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O processo civil francês

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Agenda 01/07/2000 às 00:00

Sumário: 1 – Introdução. 2 - Noções Históricas. 3. - Características do Processo Civil francês. 3.1 - o Processo Civil só é referência para as jurisdições civis. 3.2 - o problema do nome da disciplina. 3.3 - aversão quase geral ao caráter científico do Processo Civil. 3.4 - as fontes. 3.5 - características do Processo Civil. 3.6 - as normas de Direito Processual são editadas por Decretos. 3.7 - apego às tradições. 3.8 - colegialidade como regra na 1ª instância. 3.9 - tentativa de modernização. 3.10 - condições da ação: interesse de agir e legitimidade. 3.11 - princípios processuais. 3.12 - formas alternativas de solução dos litígios. 3.13 - a preocupação com a efetividade do processo. 3.14 - pedidos de assistência judiciária decididos por órgãos não-jurisdicionais. 3.15 - dicotomia: jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária. 3.16 - as regras de competência. 3.17 - a distribuição. 3.18 - modalidades de instrução. 3.19 - ainda a preocupação com a rapidez. 3.20 - comunicação de peças e manifestações das partes no processo diretamente entre os advogados. 3.21 - tutela de urgência ("référé", etc.). 3.22 – injunções. 3.23 - acusatório mitigado pelo inquisitório. 3.24 - juiz da instrução. 3.25 - alguns meios de prova. 3.26 - a figura do "amigo da corte". 3.27 - o advogado no Processo Civil. 3.28 - os debates orais. 3.29 - deliberação secreta. 3.30 - objetividade na redação das sentenças. 3.31 - voto vencido. 3.32 - sentenças e acórdãos comunicados às partes em audiência. 3.33 - o duplo grau de jurisdição. 3.34 - litigância de má-fé. 3.35 - execução provisória e execução retardada. 3.36 - o instituto da "radiation". 4 - Processualistas eméritos. 5- Conclusão


"Um bom Direito deve ser simples e compreensível por todos."
(Hervé Croze)


1 - INTRODUÇÃO

No Brasil, por influência da doutrina italiana, surgiu no Brasil a febre do processualismo, gerando reformas legislativas e uma doutrina que supervalorizou o Direito Processual, tanformando os processos comuns do foro em verdadeira luta entre os advogados à procura de nulidades, fazendo vencedores muitas das vezes aqueles mais sagazes em detrimento das partes que verdadeiramente mereciam vencer as demandas. A chicana venceu muitos processos e as chamadas "preliminares" superaram o "mérito".

Felizmente, essa onda de processualismo vem se asserenando no Brasil depois de já ultrapassada na Europa, inclusive na própria Itália, agora por influência de processualistas como Mauro Cappelletti, preocupado com a "instrumentalidade" do processo, o "acesso à justiça" e a "efetividade do processo".

Escrevemos este breve estudo com a finalidade de ajudar a mudar essa mentalidade brasileira, citando o exemplo francês, que, pode-se dizer, sempre foi voltado muito mais para o procedimentalismo que para o processualismo, com melhores resultados práticos para os jurisdicionados que os nossos.

Destacamos como um dos representantes da modernização do Processo Civil brasileiro o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Sálvio de Figueiredo Teixeira, que, aliás, além das suas meditações particulares, pesquisa as modernas tendências do Direito europeu e norte-americano, com proveito para nós brasileiros.

Carlos Ferreira de Almeida, em Introdução ao Direito Comparado, Almedina, 1998, pp. 72/74, apresenta um perfil geral do Direito francês, aplicando-se ao Processo Civil as seguintes observações:

1 - Primazia do direito substantivo sobre o direito processual (pelo menos, no discurso jurídico oficial); o direito de ação como meio de efetivação de direitos subjetivos.

2 - Distinção entre direito público e direito privado; a subdivisão do direito objetivo e da ciência jurídica em ramos de direito.

3 - Competência legislativa distribuída entre as instituições parlamentares e as governamentais.

4 - Primado da lei, tanto no plano hierárquico como no da sua importância relativa, enquanto fonte de direito aplicável a todas as áreas jurígenas.

5 - Concentração de uma parte significativa das regras legais em códigos, organizados de modo sistemático e segundo critérios doutrinários.

6 - Declínio da jurisprudência o valor de fonte de criação normativa, e a sua efetiva importância enquanto meio de conhecimento e de evolução do direito.

7 - Influência da doutrina na construção e compreensão dos sistemas jurídicos, nas reformas legislativas e, em diferentes graus, no modo de aplicação do direito.

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8 - Utilização, na interpretação da lei, de um pluralismo metodológico em que, segundo combinações variáveis, são atendíveis os elementos literal, teleológico, sistemático e histórico.

9 - Aplicação analógica como meio privilegiado de integração de lacunas da lei.

10 - Organização judiciária ordinária ou comum hierarquizada três níveis; tribunais de 1ª e de 2ª instância dispersos no território; tribunal supremo vocacionado para a uniformização da jurisprudência.

11 - Formação universitária em direito como requisito geralmente exigido para o exercício de profissões jurídicas superiores (magistraturas e advocacia).

12 - Dualidade de magistraturas - judicial e do Ministério Público - compostas na sua quase totalidade par magistrados integrados em carreiras profissionais.

13 - Tendencial unidade da profissão de advogado, a quem incumbe o patrocínio judiciário e o aconselhamento jurídico dos clientes.

Na França o Processo Civil é considerado pela maioria dos aplicadores do Direito como inferior ao Direito material, a maioria não o tratando como Direito Processual Civil. É um ramo do Direito Privado. As regras processuais são objeto de decretos e não de leis, portanto, de competência do Poder Executivo. Diz Christophe Ricour: "O Processo Civil não apaixona os cidadãos. É um fato. Ele não apaixona nem os políticos nem a imprensa." (la réforme du code de procédure civile autour du rapport Coulon, Loïc Cadiet et alli, Dalloz, 1997, p. 6).

Trata-se o processo Civil francês de regras objetivas e funcionais, despreocupadas com o tecnicismo e visando sobretudo o "acesso à justiça" e a "efetividade do processo".

Essas e outras peculiaridades veremos no correr deste livro.

Para efeito de compreensão mais fácil, tomaremos como referência, só para introduzir o leitor no espírito do Processo Civil daquele país, o rito comum diante de um Tribunal de Grande Instância (que é a regra), de formação colegiada. Assim, verificado se um litígio é da competência desse (sabendo-se, no entanto, que ele é somente um dos vários tipos de órgãos jurisdicionais de 1ª instância - v. a respeito nosso livro A Justiça da França), o presidente do Tribunal de Grande Instância (TGI) distribui o processo para uma das câmaras; o processo começa com a citação do réu; este último remete sua defesa e provas documentais ao autor pelo correio; o juiz presidente da câmara verifica se o processo é complexo; caso o seja, designa um dos juízes da câmara como juiz da instrução; caso não seja complexo, o presidente da câmara determina que o processo siga um dos dois circuitos: ultra curto ou curto (que serão vistos no item próprio); o juiz da instrução conduz a coleta de provas e, entendendo estar bens instruído o feito, decide pelo encerramento da instrução; indo o processo para o colegiado (câmara), é designada audiência de debates orais; ao final dos debates, o colegiado se reúne em sessão secreta para julgar, já ficando marcada a data para a audiência de leitura da sentença; essa audiência de leitura da sentença é pública ou acontece em segredo de justiça, de acordo com o tipo de processo.

Há variantes e exceções a essa regra, que o leitor verificará no correr do texto.

A proposta do livro não é esgotar o tema Processo Civil, mas simplesmente mostrar para os estudiosos do Direito Processual de língua portuguesa algumas peculiaridades do Processo Civil francês.


2 - NOTAS HISTÓRICAS

Para efeitos didáditos, dividiremos a história do Processo Civil em 4 tempos:

a) o período anterior à Ordenança de 1667;

b) o período que vai da Ordenança até o Código de Processo Civil de 1806;

c) o período que intermedeia 1806 e 1975 (considerada a data do NCPC - Novo Código de Processo Civil);

d) o período posterior à edição do NCPC.

Loïc Cadiet, em Droit Judiciaire Privé, Litec, 1998, considera, entretanto, somente dois momentos importantes na história do Processo Civil francês: 1806, com a edição do Código de Processo Civil e a década de 1970, com a edição dos quatro decretos que formaram o Novo Código de Processo Civil (Nouveau Code de Procédure Civile, conhecido como NCPC).

R. C. van Caenegem, em Uma Introdução Histórica ao Direito Privado, Martins Fontes, 1995, pp 42/45, diz sobre os "coutumiers" franceses da Idade Média: "A mais cémebre das obras consuetudinárias francesas (coutumiers) do século XIII é a de Philippe de Beaumanoir, a "Coutumes de Beauvaisis", escrita por volta de 1279-83. O autor, um membro dos tribunais reais, era antes de tudo um praticante, mas provavelmente possuía formação universitária. Sua clara e informada avaliação aborda tanto o direito consuetudinário de Beauvaisis quanto os costumes de Vermandois e de Paris. Ele também examina a jurisprudência, em particular as do Parlamento de Paris, e o direito erudito, tanto romano quanto canônico. Beaumanoir foi o iniciador de um gênero, e sua tentativa de formular e sistematizar ao mesmo tempo as normas consuetudinárias foi muito bem-sucedida. Sua obra foi escrita em francês e podia ser usada na prática jurídica cotidiana. Ela ajudou a divulgar a terminologia, os princípios e a doutrina jurídica do direito erudito junto a um vasto público. Duas outras obras importantes sobre o costume surgiram no fim do século XIV. A primeira tratava essencialmente do "Coutume de Paris", e a segunda do direito consuetudinário do Norte. Jacques d’Ableiges, que era o bailio do rei em várias regiões, foi o autor de uma concluída por volta de 1388 conhecida como "Grand Coutumier de France". O título, dado em época mais recente, é equivovado: d’Ableiges não aborda o direito consuetudinário francês em geral (a varidade de costumes fazia com que isso fosse impossível), mas sim com o "Coutume de Paris" e das áreas circunvizinhas, que iria mais tarde desempenhar um papel importante na formação do direito comum francês. Suas fontes eram a jurisprudência do Châtelet (tribunal de primeira instância de Paris) e a do Parlamento de Paris, mas também versava sobre sua própria experiência jurídica. Sua obra exerceu uma grande influência. Jean Boutillier era também um grande agente do rei, exercendo sua função, entre outros lugares, em Tournai, na época um burgo real francês, como conselheiro e magistrado. Sua "Somme Rurale", que data provavelmente de 1393-6, foi concebida como um exame das leis consuetudinárias do Norte da França, e, ao mesmo tempo, como uma introdução ao direito erudito, destinada ao leitor comum, sem formação universitária. A intenção do autor de escrever uma obra de popularização já está implícita no título "Somme Rurale", que sugere uma obra geral acessível ao público de origem rural. O fato de o livro ter sido escrito em francês coloca-o num lugar à parte entre os tratados eruditos da época, nos quais o uso do latim era de rigor. Boutillier usou as fontes do direito romano e canônico, e também a jurisprudência com a qual estava familiarizado, não apenas por causa de sua própria experiência como ainda pelas consultas feitas aos registros dos tribunais superiores de justiça, em particular o Parlamento de Paris. Essa introdução ao direito erudito em vernáculo mostrou-se útil e popular. Como o direito consuetudinário examinado na obra de Boutillier estava próximo do dos Países Baixos, não é de surpreender que ela tenha alcançado sucesso também aí, e tenha sido logo impressa e, pouco depois, traduzida para o holandês." Falando sobre os comentadores franceses da época moderna, diz: "No século XVI a tradição dos "coutumiers" continuou. Atingiu seu ponto mais alto com a obra de Charles Du Moulin (+1566), o mais eminente comentador erudito do direito consuetudinário francês. Du Moulin era especialista em direito romano, ao qual consagrou várias obras originais que atestam sua qualidade como romanista. Mas seus principais estudos foram dedicados ao direito consuetudinário; seu grande projeto era desenvolver os princípios do "Coutume de Paris" e chegar a uma unificação do direito consuetudinário francês. O significado da opção fundamental de Du Moulin só pode ser avaliado quando se consideram as relações entre o direito consuetudinário e "ius commune"em outros países no mesmo período. A Alemanha e a Escócia haviam optado pela introdução do direito erudito. Em princípio, esta solução deveria trazer as mesmas vantagens para a França, pois a técnica jurídica do direito erudito era sem dúvida superior à do direito consuetudinário e, nos territórios meridionais do reino, o direito escrito era amplamente usado. Du Moulin, no entanto, opôs-se à adoção do direito romano como direito comum da França, pois estava convencido da necessidade de um direito francês unificado e pretendia basear tal unificação nos estatutos e costumes do reino. O direito comum francês devia ser constituído não com base no direito erudito (o "ius commune" europeu) mas no acervo comum de costumes franceses: "consuetudines nostrae sunt ius commune" (uma frase de seu "De feudis", de 1539). As reservas de Du Moulin em relação ao direito romano eram essencialmente políticas: o direito romano era o direito "imperial" e, na época de Du Moulin, o Sacro Império Romano dos Habsburgos era o mais temível inimigo da França. A essa objeção de princípio, acrescentavam-se outras objeções jurídicas: os costumes eram confessadamente imperfeitos, mas o próprio direito romano não podia reivindicar a perfeição. A obra da escola humanista tornara possível ver que o "Corpus iuris" era o produto da história humana, , e agora os juristas estavam conscientes de seus defeitos. Os humanistas eruditos tinham também mostrado o quanto ele era mal-entendido pelos comentadores medievais, cuja autoridade era ainda altamente aceita no século XVI. Budé fez uma lista desses erros de interpretação no seu "Annotationes in XXIV libros Pandectarum" (1508). Donellus (+1591) em seu "Commentarii de iuri civili" de 1589-90, chegou a expressar sérias reservas em relação à qualidade das compilações de Justiniano. E se o direito romano não era a expressão perfeita, intrinsecamente superior, da razão universal, por que deveria a herança do direito francês ser sacrificada por sua causa? Outro jurista francês, François Hotman (+1590), huguenote e adversário do absolutismo, também se exprimiu no mesmo sentido. Seu "Anti Tribonianum sive dissertatio de studio legum", de 1567, é ao mesmo tempo um ataque virulento ao direito romano e um arrazoado em favor da unificação do direito francês, baseado nos costumes nacionais, estudado com a exatidão do jurista erudito e enriquecido pela doutrina jurídica medieval. A principal obra de Du Moulin foi seu comentário sobre o "Coutume de Paris". O texto do "Coutume"fora publicado em 1510, e a importância da obra de Du moulin está ilustrada pelo fato de que as principais modificações e correções feitas na época da "reforma"do "Coutume"derivaram de seu comentário crítico. Du Moulin escreveu também "Notae solemnes" (1557) sobre o costume de Paris e de outros lugares. Ele sempre conservou a esperança na unificação do direito consuetudinário francês, algo que nunca se realizou. Entre outros renomados comentadores eruditos dos costumes franceses, devemos mencionar Bernard d’Argentré (+1590), comentador do costume da Bretanha; Guy Coquilli (+1603), que comentou o costume de Nivernais e escreveu uma "Institution au droict des Français"(1607), em que expunha os princípios gerais do direito francês; e Antoine Loisel (+1617), autor do mais influente "Institutes coutumières". loisel tentou separar e ordenar sistematicamente os temas e os elementos comuns aos vários costumes e, com essa finalidade, referiu-se principalmente ao "Coutume de Paris". Se a obra desses autores sobre os costumes ilustra quanto progresso fora feito desde os primeiros esboços e projetos do século XIII, mostra também como foi grande a contribuição dada à literatura consuetudinária através dos séculos, pela erudição baseada no "Corpus iuris".

Diz José Carlos de Matos Peixoto, em Curso de Direito Romano, tomo I, Renovar, 4ª edição, pp 161/162: "França. Neste país a legislação justiniânea somente foi conhecida no século XII, exceto o Epítome das Novelas de Juliano (n. 75, I), que o foi no século IX. Antes disso, seguia-se, além do direito clássico, o Código Teodosiano, que era a legislação em vigor ao tempo em que a Gália se separou do Império romano. Aliás, a legislação romana não se aplicava a todo o território da antiga França, que, desde o século VI dos princípios do século XIX, se dividia, quanto ao direito vigorante no país, em duas regiões: região do direito costumeiro, fortemente impregnado do elemento germânico, ao norte, e região do direito escrito ou romano ao sul. Tem-se dito que essas regiões eram deliminitadas pelo curso do Loire, mas na realidade a região do direito costumeiro avançava ao sul desse rio, podendo-se grosso modo separá-la da outra por uma linha que, partindo da extremidade sul do franco-Condado, nas vizinhanças de Genebra, se prolongasse até a embocadura do Charenta, no Atlântico. A região do direito costumeiro compreendia cerca de três quintos da França; os outros dois quintos formavam a região do direito escrito, aliás acrescida em 1648 com a anexação da Alsácia pelo Tratado de Vestfália. A origem desta divisão do território francês tem causas históricas. Os romanos conquistaram e latinizaram o sul da Gália mais cedo do que as outras partes; além disso, os bárbaros que depois ocuparam esta região foram os visigodos e os burgúndios, já meio romanizados. era, pois, natural, que aí se enraizasse mais profundamente o direito romano. Por outro lado, os francos, provenientes da Germânia, apesar de terem conquistado toda a Gália, quase ocuparam somente o norte dela; e, como conservaram melhor que outras nações bárbaras os seus costumes primitivos, nessa parte persistiu mais tenazmente o direito costumeiro; entretanto, aí mesmo o direito romano era admitido como subsidiário. A fisionomia jurídica das duas regiões da França era, pois, bem diferente desde o século VI: o sul era romano; o norte, quase germânico. Esse regímen perdurou em linhas gerais até a data em que começaram a vigorar as trinta e seis leis reunidas, sob o título de Código Civil dos Franceses, pela lei de 21 de março de 1804, cujo artigo 7 ab-rogou desde aquela data as leis romanas, os costumes, ordenações e estatutos concernentes à matéria regulada no dito código." Mais adiante, no seu livro, o referido autor, tratando dos glosadores, destaca a figura de Placentin, que "fundou a escola de direito de Montpellier, a primeira da França, e entre outras obras escreveu, com espírito científico e profundo conhecimento das fontes, um "Summa" do Código e outra das Institutas." (p. 174) Em passagem subseqüente, já tratando dos pós-glosadores, fala em Jacques de Revigny, "professor da escola de direito de Orléans, foi o primeiro a aplicar o novo método. Dialético sutil e espírito independente, rebela-se contra a autoridade da Glosa e do "Corpus Civilis"." (p. 179) Posteriormente, surge a chamada escola culta ou elegante, que, "no século XVI começa nova era para o estudo do direito romano". (p. 182), dizendo o ilustre autor, linhas adiante, que: "O mais ilustre representante dessa escola é o jurisconsulto francês Cujácio (1522-1590), que lecionou principalmente em Bourges e Valença e cujo nome, no dizer de Rivier, domina a ciência jurídica da Renascença."

António M. Hespanha, em Panorama Histórico da Cultura Jurídica Européia, Publicações Europa-América, 1997, p. 86, desta a contribuição do Direito Canônico "em matéria processual, na promoção da composição amigável e da arbitragem".

Moacyr Amaral Santos, em Direito Processual Civil, volume I, Max Limonad Editor, 1965, pp. 70/71, fala do Processo Civil francês como quem colheu informações de fontes distantes: Da península itálica o processo comum, ou romano-canônico, expandiu-se, paulatinamente, pelos mais diversos países da Europa. Não tardou, nem foi das mais difíceis a penetração desse Direito em França. Aí, aliás, o Direito romano se mantivera vigente, sem embargo das invasões, em vastas regiões do sul do país ("patria iuris scripti"), onde, na Universidade de Montpellier, um dos mais ilustres glosadores, discípulos de Irnério, Placentino, já no século XII, lecionava aquela disciplina. Mesmo nas regiões do norte ("patria iuris consuetudinari"), que se regiam pelo Direito germânico, estranhas não eram as instituições processuais romanas, principalmente porque de aplicação nos tribunais da Igreja. Conquanto as duas tendências, romana e germânica, disputassem o predomínio, a política de concentração dos poderes nas mãos do rei, pela submissão dos senhores feudais, em proveito da unidade do país, conferia ao Parlamento de Paris a função de órgão central da jurisdição. E nessa função o Parlamento, vagarosa, mas com firmeza, foi instituindo um processo próprio, na substância romano-canônico, mas impregnado de elementos germânicos. Como base no processo assim formado foram surgindo as ordenanças régias a partir do século XIV, a mais importante das quais, a Ordenança Civil de Luís XIV, de 1667, iria fornecer as linhas mestras do Código de Processo Civil francês, de 1806, o qual, embora com não poucas modificações, ainda vige em França. Abolindo solenidades e formalidades inúteis do processo romano-canônico, o Processo Civil francês se pauta pela simplicidade e pela oralidade e publicidade dos atos, pelo princípio dispositivo acomodado ao papel preponderante do juiz, como órgão do Estado, especialmente na admissão e produção das provas, por ele livremente apreciadas. Condensando, na sua época, a mais perfeita sistematização das leis processuais, e também porque amparado no prestígio napoleônico, o Código de Processo Civil francês serviu de modelo aos da Bélgica, da Holanda, da Grécia, da Rússia, e de outros povos, ou de fonte aos de outros, como o da Itália, de 1865, influindo mesmo sobre o Processo alemão."

Marcel Planiol, no seu Traité Élémentaire de Droit Civil, Librairie Cotillon, 1904, p. 21, diz da Ordenança de 1667: "Obra de Colbert. Sob Louis XIV, houve uma tentativa mais séria de codificação. Colbert havia certamente concebido esse projetom e ele fez chegar suas idéias ao rei. Nomeou-se uma Comissão composta exclusivamente de Conselheiros de Estado e de operadores do Direito, que Louis XIV presidiu algumas vezes pessoalmente. Louis XIV e Colbert, que não tinham simpatia pelo Parlamento de Paris, o haviam cuidadosamente mantido afastado dos seus trabalhos, mas os comentários chegaram até os magistrados, estes encarregaram seu presidente, Guillaume de Lamoignon, de levar ao rei um projeto semelhante fingindo ignorar o que estava em andamento; a magistratura se fez assim associar à preparação das Ordenanças. A primeira reunião teve lugar no Louvre em 25 de setembro de 1665. Foi desses trabalhos que surgiram as grandes Ordenanças de Colbert, que são verdadeiros Códigos, [...] essas Ordenanças são as seguintes: Ordenança de abril de 1667, dita "Code Louis" ou "ordonnance civile", algumas vezes "Code civil", mas que trata unicamente do Processo Civil...

Loïc Cadiet, pp. 26/30, traça, de forma objetiva e com grande conhecimento do assunto, toda a evolução do Processo Civil francês até chegar à época pouco anterior à edição do NCPC (Nouveau Code de Procédure Civile): "A época da antiga codificação não se reduz a alguns anos ou decênios próximos a 1806. O ano da promulgação do Código de Processo Civil é simbólico, certamente. Mas essa codificação não é o fruto de uma geração espontânea e certas disposições do Código de 1806 estão ainda em vigor. É necessário então apresentar a gênese desse Código, no período anterior a 1806, antes de se perquirir sobre seu destino, no período posterior a 1806. O período anterior a 1806 não forma um bloco único, sem dúvida. Com o amadurecimento do antigo Direito sucederam os sobressaltos do Direito intermediário. No curso do Antigo regime, o Processo Civil conheceu uma longa e lenta evolução "cujas marcas revelam tanto as marcas da História". Descobrem-se aí os traços das influências franca, feudal e romano-canônica, desde (sobretudo) o selo real da política centralizadora dos Capetos em geral, desde Philippe Auguste que "institui" a Justiça, e de Louis XIV em particular, que deu à França seus primeiros Códigos: a Justiça é um atributo da soberania. A justiça se constrói com o Estado; a história do Processo Civil participa plenamente, dessa forma, da história do Direito Público. Certos traços do antigo Direito Judiciário são a origem direta do Direito Judiciário moderno. Notadamente, é ao Processo Canônico que se deve o sistema de provas legais, com o recurso aos procedimentos de interrogatórios que se substituem aos duelos judiciários do período feudal e que suscita o desenvolvimento de um procedimento escrito que coexistirá com o procedimento oral, acusatório e consagrando o contraditório herdados do períodos franco e feudal. No curso do Antigo Regime, a política judiciária da realeza terá como principal objetivo racionalizar o procedimento melhorando o desenrolar da ação e reduzindo seu custo, considerado oneroso demais pelos jurisdicionados. A criação dos Tribunais do Comércio é uma bela demonstração disso. É necessário mais particularmente sublinhar a importância durável que teve sobre a evolução posterior da matéria a Grande Ordenança real de 1667 sobre o Processo Civil. Realizada por Colbert, que associou o Parlamento (Tribunal de 2ª Instância) de Paris e seu presidente, Lamoignon, somente à última etapa dos trabalhos da comissão instituída por ele, essa Ordenança constitui, verdadeiramente, uma primeira codificação do Processo Civil, ordenado segundo um plano lógico a partir do procedimento de ação, desde seu início pelo ajuizamento até a execução das sentenças, na qual se baseará largamente o legislador napoleônico. A influência, todavia, por importante que seja, não deve ser exagerada. O Direito pós-revolucionário não reproduziu todas as soluções do antigo Direito. Numa parte importante, ele se formou mesmo em oposição ao antigo Direito do qual ele repudiou certos princípios ou certas práticas. Sonha-se seguramente com uma Justiça única e pública que o Direito moderno substituiu em detrimento das múltiplas Justiças, senão privadas, pelo menos vendáveis que caracterizavam a (des)ordem judiciária do Antigo Regime. Mas é necessário lembrar-se também a muito viva reação face aos Parlamentos do Antigo regime, de sua famosa eqüidade e do perigo que representava seu poder político. O Direito Judiciário pós-revolucionário foi muito largamente elaborado com um espírito de desconfiança contra os juízes. Certos artigos do Código Civil testemunham isso e esses estigmas hipotecam ainda o debate contemporâneo sobre a autoridade da instituição judiciária. Antes de ser consagrada nos Códigos napoleônicos, essa reação se fará sentir desde o começo da Revolução. A Revolução, sabe-se, tem limites imprecisos. Faz-se ela partir da Bastilha quando seria mais correto fazê-la começar com a Constituinte; faz-se ela terminar com Napoleão, pelo menos para os juristas. Para estes últimos, com efeito, o Direito intermediário se inicia com as reformas de 1790 e acaba com as codificações napoleônicas que prendem o episósio revolucionário e seus múltiplos sobressaltos. Do ponto de vista di Direito Judiciário essa cronologia é particularmente utópica, pois que, se tem, de um lado, o Decreto de 16 e 24 de agosto de 1790 sobre a organização judiciária e, de outro, o Código de Processo Civil adotado em 1806. Se se quer medir a influência do direito intermediário na história do Direito Judiciário, convém sublinhar que o decreto de 1790 pompe muito mais com o antigo direito do que o Código de 1806. Mesmo se um grande número de inovações revolucionárias terão durado apenas um tempo (a eleição dos juízes e o apelo circular, de 1790 ao ano VIII, a arbitragem obrigatória de 1790 ao ano IV, ver a supressão dos "avoués" e do procedimento, do ano II ao ano VIII), a Revolução atingiu ainda a organização judiciária com regras de procedimento. O Código de 1806 não só conservou o título da Ordenança de 1667; ele igualmente retomou em grande parte suas regras, completadas por empréstimos da prática do Châtelet de Paris, ou de suas lacunas. Os redatores do Código de Processo Civil, que eram membros ou auxiliares da justiça do Antigo Regime, não conseguiram se desfazer das antigas regras; eles tiveram a tendência de reproduzir o procedimento longo, formalista e oneroso do antigo Direito. Verdadeiramente, pretendiam eles realmente de desfazer dele? Os trabalhos preparatórios e as exposições de motivos do Código sugerem que seu conservantismo era também uma escolha política e anarquia judiciária engendrada pelo Decreto de 3 do brumário do ano II não influiria em nada nessa medida de prudência. E além disso, tudo não era negativo. É ao Código de 1806, como um tipo de síntese da tradição do antigo Direito e de certas inovações do Direito intermediário, que se deve a instituição de uma Justiça de proximidade caracterizada por um procedimento oral, acusatório e de caráter contraditório assim como a edição dos princípios de motivação e publicidade das sentenças. O Direito Judiciário Privado somente evoluirá realmente no curso do século XIX. Colocada à parte a instituição da assistência judiciária, em 1851, e uma regulamentação quase interrompida do estatuto dos auxiliares da justiça (com, notadamente, a lei de 1º de dezembro de 1900, todo um símbolo, abrindo para as mulheres acesso à advocacia), a legislação judiciária restou a mesma, com poucas modificações, até o primeiro quartel do século XX. esse século de estabilidade é no entanto enganoso. O princípio de uma reforma geral do Código de Processo Civil tinha adquirido desde a metade do século XIX e, de fato, de 31 de março de 1851, data da apresentação de um primeiro projeto pelo governo da época, até o período contemporâneo, comissões atuavam regularmente para realizar essa revisão. Nenhuma reforma de connunto surgirá desses trabalhos. Em compensação, numerosos textos sobre assuntos específicos serão regularmente promulgados a partir dos anos 1920-1930. É verdade que os primeiros comentadores do Código são clássicos: assim o primeiro dentre eles, Pigeau, de quem se sabe que era já jurisconsulto na época do Antigo Regime e que ele foi um dos redatores do Código. seus sucessores não serão importantes fatores de evolução. A efervecência doutrinária em Direito Judiciário paresse quase nula; a grande doutrina do século XIX é civilista. É que, ao contrário do Direito civil, as regras processuais, novas na sua forma, são antigas no seu conteúdo: não há Código a se aclimatar à nova sociedade. Será necessário que um século transcorra antes que a doutrina processualista se transforme progressivamente sob a influência de autores como Japiot, Vizioz e Morel. as duas evoluções, a legislativa e a doutrinária, são ligadas. É em 1927 que Vizioz dá a lume suas Observations sur l’étude de la procédure civile (que se encontrará em études de procédure, Bière, Bordeaux, 1956, coletânea póstuma de suas obras) e é em 1934 que é instituída uma comissào de revisão do Código de Processo Civil cujos trabalhos se dedicarão, notadamente, à feitura do Decreto-lei de 30 de outubro de 1935 criando o juiz encarregado de seguir o procedimento, longínquo ancestre do atual juiz de instrução. Dos trabalhos dessa comissão saíram outros textos, alguns muito importantes, relativos à penhora de imóveis (Decreto-lei de 17 de junho de 1938), à apelação à execução provisória, ao comparecimento pessoal das partes (Lei de 23 de maio de 1942), à perícia e ao procedimento de jurisdição voluntária (Lei de 15 de julho de 1944), ou às medidas conservatórias. É a partir desse momento que se concretizam progressivamente as condições que conduzirão à segunda codificação. Mas esse segundo tempo só começará verdadeiramente em 1958, com as novas instituições da V República."

Loïc Cadiet, ob. cit., pp 32/33, explica que o texto fundamental do Processo Civil é o Novo Código de Processo Civil, resultado do trabalho de uma Comissão instituída em 1969, sendo que, através de quatro sucessivos Decretos (números 71-740 de 9 de setembro de 1971, 72-684 de 20 de julho de 1972, 72-788 de 28 de agosto de 1972 e 73-1122 de 17 de dezembro de 1973) o Executivo batizou como sendo o NCPC com a reunião desses textos num corpo único, através do Decreto número 75-1123 de 5 de dezembro de 1975, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1976. Quanto à parte de execução fala-se em editar um Código autônomo, que, no entanto, não acontece. Coexistem com o NCPC regras do Código de Processo Civil de 1806, que são os artigos: 505 a 516, 673 a 748, 749 a 779, 832 a 838 e 941 a 1002, além da Lei de Organização Judiciária e umas tantas legislações esparsas.

Sobre o autor
Luiz Guilherme Marques

juiz de Direito em Juiz de Fora (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Luiz Guilherme. O processo civil francês. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/929. Acesso em: 23 dez. 2024.

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