Foi sancionada, com onze vetos, a Lei Complementar nº 123, de 14 dezembro de 2006, que implanta o regime tributário diferenciado para as micro e pequenas empresas em relação aos tributos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conhecido como Supersimples. Essa lei complementar, que tem sua matriz no art. 146, d e parágrafo único da Constituição, tem aplicação cogente nas três esferas políticas, respeitada a opção do contribuinte. O respectivo projeto de lei sofreu tantas emendas nas duas Casas do Congresso Nacional que acabou tornando o seu texto final bastante complexo, senão confuso. Revoga e altera disposições de leis ordinárias e de leis complementares, dentro do princípio de que quem pode o mais, pode o menos.
São consideradas microempresas aquelas com receita bruta anual igual ou inferior a R$240.000,00, e empresas de pequeno porte aquelas com receita bruta anual superior a R$240.000,00 e igual ou inferior a R$2.400.000,00 (art. 3º). Manteve, portanto, os mesmos limites do regime da Lei nº 9.317/96, cuja vigência cessará em 1º de julho de 2007, quando entrará em vigor o Supersimples.
Pelo novo regime os seguintes tributos serão recolhidos em documento único: imposto de renda das pessoas jurídicas – IRPJ; imposto sobre produtos industrializados - IPI; Contribuição Social sobre o lucro líquido – CSLL; Contribuição para financiamento da seguridade social – COFINS; Contribuição para os programas de integração social e de formação do patrimônio do servidor público - PIS/PASEP; Contribuição social incidente sobre a folha de remuneração; imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços – ICMS -; e imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISS (art. 13). Em relação aos tributos deverá ser observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas não classificáveis como micro ou pequenas empresas.
O art. 15, que dispunha sobre a não retenção na fonte do imposto de renda e das contribuições sociais instituídas pela União, em relação aos optantes do Supersimples, foi vetado pelo Executivo, porque existem tributos não incluídos no regime diferenciado e que são recolhidos mediante retenção na fonte (CPMF, IR relativo aos rendimentos auferidos em aplicações de renda fixa ou variável etc).
De acordo com a tabela referida no art. 18, as alíquotas, no setor de comércio, tanto para as micro, como para as empresas de pequeno porte variam de 4% a 11,61%, de conformidade com as faixas de receita bruta em doze meses e com o tipo de empreendimento. No setor industrial, de conformidade com a tabela referida no inciso I, do § 5º, do art. 18, as alíquotas variam de 4,5% a 12,11% obedecidos os mesmos parâmetros das empresas comerciais. O setor de serviços continua sendo o mais onerado, com a instituição de três tabelas distintas de conformidade com a natureza das atividades ou dos serviços segundo prescrevem os incisos II a VI, do citado § 5º: na primeira delas a alíquota varia de 6% a 17,42% alcançando as atividades consistentes em serviços e locação de bens móveis; na segunda tabela a alíquota varia de 4,5% a 16,85% abrangendo os serviços de construção de imóveis e obras de engenharia em geral, produção cultural e artística, transporte municipal de passageiros e escolas de línguas; na terceira tabela que abrange os serviços como academias, elaboração de softwares e escritórios de contabilidade, as alíquotas variam de 4% a 13,5% nas vinte faixas de tributação para as empresas cujo custo com a folha de salários seja maior ou igual a 40% da receita; em relação às empresas com percentuais menores, as alíquotas podem ser de 14%, 14,4% e 15%, válidas para qualquer faixa de tributação.
A lei prevê quatorze hipóteses de vedação de opção por Supersimples em função do capital constitutivo da empresa; em função da forma do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural, que constitua profissão regulamentada ou não; em razão da existência de débitos para com as Fazendas Públicas e com o INSS; em virtude de ter sócio domiciliado no exterior etc. (art. 17).
A novidade está em que a lei estatuiu vinte e oito hipóteses de exceção à proibição de adesão ao Supersimples, incorporando atividades ou serviços que a jurisprudência vinha entendendo como amparados pelo regime da Lei nº 9.317/96. São, por exemplo, os serviços de instalação e manutenção de aparelhos e sistemas de ar condicionado, refrigeração, ventilação, aquecimento e tratamento de ar em ambientes controlados [01]; serviços de reparos hidráulicos, elétricos [02]; serviços de instalação, manutenção e reparação de máquinas de escritório, de equipamentos industriais [03], de instalação elétrica [04] etc. (§ 1º, do art. 17). Dentre as exceções casuísticas, as do inciso XXII e XXVIII foram vetadas por quebra do princípio da isonomia, mantendo-se a exceção em relação aos escritórios de serviços contábeis (inciso XXVI), que estaria abrangida pela proibição do inciso XI do caput do art. 17, onde estão inseridos os advogados, os engenheiros, os médicos, os odontólogos, os contabilistas etc.
A ampliação do rol de exceção à regra geral de proibição pela opção ao regime tributário diferenciado traz à baila a discussão sobre a retroatividade das novas disposições legais, para beneficiar os contribuintes punidos ou desenquadrados do regime especial, por exercer atividades vedadas. E existem inúmeras empresas punidas que estão discutindo administrativa ou judicialmente. A questão resolve-se pela aplicação do art. 106 do CTN, que tem sua matriz constitucional no art. 5º, XL (retroação benéfica da lei penal).
Pelo inciso I, do art. 106 aplica-se a lei retroativamente, ‘quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados’. O conteúdo das atividades e serviços excepcionados, como nos casos de serviços de instalação de aparelhos de ar condicionado, de reparos hidráulicos, elétricos etc. está a demonstrar a natureza meramente interpretativa das disposições excepcionais, levando-se em conta a jurisprudência formada a respeito. O fato de a lei referir-se expressamente ao caráter interpretativo, por si só, é irrelevante, pois interpretação é função da doutrina e da jurisprudência, e não do Legislativo, que não pode inovar a lei vigente a pretexto de interpretá-la como fez, por exemplo, a Lei Complementar nº 118/05, a qual, conferiu ‘efeito interpretativo’ ao inciso I, do art. 168 do CTN diminuindo o prazo de repetição de indébito de dez anos para cinco anos.
Ainda que assim não fosse, em se tratando de ato não definitivamente julgado haverá retroação da lei benigna, pela aplicação do inciso II, do art. 106: ‘a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo de sua prática’.
Notas
01 MAS nº 2004.71.00.046385-0, Rel. Juiz Joel Ilan Paciornik, TRF-4, DJU de 22-3-06, p. 486.
02 REO nº 2003.3710701246-RS, Rel. Juiz Álvaro Eduardo Junqueira, TRF-4, DJU de 7-12-06, p. 676.
03 AI nº 2003.01.00.019411-0, Rel. Juiz Tourinho Neto, TRF-1, DJ de 5-11-04.
04 Resp nº 403568-SC, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 27-05-02, p. 138.