CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E AÇÃO DE DESPEJO
Rogério Tadeu Romano
I - REsp 1481644
Por unanimidade, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, em razão de sua natureza executória, é da competência do juízo estatal a ação de despejo por falta de pagamento, mesmo quando existir compromisso arbitral firmado entre as partes.
O ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso, explicou que a jurisprudência do STJ é uníssona no sentido de que, por acordo de vontades, as partes podem subtrair do Judiciário a solução de determinadas questões, submetendo-as aos árbitros (REsp 1.331.100).
O magistrado destacou que, na hipótese analisada, a controvérsia surgiu exatamente pela previsão, no contrato, de cláusula estabelecendo que a solução das demandas ocorreria na instância arbitral, regida pela Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996).
Para o ministro Salomão, a cláusula arbitral, uma vez contratada pelas partes, goza de força vinculante e caráter obrigatório, definindo a competência do juízo arbitral eleito para dirimir os litígios relativos aos direitos patrimoniais sobre os quais os litigantes possam dispor – o que revoga a jurisdição estatal.
A matéria foi discutida no REsp 1481644.
II – COMPROMISSO E CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
O compromisso era o acordo para a decisão por árbitro ou por árbitros. Se se lhe adjectava cláusula penal, a infração gerava a ação pela pena. Estabeleceu que do compromisso não nasce exceção, mas petição da pena.
Chama-se compromisso o contrato pelo qual os figurantes se submetem, a respeito do direito, pretensão, ação ou exceção, sobre que há controvérsia, a decisão de árbitro ou de árbitros (Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, art. 9º).
Na explicação de Pontes de Miranda (Tratado de direito privado, t. XXVI, Bookseler, § 3.179), também se pode estabelecer, por declaração unilateral de vontade, o compromisso, mas tal figura raramente ocorre.
No Direito romano, as partes podiam renunciar à tutela jurídica estatal a respeito de questão pendente entre elas, e pactar a nomeação de árbitro em que examinasse o caso e proferisse decisão. Mas o direito privado romano teve que enfrentar o problema da não aceitação da função por parte do arbiter. Criaram tribunal arbitral, o iudicium privatum do direito clássico, à base da litiscontestação (negócio jurídico privado ou processual, pelo qual os interessados ou as partes prometiam submeter ao iudex a resolução de litígio). A princípio, havia a solenidade de palavras expressas e taxativas (legis actio), depois admitiu-se o escrito (iudicium).
O iudicium privatorum constava de lista de cidadãos, entre os quais se escolhia o árbitro. Não podia esse recusar, porque fazia parte do iudicium privatum. O Estado assegurava o cumprimento dos julgados, caso não o fizesse o vencido. Mas os árbitros só eram constrangidos a julgar se houvessem aceito a função.
A natureza jurídica do instituto da arbitragem é dividido, basicamente, em duas correntes: (i) a corrente contratualista; (ii) a corrente jurisdicional. De acordo com a primeira corrente, também conhecida como teoria privatista, a arbitragem possui um caráter contratual, privado. Assim, a sentença arbitral seria, na verdade, proveniente de uma transação das partes, desprovida, assim, de caráter jurisdicional.
A referida corrente, defendida por autores como Salvatore Satta, Carnelutti, entre outros, entende que a ausência do caráter jurisdicional na decisão arbitral tem fundamento também no fato de o árbitro não possuir poder para executar a sentença proferida. Assim, haveria em tal sentença plena intervenção estatal, visto que a parte possui a faculdade de requerer a validação de tal decisão ao Estado.
A segunda corrente, por sua vez, atrela à sentença arbitral natureza processual, igualando-a à jurisdição proveniente do Estado. Isso, fundamentando-se no fato de a sentença arbitral não necessitar ser homologada pelo Poder Judiciário, além da existência da cláusula compromissória, pela qual as partes contratantes se submetem à arbitragem. De acordo com tal corrente existe total autonomia na sentença arbitral.
Antes do advento da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, no Brasil adotava-se predominantemente a primeira teoria, contratualista. Isso porque era necessário, de fato, homologar a sentença proferida por árbitro para que tal decisão possuísse força de sentença tal qual a proferida pelo Poder Judiciário.
O negócio jurídico de compromisso tem de satisfazer os pressupostos comuns aos contratos, como a capacidade dos figurantes. Se o compromisso for estabelecido em declaração unilateral de vontade, em títulos ao portador, negócio abstrato, tem de satisfazer os pressupostos dos negócios jurídicos unilaterais.
O compromisso há de referir-se ao objeto do litígio, pendente ou futuro sobre o que há de proferir-se a decisão arbitral, bem assim ao lugar que se produza a sentença arbitral(artigo 10, III e IV). Assim tem de mencionar os nomes, profissões e domicílios dos árbitros e das partes, qualificáveis, outrossim, por seu estado civil, como ainda a identificação da entidade a qual se delegarem a indicação dos árbitros (artigo 10, I e II).
O compromisso impede a constituição da relação jurídica processual, se logo exercida a exceção de compromisso, e faz, ao por si, cessar a relação jurídica processual que já se estabeleceu. Tanto assim que, se extingue o compromisso, ou se lhe é decretada a nulidade, não se prossegue na causa que pendia.
Fala-se na cláusula compromissória, que é tratada na Lei nº 9.307/96, artigos 3º, 1ª parte, 4º, 5º, 7º, 8º e 38, V, segunda parte, (“as controvérsias que surgirem na intepretação ou na execução deste contrato serão submetidas a juízo arbitral”) é pacto de compromisso, ou mesmo, negócio por declaração unilateral de vontade em que ainda não se determinou a demanda ou não se determinaram as demandas que têm de ser decididas por árbitros. O compromisso é o contrato, dificilmente o negócio por declaração unilateral de vontade, em que já se determinava a demanda submetida ao juízo arbitral. A eventualidade é que dilata em cláusula, aplicada a demandas, apenas determináveis, o pacto de compromisso.
O princípio Kompetenz-Kompetenz, positivado no art. 8º, § único, da Lei n. 9.307/96, determina que a controvérsia acerca da existência, validade e eficácia da cláusula compromissória deve ser resolvida, com primazia, pelo juízo arbitral, não sendo possível antecipar essa discussão perante a jurisdição estatal. Incumbe, assim, ao juízo arbitral a decisão acerca de todas questões nascidas do contrato, inclusive a própria existência, validade e eficácia da cláusula compromissória.
Tendo as partes acordado que a resolução de seus conflitos será feita mediante arbitragem, inserindo cláusula compromissória em um negócio jurídico, a autonomia de vontade dos contratantes deve ser respeitada. A primeira forma de se respeitar a manifestação de vontade das partes é o reconhecimento da autonomia da cláusula compromissória em face do negócio jurídico no qual foi pactuada (princípio da autonomia da cláusula compromissória). Assim, mesmo que se possa discutir a existência, validade ou eficácia do próprio negócio jurídico em que inserida a cláusula compromissória, reconhece-se a autonomia dessa cláusula.
Art. 8º A cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória. Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória.
Observe-se, para tanto, a redação do artigo 8º, parágrafo único, do chamado Código de Defesa do Consumidor.
III – AÇÃO DE DESPEJO
Passo a ação de despejo.
A ação de despejo é concedida aos locadores contra seus inquilinos, a fim de que eles obtenham a restituição da coisa locada. Como ensinou Pontes de Miranda(Tratado das ações, VII, § 58, 1) originalmente, no antigo direito português, a ação de despejo era limitada apenas às locações de casas, depois estendida pelos processualistas lusitanos às demais espécies de locação. Hoje, no direito brasileiro, a ação de despejo é competente para que os locadores obtenham a restituição do objeto locado, no caso de haver findado a locação, assim como é igualmente nas hipóteses de ter ocorrido violação do contrato por parte do inquilino ou quanto a lei outorgue ao locador o direito de interromper o contrato locatício, retomando o prédio sem ter havido inadimplemento por parte do locatário.
A ação de despejo é ordinária.
Trata-se de uma ação executiva. A ação de despejo não é condenatória.
Ensinou Ovídio Baptista da Silva(Curso de Processo Civil, volume II, 1990, pág. 143) nas ações in rem, de onde provêm nossas ações executivas, porque não se tratava de dar cumprimento a uma prestação de alguém que estivesse ligado ao autor por um vínculo obrigacional, não havia o que esperar do demandado que fora declarado – no juízo reivindicatório – possuidor injusto, e reconhecido pela sentença o direito de propriedade do autor, nada mais restava a este senão apossar-se, por seus próprios meios, do objeto que lhes pertencia.
A execução, em tais casos, é imediatamente decretada pela sentença não dependendo de uma ação de execução autônoma(hoje tem-se um cumprimento de sentença com o CPC de 2015). A ação real recuperatória já e, em si mesma, executiva.
Todas as ações de despejo – independentemente de suas distintas peculiaridades -, são executivas. E como lecionou Ovídio Baptista(obra citada, pág. 242), o são enquanto ações de direito material, não porque as leis de processo assim o queriam.
Trata-se de ação in rem e não de ação pessoal.
As ações in rem, de onde provêm nossas ações executivas(como é o caso da ação de despejo), não têm vinculação a dar cumprimento a uma prestação de alguém que estivesse liado ao autor por um vínculo obrigacional. Reconhecido o direito de propriedade do autor nada mais restava a este senão apossar-se, por seus próprios meios, do objeto que lhes pertencia.
No julgamento do REsp REsp 1481644 foi dito: "A ação de despejo tem o objetivo de rescindir a locação, com a consequente devolução do imóvel ao locador ou proprietário, sendo enquadrada como ação executiva lato sensu, à semelhança das possessórias", observou o magistrado.
"Diante da sua peculiaridade procedimental e sua natureza executiva ínsita, com provimento em que se defere a restituição do imóvel, o desalojamento do ocupante e a imissão na posse do locador, não parece adequada a jurisdição arbitral para decidir a ação de despejo", acrescentou.
"Especificamente em relação ao contrato de locação e à sua execução, a Quarta Turma do STJ decidiu que, no âmbito do processo executivo, a convenção arbitral não exclui a apreciação do magistrado togado, já que os árbitros não são investidos do poder de império estatal para a prática de atos executivos, não tendo poder coercitivo direto", destacou o relator.