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O que é o fascismo?

Concentração autoritária de poder.

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Agenda 10/08/2021 às 18:38

O fascismo é movimento político, econômico e social desenvolvido em alguns países europeus no período depois da Primeira Grande Guerra Mundial. Diferentemente, de outras correntes de pensamento político, é de difícil definição, (...)

Autores: Gisele Leite

Ramiro Luiz Pereira da Cruz

Resumo: O fascismo é movimento político, econômico e social desenvolvido em alguns países europeus no período depois da Primeira Grande Guerra Mundial. Diferentemente de outras correntes de pensamento político, é de difícil definição, por apresentar diversos significados e, conforme o enfoque escolhido e, segundo as suas características acentuadas, nos leva a concluir, portanto, que não existe um conceito de fascismo universalmente aceito. O texto percorre a história, a sociologia e a filosofia na tentativa de demonstrar quão perigoso é esse mecanismo autoritário de concentração de poder em mãos de um líder de governo.

Palavras-Chave: Fascismo. Totalitarismo. Sociologia. Filosofia. Ciência Política. Teoria Geral do Estado.

Abstract: Fascism is a political, economic and social movement developed in some European countries in the period after the First World War. Unlike other currents of political thought, it is difficult to define, as it has different meanings and, depending on the chosen focus and, according to its accentuated characteristics, leads us to conclude, therefore, that there is no universally accepted concept of fascism. The text travels through history, sociology and philosophy in an attempt to demonstrate how dangerous this authoritarian mechanism of concentration of power in the hands of a government leader is.

Keywords: Fascism. Totalitarianism. Sociology. Philosophy. Political science. General Theory of the State.

Introdução

A palavra “fascismo” é oriunda do italiano fascio, que significa feixe. Na Antiga Roma, o fasce era um machado revestido por varas de madeira. Geralmente, era carregado pelos lictores, guarda-costas dos magistrados que detinham o poder.

O fasce representava um símbolo de autoridade e união, assim era um único bastão quebrável facilmente, enquanto um feixe era difícil de arrebentar.

Segundo o Vocabulário Jurídico de De Plácido e Silva, fascismo é denominação dada ao partido político italiano que se apoderou do poder em 1922. O vocábulo se formou de fasces, emblema adotado por seus partidários.

Funda-se num regime ditatorial em caráter permanente conhecido pelo nome de totalitário, porque pretende atribuir ao Estado todos os poderes, inclusive os que deveriam caber às iniciativas particulares. Diz-se também regime corporativo, porque se funda na economia dirigida pelo Estado, com auxílio de corporações por ele instituídas. (In: DE PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico. 31ª edição. (Atualizadores; Nagib Slaibi Filho, Priscila Pereira Vasques Gomes) Rio de Janeiro: Forense, 2014).

No século XX, o político italiano Benito Mussolini[1] se apossou desse símbolo para representar seu novo partido. E, em 1914, fundou o grupo Fasci D'Azione Rivoluzionaria, mais tarde, em 1922 surgiu o conhecido Partido Nacional Fascista. E, o uso do fascio não foi à toa.

Enquanto a Itália enfrentava profunda crise desde sua tardia unificação que só fora concluída em 1870 e, com as consequências da Primeira Guerra Mundial[2] pioram em muito a situação econômica e social. Mussolini, a seu turno, prometia, com o fascismo, trazer de voltar os tempos áureos do antigo Império Romano.

Já em 1919, os italianos Alceste de Ambris e Filippo Marinetti publicaram o Il manifesto dei fasci italiani di combattimento, o que é atualmente conhecido como Manifesto Fascista ou Carta de Verona e que propunha um conjunto de medidas para resolver a crise da época. Em décadas posteriores, o termo “fascismo” passou a ser usado para designar as políticas adotadas por Mussolini e seus seguidores.

Oficialmente, o regime fascista de Mussolini começou em 1922[3], quando assumira o cargo de Primeiro-Ministro da Itália[4], e se traduziu em ser sistema político nacionalista, imperialista, antiliberal e antidemocrático.

Ele implantou um governo totalitário que muito privilegiou conceitos de nação e raça sobre os valores individuais. O fascismo italiano quase acabou em 1943, quando os Aliados invadiram a Itália, durante a Segunda Guerra Mundial[5].

Mas, os nazistas ainda deram uma segunda chance ao ditador, quando os alemães ocuparam novamente a Itália, resgatam Mussolini e o levaram para o norte do país, onde tentou restituir seu governo. Ao final de 1945, os aliados tomaram o Norte e Mussolini fora novamente capturado e fuzilado por guerrilheiros da resistência italiana. Depois de morto, seu corpo fora exposto em praça pública. E, com a derrota da Itália, e das forças do Eixo, na guerra, o termo fascista virou um termo pejorativo.

É verdade que o fascismo nem mesmo através dos maiores estudiosos sabem definir com precisão. E, não existe definição[6] unanimemente aceita do fenômeno, seja por conta de sua abrangência, origens ideológicas ou formas de ação que o caracterizam.

Eis algumas das principais características atribuídas ao fascismo italiano, a saber: nacionalismo[7], corporativismo e racismo, mas nem estão presentes em todos os regimes propriamente ditos como fascistas.

Trata-se de regime autoritário com a concentração total de poder nas mãos do líder do governo. E, o referido líder é cultuado e, poderia tomar qualquer decisão sem consultar previamente os representantes da sociedade. O fascismo promove uma exaltação da coletividade nacional em detrimento das culturas dos demais países.

Para garantir a manutenção de seu governo, os líderes fascistas controlavam os meios de comunicação de massa, por onde divulgavam sua ideologia e controlavam todas as informações disseminadas. E, então, qualquer crítica ao governo era sumariamente aniquilada mediante o uso de violência e do terror. Pois, os críticos e adversário são considerados inimigos do governo sendo punidos com prisão ou morte.

Michael Mann apud Monteiro na obra "Fascistas" utiliza de análise sociológica para identificar os apoiadores do fascismo durante as disputas pelo poder, buscando detalhar quais grupos sociais contribuíram para que os fascistas tivessem êxito e, em seus respectivos países. Assim, ao evitar a interpretação voltada para a teoria das classes, Mann demonstra como os fascismos eram movimentos de massa, de cariz heterogênea e de setores sociais distintos que o diferenciava dos demais partidos políticos anteriormente estabelecidos.

Para Robert Paxton apud Monteiro, em sua obra intitulada "A Anatomia do Fascismo" explora a característica mutável e indefinida do fascismo, tanto o discurso quanto a política são alteradas diversas vezes desde sua formação até o fim de seus governos.

Estabelece então cinco estágios pelos quais pretende examinar e comparar manifestações do fascismo, a saber: criação dos movimentos; enraizamento no sistema político; tomada de poder; exercício de poder; sua radicalização ou entropia. Considerando que movimento percorre diferentemente esses estágios e de maneira multidirecional.

George Orwell[8], em sua obra “O que é Fascismo? E outros ensaios” procurou afirmar que as definições populares do termo vão de democracia pura ao demonismo puro. E, ainda afirma que é uma palavra quase inteiramente sem sentido. Principalmente devido ao fato de o fascismo não possui arcabouço teórico forte e ter determinado, praticamente, pelas atitudes de Mussolini. (In: O que é fascismo?  E outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, pp. 85-89)

Segundo as palavras de Mussolini: “Não temos uma doutrina pronta; nossa doutrina é a ação. Fascismo deveria ser chamado corporativismo, porque é a fusão entre o estado e o poder corporativo” (Benito Mussolini).

Merece atenção as palavras de Brecht: “Aquelas pessoas que são contra o fascismo sem serem contra o capitalismo, que lamentam a barbárie que vem desse barbarismo, são como pessoas que querem comer sua carne de vitela sem matar o bezerro. Elas estão preparadas para comer a vitela, mas não gostam de ver o sangue. Elas facilmente se satisfazem se quem matou o bezerro lava suas mãos antes de pesar a carne. Elas não são contra as relações de propriedade que produzem a barbárie; elas somente são contra a barbárie em si. Elas levantam suas vozes contra a barbárie, e o fazem em países onde exatamente as mesmas relações de propriedade prevalecem, mas onde quem matou os bezerros novamente lava suas mãos antes de pesar a carne.” (Bertolt Brecht)[9].

O historiador Emilio Gentile é considerado na Itália o maior especialista vivo sobre o assunto. Sendo autor de inúmeros livros sobre o período fascista, muitos deles adotados nas escolas italianas, ele afirma que utilizar o termo, como se tornou comum recentemente, é uma forma de confundir as ideias e, não observar um fenômeno que, na verdade, tem a ver com a crise da democracia.

“A democracia não está em risco por causa de um fascismo que não existe. Hoje, o perigo é a democracia que se suicida”, disse à BBC News Brasil. “O que há de novo, em todo o mundo[10], é um novo poder de direita nacionalista e xenófobo. É o que Orbán (Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, um dos expoentes desse movimento na Europa) classificou de política nacionalista democrática iliberal.”

E, ainda, segundo Gentile, há muitos movimentos políticos na Europa e em outros lugares do mundo – que se referem à experiência fascista e utilizam seus símbolos, mas de uma maneira muito “idealizada e imaginária”.

O fascismo foi criado por Benito Mussolini (um ex-socialista) há quase cem anos. E originário da palavra latina “fascio littorio”, um conjunto de galhos amarrados a um machado, símbolo do poder de punição dos magistrados na Roma Antiga, o experimento nasceu oficialmente em 23 de março de 1919, quando Mussolini fundou em Milão o grupo “Fasci di Combattimento”, que reunia ex-combatentes da Primeira Guerra Mundial (1914-18).

Com a Itália imersa no caos, à beira de uma guerra civil, com crise política, econômica e social, num momento em que o poder fugiu do controle do Estado, e à sombra da Revolução Russa de 1917 (temia-se que o comunismo chegasse também ao país), o grupo fundado por Mussolini cresceu rapidamente.

Interessante consignar que para Domenico de Masi[11], outro estudioso italiano, Bolsonaro é político de inspiração fascista.

Ainda em 1919, ocorreram ataques de brigadas fascistas que depois se tornariam efetivamente milícias paramilitares contra políticos de esquerda, judeus, homossexuais e órgãos da imprensa. Eles ficariam conhecidos como os “camisas negras”[12].

No final de 1921, nasceu o Partido Nacional Fascista (PNF), cujo símbolo era exatamente o “fascio littorio”. Menos de um ano depois, Mussolini assumiu o poder. Ele fortaleceu sua influência na Itália angariando o apoio de industriais, empresários e do Vaticano, e tornou-se referência para regimes autoritários mundo afora como Francisco Franco na Espanha, António Salazar em Portugal e, sobretudo, Adolf Hitler na Alemanha (que por muito tempo manteve um busto do Duce[13] italiano em seu escritório) tiveram em Mussolini e no seu regime uma grande fonte de inspiração.

Para o sociólogo italiano, Domenico de Masi, que conhece o Brasil há muitos anos, se não é possível falar num fascismo histórico como o implementado na Itália no século passado, não há dúvidas, por outro lado, de que o atual Presidente da República (sem partido) é um político de inspiração fascista e, chegou a afirmar num comício no Acre em “metralhar a petralhada”. O que confirma a tendência a eliminação física de adversários era exatamente uma das características do regime de Mussolini.

Emilio Gentile[14] e o historiador Eugenio di Rienzo[15], professor de História Contemporânea da Universidade Sapienza, em Roma, afirmam que o fascismo é um regime que nasceu e morreu no século passado em 1945, quando Mussolini foi assassinado em Milão.

“Não se pode fazer uma analogia entre aquele fenômeno e outro. O fascismo não se reproduz mais, é preciso cuidado com o uso da palavra, pois acaba provocando desinformação”, disse. “Um racista não é sempre um fascista. O governo de (Recep Tayyip) Erdogan na Turquia é autoritário, mas não fascista.”

Di Rienzo reconhece que há muitos nostálgicos do fascismo na Itália, assim como do nazismo na Alemanha, mas para ele o processo atual (na Europa e nos Estados Unidos de Trump) não é uma “repetição do passado”: “Há algumas semelhanças, mas os processos são muito diferentes. A analogia, muitas vezes, tem o propósito de propaganda”.

Emilio Gentile concorda e afirma: “Na verdade, faz-se propaganda de um fascismo que parece eterno, mas ao menos na Europa é um fenômeno novo que se relaciona à crise da democracia, ao medo da globalização e dos movimentos imigratórios que poderiam sufocar a coletividade nacional. Mexe com a imaginação das pessoas, mas não se trata de um perigo real.”

Gentile recorda, ainda, que o sucesso de Bolsonaro no Brasil tem a ver com uma tradição latino-americana da participação dos militares na política, vistos como atores da “ordem e da competência”, o que não acontece nos países europeus.

Em um ensaio "O fascismo não passará" publicado em 1995, o célebre acadêmico italiano, Umberto Eco[16] listou cerca de quatorze características do fascismo, e ainda afirmou que não precisam estar todas presentes simultaneamente, a saber:

  1. O culto à tradição; 2. A rejeição do movimento modernista, sob alegação de que cultura do Ocidente está depravada; 3. O culto da ação sem reflexão intelectual prévia; 4. Discordar é trair, não cabe ao militante questionar contradições no discurso; 5. Racismo e xenofobia; 6. Apelo à classe média frustrada que teme as aspirações de classes sociais desfavorecidas; 7. Obsessão com teorias da conspiração; 8. Retórica que retrata as elites como decadentes e afirmar que elas podem sucumbir à pressão popular; 9.  A vida é uma guerra perpétua, sempre deve haver um inimigo para combater; 10. Os membros que pertencem ao grupo são considerados superiores a todos os forasteiros; 11. Culto ao sacrifício, todos são educados para se tornarem heróis e morrerem pela pátria; 12. Machismo que se reafirma através do desdém pela mulher e intolerância com hábitos sexuais que fogem da heteronormatividade; 13. O povo é tratado como entidade única, que tem aspirações únicas, sem considerar o ponto de vista de cada indivíduo; 14. Franco emprego de vocabulário empobrecido para limitar o raciocínio crítico[17].

O fascismo foi, certamente, uma ditadura, mas não era completamente totalitário, nem tanto por sua brandura quanto pela debilidade filosófica de sua ideologia. Ao contrário do que se pensa comumente, o fascismo italiano não tinha uma filosofia própria.

O artigo sobre o fascismo assinado por Mussolini para a Enciclopédia Treccani foi escrito e inspirou-se, fundamentalmente, em Giovanni Gentile, mas refletia uma noção hegeliana tardia do “Estado ético absoluto”, o que Mussolini nunca realizou completamente.

Mas, Mussolini não tinha qualquer filosofia: tinha apenas uma retórica. Começou como ateu militante, para depois firmar a concordata com a Igreja e confraternizar com os bispos que até benziam os galhardetes fascistas.

Em seus primeiros anos anticlericais, segundo uma lenda plausível, pediu certa vez a Deus que o fulminasse ali mesmo para provar sua existência. Talvez, ironicamente, Deus estava, evidentemente, distraído[18]. Nos anos seguintes, em seus discursos, Mussolini citava sempre o nome de Deus e nem desdenhava o epíteto: “homem da Providência”.

Pode-se dizer que o fascismo italiano foi a primeira ditadura de direita que dominou um país europeu e que, em seguida, todos os movimentos análogos encontraram uma espécie de arquétipo comum no regime de Mussolini.

O fascismo foi, certamente, uma ditadura, mas não era completamente totalitário, nem tanto por sua brandura quanto pela debilidade filosófica de sua ideologia. Ao contrário do que se pensa comumente, o fascismo italiano não tinha uma filosofia própria.

O fascismo italiano foi o primeiro a criar uma liturgia militar, um folclore e, até mesmo, um modo de vestir-se, conseguindo mais sucesso no exterior que Armani, Benetton ou Versace.

Foi somente nos anos trinta que surgiram movimentos fascistas na Inglaterra, com Mosley, e na Letônia, Estônia, Lituânia, Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária, Grécia, Iugoslávia, Espanha, Portugal, Noruega e, até chegar, na América do Sul, sem olvidar da Alemanha.

Foi o fascismo italiano que convenceu muitos líderes liberais europeus de que o novo regime estava realizando interessantes reformas sociais, capazes de fornecer uma alternativa moderadamente revolucionária à ameaça comunista. O medo comum traduz em uniões exóticas e perigosas.

Todavia, a prioridade histórica não parece ser uma razão suficiente para explicar por que a palavra “fascismo” se tornou uma sinédoque[19], uma denominação pars pro toto para movimentos totalitários diversos.

Não adianta dizer que o fascismo continha em si todos os elementos dos totalitarismos sucessivos, por assim dizer, em “Estado quintessencial”. Ao contrário, o fascismo não possuía nenhuma quintessência e sequer uma só essência. O fascismo era um totalitarismo fuzzy(difuso).

Tendo em vista o grave tensionamento e risco que o fascismo representa para o Estado Democrático de Direito e os Direitos Humanos, mas é especialmente, provocativo para os doutrinadores que têm preocupações mais urgentes com o direito penal, processo penal, políticas públicas, políticas criminais, sistema de justiça e o sistema carcerário.

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Eis que o texto de Eco[20] não tece minúcias a estes temas, mas ajuda a refleti-los de modo mais amplo e complexo, vez que evidencia a miríade de formas de fascismo, desde as mais sutis até as mais agressivas e contundentes, com que faz incidir todo seu poder sobre certos indivíduos e grupos. O perigo do fascismo eterno que cogita Eco é chocante e nos faz adentrar em permanente estado de alerta.

O fascismo não era uma ideologia monolítica, mas antes uma colagem de diversas ideias políticas e filosóficas, uma colmeia de contradições. É possível conceber um movimento totalitário que consiga juntar monarquia e revolução, exército real e milícia pessoal de Mussolini, os privilégios concedidos à Igreja e uma educação estatal que exaltava a violência e o livre mercado? Sim, tudo junto e bem misturado.

Existiu apenas uma arquitetura nazista, apenas uma arte nazista. Se o arquiteto nazista era Albert Speer, não havia lugar para Mies van der Rohe. Da mesma maneira, sob Stalin, se Lamarck tinha razão, não havia lugar para Darwin[21].

Não houve um Zdanov fascista[22]. Lembremos que na Itália existiam dois importantes prêmios artísticos: o Prêmio Cremona era controlado por um fascista inculto e fanático como Farinacci, que encorajava uma arte propagandista (como exemplos dos quadros intitulados Ascoltando all radio un discorso del Duce ou Stati mentali creati dal Fascismo); e o Prêmio Bergamo, patrocinado por um fascista culto e razoavelmente tolerante como Bottai, que protegia a arte pela arte e as novas experiências da arte de vanguarda que, na Alemanha, haviam sido banidas como corruptas, criptocomunistas, contrárias ao Kitsch nibelungo, o único aceito.

O poeta nacional era D'Annunzio, um dândi[23] que na Alemanha ou na Rússia teria sido colocado diante de um pelotão de fuzilamento. Foi alçado à categoria de vate do regime por seu nacionalismo e seu culto do heroísmo com o acréscimo de grandes doses de decadentismo francês.

O termo “fascismo” adapta-se a tudo porque é possível eliminar de um regime fascista um ou mais aspectos, e ele continuará sempre a ser reconhecido como fascista. Retirem do fascismo o imperialismo e, teremos Franco ou Salazar; retirem o colonialismo e, teremos o fascismo balcânico[24].

Acrescentem ao fascismo italiano um anticapitalismo radical (que nunca fascinou Mussolini) e, teremos Ezra Pound. Acrescentem o culto da mitologia céltica e o misticismo do Graal (completamente estranho ao fascismo oficial) e teremos um dos mais respeitados gurus fascistas, Julios Evola[25].

Aqui em nosso país, o atual Presidente da República e seu grupo de apoiadores que adoram afirmar que o pessoal de esquerda não sabe o que é fascismo. Em muito dos termos protofascismo e neofascismo foram aplicados ao atual governo. Já o fascismo de Benito Mussolini apenas, que aconteceu entre 1919 a 1945 poderia ser realmente chamado de fascismo.

Grosso modo, protofascismo é um termo moderno para nomear qualquer ideologia que compartilha parte significativa de sua base ideológica com o fascismo, mas não atende a todos os critérios que um especialista escolher, portanto, observe que nem todo mundo concorda.

Já o neofascismo[26], embora não seja idêntico ao fascismo, é o nomen dado às manifestações posteriores desta mesma base ideológica, e há uma certa quantidade de características que o definem, que são mais ou menos acordadas pelos especialistas e, novamente, não há total concordância. É uma questão de bom senso ler a respeito e decidir onde se traça a linha.

Recentemente, entre os especialistas que trazem para debate o conceito, surgiu também a expressão “neofascismo”. Esse termo é usado para fazer menção a regimes e movimentos políticos atuais que possuem características que os aproximam do fascismo clássico.

Novamente, é impossível fazer uma relação direta entre movimentos políticos atuais e o fascismo, justamente pelo seu caráter camaleônico, que se adapta a diferentes circunstâncias e contextos. Adapta-se para lucrar e se disseminar com maior facilidade e proeza.

Algumas características podem ser mencionadas em relação ao neofascismo, tais como: 1. Patriotismo exagerado que assume posturas xenófobas e violentas; 2. Desprezo pelos valores da democracia liberal, como as liberdades individuais; 3. Construção de retórica violenta contra supostos “inimigos internos” que contribuem para a “degradação moral” da nação.

O triunfo do fascismo se deu, não apesar da violência, mas em virtude da violência. A violência não foi apenas uma ferramenta eficaz para a luta política, mas um objeto de desejo político.

Na interpretação de Antonio Scurati[27], o autor de “M, o homem da providência” do curto e sangrento século que se abriu na Piazza San Sepolcro (em Milão) em março de 1919, com a fundação do Fasci di Combattimento, a hiperviolência foi o pivô em que girou o sistema histórico.

Os biênios vermelho e negro (como são conhecidos na Itália os anos entre 1919 e 1922, período marcado pela agitação dos movimentos operários socialistas e, em seguida, em reação, pelo surgimento dos esquadrões fascistas) são a primeira metade de uma guerra civil que passará por guerras coloniais, pela Guerra Civil Espanhola e pela Segunda Guerra Mundial.

Antes disso, a humanidade (durante a Primeira Guerra) passara três anos comendo, bebendo, dormindo e fumando imersa na lama dos cadáveres em decomposição de seus companheiros soldados nas trincheiras.

Esta foi a matriz experiencial das experiências totalitárias. E, para essa humanidade, a violência parecia a única solução possível para todos os problemas complexos e insolúveis da vida moderna e democrática.).

O fascismo é um movimento político e, também um regime ou sistema político[28] (como o estabelecido por Benito Mussolini na Itália, em 1922) - que defende a prevalência, isto é, a superioridade dos conceitos de nação, Estado e raça sobre os valores individuais.

Como dizia o próprio Mussolini: "Tutto nello Stato, niente al di fuori dello Stato, nulla contro lo Stato", ou seja, "Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado". Um regime político fascista é representado por um governo autocrático, centralizado na figura de um ditador.

Apesar de terem semelhanças (o que inclui especialmente o totalitarismo[29], o nacionalismo e o antiliberalismo) o fascismo e o nazismo possuem algumas diferenças importantes e que devem ser consideradas.

 Enquanto o fascismo defendia uma Itália forte e capaz de vencer as nações inimigas, o nazismo perseguia qualquer etnia que não fosse a que eles consideravam como a raça superior, chamada por eles de ariana[30].

 O fascismo surgiu na elite e foi sendo pregado para outras camadas da sociedade, sendo apresentado como o fim da luta de classes. O nazismo, por sua vez, visava atrair pessoas de todas as classes sociais para viverem de acordo com a sua ideologia.

Entre as duas guerras mundiais, o fascismo realizou um intenso esforço para reconectar os imigrantes e seus filhos espalhados pelo mundo com a Itália, e espalhar a ideologia fascista entre eles.

Nesse esforço, o fascismo se baseou nos velhos debates da Itália liberal relacionados a estes e ao seu uso como instrumento de poder italiano dentro da luta imperialista global.

Através, especialmente, da mediação dos nacionalistas, o regime de Mussolini reelaborou, de fato, a antiga discussão em termos fascistas (associando "italianidade" com "fascismo"), mas mantendo como linha geral a diretriz de utilizar as comunidades italianas do exterior como fatores e ferramentas da política externa italiana.

Um reflexo dessa política foi uma potencialização maciça dos antigos mecanismos que o Estado italiano tradicionalmente já havia utilizado para manter contato com seus emigrados e a criação de outros, mais diretamente relacionados com a ideologia e o estilo fascista, no exterior.

Nesse sentido, buscou-se o controle sobre os antigos mecanismos de socialização (associações, imprensa, escolas) dos emigrados italianos em todo o mundo e a implantação de outros (os fasci all’estero, os Dopolavoro, as Casa d’Italia) especificadamente fascistas.

O Brasil[31] não ficou imune a essas transformações da política do Estado italiano com relação a seus emigrantes, os quais foram convertidos em instrumentos privilegiados nas relações Brasil-Itália.

Dessa forma, as coletividades italianas do Brasil e, especialmente, as de São Paulo, foram particularmente atingidas pelo esforço fascista de reconexão dos antigos emigrantes e seus filhos com a Itália, que procurou transformá-las em componentes-chave da ativa política italiana dirigida ao Brasil no período entreguerras.

A tendência a analisar o fascismo como um produto particularmente característico da sociedade italiana e da sua história é contemporânea ao próprio nascimento do fascismo.

Conquanto minoritária no panorama global dos estudos sobre o tema, esta sustentou expressiva corrente da historiografia italiana e estrangeira, havendo recebido novo impulso em anos recentes, devido inclusive à influência de pesquisas como a de G. Mosse[32] sobre as origens culturais do Terceiro Reich que, reavaliando a importância do componente nacional na compreensão de aspectos fundamentais do regime nazista, principalmente o do consenso, reativou a discussão acerca do peso relativo das diferenças e analogias existentes, em primeiro lugar, entre o fascismo e o nacional-socialismo e, depois, entre estes e os demais regimes autoritários que assinalaram a recente história contemporânea.

As primeiras hipóteses de explicação do fascismo, com base em fatores internos típicos da situação italiana, foram aventadas, naturalmente, nos anos 1920, em concomitância com a consolidação do movimento fascista, com a tomada do poder por Mussolini e com a progressiva transformação do Estado liberal[33] em Estado de características totalitárias.

Poucos souberam, então, enxergar no fascismo a antecipação de uma crise mais geral que agitaria a Europa e, com a catástrofe da Segunda Guerra Mundial, viria a produzir profundas mudanças na organização interna de cada um dos Estados nacionais e na ordem internacional.

A reafirmação da "unicidade'' do fascismo italiano e da necessidade de ressaltar, para aperfeiçoada compreensão histórica, os elementos de diferenciação dos regimes definidos como fascistas por interpretações já consolidadas, tem suscitado não poucas discussões.

Esta polêmica tem por alvo não tanto na validade de cada uma das proposições, quanto uma questão fundamental, que é ao mesmo tempo a do método e a do conteúdo; o que se questiona, em verdade, se é legítimo aceitar como principal critério discriminante a dimensão ideológico-cultural, se com isso, se corremos o risco de apresentar, como diversos, os fenômenos que são essencialmente da mesma natureza.

A respeito da abordagem generalizante que prevê   o fascismo italiano e o nacional-socialismo alemão, malgrado as diferenças devidas às particularidades das respectivas histórias nacionais, hajam de ser considerados como especificações de um modelo de dominação essencialmente único, é coisa que tem sido sustentada pela maior parte dos estudiosos contemporâneos, independentemente das suas posições ideológicas e políticas.

É a estes que se deve a elaboração de alguns esquemas interpretativos que muito têm contribuído para a orientação dos trabalhos dos historiadores e cientistas sociais da geração seguinte.

As hipóteses explicativas que estes esquemas sugerem são diversas, quando não claramente alternativas, dependendo, em várias medidas, do tipo de fatores preferidos, do nível de análise em que se situam e da diversidade de paradigmas a que se referem. O que não arrefece em nada o perigo que significam.

O que lhes é comum, é o esforço por compreender as raízes do fascismo e, de um modo mais geral, dos fenômenos autoritários evidenciados pela sociedade moderna, num conjunto de variáveis que transcendem os limites de cada uma das realidades nacionais.

O fascismo traduz-se, portanto, como uma ditadura aberta da burguesia. Entre os primeiros que captaram a dimensão internacional do fascismo e as suas potencialidades expansivas, estão os expoentes do movimento operário em suas diversas articulações.

O elemento unificador das várias formas de reação na Europa, no período que medeia entre as duas guerras mundiais, está na análise das contradições da sociedade capitalista e das modificações por esta introduzidas na dinâmica das relações e conflitos entre as classes até na fase histórica iniciada com a Primeira Guerra Mundial.

Dentro desta interpretação, é conveniente distinguir a formulação "clássica" que é resumível nas teses elaboradas pela Terceira Internacional comunista a partir de meados dos anos 1930  dos seus ulteriores desenvolvimentos, que reassumem temas e ideias já presentes no debate iniciado pelos componentes do marxismo europeu desde a tomada do poder pelo fascismo na Itália, reelaborando-os em função de uma análise menos esquemática das relações entre estrutura e supra-estrutura, entre esfera econômica e esfera política.

São dois os elementos centrais deste tipo de análise: a concepção instrumental dos partidos políticos e dos regimes fascistas, considerados como expressão direta dos interesses do grande capital, e a sua função essencialmente contrarrevolucionária no duplo sentido de ataque frontal contra as organizações do proletariado e de esforço por frear o curso do desenvolvimento histórico.

Em consequência, é dado pouca importância ao fato, qualitativamente novo em relação às formas precedentes de reação, de que a fascista operasse mediante um partido de massa de base predominantemente pequeno-burguesa, embora comunistas italianos e alemães, como P. Togliatti[34] ou Clara Zetkui[35], já houvessem chamado a atenção para isso.

Além disso, eram categoricamente rejeitadas, sob pretexto de ignorarem a definição do fascismo como ditadura da burguesia, as análises que em vários setores do movimento operário vinham sendo feitas do fascismo como forma de "bonapartismo[36]", isto é, como regime caracterizado pela cessão temporária do poder político a uma terceira torça e por uma relativa autonomia do executivo em relação às classes dominantes, tornadas possíveis graças a uma situação de equilíbrio entre as principais forças de classe em ação.

Desenvolvimento

A teoria do fascismo como ditadura da burguesia constitui ainda hoje a chave interpretativa predominante nos estudos que têm como modelo de referência o marxismo e a sua concepção da mudança histórica.

Com o tempo, porém, está passou por certa revisão que tornou mais problemáticos alguns nexos, particularmente os existentes entre burguesia e fascismo, entre movimentos e regimes fascistas, entre capitalismo, democracia e fascismo.

Esta revisão é o resultado de uma reflexão teórica que teve efeitos importantes em vários sentidos. O primeiro deles, foi a atenuação do economicismo presente nas primeiras formulações e o reconhecimento de uma relativa autonomia da esfera política com relação à esfera da economia.

Isso trouxe consigo, uma mais aprofundada análise das crises de onde emergiram os regimes fascistas; uma articulação mais complexa da relação entre fascismo e classes sociais; uma consideração mais atenta dos aspectos institucionais dos regimes fascista, da lógica do seu funcionamento, das bases da sua legitimação.

Mas, não modificou a concepção do fascismo como forma particular de ditadura da burguesia, embora esta fosse atenuada pelo reconhecimento da autonomia relativa dos Estados fascistas em face do grande capital, no âmbito de uma convergência comum para objetivos imperialistas.

O fascismo como totalitarismo trouxe, totalmente, outra a perspectiva em que se situa a análise do fascismo como totalitarismo, cuja contribuição principal foi a de ter sabido captar a novidade que representa o aparecimento dos regimes fascistas na cena política e a de ter chamado a atenção para as diferenças qualitativas existentes entre as formas tradicionais de autoritarismo e as modernas.

O quadro de referência é constituído, direta ou indiretamente, pelas teorias da sociedade de massa; à dinâmica das relações entre as classes sucede, como principal fator explicativo do surgimento dos fenômenos do autoritarismo moderno, a dinâmica das relações entre as massas e as elites num contexto caracterizado pela decomposição do tecido social tradicional, pelo desabe dos sistemas de valores comuns, pela atomização e massificação dos indivíduos, e por uma crescente burocratização.

O aspecto central desta teoria, e ao mesmo tempo o mais criticado, é a subsunção sob uma mesma categoria, a do Estado totalitário, dos regimes fascistas e comunistas, com base em analogias existentes na estrutura e técnicas de gestão do poder político.

São, com efeito, tais analogias verificáveis independentemente dos fins declarados que se tem em vista dos precedentes históricos e do conteúdo das respectivas ideologias que os teóricos do totalitarismo privilegiam no plano descritivo e, admitem como problema principal no plano explicativo.

A teoria clássica do totalitarismo[37] tem estado sujeita a numerosas críticas que têm por alvo uma dupla série de problemas. O primeiro diz respeito ao campo específico da análise dos regimes fascistas.

Sob este ponto de vista, parece hoje dificilmente sustentável a hipótese de que a origem e sucesso dos movimentos fascistas estariam relacionados com o conjunto de fenômenos compreendidos no conceito de "sociedade de massa".

Pesquisas recentes demonstraram que, nos países onde o Fascismo se consolidou, o sistema de estratificação era muito mais rígido, o peso das estruturas tradicionais muito mais forte e o grau de "atomização" no sentido de falta de estruturas associativas intermediárias muito menor que em outros onde o Fascismo jamais se ofereceu como alternativa concreta.

A tentativa de explicar o processo de introdução do Fascismo com base na dinâmica das relações entre massas privadas de uma clara conotação de classe também contradiz um dado empírico já seguro, ou seja, a base constituída de massas predominantemente pequeno-burguesas dos movimentos fascistas e sua coligação com amplos setores da burguesia agrária e industrial, antes e depois da tomada do poder.

Finalmente, esta teoria não consegue fornecer uma explicação aceitável sobre o problema da função histórica dos regimes fascistas, oscilando entre uma resposta de tipo não racional, os regimes totalitários seriam, neste caso, uma espécie de experimento monstruoso de engenharia social, tendo como fim a criação de um novo tipo de homem máquina totalmente heterodirigido, e a renúncia explícita ao momento explicativo em favor de uma morfologia dos sistemas totalitários.

Os elementos que definem o Estado totalitário[38] são, em termos típico-ideais, conforme a formulação de Friedrich e Brzezinski: uma ideologia oficial tendente a cobrir todo o âmbito da existência humana e à qual se supõe aderirem todos, pelo menos passivamente; um partido de massa único, tipicamente conduzido por um só homem; um sistema de controle policial baseado no terror; o monopólio quase completo dos meios de comunicação de massa; o monopólio quase completo do aparelho bélico; e, enfim, o controle  centralizado da economia.

O alvo é o de conseguir o controle total de toda a organização social, a serviço de um movimento ideologicamente caracterizado.  As condições essenciais para a sua aparição são um regime de democracia de massa e o poder dispor de um aparelho tecnológico como o que só a moderna sociedade industrial pode oferecer.

O Estado totalitário se apresenta, portanto, como uma forma de domínio inteiramente nova, não só com respeito aos sistemas de democracia liberal, mas também às formas anteriores de ditadura e autocracia, uma vez que no passado não existiam os pressupostos para a sua realização.

Possui, além disso, um caráter eversivo com relação ao sistema social preexistente, na medida em que lhe modifica radicalmente a estrutura, que se baseava na existência de uma pluralidade de grupos e de organizações autônomas.

Nestes últimos tempos, tem-se desenvolvido um novo tipo de abordagem que tem como referência o esquema teórico da modernização e considera os regimes fascistas como uma das formas político institucionais através das quais se operou historicamente a transição de uma sociedade agrária de tipo tradicional à moderna sociedade industrial.

A análise do fascismo à luz das teorias da modernização coloca-o, ao invés, não já em relação com os conflitos e crises próprios da sociedade industrial, mas com os conflitos e crises característicos da fase de transição para esta.

Neste quadro, os regimes fascistas se configuram como uma das vias para a modernização, pois, as outras historicamente identificadas são a liberal-burguesa e a comunista sendo fundada no compromisso entre o setor moderno e o tradicional.

Os traços que os caracterizam são, na esfera econômica, uma industrialização atrasada, mas intensa, promovida desde cima, com notável interferência do Estado a favor da acumulação; na esfera política, o desenvolvimento de regimes autoritários e repressivos, expressão da coligação conservadora das elites agrárias e industriais que querem avançar pelo caminho da modernização econômica, defendendo, ao mesmo tempo, as estruturas sociais tradicionais; na esfera social, a tentativa de evitar a desagregação dessas estruturas, impedindo ou reprimindo os processos de mobilização social postos em movimento pela industrialização.

Apesar das semelhanças, o nazismo e o fascismo são diferentes. O nazismo foi um movimento ideológico que nasceu na Alemanha e esteve sob o comando de Adolf Hitler[39] de 1933 a 1945.

Já o fascismo foi um sistema político e surgiu primeiro, na Itália, tendo aumentado a sua influência na Europa entre 1919 e 1939.

O nazismo tem caráter nacionalista, imperialista e belicista (que tende a se envolver ativamente em guerras). O fascismo também tem caráter nacionalista e é antissocialista. O nazismo foi um movimento ideológico surgido na Alemanha e é comumente associado ao Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, comandado por Adolf Hitler de 1933 a 1945.

Apesar de muitos o considerarem uma versão “extrema” do fascismo, a principal diferença é que o movimento nazista acreditava no “racismo científico”. O "racismo científico"[40] é a crença em uma pseudociência de que existem raças de seres humanos superiores e inferiores.

O conceito de “raça”[41] entre seres humanos tem sido debatido. Atualmente, "etnia" é o termo mais utilizado para referenciar grupos distintos, já que aspectos socioculturais são considerados mais relevantes que fatores genéticos.

No entanto, os alemães, sob influência do Partido Nazista, passaram a acreditar que a “raça ariana” era superior a todos os outros grupos humanos, sendo os judeus o alvo principal de seus preconceitos e dogmas. Por isso, os nazistas são antissemitas.

A origem da palavra “nazismo” está ancorada na junção das palavras Nacional-Socialismo. Neste caso, o socialismo foi redefinido pelos nazistas para distingui-lo do socialismo marxista, fortemente rechaçado pelo movimento.

Extremamente rígidos no que tocava a sua superioridade em relação a outras “raças”, os nazistas contrastavam no quesito “luta de classes”, sobre o qual eram contra. Isto fazia frente ao capitalismo, que passava a dominar o ocidente.

O fascismo e o nazismo são doutrinas que não aceitam as diferenças sociais. Para estas doutrinas, toda diferença gera atrito e em todo atrito há perda de energia social. Assim, a sociedade tem que ser completamente homogênea em termos de classe, raça, costumes, religião e etc.

Para o socialismo, a diferença é o motor da história[42]. É somente numa sociedade plural que se manifesta o atrito e o atrito (a luta) é o que move as sociedades em direção a evolução. As diferenças de classe, no entanto, devem ser suprimidas como condição para o socialismo. Contudo, só estas e apenas estas.

Todas as outras manifestações de diversidade devem ser preservadas e incentivadas. E, já que as condições econômicas não são ontologias humanas, não há nada de problemático em negar esta diversidade.

O fascismo e o nazismo glorificam a violência e, em última instância, a guerra. Tanto Hitler, quanto Mussolini, pensavam em mundo "renascido" após a brutalidade da guerra.

Segundo estes, é a guerra (a suprema violência) que faz os "fortes emergirem e os fracos perecerem" e, por isto, conduz as sociedades ao seu "destino" de serem superiores. Tomados em microuniversos, a violência dentro da sociedade realiza o mesmo efeito, de "depurar" os fortes e fortalecer os regimes.

O socialismo abomina a violência. Marx escreveu diversas vezes que a revolução se dava no ponto máximo da violência social e somente quando esta violência não era mais suportável pelos desfavorecidos. A violência transformadora da revolução seria pontual, como uma explosão e, então desnecessária.

Toda violência extra, necessária para "fazer a revolução acontecer" ou para "manter o poder revolucionário" indicaria que não havia condições materiais para a mudança. A violência, se não fosse um chiste de mudança, indicaria sempre um erro. Ou se haviam adiantado os processos históricos ou não se teria ainda atingido as condições de consciência para a mudança.

Por glorificar a violência e abominar a diferença o fascismo e o nazismo trazem como condição lógica de sobrevivência as ditaduras. É o controle do Estado o fim último dos regimes nazifascistas. É o Estado que deve coordenar, liderar, aglutinar, coibir, punir e etc.

Por glorificar a diferença e abominar a violência o socialismo traz como condição lógica de sobrevivência uma sociedade politizada em que as divergências sejam resolvidas de forma democrática.

A "ditadura do proletariado" seria apenas um período de depuração das reminiscências de classe. Apenas para destruir o sistema econômico capitalista que cria e recriar-se a si mesmo. Este período não é o objetivo do socialismo.

No estágio final da mudança socialista, quando o comunismo seria alcançado, o Estado deixaria de existir, pois sua única função, na teoria socialista, seria defender as diferenças de classe. É condição necessária e inafastável a democracia para o socialismo, democracia, consciência de classe, educação e cultura generalizados.

O fascismo e o nazismo vivem em apego ao "tradicional". O que mantém as diferenças entre os homens, o que foi plasmado no tempo e nas culturas é sempre exaltado como algo que "sempre foi assim" e não deve mudar. Desta forma, há uma tensão entre o novo e o velho no fascismo.

O “novo” só é aceito se reverencia, fortalece e se submete ao velho. Isto leva, por exemplo, à glorificação da ciência apenas como bengala tecnológica. Para "tornar a vida melhor" e mais próxima do que "era", sem essencialmente mudar nada.

O socialismo necessita transgredir com o passado. É rompendo com as amarras dos caminhos já trilhados que o socialismo busca uma nova alternativa de sociedade, de economia, de cultura e etc. Isto representa uma busca e incentivo pela mudança em todas as áreas. A ciência não é apenas medida pelo seu caráter instrumental, mas pela possibilidade de romper com o passado e construir o futuro.

O nazismo e o fascismo são necessariamente expansionistas em termos geográficos. Dado que a diferença é algo ruim, toda a expansão do nazismo e do fascismo dependem da tomada de terras, de riquezas naturais, de áreas vitais e pontos estratégicos. Com estes recursos, o regime mobiliza sua força para exterminar o diferente e plasmar a noção autoritária.

O socialismo independe do expansionismo geográfico. O ponto essencial é a formação de consciência nos indivíduos. Já que toda a riqueza advém do trabalho, não é necessária uma mina de ouro, para gerar riqueza, mas trabalhadores conscientes do seu local no processo de produção, no seu tempo histórico e no seu espaço social. Independe de terra e, sim de pessoas. O socialismo investe em escolas, ciência, cultura, artes como veículos de transformação social e não em polícia, armas, bombas e etc.

O socialismo desafia os seres humanos a romperem com as amarras do seu passado e buscarem um futuro radicalmente diferente

O nazismo e o fascismo necessitam do Estado e do nacionalismo. O nacionalismo é vendido como uma série de valores "comuns", mas que de “'comuns” nada têm.

O nacionalismo tóxico, como valor etéreo simbolizado por bandeiras, cores, uniformes, cânticos e etc., não remete a qualquer realidade fática na história ou sociedade. É um anseio homogeneizador das elites que busca fazer desaparecer as diferenças sociais pela elevação a mito de narrativas que, na maior parte das vezes, são falsas.

O socialismo denuncia o uso do nacionalismo como combustível da violência e busca a ruptura com os laços ideológicos da diferença por "nação". Todo o homem, nascido em qualquer parte, tem direito às condições materiais que propiciem sua existência.

Não se pode negar aos homens os direitos de sua existência porque eles nasceram sob diferentes bandeiras. Buscando uma noção de sociedade global, o socialismo prega que não deve ser pelo nascimento que ocorre o surgimento das diferenças entre os seres humanos.

O nazismo e o fascismo são profundamente capitalistas. Capitalismo não é o mesmo que "livre mercado" ou "liberdade econômica". Capitalismo é a extração e retenção privada da mais valia como um sistema que se reproduz material e ideologicamente baseado na ideia excludente de "propriedade privada dos meios de produção".

O capitalismo que o nazifascismo[43] defendeu sempre foi um capitalismo de corte nacionalista e que se abjurava o financismo internacional. Mas, foi sempre defendendo a propriedade privada, e tornando os trabalhadores dóceis e dominados para aumentar a extração de mais valia que o regime se desenvolveu.

O socialismo se opõe a acumulação privada de recursos e à extração privada de mais valia. Afirma que toda a riqueza é socialmente construída e que o homem é, através de seu trabalho produtivo, o gerador desta riqueza.

O sistema socialista não defende o fim da "propriedade privada" (tomados como casa, roupas ou utensílios), mas apenas a propriedade privada que seja usada para extração de mais valia. Posses que não sejam objeto de exploração não são proibidas. Apenas tudo aquilo que gera riqueza o deve fazer em benefício de toda a sociedade e não apenas de um punhado de pessoas.

O nazismo e o fascismo possuem projetos políticos de extermínio e mudança pela morte. Seja com base no racismo, ou seja, com base numa superioridade cultural de determinados indivíduos ou sociedades, há um claro projeto de extermínio, um ataque sistemático ao direito de vida de todos os que não compactuam com o regime.

O socialismo tem um projeto político de mudança social e nunca de extermínio. As estruturas econômicas do capitalismo devem ser exterminadas e não os capitalistas ou os trabalhadores que acreditam nestes valores. Isto porque o socialismo advoga a ideia de que a materialidade gera suas explicações ideológicas às quais os homens não têm total possibilidade de rejeitar por serem parte desta formação.

A vida é o bem maior a ser preservado e não a propriedade. Os capitalistas devem ser privados de suas posses, de suas ferramentas de dominação e não de seus direitos como seres humanos.

Conclusão

O nazismo e o fascismo têm um projeto de futuro inalterado. O futuro é um espaço de manutenção de conservação do mundo "como era no passado". Daí a obsessão que os fascistas e nazistas têm pelos passados mitificados[44] (a glória dos dias de outrora).

O futuro é, pois, o mais parecido possível com este passado glorificado. E, pela certeza que "já aconteceu", o fascista tem por certo que "pode voltar a acontecer". Neste sentido, tudo o que apela para um futuro inovador, incerto, diferente e etc. é tratado como subversivo, criminoso e indesejável. E aí entra o ataque à ciência e à educação.

O socialismo desafia os seres humanos a romperem com as amarras do seu passado e buscarem um futuro radicalmente diferente. Assim, tudo o que glorifica, remete, e plasma o passado é considerado indesejável, subversivo e até criminoso. Os olhos e a preocupação das sociedades devem estar voltados para o futuro. O passado deve ser conhecido como o local onde já se esteve e não se quer voltar[45].

O nazismo e fascismo[46] acolhem todas as ferramentas de dominação ideológicas. Da religião à estética, tudo o que pode exercer uma dominação "sem sangue" é utilizado pela exata falácia de dizer-se "não-ideológico".

Por esconder que a religião traz ferramentas de dominação de classe, que é ideológica e que recria processos de dominação, o fascismo tenta criar uma ideia de "neutralidade". Assim faz com absolutamente tudo, do nacionalismo aos espaços geográficos e culturais.

O objetivo é encobrir os processos de dominação e manter os indivíduos no campo da ignorância. Daí, o ataque à política que é a via mais clara de disputa de poder em nossas sociedades.

A ideologia de direita se reinventou no período entre guerras e sob a sombra do ódio ao parlamentarismo e do anticomunismo, ela própria se tornou revolucionária. A propaganda, a organização de massas e a força do nacionalismo foram seus ingredientes para isso.

O fascismo e o nazismo não se limitaram apenas a reagir ao comunismo, mas se tornaram eles próprios projetos de sociedade coletivistas da eradas massas e emergiram como ideologias de organização do trabalho numa época em que a sociedade do trabalho estava em crise.

O socialismo denuncia todas as formas implícitas de luta ideológica. Desde a religião, até o Estado e cultura, tudo é passível de um olhar crítico. Ao mesmo tempo, o socialismo abertamente se reconhece ideológico. É pela transparência das disputas político-ideológicas (e não por escondê-las) que se chega a uma sociedade plural. É a política a ferramenta mais efetiva de resolução dos nossos conflitos de poder.

O socialismo diz abertamente que tem lado, que lado é este e quem ele defende. Não esconde que o mundo é um local de disputa por recursos e nem esconde que é violento. Tornar os discursos transparentes em sua ideologia é o caminho do socialismo.

Aterrorizados pela repressão da junta militar e pela propagação do coronavírus, poucos birmaneses se atreviam a ir às ruas para protestar recentemente, quando completam-se seis meses do golpe de Estado que mergulhou o país no caos. O chefe da junta, Min Aung Hlaing, prometeu novas eleições nos próximos dois anos, "até agosto de 2023 ".

Há pouco tempo, o militar anulou o resultado das eleições legislativas de 2020, vencidas por esmagadora maioria pelo partido de Aung San Suu Kyi. "Trabalhamos para estabelecer um sistema multipartidário democrático", afirmou o general, enquanto Suu Kyi[47], de 76 anos, inicia o sétimo mês em prisão domiciliar, depois de ser deposta do poder, em fevereiro.

Em seis meses, 940 civis morreram nas mãos das forças de segurança, 75 deles menores, centenas despareceram e mais de 5.400 estão detidos, segundo uma ONG. Nas redes sociais, jovens opositores prometem derrubar o regime. "Prometo combater esta ditadura enquanto viver", "Não vamos nos ajoelhar sob as botas dos militares", afirmaram, fazendo o gesto simbólico de três dedos em sinal de resistência.

Em Kaley, no oeste do país, houve uma manifestação em homenagem aos presos políticos. "As canções dos detidos são uma força para a revolução", dizia um cartaz.

No entanto, a maioria dos birmaneses permaneceu trancada em suas casas, preocupados com a violência das forças de segurança e a propagação do coronavírus.

O Reino Unido, ex-potência colonial, já avisou a ONU que cerca de metade da população de Mianmar (aproximadamente de 27 milhões de pessoas) poderia se infectar com a Covid-19 nas próximas duas semanas. Londres classificou a situação de "desesperada" e pediu ao Conselho de Segurança que aja para permitir a distribuição de vacinas no país.

A ONU estima que apenas 40% dos estabelecimentos sanitários birmaneses funcionam, já que grande parte dos profissionais da saúde ainda está em greve, em protesto contra o golpe. Alguns membros da equipe de saúde são alvo de ordens de prisão, fogem ou já foram presos. O que torna o combate ao coronavírus bastante difícil e inviabilizado.

O Exército birmanês "usa a covid-19 como arma contra a população", declarou recentemente Susanna Hla Soe, do governo de unidade nacional, criado por opositores clandestinamente.

Apesar da firmeza do regime, a resistência segue manifestando-se. Apesar de que as grandes manifestações sejam pacíficas, mas, geraram uma resposta armada liderada por milícias cidadãs[48], as Forças de Defesa do Povo (PDF). Esses movimentos são independentes entre si, visando manter o maior número possível de frentes abertas.

Os grupos desestabilizam a junta no plano militar, mas ela ainda mantém o controle no econômico, ao administrar muitas empresas, desde a cerveja até as pedras preciosas, e recuperar o controle do gás natural.

A fonte energética representa uma renda anual de cerca de US$ 1 bilhão. As sanções financeiras impostas pelos Estados Unidos, pela União Europeia e pelo Reino Unido não intimidaram os generais, protegidos por seus aliados: China e Rússia.

O ano de 2020 reposicionou o vocábulo "fascismo" nas pautas e vão além do fato de o fascismo ser uma virtualidade latente de qualquer regime estatal e de se entranhado nas dobras da subjetividade moderna.

E, com a coincidência de ser na mesma década, mas do século seguinte, que os movimentos fascistas ganharam volume ao velho continente europeu.

Há cerca de uma década, assistimos o inédito avanço de partidos, movimentos e governantes que exibem modos, símbolos e discursos fascistas e até mesmo abertamente neonazistas. Tais movimentos, líderes de governo e partidos políticos legalizados são nomeados alternative right[49], uma alternativa de direita à crise de representação que os governos vivem em todo o planeta desde a crise financeira de 2008.

Como a história não se repete, é preciso captar as diferenças e as metamorfoses provocadas pelas lutas para produzir um diagnóstico do presente, pois disso depende a capacidade de lutar contra o fascismo contemporâneo.

E, ao contrário do que se sustentou ao longo do ano trágico e desastroso que foi 2020, não será nas urnas e/ou na ocupação de uma etérea “esfera pública” que esse retorno do recalcado fascismo será derrotado cem anos depois.

A derrota eleitoral de Donald Trump nos Estados Unidos é um exemplo disso. “A derrota eleitoral de Trump é derrota de políticas racistas e fascistas. Foram derrotadas suas práticas intervencionistas e, também, seus atentados inumanos contra a Mãe Terra”, disse Morales, pelo Twitter. De um lado, o simples fato de seu grupo de supremacistas brancos ter perdido a eleição não elimina a crescente presença da alt-right nas ruas e, ao mesmo tempo, a derrota só ocorreu porque o país viveu manifestações multitudinárias contra o racismo desde maio de 2020.

Lembrando uma máxima do antifascismo histórico pronunciada pelo anarquista Buenaventura Durruti: “Fascismo não se discute, se destrói”. (In: AUGUSTO, Acácio. Cem anos depois, um novo fascismo. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/cem-anos-depois-um-novo-fascismo/ Acesso em 4.8.2021).

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Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

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