando a liberdade sindical e de negociação.

A autonomia da vontade coletiva, embora ampla, não é ilimitada, pois direitos mínimos de observância obrigatória são impostos pelo Estado. Deste modo, não se admite, sob pena de nulidade, a autonomia coletiva quando esta infligir norma de ordem pública e de ordem geral.

Conclui Renato Rua de Almeida, que a autonomia coletiva das vontades dos empregados e empregadores, expressadas através, sobretudo, dos instrumentos jurídicos da convenção coletiva e acordo coletivo, como meios de autocomposição dos conflitos coletivos do trabalho, encontra sua justificativa na evolução dos fatos sociais e na necessidade de serem encontradas soluções justas para a relação entre empregados e empregadores[36].

A justificativa da autonomia da vontade coletiva, comum nos modelos de pluralidade sindical, reforça a necessidade da evolução do modelo jurídico de representação sindical brasileiro, visto que por meio deste instrumento empregados e empregadores podem ajustar entre si as melhores condições da prestação do trabalho. Neste sentido de desenvolvimento, o Brasil já ratificou a Convenção 98 da OIT, contudo, para que ocorra o rompimento dos obstáculos que impedem a plenitude das negociações coletivas e o abandono do modelo corporativista, com fundamento na autonomia da vontade da coletividade, necessário se faz a ratificação da Convenção 87 e 135 da Organização Internacional do Trabalho para que o progresso social no âmbito juslaboral seja uma realidade factível.

Contudo, enquanto essa tão almejada ratificação não acontece, faz-se necessário o aperfeiçoamento dos métodos disponíveis para a prevalência das negociações coletivas, ou seja, da autonomia da vontade coletiva.

Sobre o autor
Jefferson Alexandre da Costa

Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP; Pós Graduado em Ciências Jurídicas, Pós-Graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil, Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho; Graduado em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pela Unicsul. Consultor Jurídico. Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Informações sobre o texto

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