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UM CASO DE DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA?

Agenda 10/08/2021 às 21:21

O ARTIGO DISCUTE A QUESTÃO DA DEMISSÃO DO EMPREGADO PELA EMPRESA CASO AQUELE NÃO QUEIRA TOMAR VACINA CONTRA A COVID-19.

UM CASO DE DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA?

Rogério Tadeu Romano

Na definição de Evaristo de Moraes Filho (A justa causa, 1946, pág. 56) a justa causa é “todo ato doloso ou culposamente grave, que faça desaparecer a confiança e boa-fé existentes entre as partes, tornando, assim, impossível o prosseguimento da relação.”

Na lição de Délio Maranhão (Direito do trabalho, 14ª edição, pág. 216) a gravidade da falta, na relação de emprego, deve ser avaliada, de regra, in concreto, considerando-se não apenas uma medida-padrão abstrata da conduta – o bom trabalhador – mas as condições pessoais do agente e outras circunstâncias concretos de tempo, meio, costumes, etc. Em relação ao trabalhador, de regra, é aferida in abstracto, tendo como padrão o bônus pater famílias dos nossos dias: o burguês honesto e avisado.

A falta grave deve ser atual. Não há espaço de tempo entre o conhecimento da falta e sua punição.

Pelo contrato de trabalho, onde há vínculo de subordinação jurídica, como ensinou Délio Maranhão, não se obriga o empregado, normalmente, à obtenção de determinado resultado; o risco do empreendimento cabe ao empregador. A este, portanto, incumbe provar a falta grave imputado pelo empregado.

Esses atos faltosos do empregado, que justificam a resolução do contrato de trabalho pelo empregador, tanto referem-se às obrigações nele assumidas como à conduta do empregado, não como contratante, mas como pessoa humana e que são capazes de destruir a base fiduciária ali existente.

Sem dúvida há uma subordinação jurídica não econômica como nota vital no contrato de trabalho.

Na definição de Leo Pünnel (Was Man vom Areitzrechet Wissen Sollte, 9ª edição, pág. 33) trabalhador é aquele que se obriga a prestar trabalho, em dependência pessoal, mediante remuneração.

No ensinamento de Arion Sayão Romita (Direito do Trabalho - Estudos, 1981, pág. 100), na linha de Theo Mayer-Maly, o direito do trabalho não abrange todo o direito que se ocupa do fenômeno do trabalho. È o conceito de subordinação que delimita o campo de atuação de suas normas.

O empregador, por força do contrato, assume o poder de comandar. Na frase de Paul Colin, citada por Evaristo de Moraes Filho, Oliveira Viana e Dorval Lacerda, direção e fiscalização são os dois polos da subordinação jurídica. Da subordinação, surge para o empregador o poder de comandar e para o empregado o dever de se submeter a essas ordens. A subordinação, como explicitou Sayão Romita, seria o lado passivo do poder de comando do empregador, isto é, a faculdade, que lhe é reconhecida, de determinar o conteúdo das prestações de trabalho.

É certo que, modernamente, a doutrina indica critérios objetivos para determinar o conteúdo da subordinação. Em sendo assim a subordinação é uma exigência técnica e funcional da empresa. A organização da empresa exige uma ação de comando continuativa e centralizada na pessoa do empregador, à qual se subordinam, em maior ou menor grau, todos os dependentes. Em seu conceito objetivo de subordinação, tem-se ela na integração da atividade do trabalhador na organização da empresa, mediante um vínculo contratualmente estabelecido, em virtude do qual o empregado aceita a determinação pelo empregador das modalidades de prestação de trabalho.

É o que se tem do artigo da CLT, que determina que somente será empregado quem presta serviços não eventuais, de permanência, de forma vinculada, de modo prolongado no tempo, ainda que por prazo certo.

Há para o empregado uma situação de dependência pessoal, nunca de submissão.

Mas observe-se: a dependência do empregado deriva da posição jurídica em que se encontra, a qual se qualifica como sujeição, no caso sujeição ao poder diretivo do empresário. Uma sujeição em sentido técnico. O empregado se obriga ao cumprimento dessas instruções por força do contrato de trabalho, instrumento juridicamente eficaz para a determinação dos pormenores, sem necessidade de construção de um correspondente dever de obediência do empregado, como ensinou Lieb (Arbeitsrechet, 1975). Trabalha mediante salário.

Há para o caso uma forma de resolução do contrato de trabalho.

A resolubilidade é aquela situação particular em que o negócio submete-se ao aparecimento de uma condição que opera o seu desaparecimento. Assim a vontade está, desde o início, circunscrita e limitada, de modo que, se a eventualidade prevista for verificada, considera-se como se nunca tivesse existido.

São atos faltosos do empregado que justificam a resolução por justa causa consoante o artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho:

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Ato de Improbidade, que é um ato desonesto.

Incontinência de Conduta ou Mau Procedimento, que é o comportamento incompatível com a permanência do empregado.

Negociação habitual é algo que importa na violação do dever de fidelidade do empregado ao empregador, quando: o empregador não obtiver permissão do empregador (expressa ou tácita); importar em concorrência desleal (restrita ao ramo de atividade do empregador); for prejudicial ao serviço (incompatibilidade de horários), de forma que haja nessas faltas a habitualidade.

Condenação Criminal que deverá vir por sentença transitada em julgado em nome do princípio da presunção de inocência.

Desídia que é a negligência no cumprimento das obrigações contratuais, pressupondo culpa, de forma que a tolerância do empregador não a exclui necessariamente;

Embriaguez Habitual ou em Serviço que é forma de incontinência de conduta.

Violação de Segredo da Empresa

Ato de Indisciplina ou de Insubordinação. A primeira é desobediência a ordens gerais relativas à organização interna do estabelecimento e a disciplina do trabalho; a segunda é o descumprimento de uma ordem específica ao empregado.

Abandono de Emprego, pois tem-se que a prestação continuada do trabalho é obrigação que decorre da própria natureza da relação de emprego. Tal descumprimento configura o abandono. Para tanto há Súmula 32 do TST em que se diz: Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer.

Ato lesivo da honra e boa fama e ofensas físicas. Contra o empregador há uma afronta a obrigação específica.

Jogos de Azar: A lei aqui exige prática constante. É forma de incontinência de conduta.

Atos Atentatórios à Segurança Nacional: ora nesse caso, exige-se processo e condenação definitiva diante da Lei de Segurança Nacional.

Perda da Habilitação (Incluído pela Lei 13.467/2017)

Falta Contumaz no Pagamento de Dívidas Legalmente Exigidas (revogação)

Pois bem.

Segundo o que noticia o Estadão, em sua edição de 22 de julho de 2021, A Justiça do Trabalho confirmou, em 2.ª instância, a demissão por justa causa de uma auxiliar de limpeza de um hospital que se recusou a ser vacinada contra a covid-19. O entendimento do TRT-SP foi o de que interesse particular não pode prevalecer sobre coletivo.

Pela primeira vez, a Justiça confirmou, em segunda instância, a demissão por justa causa de empregado que se recusou a se vacinar contra a covid-19. A decisao é do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo e atinge uma auxiliar de limpeza hospitalar que recusou a imunização.

O entendimento do órgão foi de que o interesse particular do empregado não pode prevalecer sobre o coletivo. Foi a primeira decisão nesse sentido, segundo advogados especialistas nesse tipo de ação.

Em fevereiro deste ano, o Ministério Público do Trabalho (MPT) já tinha orientado que os trabalhadores que se recusassem a tomar vacina contra a covid-19 sem apresentar razões médicas documentadas poderiam ser demitidos por justa causa. O entendimento do MPT é que as empresas precisam investir em conscientização e negociar com seus funcionários, mas que a mera recusa individual e injustificada à imunização não poderá colocar em risco a saúde dos demais empregados. “Essa primeira decisão é muito bem fundamentada porque a empresa comprovou que dava treinamento e tinha uma política de esclarecimento da importância de tomar a vacina”, afirmou o advogado Matheus Vieira, do escritório Souza, Mello e Torres, especialista na área trabalhista. Segundo ele, é um precedente muito robusto que traz mais segurança jurídica para as empresas e deve ser utilizado por outras firmas.

Ora, e se o empregado tinha problemas de saúde e estava com medo de se vacinar por ameaça de graves complicações que poderia ter com a vacinação? Por que não a encaminharam a um especialista para saber dos reais motivos que o levaram a não se vacinar? Não terá sido essa dispensa abusiva? Haveria afronta à liberdade de ir e vir? Afinal a vacinação não seria compulsória.

O caso envolve, salvo melhor juízo, ato de insubordinação.

Há o entendimento de que o interesse privado se subordina ao interesse público, que é o zelo pela saúde pública. Afinal, as empresas devem zelar pela boa saúde de seus empregados e das pessoas que com ele convivem no dia a dia da relação laboral.

Observemos qual será a posição do Tribunal Superior do Trabalho em um eventual recurso de revista, onde deverá ser discutida a violação literal de lei federal ou afrontando direta e literalmente a Constituição Federal. Para tanto, será indispensável o prequestionamento da matéria constitucional para levar o tema ao STF, em grau de recurso extraordinário, caso não haja sucesso no citado recurso de revista. 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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