A infeliz realidade da violência, no contexto doméstico é como uma doença a corroer o íntimo de suas vítimas, por toda a sua vida.
Esta violência se apresenta de várias formas, seja física, psicológica, moral, patrimonial ou sexualmente e, desgraçadamente, aflige a muitas mulheres, sejam elas na posição de esposas, seja na de filhas.
As primeiras podem se afastar do mal que as ameaça, através das ações judiciais visando o rompimento do vínculo legal que as une ao agressor, bem como a adoção das medidas protetivas, havidas na legislação especializada.
Contudo, as filhas, embora abandonadas ou vitimadas pela violência de seus pais, mantém um eterno vínculo com seu agressor, não somente por meio da filiação, mas, principalmente, quanto aos apelidos de família, deste, os quais carregará até que adquira um vínculo matrimonial, ocasião na qual poderá se desfazer deles.
Com isso, temos a marca da lembrança da violência ou do abandono no próprio nome da vítima, fazendo com que esta seja atingida num dos elementos basilares de sua identidade: o seu nome.
A Lei de Registros Públicos, bem como o Código Civil, permite a alteração do nome, porém em situações muito estritas, como por exemplo, nos casos em que este exponha o seu detentor ao ridículo. No tocante ao sobrenome, as restrições são maiores ainda, principalmente, no que diz respeito à retirada, deste.
Qualquer medida que seja tomada visando a alteração do nome, compreendido aí o prenome e o sobrenome (apelidos de família), deve ser realizada através de um pedido de retificação do registro civil, perante o magistrado responsável pela supervisão do Ofício de Registro Civil, onde o interessado tenha o seu nascimento lavrado.
Há casos nos quais o pedido de retificação do nome é formulado incidentalmente nos autos da ação que apura a responsabilidade do pai, seja por abandono material ou afetivo, seja por violência doméstica.
Ainda assim, com todo este instrumental, a retirada do sobrenome paterno é tarefa árdua e de sucesso totalmente incerto.
Os Tribunais vêm adotando uma ótica mais elástica na interpretação da Lei com base no propósito que o vínculo familiar e pessoal do sobrenome familiar paterno possui, possibilitando às vítimas de abandono e violência doméstica, se desligarem do símbolo que, formalmente, as une aos genitores agressores.
Temos de ter em mente, que a retirada do sobrenome paterno em nada prejudica os vínculos de parentesco, com o ramo familiar do pai agressor; nem mesmo com relação a este. Desse modo, as obrigações alimentares e afetivas, bem como a vocação sucessória não são afetadas pela remoção do sobrenome paterno.
Esta medida, de fato, visa aliviar o desconforto das lembranças e das dores quer seja do abandono, quer seja das agressões ao ver, naquilo que lhe dá individualidade, ou seja, o seu nome, a marca de seu agressor.
Temos, com isso, a formalização do rompimento afetivo e emocional entre o agressor e sua vítima, extirpando qualquer marca simbólica que os una, neste plano, como forma de garantir-se à dignidade da pessoa abandonada ou agredida, libertando-a destes vínculos para que possa, de outra forma, alcançar aquilo que lhe foi negado por tão nefasta atitude de seu pai.