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O REFÚGIO E O TRÁFICO DE PESSOAS

Agenda 06/09/2021 às 13:58

O ARTIGO DISCUTE SOBRE TEMA ATUAL ENVOLVENDO A QUESTÃO DO REFÚGIO E SUAS POSSIVEIS REPERCUSSÕES NO CAMPO PENAL.

O REFÚGIO E O TRÁFICO DE PESSOAS

Rogério Tadeu Romano

I – O FATO

Segundo o Poder 360, 5 de setembro de 2021, o Papa Francisco disse, no dia 5 de setembro de 2021, que reza para que países recebam os afegãos em busca de refúgio. “Oro para que os recebam e protejam aqueles que buscam uma nova vida”, disse o pontífice. As informações são da agência Reuters. A declaração do Papa foi feita durante a sua benção semanal na praça São de Pedro, no Vaticano. Francisco reforçou também que segue rezando pelos mais vulneráveis. “Nestes momentos de convulsão, em que os afegãos procuram refúgio, rezo pelos mais vulneráveis ​​entre eles”, afirmou. Milhares de afegãos que deixaram o país com voos dos Estados Unidos seguem esperando nos chamados centros de trânsito em países como Alemanha, Catar e Itália. Outros tentam deixar o país por via terrestre rumo a países vizinhos, como o Paquistão, como afirmou aquele veículo de comunicação.

Sabe-se que o Brasil é origem, trânsito e destino de pessoas migrantes.

II - O REFÚGIO NO DIREITO INTERNACIONAL

O refúgio, no direito internacional, tem suas normas elaboradas por uma organização(com alcance global) de fundamental importância vinculada às Nações Unidas para refugiados(ACNUR).

Assim quando se diz que alguém ingressou em certa Embaixada para buscar refúgio, não se está dizendo que o instituto mencionado é o de refúgio, e sim o de asilo.

A Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, em 1951, e seu Protocolo de 1966, são os textos magnos dos refugiados em plano global. De acordo com a Convenção de 1951, o termo "refugiado" é aplicável a toda pessoa que, "em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951, e temendo ser perseguida por motivo de "raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas", se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual, em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele(artigo 1º A e § 2º). Perceba-se a limitação temporal presente na definição original da Convenção de 1951, que restringiu a condição de refugiado aos "acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951"(artigo 1º, B, § 1º, caput). Como explicou Valerio de Oliveira Mazzuoli(Curso de direito internacional público, 3ª edição, pág. 677), além dessa limitação temporal, o mesmo artigo 1º, B, § 1º, também colocava uma limitação geográfica à concessão de refúgio, ao dizer que apenas pessoas provenientes da Europa poderiam solicitar refúgio em outros países.

Ora, essa definição por não mais convir aos interesses da sociedade internacional, foi então ampliada pelo Protocolo sobre o Estado dos Refugiados de 1966, que, em seu artigo 1º, § § 2º e 3º, respectivamente, estabeleceu: "Para os fins do presente Protocolo o termo "refugiados", salvo no que diz respeito à aplicação do § 3º do presente artigo, significa qualquer pessoa que se encontre na definição dada ao artigo primeiro da Convenção, como se a palavras "em decorrência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e... "e as palavras".... como consequência de tais acontecimentos" não figurassem do § 2 da seção A do artigo primeiro". E que: "o presente Protocolo será aplicado pelos Estados-partes sem nenhuma limitação geográfica", como ainda explicou C. Hatyaway(The law of refugee status, Toronto, 1991, pág. 9.10).

A concessão de status de refugiado se dá não em virtude de uma perseguição política(como ocorre no caso do asilo), mas sim em virtude de perseguição por motivos de raça, religião ou nacionalidade, ou ainda pelo fato de pertencer a determinado grupo social ou ter determinada opinião política.

Aos refugiados são concedidos os direitos de um cidadão normal e atribuídos os deveres de um estrangeiro em território nacional, cabendo-lhes a obrigação de respeitar as leis, regulamentos e demais atos do Poder Público destinados a manutenção da ordem pública. O então passaporte para refugiados(chamado passaporte Nansen), criado pelo delegado norueguês para a Liga das Nações F. Nansen(primeiro Alto Comissariado da Liga das Nações para refugiados, premiado com o prêmio Nobel da Paz(1922) foi substituído pela Convenção de 1951 pelo Chamado Documento de Viagem(artigo 28), que garante proteção internacional àqueles que nessa situação se encontrem.

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III - O REFÚGIO E A NOVA LEI DE ESTRANGEIROS

Entrou em vigor, no dia 21 de novembro de 2017, a nova Lei de Migração, em substituição ao Estatuto do Estrangeiro, legislação oriunda do regime militar que abordava a migração do ponto de vista da segurança nacional.

Os pressupostos fundamentais da norma em tela situam-se na garantia e proteção dos direitos humanos das pessoas migrantes, inclusive aqueles que estejam em situação irregular.

Um dos princípios contidos na lei, por exemplo, é a "não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional".

Passa-se a ter, pela Lei, uma visão mais humanista na matéria consentânea com direitos e garantias constitucionais.

O eixo central da nova lei é a proteção de direitos humanos na temática das migrações, intuída já na escolha da epígrafe: trata-se de uma lei de migração, aplicando-se ao migrante que vive no Brasil e, inclusive, ao brasileiro que vive no exterior. O reconhecimento da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos como princípio de regência da política migratória brasileira (artigo 3º, I) é decorrência da proteção da dignidade humana, vetor axiológico da Constituição (artigo 1º, III) e dos tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil e princípio constitucional impositivo.

Visando facilitar a regularização dos migrantes que entram no país, foram trazidas as seguintes novidades: I) racionalização das hipóteses de visto (com destaque para o visto temporário para acolhida humanitária); II) previsão da autorização de residência; III) simplificação e dispensa recíproca de visto ou de cobrança de taxas e emolumentos consulares, definidas por mera comunicação diplomática. Ainda, os integrantes de grupos vulneráveis e indivíduos em condição de hipossuficiência econômica são isentos do pagamento de taxas e emolumentos consulares para concessão de vistos ou para a obtenção de documentos para regularização migratória.

Importante inovação é o regramento do impedimento de ingresso. Foi assegurado que ninguém será impedido de ingressar no País por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política, possibilitando-se a responsabilização dos responsáveis pela prática de atos arbitrários na zona primária de fronteira.

Migrar é um direito e esta é a essência da nova Lei. Deve ser editado decreto com objeto de regulamentar a Lei.

O Brasil é o único país da América do Sul que ainda não garante direitos políticos (votar e ser votado) aos imigrantes em nenhum nível: municipal, regional ou nacional. Em todos os outros países do sub-continente os imigrantes têm direito a participação eleitoral em um ou mais níveis.

Observa-se, entretanto, que tal mudança não poderia estar contida na Lei de Migração, por consistir em uma modificação da Constituição, o que só pode ser alcançado através de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional).

A Polícia Federal continuará responsável pela fiscalização marítima, aeroportuária e de fronteiras em relação à presente lei nos termos da Constituição.

A nova Lei de migração proíbe no artigo 123, expressamente, a privação de liberdade por razões migratórias.

O Brasil, em sua tradição histórica, sempre foi um país que favoreceu a imigração de tal forma que isso significa importância vital em nossa história. Afinal, é rotina dizer-se, no Brasil: somos todos migrantes.

A Polícia Federal continuará responsável pela fiscalização marítima, aeroportuária e de fronteiras em relação à presente lei nos termos da Constituição.

III – O TRÁFICO DE PESSOAS

Sabe-se que por trás desses movimentos de migração há a criminalidade organizada voltada a ganhar fortunas com a situação de desespero desses grupos.

Segundo o artigo 3º, alínea a do Protocolo de Palermo, constitui “Tráfico de Pessoas”:

“O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tem autoridade sobre outra, para fins de exploração. A exploração deverá incluir, pelo menos, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extração de órgãos”.

A Lei 13.344/16, por seus artigos 13 e 16, alterou o Código Penal Brasileiro, inserindo o artigo 149 – A com o “nomen juris” de “Tráfico de Pessoas” e revogando expressamente os artigos 231 e 231 –A, CP que anteriormente tratavam da matéria.

O delito previsto no artigo 149 – A, CP é um crime de ação múltipla, conteúdo variado ou tipo misto alternativo, pois contempla vários núcleos verbais, sendo eles: agenciar, aliciar, recrutar, transferir, comprar, alojar ou acolher.

O sujeito ativo do crime é qualquer pessoa, pois se trata de infração penal comum. Quanto ao sujeito ativo, também é qualquer pessoa. Em alguns casos que se verá mais adiante, a especial condição do sujeito ativo ou passivo ensejará aumentos de pena.

A prática das condutas deve se dar mediante meios especialmente elencados na norma: grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso.

O artigo 149 – A, CP é um crime de ação múltipla, conteúdo variado ou tipo misto alternativo, pois contempla vários núcleos verbais, sendo eles: agenciar, aliciar, recrutar, transferir, comprar, alojar ou acolher.

O sujeito ativo do crime é qualquer pessoa, pois se trata de infração penal comum. 

A prática das condutas ilícitas acima narradas  deve se dar mediante meios especialmente elencados na norma: grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso.

Há previsão de aumentos de pena da ordem de um terço até a metade:

a) se o autor for funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las;

b) se o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência. Há um delito cometido contra vulnerável;

c) se o agente se prevalece de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função;

d)  se a vítima for retirada do território nacional. Haverá então o tráfico internacional de pessoas ou ao menos transnacional, o que torna a conduta mais gravosa por sua amplitude territorial.

Em sendo o tráfico de pessoas internacional então a competência será da Justiça Comum Federal (inteligência do artigo 109, V, CF).

Poderão, entretanto, coexistirem outras modalidades criminosas como, por exemplo, sequestro ou cárcere privado (artigo 148, CP), constrangimento ilegal (artigo 146, CP), fraude de lei sobre estrangeiros (artigo 309, Parágrafo Único, CP) ou mesmo reingresso de estrangeiro expulso (artigo 338, CP).

IV – AS MEDIDAS DE RETIRADA COMPULSÓRIA DO ESTRANGEIRO

São medidas de retirada compulsória (art. 47): repatriação; deportação; e expulsão. Em todos os casos, deve-se observar os dispositivos da Lei 9.474/97 (Estatuto dos Refugiados) e os tratados ratificados pelo Brasil sobre a proteção jurídica aos apátridas.

A REPATRIAÇÃO (art. 49) consiste em medida administrativa de devolução de pessoa em situação de impedimento (impedido de ingressar em território nacional pela fiscalização fronteiriça – DPF, em razão da ausência de documento ou visto, por exemplo) ao país de procedência ou de nacionalidade. Comunicação imediata do ato de repatriação deverá ser feito à autoridade consular do país de procedência ou de nacionalidade do migrante ou visitante a ser repatriado. A lei veda (art. 49, par. 4) medida de repatriação à pessoa em situação de refúgio ou de apatridia e ao menor de 18 anos desacompanhado, não podendo haver qualquer devolução para país em situações de risco à vida.

A DEPORTAÇÃO (art. 50) consiste na retirada compulsória de pessoa que se encontre em situação migratória irregular em território nacional, e deve ser precedida de notificação pessoal ao deportando apontando as irregularidades e o prazo para a regularização. Essa notificação não impede a livre circulação em território nacional. Vencido o prazo sem que se regularize a situação migratória, a deportação poderá ser executada. Prevê-se que a DPU (Defensoria Pública da União) deverá prestar assistência jurídica ao deportando nos procedimentos administrativos de deportação, em respeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório. Além disso, reproduzindo a regra do Estatuto do Estrangeiro, “não se procederá à deportação se a medida configurar extradição não admitida pela legislação brasileira” (art. 53). Esta será precedida de notificação pessoal do deportando, sendo que será ofertado um prazo de, no mínimo, 60 (sessenta) dias, prorrogável por igual período, para sua regularização migratória. Será assegurado o contraditório e a ampla defesa, com a garantia de recurso administrativo com efeito suspensivo, ou seja, a medida não poderá ser executada enquanto não houver decisão final da administração.

A EXPULSÃO (art. 54) consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante/visitante do território nacional, com impedimento de reingresso, na hipótese de condenação judicial transitada em julgado relativa à prática de: I – crime de genocídio, crime contra a humanidade, crime de guerra ou crime de agressão; ou II – crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade.

Não se procederá à repatriação, à deportação ou à expulsão de nenhum indivíduo quando subsistirem razões para acreditar que a medida poderá colocar em risco a vida ou a integridade pessoal.

O artigo 50, em seus parágrafos 1º, 2º, 3º e 4º, institui prazo de 60 dias (renováveis por igual período) para a deportação, retirando da PF o poder de deportação sumária.

O artigo 51, caput e parágrafo 1º, abre espaço para a Defensoria Pública da União poder exercer a devida defesa do estrangeiro.

O artigo 55, impede a expulsão quando o ilegal tiver filho brasileiro, ou cônjuge e companheiro residente no Brasil.

 O artigo 75, inclusive, permite o reconhecimento do filho depois da notificação de expulsão.

A nova Lei de Migração permite ao estrangeiro organizar e participar de reuniões para agremiação política, por força do princípio de liberdade. A prisão por exercer atividades de natureza política já teria sido revogada pela Constituição de 1988.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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