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A nova disciplina do recurso de agravo

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Agenda 07/12/2006 às 00:00

Trata-se de estudo a respeito das novas regras que orientam este recurso, visando destacar os principais pontos da novel legislação, avaliando-se a efetividade da nova sistemática recursal.

RESUMO

Este artigo pretende analisar, de maneira geral, as repercussões da Lei Federal n.º 11.187/2005, que alterou a disciplina do recurso de agravo no processo civil brasileiro. Trata-se de estudo a respeito das novas regras que orientam este recurso, visando destacar os principais pontos da novel legislação, avaliando-se a efetividade da nova sistemática recursal. São destacados, ainda, aspectos polêmicos que surgiram, quiçá, na contramão de alguns objetivos da reforma como dinamizar o processo e reduzir o número de recursos nos tribunais. O trabalho, feito por meio de revisão bibliográfica, finaliza com conclusões pessoais acerca das alterações promovidas pela Lei n.º 11.187/2005.

Palavras-chave: Processo Civil. Recurso. Agravo. Lei n.º 11.187/2005.


SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. O recurso de agravo no processo civil brasileiro – 3. A nova disciplina trazida pela Lei 11.187/2005 – 3.1 O agravo retido como regra e a extinção do regime de opção das modalidades – 3.2 Do cabimento do agravo de instrumento: a lesão grave e de difícil reparação – 3.3 Do agravo retido oral – 3.4 Da conversão do agravo de instrumento em agravo retido – 3.5 Do processamento do agravo de instrumento – 3.6 Dos efeitos dos agravos – 3.7 A quase extinção dos agravos interno e regimental – 4. Conclusões – 5. Abstract – 6. Referências.


1. INTRODUÇÃO

Recurso é o meio que se presta à impugnação de uma decisão judicial – no mesmo processo – com vistas à sua reforma, invalidação, esclarecimento ou integração. É instituto jurídico derivado do princípio do duplo grau de jurisdição, com o fito de coibir arbitrariedades através da possibilidade de revisão de uma decisão judicial. Portanto, não se nega a relevância deste instituto jurídico, vez que o inconformismo com decisão ou opinião única, por mais justa que possa parecer, é inerente ao ser humano.

No rol dos recursos existentes no processo civil brasileiro está o de agravo, que é destinado a questionar uma decisão interlocutória, considerada como a que resolve questão incidente no processo.

Para alguns, o recurso de agravo é considerado vilão. Suposto responsável pelo alto número de processos que tramitam nos tribunais, tem sofrido várias mudanças desde a instituição do Código de Processo Civil vigente (CPC). É, diga-se, o recurso que mais alterações sofreu desde 1973.

A chamada terceira onda reformista do processo civil – consistente nas Leis n.º 11.112/2005, 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006, 11.280/2006 e 11.341/2006 – não deixou de lado o recurso de agravo. Especificamente através da Lei 11.187/2005, suas regras sofreram consistentes modificações. O espírito do legislador, adiante-se, foi o de tentar dinamizar o processo e minorar o número de agravos interpostos perante os tribunais. Entretanto, pairam dúvidas quanto à possibilidade de sucesso a respeito.

A Lei n.º 11.187/2005, de 19 de outubro de 2005, foi publicada no dia vinte do mesmo mês. Passou a vigorar noventa dias após tal data, isto é, 18 de janeiro de 2006, consoante previsão do art. 8º, §1º da Lei Complementar n.º 95/1998, com redação dada pela Lei Complementar nº 107/2001.

Diante dessa mudança na legislação, revela-se pertinente um estudo sobre a nova disciplina do agravo, que ora nos propomos a realizar, ante a inquestionável importância do instituto. Sem a pretensão de esgotar a matéria, que hodiernamente tem suscitado os mais diferentes posicionamentos e polêmicas, almeja-se por meio deste trabalho traçar um panorama sobre as modificações legislativas, bem como alinhavar algumas reflexões sobre a efetividade da reforma.


2. O RECURSO DE AGRAVO NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

Agravo, segundo Humberto Theodoro Júnior [01], "é o recurso cabível contra as decisões interlocutórias (art. 522), ou seja, contra os atos pelos quais ‘o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente’ (art. 162, § 2º)".

Possui basicamente três espécies, também chamadas modalidades ou formas. São elas: o agravo de instrumento; o agravo retido; e o agravo interno. As duas primeiras correspondem aos recursos pertinentes ao combate de decisões normalmente proferidas por juiz singular, em primeira instância. O agravo interno, por seu turno, é o que se presta à impugnação das interlocutórias proferidas por relatores de recursos nos tribunais, nas hipóteses onde é dado àqueles funcionarem como juízes monocráticos [02].

As diferenças entre as espécies são muitas. O agravo retido tem como características principais a isenção de preparo (recolhimento de custas) e o próprio prolator da decisão vergastada como órgão destinatário. Bom notar que não há que se cogitar afronta ao princípio do duplo grau de jurisdição. Mantida a decisão pelo juízo primevo, quando do julgamento de eventual recurso de apelação o tribunal poderá apreciar a matéria impugnada a título preliminar, conforme previsão do art. 523, caput, do CPC.

O agravo de instrumento, diferentemente, exige recolhimento de custas e é endereçado diretamente ao órgão hierarquicamente superior competente (tribunal). Pode, excepcionalmente, ter efeito suspensivo nos casos do art. 558 do CPC, vez que normalmente não obsta o andamento do processo (art. 497, CPC).

O agravo interno, por sua vez, não fica retido nos autos, não forma instrumento e se processa nos próprios autos para apreciação imediata pelo órgão competente [03].

A não ser quanto aos efeitos, como se verá adiante, essas disposições e conceituações não foram modificadas pela legislação reformadora. Entretanto, já quanto ao cabimento das modalidades houve significante alteração. Passa-se, pois, ao exame das novas regras recursais.


3. A NOVA DISCIPLINA TRAZIDA PELA LEI 11.187/2005

3.1 O agravo retido como regra e a extinção do regime de opção das modalidades

No modelo anterior, estatuído pela Lei 9.139/95 e alterado pela Lei 10.352/2001, imperava o chamado regime de opção entre os agravos retido e por instrumento. Ficava, na maioria das vezes, à escolha da parte recorrente a adoção pela modalidade instrumental ou retida. Poderia o recorrente, livremente, definir por qual modo manejaria o recurso, se por instrumento ou por retenção.

Algumas exceções ao regime de opção já existiam, como nos casos de inadmissão da apelação e quanto aos efeitos em que era recebida. Nessas hipóteses, somente o agravo de instrumento era cabível. Vale notar que já houve certa restrição à regra de livre escolha entre as modalidades, trazida pela Lei 10.325/2001, que concedeu ao relator do agravo de instrumento a possibilidade da conversão da modalidade do recurso para a retida [04].

Em novo passo na direção já sinalizada pela Lei 10.325/2001, a primeira inovação no regime do agravo, oriunda da nova redação conferida ao artigo 522 do CPC [05], extirpou do ordenamento jurídico a possibilidade de escolha da modalidade do agravo. Tornou-se regra o agravo retido e exceção o por instrumento.

A forma retida do recurso de agravo é idônea para se impugnar decisões interlocutórias ordinárias. Somente as excepcionais, que sejam capazes de causar lesão grave e de difícil reparação ao recorrente, que inadmitam a apelação ou que a recebam nos efeitos incorretos podem ser atacadas pela via instrumental [06].

Percebe-se, assim, que é de largo alcance a nova norma, ao ditar regras cogentes a respeito das modalidades do recurso de agravo, o que faz merecer cada uma delas análise separada.

3.2 Do cabimento do agravo de instrumento: a lesão grave e de difícil reparação

A extinção do regime de opção e o privilégio do agravo retido em detrimento do agravo de instrumento evidenciam a intenção do legislador em estreitar as vias deste. O objetivo é a diminuição do volume de processos nos tribunais e a valorização das decisões proferidas pelos juízes singulares, que têm contato maior com a realidade dos fatos que constituem o processo.

Por este último motivo entendemos que a reforma merece aplausos. Quanto ao primeiro, ao revés, há ressalvas, haja vista que o excesso de recursos nos tribunais está ligado, também, à falta de estrutura dos mesmos em atender à demanda. Não nos delongando sobre esses pontos, temos que a excepcionalidade que se quis conferir ao agravo de instrumento pode não ser alcançada na prática. Isso porque a condição a que ficou subordinado o agravo de instrumento, qual seja a possibilidade da decisão causar à parte lesão grave e de difícil reparação, é demasiadamente genérica e subjetiva. Tem, por isso, sofrido bastantes críticas.

Decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação é uma hipótese por demais imprecisa. Malgrado seja a restrição importante, não cuidou o legislador de definir o que se considera tal tipo de decisão. Dessa maneira, fechada a porta da anterior subjetividade (regime de opção), abre-se agora campo para discussão a respeito do que seja "lesão grave e de difícil reparação".

Conseqüentemente, entendemos que a inclusão de requisito indefinido como a lesão grave e de difícil reparação não coibirá, ao menos sensivelmente, o uso do agravo de instrumento. Os advogados, simplesmente, acrescentarão às suas razões ordinárias um tópico referente ao cabimento do recurso. Na prática pouco será modificado, vez que a grande maioria dos agravos de instrumento, no regime anterior, era dotada de requerimento de concessão de efeito suspensivo (para o qual se exige o mesmo requisito: lesão grave e de difícil reparação).

Não obstante, é bom sublinhar que o requisito também merece elogios. O estabelecimento de critérios sólidos e inflexíveis anda na contramão do espírito legislativo, que é construir leis gerais e abstratas por essência. Noutras palavras: critérios subjetivos dão maior amplitude à incidência da norma, indo assim ao encontro da preservação das garantias e direitos fundamentais.

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Posiciona-se de modo semelhante Dierle José Coelho Júnior [07], ao afirmar o seguinte:

Percebe-se no contexto reformista de aumento dos poderes judiciais, um fomento legislativo na colocação de conceitos indeterminados na lei, que permitiriam a evolução e plasticidade das leis sem necessitar de alterações legislativas, remetendo ao juiz à integração desta cláusula geral.

Contudo, com razão, adverte que

Jamais o dispositivo poderá permitir uma mera aplicação subjetivista e utilitarista com a finalidade de diminuir ao máximo o número de recursos para o julgamento dos tribunais, com um esvaziamento técnico do processo como estrutura formadora das decisões, realizada em contraditório. [08]

Por fim, cabe atentar para certa problemática: o processo de execução não se sujeita a sentença (via de regra). Face a isso, é evidente a ausência de interesse recursal para o agravo retido, eis que não haverá apelação que permita seu exame como preliminar. Conseqüentemente, e se a decisão interlocutória na execução não causar lesão grave e de difícil reparação? Torna-se irrecorrível? Aparentemente sim.

Todavia, como o processo executivo tem por viés a expropriação e a satisfação de um crédito, nos afigura pouco provável que alguma decisão nesse procedimento não sujeite uma das partes à lesão grave e de difícil reparação. O devedor poderá perder bens. O credor, por outro lado, terá o receio de ver sua execução frustrada. Desse modo, a lesão grave e de difícil reparação nos parece imanente a este tipo de procedimento.

Em último caso, a própria inexistência de interesse recursal para o agravo retido implica a lesão grave, vez que a irrecorribilidade da decisão no processo executivo seria contrária aos princípios da inafastabilidade da jurisdição (art. 5°, inc. XXXV, CF/88) e do duplo grau de jurisdição. Isto posto, deve sempre o agravo por instrumento ser admitido nos processos de execução.

3.3 Do agravo retido oral

Vencida a interpretação do caput do art. 522, passa-se à exegese do § 3º do art. 523 do Código de Processo Civil. A redação e ele conferida pelo art. 1º da Lei 11.187/2005 é: "Das decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento caberá agravo na forma retida, devendo ser interposto oral e imediatamente, bem como constar do respectivo termo (art. 457), nele expostas sucintamente as razões do agravante".

A primeira impressão que se tem da leitura do dispositivo é a de que o agravo oral, que no regramento anterior tinha sua pertinência prevista para qualquer audiência [09], agora é somente cabível para a impugnação de interlocutórias proferidas na de instrução e julgamento.Por isto surge uma pergunta: é cabível agravo oral contra decisões proferidas em outras audiências que não a de instrução e julgamento?

Verba cum effectu sunt accipienda (as leis não contêm palavras inúteis) diriam os tradicionais hermeneutas. Com efeito, tendo o legislador expressamente asseverado que o agravo oral é cabível na audiência de instrução e julgamento, a conclusão mais rápida é no sentido de que a utilização pela via oral é vedada nas demais audiências. Essa é a opinião de Humberto Theodoro Júnior [10]:

Não é de toda decisão tomada em audiência que a parte pode agravar oralmente. O Código somente prevê essa forma de interposição do agravo retido, quando se tratar de audiência de instrução e julgamento (art. 523, § 3º, com redação da Lei nº 11.187/2005), em que as questões solucionadas incidentalmente são, em regra, mais singelas (contradita de testemunha, indeferimento de perguntas das partes aos depoentes, deliberações de polícia das audiências, etc.). Não se autoriza, portanto, o agravo oral em audiência preliminar (art. 331), tendo em conta que a atividade saneadora nela desenvolvida compreende temas mais complexos, cuja impugnação, via de regra, haverá de ser feita com mais vagar e melhor fundamentação. Daí a necessidade de seguir a regra geral da petição escrita e de contar a parte com o prazo ordinário de dez dias, para a interposição do recurso.

Neste diapasão, inclusive, foram o relatório e o voto do Deputado José Eduardo Cardozo, relator do projeto que restou convertido na Lei n.º 11.187/2005.

Entrementes, não é esta a idéia que nos parece mais acertada. Isto porque o Código de Processo Civil, em seu artigo 154, prevê que os atos processuais – a não ser que a lei expressamente exija – não dependem de forma determinada, sendo válidos desde que atinjam sua finalidade. É uma regra derivada do princípio da instrumentalidade, que nas palavras de Rui Portanova [11] "mantém o processo preocupado com a lógica do procedimento e sua celeridade, mas também busca ser mais acessível, mais público e mais justo". É, também, reflexo do princípio da economia processual, porque "se o processo é um instrumento, não pode exigir um dispêndio exagerado com relação aos bens que estão em disputa" [12]. Além do mais, não se olvide dos princípios da oralidade e da concentração dos atos.

Por conseguinte, como se deve resolver esse problema de antinomia aparente entre norma e princípios? Neste particular temos a exposição de Eduardo J. Couture [13]:

A interferência de textos e de princípios e suas possíveis colisões constituem coisa comum na atividade interpretativa. [...] Ocorre, outras vezes, que não é um texto que colide com outro texto, mas sim um texto que colide com um princípio. [...] Falar em colisão de texto com princípio pareceria uma antinomia, porque não pode haver outro princípio senão o que surge dos textos. Se chegarmos, entretanto, à conclusão de que os princípios são extraídos de uma harmonização sistemática de todos os textos, levando em consideração suas sucessivas repetições, suas obstinadas e constantes reaparições, a tarefa interpretativa, nesse caso, deverá realizar-se mediante o predomínio do princípio, já que ele constitui a revelação de uma posição de caráter geral, assumida ao longo de um conjunto consistente de solução particulares.

Nessa ordem de idéias, não parece plausível que em tempos de morosidade crônica da Justiça haja proibição da realização de um ato processual pelo meio mais rápido e objetivo (oral). Este tipo de vedação seria até inconstitucional, uma vez que o direito à rápida solução do litígio encontra-se, atualmente, estampado no art. 5º, inc. LXXVIII da Carta Magna.

Feitas estas ponderações, cabe concluir que o agravo retido, pela via oral, também poderá ser interposto em audiências que não sejam a de instrução e julgamento. Athos Gusmão Carneiro [14] compartilha de nossa opinião, pois afirmou que "neste passo a nova lei minus dixit quam voluit, pois não vemos motivo para que das decisões interlocutórias proferidas em ‘audiência preliminar’ (art. 331) também não possa ser o agravo interposto imediatamente e pela forma retida." Na mesma trilha vai Alexandre Freitas Câmara [15], para quem o dispositivo em comento deve ser interpretado extensivamente. Sem críticas, a nosso ver, porquanto odiosa restringenda, favorabilia amplianda (restrinja-se o odioso; amplie-se o favorável).

Importante voltar a atenção para o seguinte aspecto: as regras dos agravos retidos orais são diferentes. Os cabíveis contra interlocutórias proferidas em audiências de instrução e julgamento são obrigatórios. Já os referentes a decisões ocorridas em outras audiências são facultativos. Isso faz uma enorme diferença, mormente por ter a Lei 11.187/2005 silenciado quanto à resposta do agravado.

Quando o agravo retido oral é obrigatório, "a preclusão passa a ser conseqüência inexorável do não-exercício imediato do direito processual de recorrer" [16]. Então, para que seja garantida a isonomia de tratamento, as contra-razões ao recurso devem, igualmente, ser feitas de imediato e reduzidas a termo.

Noutra senda, relativamente ao agravo oral facultativo, inexiste preclusão em caso de inércia, porquanto a decisão poderá ser impugnada por petição escrita. Dessarte, da mesma maneira que o agravante se vale de uma faculdade para a interposição oral, o agravado poderá escolher qual a forma para ofertar sua resposta, se imediata e oralmente ou em dez dias por escrito.

Reforçando nossas idéias temos a lição de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery [17], que ao explicarem o regime anterior – no qual o agravo oral era sempre uma faculdade – ensinaram:

O prazo para o agravado responder, quando se tratar de agravo retido interposto oralmente na audiência, é de dez dias (CPC 527 V). Não há ofensa ao princípio da isonomia, pois a interposição oral é opção do agravante, que também pode interpor o agravo retido por petição, no prazo de dez dias (CPC 522). Sendo opção do agravante, não se pode impor ao agravado o mesmo ônus, subtraindo-lhe o direito de responder no prazo de dez dias. A solução é válida ainda que se trate de agravo retido obrigatório (CPC 523 § 4º), pois a lei obriga a retenção, mas não a interposição oral.

Em apoio, comentando a atual disciplina, Antônio Cláudio da Costa Machado [18] diz que a retratação após o agravo retido seria possível, ouvida a parte contrária, "desde que, é óbvio, ela concordasse em responder ao recurso no mesmo momento, já que seu prazo era, como é, de dez dias conforme o mencionado § 2º."

Sintetizando: o agravo pela via oral é permitido em qualquer audiência. Se for de instrução e julgamento deve ser interposto e respondido imediatamente, sob pena de preclusão. Contra interlocutórias proferidas em outras audiências é opcional, e por isto a resposta pode ser oral e imediata ou por escrito em dez dias.

Diante desta disciplina, nos agrada denominar este tipo de recurso de agravo por termo. É nomenclatura mais simples que agravo retido oral. É mais direta e clara. Contém, no próprio nome, noções de cabimento, porque se é por termo e feito pela parte quer dizer que foi manejado em audiência e fará parte dos autos, incontestavelmente (art. 457, CPC). Portanto, é designação singela, mas que possui uma série de características incrustadas.

Remanesce, contudo, uma indagação acerca do cabimento dos agravos. Como já restou demonstrado, somente o agravo por termo é cabível contra interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento. Mas e se a decisão for suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação? Cabe agravo de instrumento com espeque na regra geral do caput do art. 522? Esta pergunta tem suscitado divergência na doutrina.

Para Humberto Theodoro Júnior [19] é viável a interposição de agravo por instrumento, arvorando-se o professor em razoáveis exemplos de decisões, tais como a decretação de prisão em audiência ou a determinação de levantamento incontinenti de depósito sem prestação de caução. Concorda com o professor mineiro o ministro Athos Gusmão Carneiro [20], que suscita casos como o reconhecimento de incompetência material ou exclusão de uma das partes da lide. Inobstante, pensamos diferente.

É cediço que o parágrafo altera a regra estabelecida no caput do artigo de lei. Não é demais lembrar, neste instante, a lição de Paulo Nader [21], para quem a finalidade do parágrafo é "de explicar ou modificar (abrir exceção) o artigo". Desta sorte, em primeira vista, seria um contra-senso fazer prevalecer a regra geral (caput) em detrimento da específica (parágrafo).

A disciplina do agravo por termo, sem dúvida, é especial. O verbo "caberá", usado propositadamente no imperativo, impõe uma norma cogente a respeito do recurso que deverá desafiar as decisões. Infere-se, a partir disto, que o único recurso permitido a impugnar as interlocutórias exaradas em audiência de instrução e julgamento será o agravo por termo. O § 3º do art. 523 do CPC dita norma de cabimento (pressuposto de admissibilidade recursal) que deve ser interpretada conforme o princípio da singularidade, "consoante o qual existe único e típico recurso para cada decisão judicial impugnável" [22].

Ademais, o fato de se impedir o exame imediato da questão pelo órgão hierárquico superior não configura negação ao direito de defesa. Isto porque, apresentado o recurso, após a análise das razões e contra-razões é dado ao magistrado reavaliar sua decisão. Lembre-se: o agravo por termo devolverá ao juízo a apreciação da matéria, sendo possível a retratação.

Reforçando nossa idéia veja-se o número de complicações que o processamento do agravo de instrumento poderá acarretar: Primeiramente, como se dará o prosseguimento da audiência sob a luz do instituto da preclusão? Deveria ser suspensa, até que o tribunal examine o recurso? E se o relator do agravo de instrumento entender que a decisão não causa lesão grave e de difícil reparação à parte, convertendo-o em retido? Estar-se-ia, evidentemente, diante de uma agravo retido manejado fora do prazo legal. Se este for aceito, ao argumento que a admissão foi feita sob as regras do agravo por instrumento, a norma será um vazio jurídico. Ninguém a respeitará. Afinal, mais fácil agravar por instrumento, em dez dias, do que oral e imediatamente. Não havendo sucesso quanto a admissão pela via instrumental, o recurso seria convertido para a via de retenção. O resultado – impugnação da decisão por agravo retido – seria obtido semelhantemente. E para apimentar: imaginem se naquela audiência sobreviesse sentença! Seria um caos.

Forte nessa quantidade de controvérsias, bem como na idéia de que a forma apropriada de agravo para tais decisões é, unicamente, a necessariamente por termo, temos que o melhor entendimento é no sentido de não se permitir o processamento de agravo de instrumento contra interlocutórias proferidas em audiência de instrução e julgamento.

Em corroboração existe o espírito da Lei 11.187/2005, que foi o de impedir que um agravo de instrumento, com efeito suspensivo, obstaculize a prolação da sentença. Alexandre Freitas Câmara [23] compartilha de nossas idéias, dizendo o seguinte ao explicar o art. 523, § 3º do Código de Processo Civil:

Fica claro, assim, o que para nós não constituiu novidade, mas apenas a revelação daquele que já era o verdadeiro sentido da norma: contra decisões interlocutórias proferidas em audiência só se admite a interposição oral do agravo retido, não sendo possível recorrer-se por escrito, nem se valer o recorrente do decêndio estabelecido no art. 522, caput. [24]

Mister destacar que a impossibilidade do agravo de instrumento combater decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento é salutar, haja vista que não estaria o julgador constrangido a proferir sentença na própria audiência após uma decisão interlocutória.

Em último caso, como paliativo, aventa-se a hipótese de impetração de mandado de segurança contra decisão judicial, para os casos verdadeiramente absurdos e teratológicos. A pertinência do remédio heróico é destacada pelo eminente Hely Lopes Meirelles [25], ao asseverar que "se o recurso ou a correição admissível não tiver efeito suspensivo do ato judicial impugnado, é cabível a impetração para resguardo do direito lesado ou ameaçado de lesão pelo próprio Judiciário".

3.4 Da conversão do agravo de instrumento em agravo retido

Antes da Lei 11.187/2005 o inciso II do art. 527 do CPC rezava que o relator poderia converter o agravo de instrumento em retido, a não ser em certos casos como de provisão jurisdicional urgente. Parte da doutrina se inclinava na direção de que este poder era, em verdade, um poder-dever, isto é, não era uma faculdade do relator. Presentes as condições previstas em lei, seria dever do magistrado atender ao requerimento do postulante. Portanto, ao contrário do campo administrativo, não existia discricionariedade na práxis judiciária [26].

Acontece que, pondo uma pá de cal sobre o assunto, a nova redação do inciso II preconiza que o relator converterá o agravo de instrumento em retido, a não ser nos casos excepcionais previstos no caput do art. 522 do CPC. Portanto, o que para alguns era uma faculdade, agora é obrigatoriedade. O verbo colocado no imperativo não deixa margens para dúvidas. Constatando o relator que a decisão não é capaz de causar lesão grave e de difícil reparação é obrigação sua determinar a conversão do agravo de instrumento em agravo retido, mandando remeter os autos ao juiz da causa.

Sublinhe-se, por conveniente, que a nova redação do dispositivo é bem mais clara que a antiga, merecendo, em parte, aplausos. Malgrado, poderia ser ainda melhor, caso o complemento simplesmente fizesse referência às exceções do caput do art. 522. [27]

Temos que a imposição da conversão do agravo de instrumento em retido é medida bastante salutar. Anteriormente, por ser - para alguns - uma faculdade, o relator poderia se sentir desconfortável em aplicar a regra. Isto porque, acaso determinasse a conversão, sua decisão poderia ser alvo de novo agravo, o interno. Simplesmente haveria uma substituição. O Tribunal deixaria de julgar um agravo de instrumento para julgar um interno. Na prática, pois, proveito algum seria alcançado.

Além disto, a imperatividade da conversão controla o abuso do direito de recorrer aos tribunais. O relator fica incumbido de apreciar minudentemente a presença da lesão. Com efeito, não será qualquer tipo desta tido como grave e de difícil reparação. Todas aquelas lesões que não forem desta natureza conduzirão o agravo à primeira instância. Evitar-se-á, portanto, que o hábito de "recorrer por recorrer" permaneça na práxis judiciária. Evidente, então, que a regra do inciso II do art. 527 reforça a intenção do legislador, qual seja de permitir o uso do agravo de instrumento apenas para casos de urgência.

3.5 Do processamento do agravo de instrumento

Os incisos V e VI do art. 527 do Código de Processo Civil, que tratam do processamento do agravo de instrumento, também sofreram alteração. Os mais desavisados poderiam achar que foram, simplesmente, feitas adequações de redação em face das modificações dos artigos incluídos, alterados e revogados pela Lei 11.187/2005. Enganam-se.

O inciso V cuida da intimação do agravado para responder ao recurso. Nítido procedimento visando preservar o direito ao contraditório e ampla defesa. Acontece que houve uma singela alteração de conteúdo, mas bastante relevante: é expressamente prevista a possibilidade da juntada de documentação, em sentido lato, assim entendida como qualquer que seja útil na ótica do agravado. Obtida, ou não, no processo de origem. Louvável tal previsão, considerando que não raras vezes, para provar determinado fato, faz-se necessária a juntada de documentos que não se encontram encartados aos autos. Cumpre gizar que, como observado por Athos Gusmão Carneiro [29], sendo efetivada a juntada de documentação nova, haverá que se aplicar a regra do art. 398 do CPC, para que o agravante possa se manifestar sobre os mesmos.

Outrossim, a mudança na redação do inciso VI foi sutil e necessária, ante pretérito equívoco do legislador. Referido inciso trata da oitiva do Ministério Público. No modelo anterior fazia-se referência a oitiva após a ultimação das providências contidas nos incisos I a V. Ora, o inciso I trata de negativa liminar de seguimento ao agravo, nos casos de manifesta impropriedade (art. 557). Não tem sentido, pois, ouvir o Ministério Público após ter sido negado de plano o recurso. Igualmente é descabida a oitiva no caso do inciso II, que trata da conversão do agravo de instrumento em retido. Por conseguinte, afastando o equívoco do legislador de 2001 (Lei 10.352), o de 2005 atentou-se para o inciso VI e deu-lhe a seguinte redação: "ultimadas as providências referidas nos incisos III a V, mandará ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo de dez (10) dias."

3.6 Dos efeitos dos agravos

É cediço que os agravos, via de regra, não tinham efeito suspensivo no sistema anterior, ante a prescrição do art. 497 do CPC. Somente em casos excepcionais, previstos no art. 558 do Código de Processo Civil [30], poderia ser concedido efeito suspensivo ao agravo de instrumento. À primeira vista não houve mudança, porque nenhum dos artigos mencionados foi alvo de alteração. Entrementes, pensamos que esta não é uma conclusão adequada.

A nosso sentir, o novo requisito de admissibilidade do agravo de instrumento, qual seja a lesão grave e de difícil reparação, veio sobremaneira diferenciá-lo do agravo retido quanto aos efeitos em que é recebido. A razão é muito simples: para a admissão do agravo de instrumento é imprescindível a lesão grave e de difícil reparação. Para a concessão de efeito suspensivo também. Desta sorte, conjugando a regra do caput do art. 522 com a do art. 558, temos que o mesmo pressuposto que serve para a concessão de efeito suspensivo é o que autoriza o processamento do agravo pela forma instrumental.

Noutras palavras: sendo admitido o agravo, isto é, reconhecido pelo relator que existe perigo de lesão grave e de difícil reparação, torna-se incoerente negar-lhe efeito suspensivo, cujo requisito é exatamente o mesmo. Caso se almeje negar o efeito suspensivo, ao fundamento de que não há lesão grave e de difícil reparação, o agravo pela forma instrumental não poderá ter seguimento, posto que conforme dito alhures é obrigação do relator convertê-lo para a forma retida nesta hipótese.

Em suma: o relator constata a presença de lesão grave e de difícil reparação, e com isso admite o agravo por instrumento e lhe concede efeito suspensivo, ou converte o agravo para a modalidade de retenção, caso entenda que o perigo daquela lesão não exista.

Vale notar que este raciocínio é cabível somente para os casos gerais de agravo de instrumento, quais sejam os que dependam de lesão grave e de difícil reparação. Excluídos estão, obviamente, aqueles cuja adequação se faça por outro tipo de decisão, como a inadmissão da apelação, efeitos em que é recebida, solução da liquidação de sentença etc.

Todavia existem casos, pouco prováveis afirme-se, que o relator não estaria obrigado a conceder o efeito suspensivo. São eles: a) falta de requerimento do agravante para a concessão do efeito suspensivo; b) ausência de fundamentação relevante do agravo. Neste último caso defendemos que o rigorismo na análise da relevância da fundamentação deve ser mitigado, uma vez que se é patente o perigo de lesão grave, revela-se conveniente que o relator suspenda os efeitos da decisão até que se solucione a controvérsia recursal, até mesmo para que o recurso seja útil. [31]

3.7 A quase extinção dos agravos interno e regimental

A mudança derradeira da Lei n.º 11.187/2005 foi quanto ao parágrafo único do art. 527 do CPC. "Na resposta, o agravado observará o disposto no § 2º do art. 525" era a redação anterior. Como esta regra foi incorporada à redação do inciso II do art. 527, referido parágrafo inovou completamente. A redação atual é: "A decisão liminar, proferida nos casos dos incisos II e III do caput deste artigo, somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar."

Este dispositivo tem sido alvo de artilharia pesada.

Em primeiro lugar por ser parcialmente incoerente, haja vista que estabelece a possibilidade de reforma no momento do julgamento do agravo para o caso do inciso II do art. 527 (conversão da modalidade do agravo). Ora, o julgamento do agravo retido convertido, pelo tribunal, se dá em preliminar de apelação. Então, de quê vale reconsiderar a decisão de conversão em sede de apelação? Nada. É inócuo. Não há qualquer lógica. Sequer há, como ressaltou Fabiano Carvalho [32], maneira viável de se aplicar os brocardos "prefira-se a inteligência do texto que torne viável o seu objetivo, em vez da que os reduza à inutilidade" e "deve-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia".

A mesma interpretação se confere aos casos do inciso III do art. 527 (concessão de efeito suspensivo e ativo). Se a decisão quanto à suspensão da decisão é modificada somente no julgamento do agravo não há qualquer utilidade, porque a decisão deste sempre substituirá a proferida pelo juiz de primeiro grau. Quanto à antecipação de tutela recursal idem. O julgamento do mérito do recurso tem o poder de revogar uma decisão liminar que foi dada em juízo sumário de cognição.

Destarte, temos que é totalmente desnecessária a previsão de que a decisão poderá ser reformada quando do julgamento do recurso, porquanto se trata de providência lógica [33]. Frente a isto, melhor seria se o legislador optasse por uma redação mais breve e sem incoerências, por exemplo: "das decisões do relator cabe somente pedido de reconsideração".

Em segundo lugar porque reza que a decisão é passível de reforma por reconsideração do relator, mas nada fala sobre como se faria tal reconsideração.

Em terceiro e último lugar por ter quase extinto a utilização dos agravos interno e regimental para atacar as decisões monocráticas do relator. O impedimento do uso daqueles recursos tem gerado repercussões ruins, ante a gravidade de uma decisão, por exemplo, que antecipa os efeitos da tutela. Tem-se argüido, por isto, a inconstitucionalidade do dispositivo. Eduardo Talamini [34] pensa assim:

Em qualquer caso, a atuação isolada do integrante do tribunal submete-se a uma condicionante para que seja compatível com a Constituição. Terá de existir – sob pena de inconstitucionalidade – mecanismo que permita a conferência, por parte do órgão colegiado, do correto desempenho da atividade delegada. As partes necessariamente terão de dispor de um instrumento que lhes permita levar as decisões individuais do relator ao órgão colegiado. Essa é a forma de verificar se o relator correspondeu, na prática do ato que lhe foi delegado, ao pretendido pelo órgão colegiado.

Não vemos motivos para discordar. A supressão da possibilidade de se recorrer de uma decisão que antecipa os efeitos da tutela parece inconcebível. Com isto seriam prestigiadas eventuais arbitrariedades e mitigar-se-ia, sobremodo, o direito sagrado à ampla defesa, assegurado pelo artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal. Ademais, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, que preconiza a não exclusão de apreciação, pelo Judiciário, de lesão ou ameaça a direito (art. 5º, inc. XXXV, CF/88) também restaria fulminado. Impulsionados por tamanha celeuma, muitos [35] tem cogitado a ressurreição do mandado de segurança contra ato judicial, cuja extinção foi um dos maiores objetivos da reforma de 1995. Estaríamos, de certo modo e conseqüentemente, andando em círculos. Lamentável.

Forçoso salientar que o agravo regimental, que guarda grande semelhança com o agravo interno, também restou afetado pela proibição do parágrafo único do art. 527 do CPC. O agravo regimental é o cabível contra decisões proferidas pelo relator singularmente, e encontra previsão nos regimentos internos dos tribunais pátrios (daí sua nomenclatura).

Dessa forma, como os regimentos internos dos tribunais não podem contrariar a legislação federal (art. 96, inc. I, "a" da Constituição Federal), vislumbra-se sua tácita derrogação quanto à permissão de recursos sobre as decisões do relator cujo conteúdo equivalha aos incisos II e III do art. 527 do CPC. Infere-se, dessarte, que o agravo interno teve sua utilidade bastante minimizada, hoje restrita aos casos do § 1º do art. 557.

Sobre o autor
Luiz Henrique Borges Varella

Assessor de juiz e Professor de Direito Processual Civil. Especialista em Direito Processual Civil. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VARELLA, Luiz Henrique Borges. A nova disciplina do recurso de agravo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1254, 7 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9244. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho originalmente publicado na Revista Jurídica UNIJUS, Uberaba-MG,v. 9, n. 11, nov. 2006, p. 225-240.

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