Rui Barbosa, no início deste século, preconizou que: "O século vinte vai ser o século do arbitramento nos conflitos entre as nações. E, quando o arbitramento reinar entre os povos exaustos pela política marcial do século dezenove, o papel arbitral desse soberano descoroado e desinteressado entre as ambições territoriais, que impelem os Estados uns contra os outros, aumentará infinitamente o valor da sua situação excepcional, da sua atitude semi-oracular no mundo civilizado. Quem sabe se o papa não será então o grande pacificador, o magistrado eleito, de hipótese em hipótese, entre os governos, para solver as contestações grávidas de ameaças, e conduzir à harmonia, pela submissão voluntária aos ditames da justiça, as grandes famílias humanas inimizadas?" (Batista Pereira Coletânea Literária, 6ª Edição, pág. 173).
Hoje, a um passo do terceiro milênio, quando o cenário social, político e econômico mundial é diverso daquele vivido pelo grande Rui, podemos sentir a força e a atualidade de suas palavras, ao assinalarem os pressupostos fundamentais da atividade arbitral, como a exigência da neutralidade, a sensibilidade aos anseios geradores do clima conflitante e, por fim, o fator confiança, veículo condutor da convergência voluntária das partes a melhor e mais profícua solução.
O árbitro, escolhido com liberdade, por ser descoroado do poder estatal e "desinteressado entre as ambições territoriais", inspira e cativa a confiança dos interessados, que sentem nesse alheamento ao comando do poder público, a oportunidade de interação com o campo das negociações, o que facilita a mais rápida e harmoniosa conclusão. É o consenso objetivado pelo exercício da autonomia da vontade dos interessados, vinculados, por força dela, à responsabilidade direta pela composição do impasse, evitando as longas e protelatórias discussões.
Francisco Cláudio de Almeida Santos, citando trecho interessante de José Carlos de Magalhães, em artigo publicado sob o título "Considerações Gerais sobre a Arbitragem e seu Reordenamento", escreveu que: "Recorrer ao Poder Judiciário é provocar a ruptura nas relações entre as partes, enquanto a arbitragem representa uma harmonização dos interesses em jogo" (Atualidades Nacionais, Repro 85, jan/mar-97).
A tecnologia disparou em avanço formidável, colocando em prática um arsenal multifacetado de recursos agregados ao cotidiano do homem moderno, de modo a possibilitar sua sintonia com os mais remotos recantos do planeta. As recentes conseqüências mercadológicas mundiais, originárias da crise financeira asiática ou a desconfiança ocidental do poder bélico do Iraque são exemplos seguros de que os interesses das nações estão totalmente interligados.
A disparada tecnológica elevou o grau de complexidade das questões, internas e entre países, e isto, no dizer do Excelso Ministro e processualista Sálvio de Figueiredo Teixeira, constitui-se preocupação e inquietação "ante a ineficiência das decisões judiciais, ensejadas pelo arcaísmo das organizações judiciárias e pela inexistência de órgãos permanentes de planejamento e reflexão no universo estatal do judiciário" (Atualidades Nacionais, Repro 85, jan/mar97) .
Segundo o filósofo e jurista Miguel Reale, em artigo recente, a crescente necessidade de conhecimento técnico, exigindo atualmente perícias altamente especializadas "torna cada vez mais inseguros os julgamentos proferidos por juizes togados, por mais que estes, com a maior responsabilidade ética e cultural, procurem se inteirar dos valores técnicos em jogo" (Privatização da Justiça, O Estado de São Paulo, 05.10.96).
A solução de controvérsias defluentes das relações internas e internacionais, exige, cada vez mais, celeridade, sigilo e conhecimento técnico avançado. E, dentro de um mundo cada vez mais globalizado o isolamento, comumente causado por sistemas legais internos obstativos ou gerado até por diversidades de timbre entre doutrina e jurisprudência, é nocivo às nações afastadas do corrente contexto externo das relações comerciais, culturais e políticas.
Daí a necessidade da quebra de paradigmas e da modernização das normas, de sorte a permitir que o indivíduo exerça sua liberdade de confiar a quem confie algo que esteja a ameaçar um direito seu, disponível, e isto se constitui na mais humana das expressões da individualidade dentro do mundo jurídico, não podendo ser obstada por legislações retrógradas.
Miguel Reale, no seu excelente "Conflito das Ideologias", conceitua liberdade, no contexto moderno, como sendo "A condição primordial assegurada a todos os homens para participarem, na medida individual e social possíveis, dos benefícios propiciados pelo desenvolvimento cultural" (pg. 81, 1998, Ed. Saraiva, op. cit).
O Brasil relutou em adotar a arbitragem e mesmo agora há vozes respeitáveis erguendo-se contra pretensa inconstitucionalidade da lei, por entenderem que esta estaria a conflitar com o princípio consagrado pelo artigo 5º, XXXV da C.F, segundo o qual, a lei não excluirá lesão ou ameaça a direito da apreciação do Judiciário.
Não há exclusão, mas sim proposta consentânea com o pensamento moderno de se superar formalismos ainda enraizados na cultura nacional, e o Judiciário, ao revés de estar sendo legado ao oblívio, estará mais desobstruído para que possa cumprir seu objetivo jurisdicional, melhor e com mais rapidez.
Além do fato da lei jamais ter se distanciado dos cânones constitucionais, pois previu a participação do Judiciário em todas as etapas do procedimento arbitral (vide arts. 7º, §§, art. 20, § 1º, art. 25, art. 33 e art. 35 da lei nº 9.307/96), a renúncia à jurisdição estatal é prerrogativa do cidadão (art. 2º do CPC), ao tempo em que a sua busca não poderá constituir-se em obrigação imposta, pois, nesta hipótese, despontaria o arbítrio, antitético do que Reale denomina Estado Democrático de Direito.
Pontos de destaque na lei são a necessidade da qualificação técnica do árbitro e do absoluto sigilo no exame e julgamento de dissensos, exigido pela ativa competitividade de mercado.
Por desfrutar, até por dever de ofício, de relativa familiaridade com a Comunicação, cito os novos meios de transmissão de sinais televisivos, que vão desde o cabo até o satélite, passando por antenas, fibras óticas, parabólicas, etc., sendo, cada modalidade, regulada por legislação específica, com suas próprias e particulares peculiaridades tecnológicas, exemplo claro de que questões desse jaez jamais poderão ser desconhecidas por quem as examine e julgue.
Também a propriedade intelectual e o direito à imagem, que muitas decisões judiciais equivocadas têm suscitado. Lembro-me de um processo envolvendo questão de natureza patrimonial, gerado pela utilização desautorizada de imagem, em que o perito judicial buscou subsídios no Antigo Testamento, muito embora tivesse o "expert" todo um mercado específico, escancarado à sua frente, para as pesquisas técnicas de que necessitasse. O curioso é que o laudo, rigorosamente impugnado, foi acolhido com entusiasmo pelo julgador, embora tivesse fundamentado-se em Versículo que tratava da fixação de indenização em espécie contra quem furtasse ou matasse bois e ovelhas.
O desconhecimento poderá induzir o julgador a erros estruturais, com prejuízos irreparáveis, além do tempo que se gasta nas tentativas, muitas vezes vãs, de reversão de julgamentos equivocados, o que poderia ser evitado pela adoção de arbitragem nas contratações.
No tocante à confidencialidade, os contratos internacionais de maneira efetiva e os contratos nacionais cada vez com mais freqüência, exigem-na como ponto fundamental das negociações, até porque o sigilo é estratégico dentro de um mercado cada vez mais competitivo.
A mera perspectiva de aliança entre empresas ou o desenvolvimento de planos de negócios, poderão morrer na prancheta, se as discordâncias ou dúvidas sobre as condições não forem discutidas e dirimidas em sigilo, no "recesso do lar" dos protagonistas, estrategicamente afastados dos olhos rápidos e ávidos dos competidores.
Por tudo que foi dito, entendo que a edição da lei modernizou o Brasil, que, no cenário universal e como país que se prepara com otimismo para a liderança latino-americana dentro do Mercosul, jamais poderá ocupar o espaço que lhe reserva o futuro, desprovido de regras adequadas para o contexto deste mundo novo sem porteiras.