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DA (IN)ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA NO ORDENAMENTO JU-RÍDICO BRASILEIRO E SUA RECENTE FLEXIBILIZAÇÃO

FROM (IN) ADMISSIBILITY OF ILLEGAL EVIDENCE IN BRAZILIAN LE-GAL ORDERING AND ITS RECENT FLEXIBILIZATION

O artigo realiza uma breve análise a respeito da previsão legislativa e jurisprudencial sobre a inadmissibilidade da prova ilícita e suas implicações na sociedade. Trata-se de uma pesquisa de caráter exploratório, qualitativo, bibliográfico e documental.

Resumo: No Processo Penal Brasileiro, a valoração da prova é um direito que as partes utilizam para elaboração da defesa de suas teses e contraposição dos fatos alegados, de forma que o conteúdo seja devidamente apreciado pelo juiz, a quem caberá decidir a questão. Os momentos probatórios no processo penal têm suma importância para que se chegue a uma decisão e, por essa razão, o presente estudo tem por objetivo demonstrar que, apesar de a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 5º, LVI, e do Código de Processo Penal, em seu artigo 157, vedarem expressamente a admissibilidade da prova obtida por meio ilícito, a doutrina e a jurisprudência atuais, de forma majoritária, adotaram o entendimento da relativização do texto constitucional e processual penal, permitindo a valoração e o uso de determinadas provas tidas como ilícitas, baseando-se no princípio da proporcionalidade. Além disso, o artigo realiza uma breve análise a respeito da previsão legislativa e jurisprudencial sobre a inadmissibilidade da prova ilícita e suas implicações na sociedade. Trata-se de uma pesquisa de caráter exploratório, qualitativo, bibliográfico e documental.

 

Palavras chaves: Prova ilícita. Propositura. Inadmissibilidade. Flexibilização.

 

Abstract: In the Brazilian Criminal Process, the evidence valuation is a right that the parties use to prepare the defense of their theses and contraposition of the alleged facts, so that the content is properly appreciated by the judge and the judge, on other hand, decides the matter. The probationary moments in the penal process are extremely important for reaching a decision and, for this reason, the present study aims to demonstrate that despite the Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988, in its article 5, LVI and the Code of Criminal Procedure, in article 157, expressly prohibit the admissibility of the evidence obtained through illicit means, the current doctrine and jurisprudence, in a majority way,
adopted the understanding of the relativization of the constitutional and criminal procedural text, allowing the valuation and the use of certain evidences deemed as illicit, based on the principle of proportionality. In addition, the article makes a brief analysis of the legislative and jurisprudential provision on the inadmissibility of the illicit evidence and its implications in society. It is an exploratory, qualitative, bibliographical and documentary research.

 

Keywords: Illegal evidence. Proposition. Inadmissibility. Flexibilization.

 

Introdução

 

Na seara processual penal brasileira, prioriza-se a busca da verdade dos fatos e, para alcançar esse objetivo, umas das principais fontes é a matéria probatória. Como base e defesa de tal máxima, tem-se o princípio da verdade processual, também conhecido como verdade real, material ou substancial, que consiste, em suma, na verdade probatória, ou seja, aquela que se consegue por meio do devido processo legal, sendo fundamental a descoberta da verdade dos fatos.

Entende-se prova como o conjunto de elementos produzidos pelas partes, pelo juiz ou por terceiros com o objetivo de atestar a existência de certos fatos inseridos dentro do processo (LIMA, 2019). E em razão do princípio da verdade real, o juiz necessita sanar dúvidas, praticar diligências e esclarecer os fatos, como dispõe o artigo 156 do Código de Processo Penal.

Nesse contexto, a prova é proposta como uma forma de persuasão pela qual o juiz se pronunciará sobre a culpa ou inocência do agente. É o meio e o modo de que dispõem os litigantes para convencer o julgador da veracidade de suas afirmações.

Tavares e Casara (2020), em sua obra “Prova e verdade”, pontuam a importância da prova em cada sistema jurídico. Segundo os autores,

 

As diferentes “tradições jurídicas” também reservam sentidos e papéis distintos à “prova jurídica”: na tradição do Civil Law, a prova se relaciona com a busca da “verdade” capaz de tornar justa uma decisão judicial, enquanto que na cultura jurídica do Common Law, a prova é um elemento produzido por uma parte, em meio ao confronto entre duas versões, para fazer triunfar o relato mais verossímil (TAVARES; CASARA, 2020, p.17).

 

No entanto, o que se observa é que em todas as acepções da conceituação de prova o seu sentido esta entrelaçado, em maior ou menor escala, com a busca da “verdade”. Assim, “prova” seria: “[...] um ato voltado a obtenção dos efeitos inerentes à verdade em relação a uma proposição ou hipótese” (TAVARES; CASARA, 2020, p.17).

O direito à prova previsto no sistema jurídico brasileiro, apesar da essência constitucional, não é absoluto. Por essa razão, direito à prova é relativizado e flexibilizado em muitos casos, tanto em relação ao seu objeto, quanto aos meios de produzi-la, devendo coexistir com outros direitos fundamentais. 

A admissibilidade de uma prova, ou não, consiste em uma valoração prévia, com o objetivo de evitar que elementos ou meios de provas vedados pelo ordenamento jurídico sejam inseridos no processo e venham a contaminá-lo, inclusive sendo considerados pelo juiz em seu julgamento.

Como a prova tem como objetivo fundamentar um processo de cognição, ela pode ser analisada sob dois aspectos, um empírico, e outro discursivo. O empírico ocorreria ao dar embasamento à existência do fato e suas relações dinâmicas; já o discursivo seria o responsável por colocar em foco todas as condições relacionadas à pretensão de validade (TAVARES; CASARA, 2020).

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) determinou em seu inciso LVI do artigo 5º que são inadmissíveis as provas obtidas por meio ilícito no processo penal. O Código de Processo Penal (CPP) reforçou esse entendimento, em seu artigo 157, o qual prevê que: "São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais" (BRASIL, 1941).

O CPP, em seu artigo 156, levando em conta a presunção de inocência do acusado, prevê que o ônus da prova cabe à acusação, o que não impede que a defesa venha produzi-la. Além das partes, o juiz também poderá determinar de ofício a realização de provas.

 

1 Da prova ilícita e da prova ilegítima

 

A República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e, por esse motivo, não se pode admitir excessos ou desrespeitos a princípios fundamentais e éticos, mesmo na esfera jurídica. Logo, impõem-se limites, inclusive à produção de provas no âmbito processual, não sendo possível produzi-las a qualquer preço. Segundo Renato Brasileiro de Lima,

 

A eficiência processual, compreendida como a funcionalidade dos mecanismos processuais tendentes a alcançar a finalidade do processo, que é a apuração dos fatos e das responsabilidades, não pode prescindir do respeito aos direitos e garantias fundamentais, sob pena de deslegitimação do sistema punitivo (LIMA, 2019, p.641).

 

Dessa forma, alguns autores defendem que um processo criminal que aceitasse provas ilícitas na apuração de um ilícito penal em nada diferiria deste, sendo o próprio Estado igualado àquele, tendo em vista que o Estado estaria se valendo de métodos violadores de direitos comprometedores da legitimidade de todo um sistema punitivo.

Nesse mesmo sentido, o Ministro Celso de Mello pontuou na RHC 90.376/RJ que:

 

[...] não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do “due process of law”, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano de nosso sistema de direito positivo (BRASIL, 2007).

 

A vedação da prova ilícita no ordenamento jurídico tem como finalidade a proteção dos direitos e garantias fundamentais, além de também funcionar como uma forma de controle da regularidade da persecução penal. Desse modo, a vedação inibe a adoção de práticas probatórias ilegais, o que revela ainda a sua função pedagógica (OLIVEIRA, 2008).

Conforme o Min. Celso de Mello,

 

A ação persecutória do Estado, qualquer que seja a instância de poder perante a qual se instaure, para revestir-se de legitimidade, não pode apoiar-se em elementos probatórios ilicitamente obtidos, sob pena de ofensa à garantia constitucional do “due process of law”, que tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas projeções concretizadoras no plano do nosso sistema de direito positivo. –A Constituição da República, em norma revestida de conteúdo vedatório (CF, art. 5°, LVI), desautoriza, por incompatível com os postulados que regem uma sociedade fundada em bases democráticas (CF, art. 1°), qualquer prova cuja obtenção, pelo Poder Público, derive de transgressão a cláusulas de ordem constitucional, repelindo, por isso mesmo, quaisquer elementos probatórios que resultem de violação do direito material (ou, até mesmo, do direito processual), não prevalecendo, em consequência, no ordenamento normativo brasileiro, em matéria de atividade probatória, a fórmula autoritária do “male captum, bene retentum” (BRASIL, 2007).

 

A CRFB/1988 silencia-se em seu artigo 5°, LVI, sobre qual seria o conceito de prova ilícita e tampouco pondera sobre quais seriam as consequências de sua utilização no processo. Somente prevê que são inadmissíveis, ou seja, não se trata de nulidade da prova, mas de sua não aceitação nos autos do processo. Por esse motivo, a doutrina nacional baseia-se na lição do italiano Pietro Nuvelone para conceituar a prova ilegal e distinguir a prova ilícita daquelas obtidas por meios ilegítimos. Sendo assim, prova ilegal será sempre aquela que for adquirida por violação de normas legais ou de princípios gerais do ordenamento (GRINOVER, 2007).

A prova ilícita é a produzida mediante violação de norma de direito material, prevista na Constituição ou na legislação ordinária, ou seja, trata-se dos casos em que se adquiriu a prova em detrimento de direitos que o ordenamento garante aos indivíduos.  Em regra, a prova ilícita é produzida em momento anterior ou concomitante ao processo, logo, no momento em que houve a colheita da prova. Deve-se ressaltar, no entanto, que nada impede que essa produção ocorra em juízo. Como consequência da prova ilícita, nasce o direito de exclusão (exclusionary rule), previsto no artigo 157, §3º do CPP, que determina o seu desentranhamento dos autos.

A prova será ilegítima quando ocorre a violação de norma de direito processual, mas pode ocorrer antes, como, por exemplo, em uma busca e apreensão feita sem a observação da lei ordinária. Em regra ela ocorre no curso do processo, ou seja, intraprocessual. Terá como consequência a aplicação do artigo 157, §3º do CPP.

O silêncio do artigo 157, caput, do CPP, ao se referir à prova ilícita como aquela que é obtida por violação a normas constitucionais ou legais, mas sem distinguir a norma legal de material e processual, fez surgir duas correntes doutrinárias e jurisprudenciais com posicionamentos diferentes. Uma delas entende que, diante do silêncio da lei e com base na nova redação dada ao art. 157, a prova ilícita abarcaria tanto as normas legais materiais como as processuais. Nesse sentido, já havia alguns posicionamentos da Suprema Corte (BRASIL, 2006). No entanto, a segunda corrente defende que no momento em que o artigo 157, caput, do CPP fala em norma legal, deveria ser feita uma interpretação restritiva, na qual estariam inclusas apenas as normas de direito material, mantendo-se quanto às provas ilegítimas o regime jurídico da teoria das nulidades.

Há doutrinadores que defendem a existência de prova obtida por meios ilícitos e ilegítimos, simultaneamente. O doutrinador Renato Brasileiro exemplifica esse pensamento da seguinte forma: “[...] nos casos em que com uma busca e apreensão domiciliar cumprida por uma autoridade policial, independente de prévia autorização judicial, nem tampouco situação de flagrante delito” (LIMA, 2019, p.643).

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As Mesas de Processo Penal dirigida por Ada Pellegrini Grinover, vinculadas ao Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, dispõem em suas súmulas que:

 

Número 48 - Denominam-se ilícitas as provas colhidas com infringência a normas e princípios de direito material;

Número 49 - São processualmente inadmissíveis as provas que infringem normas e princípios constitucionais, ainda quando forem relevantes e pertinentes, e mesmo sem cominação processual expressa;

Número 50- Podem ser utilizadas no processo penal as provas ilicitamente colhidas, que beneficiem a defesa (GRINOVER, 2009, p.355).

               

Sobre o reconhecimento da ilicitude da prova em grau de recurso, Renato Brasileiro (2019) pontua que:

 

Caso a ilicitude de prova seja reconhecida em grau de recurso, tendo favorecido a defesa, a matéria só poderá ser examinada em apelação da acusação. Caso contrário, ocorreria reformatio in pejus. Se a prova ilícita favoreceu a acusação, não haverá necessidade de decretar a nulidade da sentença, desde que, suprimida a prova ilícita, decorra a absolvição do acusado. Nesse caso, o Tribunal deverá determinar o desentranhamento da prova ilícita e julgar, desconsiderando-a. No entanto, se, mesmo com a supressão da prova ilícita, houver elementos que permitam a condenação, a melhor solução será a decretação de nulidade da sentença pelo Tribunal, para que outra seja proferida (LIMA, 2019, p.645).

 

Há ainda a discussão na doutrina sobre a possibilidade de incorporação e valoração da prova ilícita no processo, invocando a proporcionalidade na ótica da defesa aplicada pela doutrina alemã, a qual teria como consequência a eventual aceitação de uma prova ilícita, desde que mediante uma análise do balanceamento de valores, ou seja, observaria, caso a caso, e analisaria o interesse maior que prevaleceria sobre o menor (GRINOVER, 1990).  Ressalta-se que a doutrina majoritária, a exemplo de Ada Pellegrini Grinover e Antônio Scarance, é contrária a esse posicionamento e defende que aceitar tal argumento acarretaria sérios riscos ao processo penal, com ressalva da prova ilícita pro reo, em que o réu pode valer-se de uma prova ilícita para defender-se e provar sua inocência.

 

2 Principiologia da prova

 

Para melhor compreensão da principiologia da prova é necessário realizar a distinção entre os “meios de obtenção de prova” e os “meios de prova”. Conforme Aury Lopes Junior,

 

{C}a)              Meio de prova: é o meio através do qual se oferece ao juiz meios de conhecimento, de formação da história do crime, cujos resultados probatórios podem ser utilizados diretamente na decisão. São exemplos de meios de prova: a prova testemunhal, os documentos, as perícias etc.

{C}b)              Meio de obtenção de prova: ou mezzi di ricerca dela prova como denominam os italianos, são instrumentos que permitem obter-se, chegar-se à prova. Não é propriamente “a prova”, senão meios de obtenção. Explica MAGALHÃES GOMES FILHO que os meios de obtenção de prova não são por si fontes de conhecimento, mas servem para adquirir coisas materiais, traços ou declarações dotadas de força probatória, e que também podem ter como destinatários a polícia judiciária (LOPES JUNIOR, 2020, p.586).

 

Sendo assim, os princípios da prova são aqueles que determinam quando os resultados probatórios podem ser utilizados diretamente na decisão. Caberá, assim, ao juiz analisar a possibilidade ou não do aproveitamento daquela prova, de forma a evitar a ocorrência de conflitos com o ordenamento jurídico.

 

2.1 Princípio da proporcionalidade

 

O princípio da proporcionalidade é um princípio implícito na CRFB/1988, que prevê a possibilidade de sopesamento entre institutos, cabendo ao magistrado fazer juízo de razoabilidade na hipótese de ocorrência de conflitos entre dois ou mais bens protegidos pelo ordenamento jurídico, podendo assim admitir a prova ilícita, tendo em vista a relevância do interesse público a ser preservado e protegido. Conforme observa Celso Ribeiro Bastos (1993, p. 276), o princípio da proporcionalidade “deve ceder naquelas hipóteses que a sua observância intransigente levaria a lesão de um direito fundamental ainda mais valorado”, como nos casos de abrandamento no princípio da proibição da prova ilícita.

Segundo o princípio em tela, a interpretação de normas jurídicas, sejam constitucionais ou infraconstitucionais, deve guardar equilíbrio com os interesses e os direitos do caso concreto, de modo a dar-se a solução mais justa. Desta forma, em se tratando de restrição de direitos, liberdades e garantias, devem ser levados em consideração a proporcionalidade, a exigibilidade e a adequação.

Pode-se dizer assim que o presente princípio visa à atenuação da Teoria dos frutos da árvore envenenada, devendo ocorrer a conciliação entre a necessidade de proteger o interesse do Estado Democrático de Direito e o exercício dos direitos fundamentais.

A aplicação daquele permite trazer como premissa a ideia de que nenhum princípio ou direito é absoluto, já que pode sofrer ponderação diante do caso concreto, e com isso, a proibição das provas obtidas por meios ilícitos do ponto de vista da razoabilidade se torna relativo.

A proporcionalidade não está prevista expressamente na CRFB/1988, mas é um dos princípios gerais norteadores da interpretação das regras constitucionais, de uma forma implícita.

Assim, pode-se afirmar que trata de um direito positivo e garantia de respeito aos direitos fundamentais, estando certo Bonavides (apud MENDES, 1999, p. 114-115) quando diz: “O princípio da proporcionalidade flui do art. 5º, § 2º, da Constituição Federal de 1988, o qual abrange a parte não escrita e não expressa dos direitos e garantias fundamentais”.

 

2.2 Princípio da ampla defesa

 

Está previsto no artigo 5°, LV, da CRFB/1988, segundo o qual: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 1988).

Nesse diapasão, pode-se afirmar que o direito à ampla defesa aplica-se ao processo penal, no qual o réu passa a ser visto como a figura de acusado, assumindo direitos e obrigações processuais.

A CRFB/1988, em seu artigo 5º, caput, inciso XXXV, prevê ainda a igualdade perante a lei para todos os cidadãos, sem distinção de qualquer natureza, e a inviolabilidade da apreciação pelo poder judiciário de qualquer lesão ou ameaça a direito, in verbis:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (BRASIL, 1988).

 

Portanto, as partes podem arguir todos os fatos que lhe possam ser úteis, provando todas as circunstâncias constitutivas de seu direito ou destruindo os argumentos que dão suporte à causa. Logo, apesar de o ordenamento inadmitir as provas ilícitas, abre-se aqui respaldo à admissão e à aceitação das provas ilícitas no processo penal, já que, por não raras vezes, são o único meio encontrado pelo acusado de provar seus direitos.

 

2.3 Princípio da verdade real

 

No processo penal, o juiz age como representante do Estado, não só com o fim de dirimir conflitos, mas também com o de fazer valer sua pretensão punitiva, na tentativa de promover a paz social. Assim sendo, ele não pode, nem deve, contentar-se com a verdade dos fatos trazida unicamente pelas partes. Deve, quando necessário, a fim de fomentar melhor a justiça, buscar a prova dos fatos tal qual eles realmente ocorreram, mesmo diante da indiferença das partes. Tourinho Filho (2003) assevera que vigendo no processo penal brasileiro o princípio da verdade real, não deveria existir qualquer restrição à prova, sob pena de descaracterizar o interesse do estado na justa atuação da lei.

Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar descrevem tal princípio da seguinte forma:

 

O princípio da verdade real (ou “substancial”, de acordo com termologia adotada pelo art. 566, CPP) também é conhecido como princípio da livre-investigação da prova no interior do pedido, princípio da imparcialidade do juiz na direção e apreciação da prova, princípio da investigação, princípio inquisitivo e princípio da investigação judicial da prova. Independentemente da denominação que se lhe dê, é de se observar que a verdade real, em termos absolutos, pode se revelar inatingível. Afinal, a revitalização no seio do processo, dentro do fórum, numa sala de audiência, daquilo que ocorreu muitas vezes anos atrás, é, em verdade, a materialização formal daquilo que se imagina ter acontecido (TAVORA, et al, 2016, p. 55).

 

O processo penal é visto, antes de tudo, como uma construção histórica dos fatos, tal qual eles realmente ocorreram, a fim de formar a convicção do juiz. Destarte, este tem o dever de punir o culpado e absolver o inocente, mesmo diante do desleixo deste último, garantindo-lhe inclusive o direito à ampla defesa, constituindo outro defensor se entender que o que lhe serve não está cumprindo com o seu dever de defendê-lo.

A busca da verdade real do processo penal deve ser vista como algo imperativo. Somente alcançando a verdade substancial dos fatos é que o Estado se mostra pronto para fazer valer o seu jus puniendi, assegurando a tutela de segurança social, punindo quem é culpado e absolvendo quem é inocente. Por isso a matéria que envolve a prova ilícita deve ser vista em função da proporcionalidade dos valores prescritos em lei.

No processo penal, a funcionalidade da prova em alguns momentos já foi utilizada sem limites éticos, epistemológicos e legais. Isso fomentou o surgimento de opressão estatal e o abuso de poder mascarados como uma “busca pela verdade”. Para evitar essas ocorrências, os valores fundamentais do processo penal brasileiro surgiram impondo limites mais rígidos à prova penal, tendo em vista que “a prova é o instrumento de busca da verdade possível e juridicamente admissível no processo” (TAVARES; CASARA, 2020, p.21).

Quando o juiz penal se depara com uma situação em que somente mediante a admissão de uma prova ilícita poderá chegar à verdade real, tão almejada, deve caber a ele a apreciação dos bens jurídicos em conflito, de forma a admitir ou não a prova. Segundo Capez (apud Kuhs; Moor, 2002, p.515): “trata-se de ato processual específico e personalíssimo do juiz”, que recorre ao princípio da proporcionalidade.

 

3 Teorias sobre a admissibilidade das provas ilícitas

 

3.1 Admissibilidade processual da prova ilícita

 

Segundo essa corrente minoritária, desde que não houvesse proibição pelo ordenamento processual, a prova poderia ser admitida, não interessando a proibição do direito material. Significa dizer que o responsável pela prova ilícita poderia utilizá-la no processo, podendo vir a responder em processo diverso pela violação da norma de direito material, o que poderia constituir um delito ou até mesmo um ilícito civil.

Aury Lopes Jr. (2018) afirma que:

 

A crítica a essa corrente nasce exatamente dessa paradoxal situação criada: um mesmo objeto, diante da ilicitude com que foi obtido, seria considerada como corpo de delito para ensejar a condenação de alguém e, ao mesmo tempo, seria perfeitamente válido para produzir efeitos no processo penal (LOPES JR., 2018, p.396).

 

 Hoje, no Brasil, essa é uma teoria que não encontra nenhum embasamento com a jurisprudência em vigor, sendo inviável a sua aplicação.

 

3.2 Inadmissibilidade absoluta

 

Adotada por aqueles que fazem uma leitura literal do artigo 5°, LVI, da CRFB/1988, a teoria da inadmissibilidade absoluta defende que a vedação constitucional não admite exceção ou relativização. Essa corrente vem ganhando seguidores e encontra algum abrigo na jurisprudência.

O doutrinador Aury Lopes Jr. (2018) elucida que a crítica estaria no fato dessa corrente defender uma inadmissibilidade absoluta em uma realidade que está em constante modificação, além do fato de que a ciência, desde a teoria da relatividade, e até mesmo o direito constitucional vêm negando a existência de regramentos e direitos absolutos, principalmente em virtude das especificidades dos casos concretos da sociedade.

 

3.3 Admissibilidade da prova ilícita em nome do princípio da proporcionalidade

                                                                           

Os defensores dessa corrente posicionam-se a favor do uso das provas ilícitas desde que se trate de casos em que haja o interesse público, tanto para a preservação como para a sua proteção. Eles acreditam que deve ser flexibilizada essa inadmissibilidade se for a única forma possível e razoável para a proteção de outros valores fundamentais. Aury Lopes Jr. (2018) explana sobre os perigos do uso dessa teoria tendo em vista a fácil manipulação do conceito de proporcionalidade e a indeterminação do seu conceito.

 

3.4 Admissibilidade da prova ilícita a partir da proporcionalidade pro reo

 

A prova ilícita, nesse caso, seria admitida e valorada nos casos em que fosse favorável à defesa. Haveria, então, a ponderação entre o benefício dessa prova sobre o direito de liberdade. Vicente Greco Filho, em sua obra Tutela Constitucional das Liberdades, esclarece que:

 

Uma prova obtida por meio ilícito, mas que levaria à absolvição de um inocente [...] teria de ser considerada, porque a condenação de um inocente é a mais abominável das violências e não pode ser admitida ainda que se sacrifique algum outro preceito legal (GRECO FILHO, 1989, p.112-113 apud FERNANDES, 2003, p.81).

 

A prova ilícita pro reo vem sendo admitida não só na doutrina como perante a jurisprudência, em observância ao direito de defesa e ao princípio do favor rei. Essa posição mitiga, sem dúvida, o rigor da inadmissão absoluta das provas ilícitas.

 

3.5 Prova ilícita por derivação - Teoria fruits of the poisonous tree (frutos da árvore envenenada)

 

Além da prova ilícita em si, há também a que decorre dela, a chamada prova ilícita por derivação, existente no processo penal brasileiro e inspirada no direito norte-americano, que criou a teoria fruits of the poisonous tree (frutos da árvore envenenada). No Brasil, em um primeiro momento, foi afastada a ideia de sua aplicação entendendo que o artigo 5°, LVI, da CRFB/1988 tratava apenas das provas ilícitas e não sobre aquelas que dela derivaram (BRASIL, 1995). No entanto, em 1996, o Pleno do Supremo Tribunal Federal voltou a manifestar sobre o assunto e, nessa oportunidade, mudou o entendimento e passou a ser favorável à adoção da teoria (BRASIL, 2000).

 

O Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, assentou entendimento no sentido de que, sem a edição de lei definidora das hipóteses e da forma indicada no art. 5º, inc. XII, da Constituição, não pode o Juiz autorizar a interceptação de comunicação telefônica para fins de investigação criminal. Assentou, ainda, que a ilicitude da interceptação telefônica – à falta da lei que, nos termos do referido dispositivo, venha a discipliná-la e viabilizá-la – contamina outros elementos probatórios eventualmente coligidos, oriundos, direta ou indiretamente, das informações obtidas na escuta. Habeas corpus concedido (BRASIL, 1999).

 

A prova ilícita por derivação é no nosso ordenamento aquela que chegou por intermédio de outra prova ilícita, ou seja, mesmo que a prova final seja lícita, se foi colhida de uma ilícita, esta contamina aquela. Um exemplo seria o caso de uma confissão obtida mediante tortura, em que o acusado indica onde se encontra o produto do crime, que vem a ser regularmente apreendido (MULLER, 2006).

Sendo assim, a ilicitude da obtenção da prova transmite-se às provas derivadas, que são igualmente afastadas do processo. Logo, é perfeitamente possível a utilização das provas derivadas, desde que provado que não tenham sido fruto exclusivo da ilícita, mas também fruto de provas lícitas. Diante disso, sendo provado que o liame é exclusivamente de provas ilícitas não será admitido a prova derivada. Nesse sentido:

 

AÇÃO PENAL. Prova. Ilicitude. Caracterização. Quebra de sigilo bancário sem autorização judicial. Confissão obtida com base na prova ilegal. Contaminação. HC concedido para absolver a ré. Ofensa ao art.5°, inc. LVI, da CF. Considera-se ilícita a prova criminal consistente em obtenção, sem mandado, de dados bancários da ré, e, como tal, contamina as demais provas produzidas com base nessa diligência ilegal (BRASIL, 2009).

 

Tal teoria encontra-se positivada no § 1º do artigo 157 do CPP, que dispõe que: "São também inadmissíveis as provas derivadas das provas ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras" (BRASIL, 1988).

Ressalta-se que o legislador se precipitou no momento em que elaborou o § 1º para tratar somente da teoria dos frutos da árvore envenenada. Observa-se que a segunda parte trata da teoria da fonte independente quando prevê que: “[...] ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras” (BRASIL, 1988).

Segundo Antônio Magalhães Gomes Filho (1997), apesar do ordenamento jurídico brasileiro ter se baseado na fruit of poisonous tree doctrine da Suprema Corte norte-americana, a aplicação não é a mesma nos dois países. Na jurisprudência americana a sua aplicação ocorre de maneira diferente. Na teoria americana a proibição não é absoluta sendo admitidas exceções, quais sejam os casos de independent source (fonte independente) e de inevitable Discovery (descoberta inevitável).

No Brasil, ainda prevalece o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que também é defendido pela Professora Ada Pellegrini Grinover, que afirma:

 

Na posição mais sensível às garantias da pessoa humana, e consequentemente mais intransigente com os princípios e normas constitucionais, a ilicitude da obtenção da prova transmite-se às provas derivadas, que são, assim, igualmente banidas do processo (GRINOVER, 2007, p.163).

 

Pode-se afirmar que a democracia não tolera provas colhidas ao arrepio da lei, sendo assim, tudo que estiver interligado deverá ser considerado como prova contaminada.

 

3.6 Teoria da fonte independente

 

A teoria da fonte independente ou Independent Source teve origem no Direito Americano e ocorre quando o órgão da persecução penal demonstra que adquiriu, legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma de prova, que não possui nenhuma relação de dependência, nem decorre da prova ilícita, o que a tornaria admissível, porque não estaria contaminada (RANGEL, 2013).

O precedente que deu origem à Teoria da Fonte Independente foi Bynum vs U.S nos anos de 1960 (MELO, 2010). No caso em questão, Bynum havia sido preso ilegalmente e por conta da sua prisão foi obtida a sua identificação datiloscópica, que quando verificada com a cena do crime, teve compatibilidade e foi essencial como prova para a sua condenação. A Corte Americana determinou que fosse retirada a identificação datiloscópica por ser prova ilícita conseguida através de uma prisão ilegal, e Bynum foi novamente processado. No entanto, nesse novo processo a acusação utilizou de impressões que estavam no banco de dados do FBI e que também eram compatíveis com a cena do crime. Seguindo o entendimento da Corte Americana, o Brasil baseou o seu posicionamento previsto no art. 157, §1º do CPP que diz que serão inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, com exceção dos casos em que fique demonstrado que não houve o nexo de causalidade entre umas e outras provas ou quando as provas consideradas derivadas conseguirem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras (BRASIL, 1941).

O Supremo Tribunal Federal, antes do advento da Lei n° 11.690/2008, já decidia de forma a reconhecer que não havia ilicitude no caso de prova nova, desde que autônoma em relação àquela contaminada pela ilicitude. É possível visualizar esse conteúdo na decisão do HC 83921 do RJ:

 

STF HC 83921.  EMENTA: HABEAS-CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO.  RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO NA FASE INQUISITORIAL. INOBSERVÂNCIA DE FORMALIDADES.  TEORIA DA ÁRVORE DOS FRUTOS ENVENENADOS.  CONTAMINAÇÃO DAS PROVAS SUBSEQÜENTES.  INOCORRÊNCIA.  SENTENÇA CONDENATÓRIA. PROVA AUTÔNOMA.   1.  Eventuais vícios do inquérito policial não contaminam  a  ação   penal.  O reconhecimento fotográfico, procedido na fase inquisitorial, em desconformidade com  o   artigo   226 ,  I,  d o Código  de   Processo   Pena l,  não   tem   a   virtude  de   contaminar o  acervo  probatório coligido  na   fase judicial,  sob   o  crivo  do  contraditório. In aplicabilidade da teoria da árvore dos frutos envenenados (FRUITS OF THE POISON OUS TREE).  Sentença condenatória embasada em provas  autônomas produzidas   em   juízo.  2.  Pretensão de reexame da matéria fático-probatória. Inviabilidade do w rit.  Ordem denegada (BRASIL, 2004).

 

Portanto, sendo assegurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se manifestar a respeito da prova e de refutá-la adequadamente, afigura-se válido o empréstimo. Diante disso, haverá a possibilidade de utilizar a prova por se tratar de provas autônomas.

 

3.7 Teoria da descoberta inevitável

 

Segundo Carvalho (2016), o autor Thiago André Pierbom Ávila, ao tratar desta teoria, a chama de Exceção da Fonte Hipoteticamente Independente.  A teoria da descoberta inevitável teve como origem o caso Nix vs. Williams, em um julgado do ano de 1984, que tratava de uma acusação de homicídio de uma criança.

O Brasil prevê a teoria da descoberta inevitável em seu artigo 157, §2º do CPP: “§ 2o. Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova” (BRASIL, 1941). 

Conforme essa teoria, se restar demonstrado que a prova derivada da ilícita seria encontrada de qualquer forma, independentemente da ilícita originária, essa prova deveria ser admitida como válida.

 

3.8 Teoria do encontro fortuito de prova

 

A teoria do encontro fortuito de prova ou teoria da serendipidade é utilizada nos casos em que, na realização de uma diligência relativa a um crime, a autoridade policial inesperadamente encontra provas pertinentes à outra infração penal, que não era o objetivo principal da investigação (LIMA, 2019). Segundo essa teoria, a validade da prova estaria condicionada à forma como foi conduzida a investigação. Sendo a prova advinda de caso fortuito e casual, será considerada como prova válida.

Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF)

 

[...] Uma vez realizada a interceptação telefônica de forma fundamentada, legal e legítima, as informações e provas coletadas dessa diligência podem subsidiar denúncia com base em crimes puníveis com pena de detenção, desde que conexos aos primeiros tipos penais que justificaram a interceptação. Do contrário, a interceptação do art.2, III, da L. 9.296/96 levaria ao absurdo de concluir pela impossibilidade de interceptação para investigar crimes apenados com reclusão quando forem estes conexos com crimes punidos com detenção. Habeas corpus indeferido (BRASIL, 2005).

 

Há dois tipos de serendipidade, sendo eles,

 

A) serendipidade de primeiro grau: a prova obtida fortuitamente será válida, quando houver relação de conexão ou continência; houver a comunicação imediata para a autoridade judicial da revelação de fato delituoso diverso ou de outra pessoa envolvida em regime de coautoria; o juiz aferir que o fato descoberto ou a participação de coautor segue o desdobramento histórico do ilícito penal investigado.

B) serendipidade de segundo grau: a prova obtida não será válida, mas será fonte de prova, ou seja, considerada “notitia criminis” (notícia do crime), sendo suficiente para deflagrar outra investigação preliminar com objeto distinto, nas seguintes hipóteses: reveladora de crime diverso daquele objeto da investigação; crime foi cometido por pessoa diversa da investigada; o juiz verificar que o fato diverso descoberto não seguiu o desdobramento histórico do ilícito penal investigado; quando as conversas entre o investigado e seu advogado, se a comunicação envolver estritamente relação profissional (TORTEGA, 2015, p.1).

 

Portanto, a circunstância fática deve ser observada como um todo, de forma que o desdobramento comum da investigação se torna o critério principal para determinar a legalidade das provas.

 

Considerações finais

 

Conclui-se que a valoração da prova tem suma importância no Processo Penal brasileiro. Trata-se de um mecanismo de elaboração de defesa das partes em suas teses e contraposições dos fatos alegados. Além disso, a prova também é fundamental para a formação da convicção do juiz sobre o caso concreto lhe apresentado.

Observa-se que, nem todas as provas podem ser utilizadas no ordenamento jurídico brasileiro. No Brasil tem-se como regra a inadmissibilidade das provas ilícitas, com fulcro na teoria dos frutos da árvore envenenada. Essa norma, assim como as demais do direito pátrio, não é absoluta, podendo então ser admitidas no processo penal, com base na aplicação do princípio da proporcionalidade, desde que tenha como principal objetivo beneficiar o réu.

Assim, a aplicação das provas sofrerá ponderação diante do caso concreto, e com isso, a proibição das provas conseguidas por meios ilícitos do ponto de vista da razoabilidade se torna relativo.

Diante disso, há a defesa de que haveria a admissibilidade de provas ilícitas em três principais hipóteses. Sendo elas, quando: derivadas das ilícitas, em favor do réu ou em favor da sociedade. Sendo assim, apesar da proibição da utilização das provas ilícitas, vedação com fulcro no artigo 5º, inciso LVI, da CRFB/1988, em alguns casos esporádicos, quando não evidenciado o nexo de causalidade entre as provas ilícitas ou derivadas, estas podem ser utilizadas.

Diante do exposto, fica claro que se buscou restringir a busca pela verdade a qualquer custo, ou seja, de forma irrestrita. Observa-se que as provas não podem afirmar com certeza as circunstâncias fáticas da situação ocorrida, elas somente moldarão o conjunto probatório de forma a aproximar o mais próximo possível do que ocorreu para que aqueles que não estejam envolvidos possam chegar a uma conclusão a respeito. Por isso, a busca pela verdade, em um Estado Democrático de Direito apresenta limitações, de forma que os institutos jurídicos brasileiros observam um trâmite permitindo o devido processo legal. 

Em face do exposto, ressalta-se a preocupação que houve do legislador em buscar a preservação dos direitos individuais dos seus cidadãos. De forma a garantir a integridade dos direitos e garantias constitucionais e a sobrevivência harmônica da democracia. Não é, pois, mero capricho. Em um Estado Democrático de Direito, é preciso observar o devido processo legal e os meios de acautelar as provas, bem com as suas consequências jurídicas. Dessa forma, evita-se que surjam injustiças decorrentes de um processo constituído em nulidades.

 

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Sobre os autores
Vitória Dreide Xavier Araújo Silva

Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros- UNIMONTES.

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