Pandemias podem reinventar espaços e costumes, foi assim durante toda história da humanidade, no século 13 a peste bubônica levou a proibições a espaços urbanos apertados, já com os surtos de malária e cólera no século 19 acabaram resultando em mudanças nos sistemas de ventilação e esgoto, ou seja, as doenças e o medo da morte nos leva a repensar nossos hábitos e a forma como vivemos, como nos locomovemos e a necessidade ou não de muitas das nossas aquisições.
Com mais tempo em casa, com mais reuniões realizadas remotamente, o segundo carro de nossas residências passa a ser repensado, temos ou não necessidade dele? Logo, o resultado implica em redução na venda de veículos, que no caso brasileiro, catalisado pela pandemia, deve cair 40% neste ano. Menos veículos, mais compartilhamento e logo, veículos mais econômicos e menos poluentes abrem espaço para uma tendência irrefreável de carros híbridos e elétricos.
Ao longo da pandemia cidades com maior índices de poluição no ar acabaram sendo um foco maior de doenças respiratórias e por decorrência de índices maior de pacientes com complicações e casos mais graves de infectados por Covid-19.
No mundo, desde a década de 80, os carros são os maiores responsáveis pelos elevados índices de poluição do ar e emissão de dióxido de carbono, os principais causadores das doenças e mortes por problemas respiratórios. Logo, com o aumento das suas vendas em países como Índia e China, a necessidade de serem movidos a energia elétrica e não a combustão, está dando o indicativo de para onde essa indústria vai caminhar.
Na Alemanha o governo determinou que os carros a combustão deixarão de serem produzidos até 2030, ou seja, em menos de 10 anos, e que estarão proibidos de circular já em 2050. Logo, circular com um carro a combustão na Alemanha a partir de 2050 será uma transgressão, algo impensável para a maioria das pessoas até pouco tempo atrás. Claro que esse movimento não ocorre apenas por mero decreto, é necessário estimular com renúncia fiscal as novas tecnologias, menos poluentes e por isso menos onerosa aos cofres públicos nos tratamentos de saúde. E assim o governo alemão destinou de 2017 a 2019 US$1,3 bilhões em subsídios para aquisição de veículos elétricos.
Ao mesmo tempo, Ford e Toyota que já possuem seus veículos híbridos que vão redesenhando o seu negócio para serem empresas de compartilhamento de veículos, obrigando as locadoras de carro a se redesenharem, afinal, se as montadoras podem locar e dar manutenção através das milhares de concessionárias, qual o sentido das locadoras de veículos? Menos dinheiro no mercado, acelerado por pandemias, obrigam negócios a serem reinventados. E assim Maven e Lyft (concorrentes do Uber) ganham montadoras como sócias.
Elétricos, compartilhados e autônomos, isso é o que indica os diversos investimentos feitos por montadoras e plataformas digitais, seja para passeio ou para carga, isso é o que também indica o investimento feito em 2017 pelo Uber na aquisição da Otto, uma startup com foco no desenvolvimento em caminhões elétricos e autônomos que custou US$ 680 milhões
Na década de 70 dois sucessivos choques do petróleo alimentaram a procura por combustíveis alternativos fazendo nascer o etanol brasileiro, que hoje circula em carros flex ou é adicionado a nossa gasolina em percentuais que dependendo da época variam de 22% a 25%, hoje a redução de poluentes é o principal combustível dessa troca de matriz energética.
E se a matriz energética do país for a carvão, como é o caso da China? O que conta no final é o balanço energético e a sua emissão de poluentes ao longo de toda cadeia.
E se todos forem híbridos e flex, como o novo corolla brasileiro? No mundo a frota de veículos elétricos e híbridos deve ultrapassar neste ano 5 milhões de veículos, uma frota que vem crescendo a média de 60% ao ano nos últimos três anos para um total que já passa no mundo cerca de 120 modelos das mais diferentes marcas. A estimativa é de que até 2025 a soma global deve chegar a 70 milhões de veículos, com a total liderança da China nessa frota.
Tem um debate enorme sobre a pegada do carbono, uma vez que a produção da energia que alimenta esses veículos é majoritariamente de fontes térmicas movida a carvão, o que certamente deve mudar com o tempo, mas e se todos carros fossem elétricos?
Para algumas vozes respeitáveis a vida na Terra poderia ver-se ameaçada se todos os automóveis que se encontram atualmente em circulação fossem substituídos por veículos elétricos, essa ao menos é a opinião do físico russo e presidente do Instituto Kurchátov, Mikhai Kovalchuk, de 71 anos.
Para ele : “Quanto aos veículos elétricos, há que entender que há um grande engano“, pois “se todos os automóveis que circulam pela Terra passassem amanhã para eletricidade, a capacidade de gerar eletricidade teria que ser triplicada, o que é “impossível”. “E mesmo que o conseguissem, amanhã toda a gente morreria por conta das chuvas ácidas, já que estariam a queimar carvão”, assegurou o cientista.
É um bom debate, que deve ser intensificado considerando os inúmeros incentivos dessa indústria e a veloz substituição da frota. Um grande desafio e um mundo de oportunidades para os veículos a etanol e a hidrogênio
Ainda segundo o cientista “A chuva ácida é um fenómeno que se manifesta quando a umidade do ar se junta com óxidos de nitrogênio, dióxido de enxofre e outros contaminantes emitidos ao queimar carvão ou outros combustíveis fósseis para produzir energia elétrica”. Para Kovalchuk é fundamental desenvolvermos tecnologias amigáveis com a natureza em vez de energia alternativa. Um pouco de polêmica para um debate muito sério e atual.