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Aspectos gerais dos Regimes de Previdência Complementar dos servidores públicos efetivos

Agenda 27/07/2021 às 14:33

O texto oferece uma visão geral do Regime de Previdência Complementar, conjugado com o Regime Próprio de Previdência Social, cuja instituição passa a ser obrigatória com a vigência da Emenda Constitucional nº 103/2019 (Reforma da Previdência).

A Reforma da Previdência de 2019 (EC 103/2019) fixou o prazo de 2 anos, contados da data de entrada em vigor da mencionada EC (art. 9º, § 6º), para instituição e adequação do Regime de Previdência Complementar (RPC), de modo a atender às disposições contidas no art. 40, §§ 14, 15 e 16, da CF. O prazo-limite é 13/11/2021.

O novo regramento cessa com a mera facultatividade desse sistema híbrido, desde a sua admissibilidade pela EC 20/1998; ou seja, atualmente, a instituição de RPC passa a ser obrigatória a todas as entidades públicas, que possuam Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) aos seus servidores efetivos (art. 40, § 14, da CF), qualificando as entidades como patrocinadores e os segurados como como participantes ou assistidos, esses últimos quando já em gozo do benefício de prestação continuada.

Desse modo, a partir da data de instituição do RPC, o RPPS observará o mesmo limite de concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), sendo que a parcela excedente da remuneração, por opção do servidor efetivo, qualificado, vincular-se-á a esse sistema previdenciário (art. 40, § 2º, da CF, com redação dada pela EC 103/2019).

Os RPCs, sejam eles públicos ou privados, abertos ou fechados, de modo geral, diferenciam-se dos regimes genuinamente públicos (RGPS e RPPS) por sua adesão optativa (art. 40, § 16, da CF). Ou seja, enquanto nos regimes públicos os trabalhadores são obrigados a se filiar ao seu sistema, o RPC segue um critério de adesão, de acordo com o juízo de conveniência do interessado.

Outra diferença, talvez de maior efeito prático, é que os RGPS e RPPS atuam em sistema repartição simples, controlado pelo governo, em que todos os trabalhadores contribuem para formar a renda para custear os respectivos benefícios previdenciários. O contribuinte, juntamente com o ente federado que se encontra vinculado, paga um valor, incidente sobre o seu salário ou remuneração de contribuição, de modo a formar um montante, que, por sua vez, é dividido entre aqueles que estão sendo beneficiados. Por sua vez, quando ocorrer de o segurado obter um benefício, outras pessoas farão o mesmo, o que, de acordo com o caput, do art. 40, CF, cria-se uma cadeia contributiva e solidária, onde trabalhadores, empregadores e o governo, financiam o somatório dos benefícios, como o nome propõe, inexistindo vínculo direto entre o custeio individual do segurado e o que esse mesmo segurado poderá obter, futuramente, na forma de benefício. Nessa ocasião, o segurado não possui direito adquirido à fórmula de cálculo do benefício, enquanto não implementar os requisitos necessários para a sua concessão. Nesse sentido, é o que dispõe a Súmula nº 359, STF:

Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos de inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários.

Desse modo, ainda que, diante de uma sucessão de reformas previdenciárias, as novas regras outorguem critérios especiais de transição para os servidores que já se encontram vinculados aos regimes, de fato e como mencionado, não há direito adquirido aos critérios de cálculo e reposição do benefício, enquanto o segurado não implementar todos os requisitos necessários para a concessão do respectivo benefício.

Em diferente operação, os RPCs, contrapondo-se ao mencionado regime de repartição simples, seguem o sistema de capitalização, na forma de investimento, quando é resguardado o direito ao benefício, a ser concedido em data e valor apropriado, de acordo com o plano de adesão firmado pelo segurado, tomando-se como referência a sua idade, tempo de contribuição, valor da contribuição, etc...

Nesse formato, não é exagero afirmar que as contribuições, dos participantes e dos patrocinadores, vão se acumulando durante um determinado prazo, para ter direito a um benefício ao final do período definido pelo plano.

Também como já mencionado, desde a Reforma da Previdência patrocinada pela EC 20/1998, há reiteradas tentativas de conduzir uma cota da remuneração dos servidores efetivos a cargo de um regime de previdência complementar (RPC). A mencionada Emenda, acrescentou o § 15, ao art. 40, CF, com a seguinte redação:

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Observado o disposto no art. 202, lei complementar disporá sobre as normas gerais para a instituição de regime de previdência complementar pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para atender aos seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo. 

Com essa nova redação, foi concedida a autonomia para que os RPPS fizessem uso do sistema complementar de previdência, tal como já ocorria no âmbito do RGPS (art. 202, CF).

Para tanto, foram editadas as Lei Complementar nº 108/2001, dispondo “sobre a relação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e outras entidades públicas e suas respectivas entidades fechadas de previdência complementar” e a de nº 109/2001, dispondo sobre o Regime de Previdência Complementar, em sua generalidade, revogando a Lei nº 6.435/1977, até então regulamentadora da matéria.

O propósito é exatamente estabelecer uma perfeita correlação entre os valores contribuídos, no decorrer da carreira funcional, e o benefício final a ser concedido, sem margem de riscos por prejuízos, já que no sistema solidário, todos os participantes, inclusive o Estado, são responsáveis pelo superavit do regime, ao menos o suficiente para manter o ciclo de custeio e concessão dos respectivos benefícios, condição essa, que, tal como já descrito, as reiteradas reformas previdenciárias confessam a sua insustentabilidade, apontando deficits de proporções astronômicas.

Nessa proposta, a Reforma da Previdência de 2003 (EC 41) deu nova redação ao mencionado § 15, do art. 40, CF:

O regime de previdência complementar de que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber, por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios somente na modalidade de contribuição definida.

Seja porque as administrações públicas, por anos, não criaram ou não se vincularam a um RPC, ou por conta de muitos servidores optarem pelo conservadorismo advindo do regime de repartição simples, a Reforma da Previdência de 2019, como visto, utilizou-se de medidas mais contundentes, de modo a obrigar que as entidades públicas, gestoras de RPPS, criem ou se filiem a um RPC (art. 40, § 14, CF), abandonando a locução “desde que instituam regime de previdência complementar”.

O referido § 14, nessa última Reforma, acabou por receber a seguinte redação:

A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, por lei de iniciativa do respectivo Poder Executivo, regime de previdência complementar para servidores públicos ocupantes de cargo efetivo, observado o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social para o valor das aposentadorias e das pensões em regime próprio de previdência social, ressalvado o disposto no § 16.

Denota-se que, em que pese a obrigatoriedade de vinculação ao sistema de RPC, o texto constitucional preservou a manutenção dos RPPS, que passam a se responsabilizar pela concessão dos benefícios, até o limite máximo dos mesmos benefícios do RGPS (art. 40, § 2º, da CF), com evidente objetivo de aproximar os critérios entre ambos os regimes.

Desse modo, o ente federado, que possua RPPS, e quando da sua vinculação a um RPC, deixa de conceder os benefícios, tomando-se como referência a integralidade da remuneração dos seus segurados (ressalvadas as regras de transição para os servidores que já possuíam vínculo com o serviço público), limitando-se ao mesmo limite de concessão do RGPS. Quanto ao excedente, os novos servidores, que ingressarem após à adesão ao RPC, terão duas opções:

a)      nada contribuir e, por mais generosa que seja a sua remuneração, limitar a sua contribuição ao teto de benefício do RGPS, ao menos diante dos regimes que o seu ente federado se encontra vinculado, já que persiste opção de adesão, ou não, ao RPC (art. 40, § 16, CF);

b)      fazer a adesão ao RPC, elegendo um plano de seguridade, quando então a sua remuneração, até o limite do RGPS, permanece vinculada às regras e critérios de concessão dos benefícios do RPPS, e o excedente será consolidado pelo sistema de capitalização, conforme planejamento de idade, tempo e valor de contribuição, em modalidade definida (art. 40, § 15, CF).

O RPC, a partir de então, passa a ser obrigatório, ao menos quanto à oferta de adesão, apresentando-se em caráter supletivo diante da previdência oficial dos servidores públicos.

Observe-se que a EC 103/2019 admitiu que não somente as entidades fechadas, mas também as abertas de previdência complementar participem do sistema previdenciário do servidor público efetivo (vide alteração no § 15, do art. 40).

Por entidade fechada entende-se aquela que possui um público de adesão limitado, ou seja, exclusivo a um grupo definido por suas normas. Exemplo clássico, são os RPCs criados pelos próprios entes federados, admitindo a filiação dos seus servidores ou de servidores de outras entidades que se vincularem ao mesmo regime. Nesse caso, não é admitida a filiação do público em geral, mas somente aos servidores que as normativas do próprio regime delimitar como passíveis de adesão.  

Já as entidades abertas de previdência complementar, como mencionado, agora também são admitidas como formadoras do sistema previdenciário dos servidores efetivos, mediante adesão do ente federado. São as entidades financeiras que, dentre seus produtos, já operam nesse sistema e exploram economicamente a atividade, desde que constituídas na forma de sociedade anônimas (art. 36, da LC 109/2001).

No entanto, o art. 33, da EC 103/2019, estabeleceu que, até que seja disciplinada a relação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e entidades abertas de previdência complementar na forma do disposto no art. 202, §§ 4º e 5º, da CF, somente entidades fechadas de previdência complementar estão autorizadas a administrar planos de benefícios patrocinados pela União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente.

Considerando que, nesse Regime, de regra[1], a remuneração de benefício refere-se somente à parcela que exceder o limite máximo de benefícios do RGPS (art. 40, § 14, da CF), será somente sobre essa parcela que irá incidir a respectiva contribuição previdenciária. No caso da União, o art. 16, § 2º, da Lei nº 12.618/2012 (que instituiu o regime de previdência complementar para os servidores públicos federais), a respectiva alíquota será definida anualmente pelo participante, cujo valor, por certo, afetará no valor correspondente ao valor de benefício a ser concedido futuramente. No entanto, o percentual não poderá exceder a 8,5%, somada à regra que a alíquota de contribuição do patrocinador será igual à do participante, desde que observado o disposto no regulamento do plano de benefícios (art. 16, § 3º).

Essa regra de paridade entre as contribuições do patrocinador e do participante observa a disposição geral, aplicável à instituição dos RPCs aos servidores efetivos, em qualquer esfera federativa, impedindo que a contribuição normal do patrocinador seja superior à do participante, a teor do disposto no art. 202, § 3º, da CF e art. 6º, § 1º, da LC 108/2001.

Também é vedado ao ente federado aportar recursos às mencionadas entidades, além das alíquotas, sob sua responsabilidade, assim delimitadas na qualidade de patrocinador (art. 202, § 3º, da CF).

Os RPCs, por sua vez, vinculam-se à Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), criada pela Lei nº 12.154/2009, cujo art. 2º, estabelece diversas competências a essa entidade, em especial, proceder à fiscalização das atividades desses regimes e suas operações, apurar e julgar infrações e aplicar as penalidades cabíveis, expedir instruções, autorizar o funcionamento dos RPCs, fusão, cisão, incorporação, ou qualquer outra forma de reorganização institucional, harmonizar as atividades, decretar a intervenção e liquidação extrajudicial, bem como nomear interventor ou liquidante, promover a mediação e a conciliação entre as entidades dessa natureza e entre essas e seus participantes, assistidos, patrocinadores ou instituidores, dirimir os litígios que lhe forem submetidos, enviar relatório anual de suas atividades, bem como adotar as demais providências necessárias ao cumprimento de seus objetivos.

Com relação aos conflitos jurídicos entre os participantes e os RPCs, o STF, em sede de Repercussão Geral e Tema 190, concluiu pela competência à Justiça Comum, e não à Justiça do Trabalho, a apreciação desses litígios, dada a autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho (STF, RE 586.453, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 06/06/2013).

Posto isso, espera-se que, até 13/11/2021, todos os entes federativos, que possuam Regimes Próprios de Previdência Social, estejam regularmente vinculados a um Regime de Previdência Complementar, adequando o órgão ou entidade gestora do RPPS, em especial, a limitação dos valores de benefícios, a serem concedidos aos servidores que ingressarem no serviço público após a instituição do RPC, de acordo com o limite já aplicado pelo Regime Geral de Previdência Social (art. 40, § 2º, da CF).


{C}[1]{C} Diz-se “de regra”, pois, de acordo com o termo a ser celebrado com a instituição de Previdência Complementar, o participante poderá contribuir facultativamente, mediante aporte de recursos, sem contrapartida do patrocinador (art. 6º, § 2º, da LC 108/2001).

Sobre o autor
Ronaldo Gusmão

Procurador do Município de Londrina

Informações sobre o texto

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