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Legislação, Saúde e Ações Governamentais contra o Coronavírus

Reflexões sobre a injusta comparação entre a legislação brasileira e as decisões do Governo Federal: O Brasil sem rumo

Agenda 21/07/2021 às 18:35

Análises sobra a atuação do Estado brasileiro em relação a pandemia de Coronavírus sob a óptica da Constituição Federal e demais legislações brasileira.

A legislação brasileira é bastante rica, com ampla área de abrangência e grande quantidade de dispositivos legais, até merecendo por vezes a crítica de ser exageradamente densa e abrangente.

Em relação as alternativas para possíveis tratativas nesta pandemia de Coronavírus, a legislação brasileira também nos oferece variadas alternativas e boas soluções, mas parece que o atual Governo Federal (incluindo o Presidente, Ministério da Saúde e demais agências e secretarias relacionadas) não compreende de modo efetivo a própria legislação do país que governam.

Neste sentido, a Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988 esclarece já no artigo 6º que “são direitos sociais”, entre outros, “a saúde”, afirmando no artigo 23, inciso II, que é “competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência pública”. Não obstante, o artigo 24, XII, afirma que “compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre proteção e defesa da saúde”, deixando claro o cuidado com a saúde dos brasileiros deve ocorrer em estratégias tanto Federais como Estaduais, havendo ainda a participação dos municípios na prestação de cooperação técnica e serviços de atendimento à saúde da população, como prescreve o artigo 30, inciso VII.

De igual modo, a Constituição Federal Brasileira possui um capítulo intitulado “Da Ordem Social” com uma sessão exclusiva para tratar sobre a “Saúde”, do artigo 196 ao artigo 200. Logo no início desta sessão o artigo 196 informa que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Em artigos seguintes, a carta magna informa que as ações e serviços de saúde são de relevância pública, com execução feita diretamente pelo Poder Público, mas também através de terceiros, inclusive pessoa física ou jurídica de direito privado, de modo descentralizado, com atendimento integral e prioridade para as atividades preventivas. E o artigo 199 reitera que a “assistência à saúde é livre à iniciativa privada”.

Consoante o prescrito na Constituição Federal, a Lei organizou o Sistema Único de Saúde no Brasil (SUS), definiu o funcionamento dos serviços de saúde e deu outras providências, repetindo em seu artigo 2º que “a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições nº 8.080/1990 indispensáveis ao seu pleno exercício”. Esta Lei nº 8.080, entre outros, novamente apresentou dispositivos que exaltam o caráter descentralizado, universal e igualitário dos serviços em saúde, além de atribuir competências, responsabilidades, direitos e deveres ao Governo Federal, Estados, Distrito Federal, Municípios, e até a iniciativa privada no que se refere à prestação de saúde. Ademais, o artigo 20 e outros esclarece que os serviços privados de saúde (de capital nacional ou estrangeiro) tem autonomia para atuar na promoção, proteção e recuperação da saúde, inclusive com atividades de prevenção, sendo autorizado a vacinação por entes privados.

Na mesma senda, o Decreto Federal nº 7.508/11 trata de aspectos específicos em relação ao SUS (em complemento à Lei nº 8.080/1990) e, entre outros, determina a regionalização do planejamento em saúde, explicando que o planejamento na área da deve ser delimitado conforme as características culturais, econômicas e sociais de cada região brasileira, levando-se em conta ainda características da infraestrutura, meios de transporte, redes de comunicação e outros aspectos regionais. A despeito disso, o referido decreto repete o caráter universal e igualitário da saúde, definindo que as ações e serviços de saúde devem ser iniciados no SUS, completados na rede regionalizada, mas, em função da descentralização, pode ter estratégias e ações próprias, isto porque, como reza o artigo 15, “o processo de planejamento da saúde será ascendente e integrado, do nível local até o federal, compatibilizando-se as necessidades das políticas de saúde com a disponibilidade de recursos financeiros”.

Veja que, até agora, foram citadas apenas algumas poucas Leis que tratam sobre a saúde pública no Brasil, priorizando um olhar da questão da pandemia de Covid-19 sob a óptica da Constituição Federal e do Sistema Único de Saúde, ou seja, do SUS. Entretanto, sendo vasta a legislação brasileira sobre o tema, ainda poderiam ser citadas uma dezena de Leis, Decretos, Resoluções, Portarias e afins, todos estabelecidos no plano Federal, seja por meio de Decreto governamental, seja através da atividade do Poder Legislativo (ou seja, do Congresso), mas também por ordem do próprio Ministério da Saúde, Agência Nacional de Saúde (ANS), entre outras autarquias e entidades públicas.

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Ressalta-se, portanto, que a Constituição Federal, em seu Art. 196, dispõe que a saúde é direito de todos, não cabendo a qualquer Lei ou ente público (inclusive o Governo Federal) gerar qualquer tipo de restrição a extensão desse direito fundamental. Do mesmo modo, não se autoriza interpretação que reduza o direito à saúde e muito menos que impossibilite ou proíba entidades públicas ou privadas de atuarem para a prevenção e/ou tratamento da saúde da população brasileira (e aqui se inclui governos estaduais, laboratórios, hospitais públicos ou particulares, clínicas de vacinação e empresas afins). E, não somente, o capítulo sobre a saúde na Constituição Federal está dentro de um capítulo maior intitulado “Assistência Social”, iniciado no artigo 203 que aduz: “a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social”.

Aliás, buscando uma legislação específica sobre vacinação, a Lei no 6.259/1975 dispõe, entre outros, sobre a organização das ações de Vigilância Epidemiológica e sobre o Programa Nacional de Imunizações, afirma que “as vacinações serão praticadas de modo sistemático pelos órgãos e entidades públicas, bem como pelas entidades privadas, subvencionadas pelos Governos Federal, Estaduais e Municipais, em todo o território nacional”, e o artigo 6º da referida Lei informa que “os governos estaduais poderão propor medidas legislativas complementares visando ao cumprimento das vacinações, obrigatórias por parte da população, no âmbito dos seus territórios”.

Além disso, ressalta-se que em maio de 2020 o próprio governo Bolsonaro promulgou a Lei nº 14.006/2020 estabelecendo de modo excepcional o “prazo de 72 (setenta e duas) horas para que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) autorize a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde registrados por autoridade sanitária estrangeira e autorizados à distribuição comercial em seus respectivos países”, mesmo que sem registro na ANVISA, caso tais insumos sejam “essenciais para auxiliar no combate à pandemia do Coronavírus”.

Entretanto, mesmo com toda essa ampla legislação que propõe beneficiar o cidadão brasileiro e, em relação ao Coronavírus, garante o direito de todos à vacinação rápida, emergencial, o Governo Federal parece desconhecer todo conjunto normativo brasileiro, mesmo que atual Presidente da República tenha sido membro do Poder Legislativo por mais de 30 anos, e mesmo que tenha toda assessoria necessária.

Por tal motivo, o Governo Federal vem promovendo guerras públicas com governadores de Estados para tentar afirmar que Estados e Municípios não possuem poder e nem autonomia para tratar sobre estratégias de saúde e/ou vacinação, apesar de haver ampla legislação afirmando exatamente o contrário.

Em relação ao Ministério da Saúde, ANVISA, ANS entre outras autarquias e secretarias, o Governo Federal vem promovendo um incrível aparelhamento da máquina pública, exonerando funcionários técnicos das diretorias e cargos de alto escalão, substituindo profissionais especialistas por militares, e, quando não, por “amigos”, sempre com objetivo específico de politizar e exercer influência na atividade destes órgãos.

Quanto ao Covid-19, além de estar a meses tratando a pandemia como uma “gripezinha” e vivendo em pé-de-guerra com outros políticos, o Governo Bolsonaro (incluindo presidente, ministérios e afins) não buscam organizar estratégias de prevenção ou combate ao vírus, insistem em propagar curas sem comprovação (como a cloroquina), não organizam estratégias para uma possível vacinação mesmo que haja muitas vacinas em estudo avançado e o caso de países que até já iniciaram a vacinação emergencial, não se organizam para compra de insumos essenciais, não negociam de modo adequado a compra de vacinas etc., deixando o Brasil a mercê de uma equivocada guerra política e total insegurança no campo da saúde.

Não fosse tudo isso suficiente, hoje, 09 de dezembro, o Governo Bolsonaro inverteu a realidade, afirmando em declaração que, caso algum laboratório deseje usar sua vacina no Brasil (falando especificamente para a Pfizer), este deve entrar com pedido de análise e autorização na ANVISA, numa incrível e completa inversão de interesses públicos em meio à um estado de calamidade internacional. E, pior, determinou que nenhuma vacina terá avaliação em tempo inferior a 60 (sessenta) dias, garantindo que atrasará ao máximo qualquer início de vacinação no país.

Em síntese: o atual Governo Federal está tão deslocado da legislação nacional que já está esquecendo até mesmo das Leis promulgadas por este mesmo governo, essencialmente a Lei nº 13.979 de fevereiro de 2020 (que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do Covid-19), a Lei Complementar nº 173 de Maio de 2020 (que estabelece o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2) e a Lei nº 14.006 de maio de 2020 (que estabelece autorizações excepcionais e temporárias para importação e distribuição de insumos para prevenção e tratamento do Coronavírus).

Portanto, nesta confusão jurídica e de conceitos produzida pelo atual Governo Federal, a única grande certeza é que o governo federal não tem o monopólio da composição de estratégias para a saúde (e vacinação), apesar de ter obrigação financeira nestas estratégias.

Em se tratando da pandemia internacional, o Brasil está 'deo autem gratias', ou seja, 'à deus dará', abandonado, nau sem rumo.

Sobre o autor
Fernando Cantelmo

Bacharel em Direito, Psicólogo, Administrador, Marqueteiro, e estudioso das Ciências Jurídicas, da Filosofia, das Ciências Sociais, e das Ciências Políticas. Graduado pela UNESP e ESAMC, é Mestre em Psicologia Social pela PUC/SP, Especialista em Administração pela FGV/SP e realizou Especialização em Gestão de Marketing, frequentando ainda outros cursos nas áreas de Marketing, Administração, Psicologia, Filosofia, Educação, Sociologia e Direito. Possui experiências profissionais em Gestão de Negócios e Gestão de Mercados, notadamente nas áreas de comportamento do consumidor, pesquisa de mercado, análise de cenários econômicos e cenários mercadológicos, estratégias mercadológicas, segmentação e posicionamento, entre outras atividades e áreas correlatas. Exerceu atividades como docente em Graduação e Pós-Graduação, bem como vivências em coordenadoria acadêmica, orientação pedagógica, coordenação de projetos em instituições de ensino superior, além de orientação de trabalhos acadêmicos e projetos científicos (tais como TCC, dissertação etc.). Possui também interesse e atuações nas áreas de Compliance e LGPD.

Informações sobre o texto

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