CACEMIRO, Wellington[1]
CACEMIRO, Yasmin do Carmo[2]
RESUMO
A hipótese de utilização de normas tributárias como mecanismo destinado ao estímulo e implementação de políticas públicas, especialmente no âmbito da proteção ao meio ambiente, da concessão de incentivos para o desenvolvimento sustentável e na promoção de igualdade social, é uma pretensão notoriamente desejável, capaz de suscitar mudanças consideráveis, bem como acaloradas discussões. Neste sentido pretende o presente descortinar a análise dos temas elencados, considerando-os à luz dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia tributária.
Palavras-chave: Direito Tributário; Políticas Públicas; Meio Ambiente; Desenvolvimento Sustentável; Igualdade Social.
ABSTRACT
The hypothesis of using tax rules as a mechanism to stimulate and implement public policies, especially in the context of protecting the environment, granting incentives for sustainable development and promoting social equality, is a notoriously desirable claim, capable of bring about considerable changes, as well as heated discussions. In this sense, the present intends to unveil the analysis of the listed themes, considering them in the light of the constitutional principles of contributory capacity and tax isonomy.
Keywords: Tax law; Public policy; Environment; Sustainable development; Social equality.
SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais. 2. Constitucionalização do Direito Tributário. 2.1. Princípio da capacidade contributiva. 2.2. Princípio da isonomia tributária. 3. Direito tributário e proteção ao meio ambiente. 4. Tributação e desenvolvimento sustentável. 5. Tributos e promoção de igualdade social. 6. Considerações finais. 7. Referências.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
De muitas formas o estudo do Direito Tributário apresenta-se como oportunidade de discussão sobre o papel do Estado brasileiro. Aos críticos dos mecanismos vigentes e, em especial, daquilo que nominam como excessiva carga tributária, tem-se a chance de apresentar, por exemplo, a natureza indiscutível dos tributos como fonte de manutenção dos serviços prestados à sociedade, ressalvados eventuais excessos.
Aos defensores, por outro lado, pode-se rememorar que, em sua concepção originária, a natureza do gasto público, como preceitua a Constituição Federal de 1988, deve ter finalidade social, alcançando as mais diversas necessidades de seu povo.
Deixando de lado, contudo, as interpretações de uma ou outra corrente, fato é que a proposta de utilização do arcabouço tributário como instrumento ao estímulo e implementação de políticas públicas, especialmente no âmbito da proteção ao meio ambiente, da concessão de incentivos para o desenvolvimento sustentável e na promoção de igualdade social não chega a ser pretensão nova. Trata-se de concepção latente, inerente às justificativas que permeiam a criação de praticamente todos os tributos.
Para além de tal constatação, no entanto, pretende-se com o presente desnudar as melhores práticas, revelando as previsões em que efetivamente encontram-se escudadas.
Destarte, serão apresentadas, ao longo do texto, as prescrições normativas e suas interpretações doutrinárias, com especial atenção a análise do tema em tela sob a perspectiva dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia tributária.
Longe de tentar esgotar o assunto, tenciona-se tão somente contribuir com o debate, demonstrando academicamente parte das possibilidades de efetivação da previsão legal.
2. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO TRIBUTÁRIO
Ensina o mestre Sacha Calmon Navarro Coêlho (2018, p. 35) que “o Brasil [...] inundou a Constituição com princípios e regras atinentes ao Direito Tributário”. Como preleciona, “somos, indubitavelmente, o país cuja Constituição é a mais extensa e minuciosa em tema de tributação”.
Não surpreende, portanto, que discutir a constitucionalização do Direito Tributário brasileiro seja parte introdutória da obra do autor, sendo, igualmente, necessário requisito para a pretensão de tentar compreender o Direito Tributário como mecanismo de estímulo às políticas públicas.
Como preleciona (2018, p. 44), “a Constituição brasileira, no Título VI, dedica o Capítulo I ao Sistema Tributário Nacional. A Seção I cuida dos Princípio Gerais”. Neste sentido, assevera o mestre que:
Principiando o tratamento constitucional, o art. 145 e seus três incisos dizem que as pessoas políticas ali enumeradas – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – podem instituir três espécies de tributos: impostos, taxas e contribuições de melhoria. É que os impostos restituíveis (empréstimos compulsórios), as contribuições especiais (exceto as previdenciárias da União, Estados e Municípios e a estranha contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública de competência dos Municípios), os impostos extraordinários de guerra e os impostos residuais somente podem ser criados pela União Federal (arts. 148, 149, 149-A e 154, CF/88) (COÊLHO, 2018, p. 44)
Nota-se, por força da lição destacada, que, como aduz, “o artigo inaugural da Constituição – Capítulo do Sistema Tributário – [apresenta] a complexa problemática da repartição de competências tributárias na Federação”.
Como explica (p. 44-47), “de sua leitura podem ser extraídas três conclusões [...] importantíssimas”, a saber: a) “[...] várias são as pessoas políticas exercentes do poder de tributar [...]”; b) “o tributo é categoria genérica que se reparte em espécies: impostos, taxas e contribuições de melhoria [...]”; c) “[...] o constituinte declina expressamente os fatos jurígenos genéricos que podem servir de suporte à instituição das taxas [...] e das contribuições de melhoria [...]”, sendo que, “no que tange aos impostos, [...], o constituinte não declina fatos jurígenos genéricos autorizativos da instituição dos mesmos pelos legisladores das diversas ordens de governo”.
Válido destacar ainda que, como adverte (p. 48), “em princípio, a Constituição não cria tributos, simplesmente atribui competências às pessoas políticas para instituí-los através de lei (princípio da legalidade da tributação”.
Feitas tais considerações, cabe explicitar os que são os já citados princípios constitucionais da capacidade contributiva e da isonomia tributária.
2.1. Princípio da capacidade contributiva
Informa o professor Roberto Caparroz (2019, p. 267) que “o princípio da capacidade contributiva é tão importante que consta do artigo inaugural do Sistema Tributário Nacional na Constituição”. Senão, vejamos:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
[...]
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
§ 2º As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.
Destarte, nesta mesma linha, defende o mestre Hugo de Brito Machado Segundo (2019, p. 92) que “assevera a Constituição que, sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte”. Lembra ainda o jurista que é “facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte (CF/88, art. 145, §1º)”.
Como bem ensina o doutrinador, “graduado conforme a capacidade econômica [...] quer dizer que o imposto deverá variar (ser maior, ou menor) conforme a capacidade do contribuinte de dispor de recursos econômicos. É o que se conhece por ‘princípio da capacidade contributiva’, ou seja, a aptidão para contribuir com o sustento do Estado”.
Trata-se de preceito tão relevante que, como exemplifica (p. 94), mesmo se o contribuinte revelar capacidade de contribuição, praticando um determinado fato gerador, mas inexistir lei prevendo a cobrança de tributos sobre o mesmo, não será possível ao intérprete aplicar o princípio da capacidade contributiva para cobrar o tributo não previsto em lei. “Deverá o legislador primeiro editar lei criando o tributo, para que depois a tal manifestação de capacidade contributiva possa ser validamente alcançada” (MACHADO SEGUNDO, 2019, p. 94).
Cabe ainda destacar, por lógico, que não pode ser acolhida a alegação de violação ao princípio da capacidade contributiva quando a parte executada não demonstra, nos autos, sua existência. Tal entendimento encontra respaldo em jurisprudência recente. Senão, vejamos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA. VIOLAÇÃO. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. Não pode ser acolhida a alegação de violação ao princípio da capacidade contributiva quando a parte executada não demonstra, nos autos, sua existência. EXECUÇÃO FISCAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO. DESNECESSIDADE. Na forma do artigo 6º, § 1º, da Lei nº 6.830, de 1980, a petição inicial da execução fiscal será instruída apenas com a Certidão de Dívida Ativa, não se exigindo a juntada de cópias do processo administrativo, que pode ser consultado pelo contribuinte na repartição competente, na forma do artigo 41 da referida Lei. MULTA. EFEITO CONFISCATÓRIO. Conforme entendimento jurisprudencial desta Corte, não é confiscatória a multa limitada a 20% e 30% valor do crédito tributário. EMBARGOS À EXECUÇÃO. GARANTIA DO JUÍZO. Não cabe não reconhecer nos autos da execução fiscal direito da parte devedora de opor embargos sem garantia integral do juízo, já que questão relacionada com a admissibilidade dos embargos cujo exame é privativo do juízo competente.
(TRF-4 - AG: 50050016220194040000 5005001-62.2019.4.04.0000, Relator: RÔMULO PIZZOLATTI, Data de Julgamento: 07/05/2019, SEGUNDA TURMA)
Observa-se, portanto, que, como evidencia o julgado supramencionado, inadmite-se não anuir nos autos do procedimento que a Administração Tributária brasileira utiliza para a cobrança judicial dos créditos públicos inscritos em dívida ativa direito da parte devedora de opor embargos sem garantia integral do juízo.
2.2. Princípio da isonomia tributária
Rememora o tributarista Luciano Amaro (2016, p. 161) que “a igualdade de todos perante a lei abre [...] o capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos da Constituição (o art. 5º, caput, assegura que todos são iguais e garante a todos o direito à igualdade [...]”.
Trata-se tal interpretação de preceito basilar. Tanto que a jurisprudência contemporânea endossa tal entendimento. Exemplifica-se abaixo com um julgado recente.
RECURSO INOMINADO. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DO IPVA. ISENÇÃO. PROTEÇÃO ESPECIAL PARA AS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. Recurso improvido.
(TJ-SP - RI: 00002914620218260266 SP 0000291-46.2021.8.26.0266, Relator: Jamil Chaim Alves, Data de Julgamento: 29/04/2021, 2ª Turma Cível e Criminal, Data de Publicação: 29/04/2021)
Assim sendo, como preleciona Amaro (p. 161), tal princípio é “particularizado, no campo dos tributos, pelo art. 150, II, ao proscrever a instituição de ‘tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.
Destarte, no que concerne ao princípio da isonomia tributária, ensina que “esse princípio implica, em primeiro lugar, que, diante da lei ‘x’, toda e qualquer pessoa que se enquadre na hipótese legalmente descrita ficará sujeita ao mandamento legal”. Vale destacar ainda, como assinala, que “há um segundo aspecto a ser analisado, no qual o princípio se dirige ao próprio legislador e veda que ele dê tratamento diverso para situações iguais ou equivalentes”.
Por fim, assevera Amaro (2016, p. 162), com fulcro na lição clássica, que “a igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade”.
Superadas tais ponderações, aprecia-se nos capítulos seguintes o problema que titula o presente ensaio.
3. DIREITO TRIBUTÁRIO E PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
Defendem as analistas Thaís Soares de Oliveira e Beijanicy Ferreira da Cunha Abadia Valim (2018, p. 144) que “o meio ambiente relaciona-se, intrinsecamente, à garantia do direito à vida e à dignidade da pessoa humana, embora esteja constantemente vulnerado pelas práticas que desconsideram sua importância e finitude, seja no desenvolvimento das atividades econômicas, seja na escolha inadequada de cada membro da sociedade”.
Nesta linha de raciocínio, argumentam as pesquisadoras que “a figura do Estado regulador mostra-se relevante na busca da realização do comando constitucional para a promoção do meio ambiente ecologicamente equilibrado e do desenvolvimento sustentável, não podendo afastar-se do seu dever como gestor ambiental” (OLIVEIRA; VALIM, 2018, p. 144).
Como explicam, “para tanto, cabe a este desenvolver o seu mister, por meio da utilização integrada das normas, já existentes e disponíveis, que regem sua atividade, e imprimir-lhes o valor ambiental”.
Neste sentido, asseveram que (p. 145) ser “certo que no Brasil já foi conferida uma singela conotação ambiental aos tributos já existentes – a título de exemplo, ICMS, IR, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), ITR –, atribuindo efeitos extrafiscais que incorporam o elemento ambiental a esses tributos, com a finalidade de tutelar o meio ambiente e imiscuir uma progressiva consciência ambiental na sociedade”.
Para compreender melhor observe julgado recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
TRIBUTÁRIO, AMBIENTAL E URBANÍSTICO. IPTU. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ART. 32 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. LIMITAÇÃO AMBIENTAL AO DIREITO DE PROPRIEDADE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA DE USO DA TOTALIDADE DO BEM PELO PROPRIETÁRIO. IMPACTOS TRIBUTÁRIOS DA NATUREZA NON AEDIFICANDI DE IMÓVEL URBANO. DIREITO TRIBUTÁRIO NO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL. PRINCÍPIO POLUIDOR-PAGADOR. EXTERNALIDADES AMBIENTAIS NEGATIVAS. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. Segundo o Tribunal de Justiça de São Paulo, "o bem de propriedade do apelante se localiza em Área de Preservação Permanente (APP), de declividade e nascentes, bem como de vegetação de Mata Atlântica em estágio médio de regeneração, servindo de refúgio para espécies em extinção, impedindo-se, assim, seu uso e gozo e, por consequência, tais restrições ambientais descaracterizariam a incidência do IPTU, que vem sendo cobrado pela Municipalidade de Serra Negra". Acrescenta que, consoante o laudo pericial, as limitações ambientais "resultam na inexequibilidade absoluta de uso pelo autor, não possuindo, portanto, qualquer edificação". 2. Quanto à questão jurídica de fundo propriamente debatida, afirma o Tribunal: "No que tange aos lançamentos de IPTU, cumpre elucidar que, em regra, o fato de estar, o imóvel, localizado em área de preservação permanente (APP), por si só, não afasta a incidência do tributo, vez que, ainda que existam algumas restrições ao direito de propriedade decorrentes do aspecto ambiental da função social da propriedade (limitação administrativa), é certo que, em geral, não há impossibilidade absoluta de uso e gozo da propriedade/posse, a não ser que haja comprovação nos autos do contrário. Foi o que ocorreu no caso." 3. O acórdão recorrido está lastreado em prova pericial, o que impõe a aplicação da Súmula 7/STJ. 4. Ainda que se considerasse superado o óbice dessa súmula, a irresignação não mereceria prosperar. Nos termos do art. 32, caput, do CTN, o IPTU "tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel" na zona urbana. Leitura apressada do dispositivo poderia transmitir a equivocada impressão de serem redondamente estranhas considerações acerca de fundamentos ético-jurídicos subjacentes à conformação legal do IPTU, como a concreta impossibilidade de explorabilidade econômica lato sensu da inteireza e não de parcela do imóvel, em razão de restrições estatais (urbanísticas, ambientais, sanitárias, de segurança). 5. Como regra, limitação urbanística, ambiental, sanitária ou de segurança - de caráter geral e que recaia sobre o direito de explorar e construir, v. g., gabarito das edificações, recuo de prédios, espaços verdes, Áreas de Preservação Permanente - não enseja desapropriação indireta e não acarreta dever do Estado de indenizar, mesmo quando a condição non aedificandi venha a abranger, de ponta a ponta, o bem em questão, p. ex., aquele derivado de subdivisões sucessivas ou adquirido após o advento da restrição. Contudo, tal negativa de ressarcimento, apurada à luz do Direito das Obrigações e da principiologia de regência do Direito Público, não equivale a pintar de irrelevância jurídica - para fins tributários e de conformação do fato gerador do imposto - a realidade de total, rematada e incontroversa afetação do imóvel a utilidade pública. Ou seja, o titular de domínio (ou de fração dele) de área non aedificandi, apesar de não fazer jus à indenização pela intervenção estatal, merece ser exonerado do IPTU exatamente por conta desse ônus social, se, repita-se, cabal e plenamente inviabilizado o direito de construir no imóvel ou de usá-lo econômica e diretamente na sua integralidade. 6. Sobre a relação entre IPTU e Área de Preservação Permanente, o STJ já se pronunciou em outras oportunidades: "A restrição à utilização da propriedade referente a Área de Preservação Permanente em parte de imóvel urbano (loteamento) não afasta a incidência do Imposto Predial e Territorial Urbano, uma vez que o fato gerador da exação permanece íntegro, qual seja, a propriedade localizada na zona urbana do município. Cuida-se de um ônus a ser suportado, o que não gera o cerceamento total da disposição, utilização ou alienação da propriedade, como ocorre, por exemplo, nas desapropriações. Aliás, no caso dos autos, a limitação não tem caráter absoluto, pois poderá haver exploração da área mediante prévia autorização da Secretaria do Meio Ambiente do município" (REsp 1.128.981/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 25/3/2010, grifo acrescentado). Em sentido assemelhado: "não se pode confundir propriedade com restrição administrativa, pois esta não afasta o fato gerador do imposto e a titularidade para efeitos de tributação" (REsp 1.801.830/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 21/05/2019). Comparando a situação do ITR e do IPTU, confira-se: "o não pagamento da exação deve ser debatida à luz da isenção e da base de cálculo, a exemplo do que se tem feito no tema envolvendo o ITR sobre áreas de preservação permanente, pois, para esta situação, há lei federal regulando a questão. (artigo 10, § 1º, II, 'a' e 'b', da Lei 9.393/96)." (AgRg no REsp 1.469.057/AC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 20/10/2014). A jurisprudência do STJ, todavia, não há de ser lida como recusa de ponderar, na análise do fato gerador do IPTU e de outros tributos, eventual constrição absoluta de cunho ambiental, urbanístico, sanitário ou de segurança sobreposta sobre 100% do bem. Cobrança de tributo sobre imóvel intocável ope legis e, por isso, economicamente inaproveitável, flerta com confisco dissimulado. 7. O Direito Tributário deve ser amigo, e não adversário, da proteção do meio ambiente. A "justiça tributária" necessariamente abarca preocupações de sustentabilidade ecológica, abrigando tratamento diferenciado na exação de tributos, de modo a dissuadir ou premiar comportamento dos contribuintes que, adversa ou positivamente, impactem o uso sustentável dos bens ambientais tangíveis e intangíveis. 8. No Estado de Direito Ambiental, sob o pálio sobretudo, mas não exclusivamente, do princípio poluidor-pagador, tributos despontam, ao lado de outros instrumentos econômicos, como um dos expedientes mais poderosos, eficazes e eficientes para enfrentar a grave crise de gestão dos recursos naturais que nos atormenta. Sob tal perspectiva, cabe ao Direito Tributário - cujo campo de atuação vai, modernamente, muito além da simples arrecadação de recursos financeiros estáveis e previsíveis para o Estado - identificar e enfrentar velhas ou recentes práticas nocivas às bases da comunidade da vida planetária. A partir daí, dele se espera, quer autopurificação de medidas de incentivo a atividades antiecológicas e de perpetuação de externalidades ambientais negativas, quer desenho de mecanismos tributários inéditos, sensíveis a inquietações e demandas de sustentabilidade, capazes de estimular inovação na produção, circulação e consumo da nossa riqueza natural, assim como prevenir e reparar danos a biomas e ecossistemas. Um esforço concertado, portanto, que envolve, pelos juízes, revisitação e releitura de institutos tradicionais da disciplina e, simultaneamente, pelo legislador, alteração da legislação tributária vigente. 9. Agravo Interno não provido.
(STJ - AgInt no AREsp: 1723597 SP 2020/0162489-2, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 29/03/2021, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/04/2021)
Importante destacar que tal pensamento encontra-se em consonância com posicionamento defendido por outros autores. As pesquisadoras Simone Grohs Freire e Vanessa Hernandez Caporlíngua (2013, p. 14), por exemplo, afirmam que a “discussão acerca da harmonia possível entre o Direito Tributário e a Proteção Ambiental perpassa por uma releitura do direito tributário em si, a partir da compreensão de que o direito tributário não apenas cumpre uma função arrecadatória, mas também traz em si uma função extrafiscal”.
Para ambas (p.15), “esta função extrafiscal revela-se como importante instrumento de política pública vez que incentiva uma mudança de comportamento, seja pela concessão de benefícios ou incentivos, ou por outro lado pela concessão de desestímulos fiscais”.
Asseveram ainda que “há perfeita sintonia entre o direito tributário e a proteção ambiental, mormente porque a partir do direito tributário, sob um enfoque extrafiscal, [...] se torna possível implementar instrumentos que tutelem e efetivem o direito fundamental consagrado no artigo 225 da Constituição Federal” (FREIRE; Caporlíngua, 2013, p. 14).
Por fim, importante notar, como destaca Roberto Caparroz (2019, p. 396) que o Supremo Tribunal Federal já se posicionou, por exemplo, sobre o papel da espécie tributária “contribuição” na formação de políticas públicas.
Como rememora o autor, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.556, definiu o STF que a citada espécie tributária autônoma, tal como reconhecida pela própria Corte, “caracteriza-se pela previsão de destinação específica do produto arrecadado com a tributação”.
Válido ainda assinalar, com fundamento na lição do professor Paulo Roberto Lyrio Pimenta (2020, p. 338) que “o número de tributos ambientais atualmente existente no ordenamento jurídico brasileiro é bastante reduzido”.
Contudo, como assegura, “há uma razoável abertura no texto constitucional para a inserção de elementos ecológicos nas exações ordinárias, principalmente nos impostos”.
4. TRIBUTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Para os advogados Fernando Bortolon Massignan e Paulo Caliendo da Silveira (2017, p. 135) “o sistema constitucional brasileiro consagrou a promoção do desenvolvimento sustentável como dever tanto do Estado como da sociedade, repartindo entre as diversas partes a responsabilidade para sua consecução”.
Assim sendo, defendem os mesmos (p.136) que tal premissa consta devidamente explicitada no art. 225 da CF/88, “sendo que conjugada aos tratados internacionais que traçam rigorosas metas para o desenvolvimento sustentável, como vetor de concretização dos direitos fundamentais, vincula todas as partes do sistema, atribuindo novos deveres e direitos a serem cumpridos”.
Na mesma linha, a pesquisadora Vanessa Aparecida Costa Santiago (2013, p. 83) defende ser “necessário pensar que a utilização de tributos na defesa do meio ambiente pode provocar estímulos comportamentais na gestão de empresas e no hábito dos consumidores, na medida em que atinge a base do sistema capitalista”.
Destarte, aduz a autora que:
Sabe-se que o desenvolvimento sustentável busca exatamente harmonizar o desiquilíbrio entre desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente, mas para isso é necessário que as externalidades ambientais sejam internalizadas; o ideal é obter um preço de mercado que incorpore cada fração de recurso utilizado, obedecendo ao Princípio do Poluidor Pagador. A tributação ambiental, como instrumento econômico de intervenção estatal, poderá aumentar a carga tributária sobre a degradação, variando as hipóteses de incidência, alíquotas e bases de cálculo, em função do grau de utilização ou degradação ambiental. As normas de direito tributário, portanto, têm caráter social e sua flexibilidade possibilita seu uso mais intenso na defesa do meio ambiente (SANTIAGO, 2013, p. 83)
Feita tal ponderação, remanesce ainda obrigação de complementá-la com fulcro na tese da autora (p. 84), para quem “em matéria ambiental a extrafiscalidade faz com que o emprego do tributo tenha objetivo não apenas fiscal, arrecadatório, mas também para que objetive estimular comportamentos das pessoas em direção às diretrizes estabelecidas pela política econômica, social, ambiental adotada pelo Estado”. Como aduz, visa-se com isto “influenciar no comportamento dos agentes econômicos, incentivando iniciativas positivas e desestimulando as nocivas ao bem comum”.
5. TRIBUTOS E PROMOÇÃO DE IGUALDADE SOCIAL
Prelecionam os mestres Aldo Aranha de Castro e Maria de Fátima Ribeiro (2014, p. 21) que “a função social do tributo busca propiciar a redução das desigualdades, tanto regionais quanto sociais e, somente com o atendimento a essa função, é que se torna possível a implementação das políticas públicas”.
Como argumentam, tais políticas públicas deverão “ocorrer por meio do Estado, que concederá incentivos, desde que de forma justa, ou seja, a partir do momento em que atua em respeito ao cidadão, beneficiando-o, e não onerando-o excessivamente”.
Nesta mesma linha argumentativa, o juiz federal Luiz Octavio Rabelo Neto (2011, p. 253-273) assevera que “o tributo deve ser utilizado como forma de contribuir para consecução dos objetivos fundamentais da República brasileira, com a efetivação de uma justa distribuição de riquezas, para que o desenvolvimento socioeconômico não seja uma prerrogativa de poucos e para que o bem-estar social seja uma garantia de todos, sem quaisquer discriminações odiosas”.
Pondera o magistrado ainda que “os tributos têm elevada potencialidade de proporcionar uma mudança social, o que ocorre, por exemplo, quando são utilizados como instrumentos de ação afirmativa, através da função extrafiscal destinada à promoção da igualdade”.
Tal posicionamento encontra correspondência na pesquisa dos advogados Priscila Anselmini e Marciano Buffon (2018, p. 226-258), para quem a “desigualdade de renda, bem como a má distribuição de recursos e riqueza presentes no Estado brasileiro, pode ser reduzida via tributação”. Para eles, “além de políticas públicas, o Brasil poderia diminuir significativamente essa desigualdade se reestruturasse a sua base tributária”. Como justificam, “a tributação é um meio para redução dessas iniquidades sociais, através de uma tributação mais significativa sobre o patrimônio, seguida da renda e por último sobre bens de consumo e serviço”.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em sede de comentários finais necessário explicar que, não obstante existam eventuais divergências doutrinárias a respeito de um ou outro ponto sobre os argumentos expostos, tratam-se estes, em boa parte, de temas bem estabelecidos, de sorte que configuram uma linha de pensamento que cresce em adesão.
Sob a luz de tal perspectiva pode-se afirmar que o objetivo do presente foi convidar à reflexão sobre a hipótese de utilização de normas tributárias como mecanismo destinado ao estímulo e implementação de políticas públicas, especialmente no âmbito da proteção ao meio ambiente, da concessão de incentivos para o desenvolvimento sustentável e na promoção de igualdade social.
7. REFERÊNCIAS
ANSELMINI, Priscila; BUFFON, Marciano. Tributação como instrumento de redução das desigualdades no Brasil. Revista do Direito Público, Londrina, v. 13, n. 1, p. 226-258, abr. 2018. Disponível em: < http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/29111>. Acesso em: 25 set. 2020.
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro: 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 25 set. 2020.
______. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm>. Acesso em: 25 set. 2020.
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[1] Jornalista, pesquisador jurídico, graduado em Direito pela faculdade Multivix Cachoeiro Ensino, Pesquisa e Extensão Ltda. e pós-graduando em Direito Processual Penal pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec/SP – wellington.cacemiro@gmail.com;
[2] Graduanda do Curso de Direito da faculdade Multivix Cachoeiro Ensino, Pesquisa e Extensão Ltda. – yasmincacemiro@hotmail.com;