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Pressuposto histórico-filosófico hermenêutico dos direitos humanos e sua principiologia ao Direito do Trabalho

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Agenda 09/09/2021 às 21:22

Abordar os aspectos de alguns pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos e propor uma reflexão da relação entre o direito humano e o laboral, sob a perspectiva interdisciplinar e a nova normalidade, com ênfase na aplicação principiológica destes.

Resumo: Abordar os aspectos de alguns pressupostos histórico-filosóficos hermenêuticos e propor uma reflexão a respeito da relação entre o direito humano e o direito do trabalho, sob a perspectiva interdisciplinar e a nova normalidade, com ênfase na aplicação principiológica dos direitos humanos e à sua aplicação ao Direito do Trabalho.

Palavras-chave: Direito Social, Direitos Humanos, Direito do Trabalho, Hermenêutica, Principiologia, Pressupostos Histórico-Filosófico, Novo Normal.


“Well, when you look into infinity, you realize that there are more important things than what people do all day.” (Calvin and Hobbes) 1


INTRODUÇÃO

Se para nós advogados sempre foi tarefa espinhosa atuar com Direito Laboral, numa sociedade caracterizada pela rigidez e durabilidade das relações humanas, de trabalho, da ciência e do pensamento, onde o aspecto positivo era a confiança na concretude das instituições e na consistência das relações humanas, o que se dirá então diante da nova normalidade imposta na pandemia.

Os dilemas, e os desafios se agigantaram para a advocacia trabalhista nesta nova realidade, época em que as relações sociais, econômicas e de produção são fugazes, voláteis e maleáveis, onde o propósito e os interesses das empresas e dos indivíduos não ficam claros para nenhuma das partes e, assim, ambos tendem a desconfiar da importante lealdade em relação ao trabalho.

Nessa nova normalidade de ralações trabalhistas temos a emancipação, representada pela busca da liberdade, instigando as pessoas a serem mais ativas e questionadoras da sociedade; a individualidade, visto que o indivíduo tem feito escolhas e agido por si mesmo, sem considerar aspectos relevantes como cooperação e solidariedade; o tempo-espaço, já que a tecnologia atua fortemente como o agente de fragmentação desse conceito – cada vez cabem mais coisas no mesmo período de tempo nos espaços virtuais; o emprego, na realidade o desemprego estrutural, uma vez que as relações profissionais são mais instáveis e efémeras; e a mão-de-obra precariada composta por uma massa flutuante de trabalhadores instáveis, constituída por uma série de categorias sociais - trabalhadores terceirizados, temporários, por tempo parcial, estagiários, trabalhadores da economia subterrânea, informais, etc..

Sopesando o direito do trabalho como direito social gerado no valor social do trabalho e da livre iniciativa, sendo este princípio fundamental que constitui o Estado Democrático de Direito, e na perspectiva da concepção contemporânea de direitos humanos, consolidam espaços de luta através da proteção social do trabalhador, que passa a ser visto enquanto membro da sociedade, entregando a dignidade humana, máxima emancipatória voltada ao bem-estar social e fornecimento do mínimo existencial, que visa manter a ordem e o equilíbrio dentro da sociedade.

O ciclo histórico dispõe que o trabalhador da era industrial, emancipa-se da vil condição de ‘res’ - deixando de ser coisa, para ser pessoa, elevando-se da condição indigna de meio-de-produção, para a de agente de produção. O pensamento contemporâneo leva a um único caminho: a proteção ao trabalhador como proteção da sociedade e da economia.

A realidade histórica é outra, o salariado, a parcela estável do mundo do trabalho nos países capitalistas centrais, parcela da classe trabalhadora inserida na cidadania industrial, não deixou de ser proletariado, se tornou tão-somente uma camada social distinta de proletários estáveis e com garantias, organizados em grandes sindicatos corporativos e burocratizados, que se tornaram o lastro das políticas socialdemocratas que cultivavam as ilusões do consumo e os projetos de realização do bem-estar social nos marcos do capitalismo afluente.

Ignacy Sanchs2, afirmou “não se insistirá nunca o bastante sobre o fato de que a ascensão dos direitos é fruto de lutas, que os direitos são conquistados, às vezes com barricadas, em um processo histórico cheio de vicissitudes, por meio do qual as necessidades e as aspirações se articulam em reinvindicações e em estandartes de luta de serem reconhecidos como direitos”.

No entanto, nada disso será suficiente, pois os direitos humanos só tem sentido quando adquirem conteúdo político, pois não são direitos dos serem humanos na natureza, mas dos serem humanos em sociedade, logo são direitos garantidos pelo poder político e que exigem a participação ativa de quem possui esse poder.

Hannah Arendt3 realçou que os direitos humanos não são um dado, mas um construto, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução, e neste contexto, de forma genérica, o “trabalho” como exercício da atividade humana, dirigido a fins econômicos e sociais, merece tutela específica do Estado. Digo isto, pois é constitucionalmente pensado como “ordem social”, se referindo a algo organizado, planejado com a finalidade de equacionar idéias e concretizar objetivos, logo o Estado realiza este planejamento como opção de intervenção eficiente e necessária.


1. PRESSUPOSTO HISTÓRICO-FILOSÓFICO HERMENEUTICO

A efetividade de proteção desses direitos fundamentais esta ligada a uma autoridade que reconhece aquilo que a sociedade e a cultura têm para oferecer ao Direito, o que inclui também o plano hermenêutico, independentemente de qualquer apreensão legislativa, conforma um dever de práxis, segundo o qual é necessário à adequação da lei genérica às necessidades do presente caso em análise.

O que até se justificara certa legiferança, diante da necessidade de adequação a uma nova normalidade, e transformação a galope do modo de trabalho, e enfrentamento desta mazela pandêmica, principalmente quando relacionada com resguardo de direitos e deveres trabalhistas que vão muito além do préstimo laboral.

Mister lembrar que tais pronuncias são expedidas em um cenário no mínimo caótico e caleidoscópico pelo prisma econômico, social, cultural, nos quais, em regra geral (respeitadas todas as exceções, que há mesmo), o trabalhador acaba por perder mais algum direito.

Essas anotações transcritas de um diagnóstico nas Medidas Provisórias editadas e reeditadas para mudanças na legislação trabalhista criada durante a pandemia, serviram de arrazoados justificadores da flexibilização do direito do trabalho, já fragilizado com a Reforma.

É o niilismo no Direito do Trabalho, pois permitiu a obtenção de “benefícios” para os trabalhadores com concessões mútuas, engendrando uma consentânea com o Estado Democrático de Direito com a “suposta” proteção da liberdade e o consenso construído no exercício da autonomia.

Mormente se verifica que os instrumentos normativos coletivos utilizados são meios hábeis para aliviar o desequilíbrio existente entre empregador e empregado, porém a interpretação do ordenamento jurídico infraconstitucional não pode despregar-se do seu contexto constitucional, sob pena de subverter a própria ordem jurídica, ainda mais quando desiguala ainda mais o trabalhador, sendo defeso o pleito ao poder judiciário intervir no livre exercício da vontade coletiva das partes acordantes, em ser submetida a julgamento por meio de um tribunal competente, imparcial e independente, com aplicação de procedimentos que garantam a plena igualdade e justiça para todas as partes, a determinação da causa de acordo com leis claras, específicas e pré-existentes e conhecidas pelo poder público.

Tenho a sensação de que esta nova normalidade do Estado Democrático de Direito visa a prestigiar a solidariedade e a fraternidade, especialmente neste momento social onde existe o direito privado e os privados de direitos.

Ao escrever “O Processo”, em 1914, Franz Kafta descreve as dificuldades da parte em ver respeitado, inclusive e principalmente por parte do Estado o direito fundamental ao devido processo legal e à ampla defesa, problema que não é mera recordação dos primórdios do século XX, mas que a partir desse marco podemos reflexionar que as dificuldades atuais enfrentadas pelos trabalhadores brasileiros é submetido aos caprichos, enredos e trejeitos dos “iniciados” nos temas jurídicos, econômicos, atuariais, contábeis, e outros profissionais, com interpretações ou exigências que estão além da compreensão dos cidadãos diretamente interessados ou obrigados pela norma.

Não obstante, Hans Kelsen, em “Teoria Geral do Estado”, afirma que o ordenamento jurídico se apresenta como um conjunto hierarquizado de normas jurídicas estruturadas em forma de uma pirâmide abstrata, cuja norma mais importante, que subordina as demais normas jurídicas de hierarquia inferior é a norma fundamental da qual as demais retiram seu fundamento de validade.

No Direito Interno as normas estão hierarquizadas, estando a Constituição no ápice da pirâmide, enquanto que no direito do trabalho essa pirâmide tem aplicabilidade invertida e seu ápice é a base que sustenta o conjunto de normas hipoteticamente fundamentais, o que fragiliza ainda os direitos sociais, pois a teoria do direito positivo não permite a interpretação de particulares normas jurídicas, nacional ou internacional, mas apenas de conhecer seu próprio objeto, pois é uma ciência jurídica e não política.

Ainda com base na “pureza” a teoria é obsoleta, pois o princípio metodológico fundamental, que é a hermenêutica que conseguiria excluir os aspectos exteriores, em âmbito previdenciário não consegue essa libertação dos elementos que lhe são estranhos, tornando as matérias constitucionais, afetas a proteção do Estado Democrático, vulneráveis a interpretação da norma, que empresta ao ato o significado de um ato jurídico, permitindo manobras dissonantes dos objetivos de justiça social legados no preâmbulo e no artigo 1º da Constituição Federal, e pendem ora em razão de argumentos econômicos e questionavelmente atuariais, embasados em interesses políticos partidários, ora prevalecendo a legislação infraconstitucional e da interpretação do ‘ente’ em prol do ‘ser’, no trocadilho da contextualização do pensamento de Martin Heidegger.

A uma motivada importância de metafísica costumeira que outrora havia sido resgatado e lapidado sob o método cartesiano, que pela lógica matemática chegou à essência do ser e do pensar, que no tempo atual pós reforma previdenciária, passa por uma forte desordem, a qual pode ser apreendida como processo crítico de constante questionamento e de (des)construção, cujo desiderato não poderá ser outro senão aquele que tem sua sínteses numa revolução epistêmica.

É cediço que os elementos fundantes têm respaldo no método científico positivista de Auguste Comte, que buscava observar e explicar os fenômenos isoladamente, incluindo os fatos sociais, e nesse caso, o Direito passa a ser concebido cientificamente na busca pela regulamentação dos fatos sociais por aquilo que se denominou de Estado, que elaboraria as leis abstratas para prever e orientar as pessoas segundo um juízo de ‘dever ser’ das condutas humanas, isto é, os fatos se tornaram gerais e abstratos compondo as leis e, do estudo destas, inaugurar-se-ia, pois uma nova ciência que desvinculou fato e norma, tornando esta por objeto.

O que justifica chamar em matéria trabalhista a teoria kelseniana de arcaica, pois a constituição deve ser a base larga da pirâmide resguardando as prestações jurisdicionais, a dignidade humana, o bem-estar e o mínimo social, que provem da noção de ordem e progresso trazida pela ciência positiva e pelo método científico dessa escola positivista do direito.

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Criticando a conformação social atual, as obras de Friedrich Wilhelm Nietzsche, “A vontade do poder”, e “Além do bem e do mal”, podemos sacar de sua externalidade política, cultural e organizacional a vontade do poder, uma necessidade histórico-psicológica do existir humano que visa imprimir no caráter de ser, escancarando a contradição intramuros não apenas da coisa em si, mas do próprio sujeito racional.

Além de depositar uma dura crítica à própria concepção de sujeito racional Nietzsche emana uma crítica violenta da moral e da própria formação cultural da sociedade suscitando que os significados e os valores vigentes na sociedade são relativos e mutáveis frutos da própria historicidade, inexistindo, assim, uma verdade absoluta.

Nesse prisma de ebulições, da construção histórico-filosófica hermenêutica, Karl Marx, entusiasmado em bom comedimento pelo materialismo de Feuerbach e pela dialética de Hegel, elaborou o materialismo histórico dialético, e por meio deste método propiciou o estudo das relações sociais e propugnou que a adaptação social dos indivíduos, elencados em classes, trata-se da ancestralidade das relações de produção e de exploração praticadas pelo homem nas relações materiais da vida, o que encesta o direito dentro do cenário de clara conformação do sistema econômico. Nesse aspecto, sem embargo se uma síntese reducionista, os valores disseminados socialmente condicionam ideologicamente o pensamento do homem a uma compreensão invertida dessa história ou à abstração total dela.

A partir dessa contextualização retornamos ao pensamento de Martin Heidegger, que centra sua filosofia sobre o ‘ser’, em que eu afirmo que os Direitos Humanos promoveu um esquecimento do ser em prol do ‘ente’, ou na inversão desta colocação do ‘ente’ em prol do ‘ser’. Mas para Heidegger havia uma diferença ontológica entre ‘ser’ e ‘ente’, uma vez que enquanto o ‘ser’ conforma um questão estritamente humana, o ‘ente’ diz respeito apenas á base material do ‘ser’, sendo apenas um meio para seu desenvolvimento.

A hermenêutica, para Heidegger, compreende a interpretação do objeto ‘ente’ pela preconcepção do interprete ‘ser’, que só existe enquanto tal em um dado tempo, e assim se revela como um fenômeno da existência do ‘ser’, que abarca ontologicamente a totalidade por traduzir o universo ‘ente’ pela compreensão do sujeito ‘ser’.

É nesse contexto, especialmente dos ensinamentos de Heidegger que Hans-Georg Gadamer desenvolve sua base hermenêutica, transpondo o processo que está para além do puro e simples interpretar.

Isso ocorre porque a hermenêutica sintetiza um processo inerente ao saber humano e que tem por escopo uma pré-compreensão ligada à existência humana e suas experiências.

Para Gadamer, ter um mundo é ter uma linguagem, desse modo segundo Lenio Luiz Streck, a “linguagem [é] a caso do ser, onde a linguagem não é simplesmente objeto, e sim, horizonte aberto e estruturado”, o que nos faz pensar que todo saber humano tem uma pré-compreensão, onde não podemos desvincular a interpretação do ser, do intérprete enquanto pessoa humana inserida em dado contexto histórico, social, econômico e linguístico, e que guarda consigo um arcabouço de saberes que irão influenciar tanto a sua análise quanto a própria maneira de expressar a sua interpretação.

Gadamer nos leciona que a hermenêutica conforma um fenômeno interpretativo enquanto compreensão do ser, e não um método que orienta a interpretação genérica visando à obtenção de uma dada verdade, bem como não se pode restringir aos cânones objetivos e fechados da ciência que implicam reduzir-lhe a abrangência, limitar-lhe o diálogo para com o texto e, por consequência, tornar-lhe menos dúctil, barrando o seu potencial transformador e emancipatório enquanto compreensão do próprio sujeito.

Partindo da idéia de pré-compreensão, decorrente de sua conformação espaço temporal, e não um método hábil à constatação de uma verdade tem origem à hermenêutica jurídica, que desenvolve no Direito uma teoria crítica pautada num sistema jurídico aberto.

Luiz Roberto Barroso, em “Interpretação e aplicação da Constituição”, afirma que toda interpretação é produto de uma época, de uma conjuntura que abrange os fatos, as circunstâncias do intérprete e, evidentemente, o imaginário de cada um.

Claus-Wilhelm Canaris, em “pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito”, leciona que “a apreensão da hermenêutica da realidade – para o caso da realidade jurídica, só é possível porque o sujeito cognoscente conhece de antemão a linguagem em jogo e o alcance da instrumentação nela usada. Há, pois, todo um conjunto de pré-estruturas do saber, a que se poderá chamar o pré-entendimento das matérias”; o que concebe a hermenêuticos critérios para a objetivação dos valores que atuam como papel decisivo dentro do ordenamento jurídico.

Dito isso, para que seja possível a interpretação jurídica, deve-se reduzir a objetividade possível do Direito ao conjunto de possibilidades interpretativas da norma, especialmente porque não se pode desprezar a real dimensão da própria hermenêutica, e as medida provisória possuem lacunas.

Karl Larenz, na obra “Metodologia da Ciência do Direito”, diz que se o sistema for fechado e hermético, o rolde possibilidades interpretativas mostrar-se-á insuficiente à complexidade fática da questão sob análise, conduzindo a injustiça, porém se aberto, existem duas ponderações possíveis: a primeira, o sistema pode se revelar aberto aquilo que ele não pode abarcar, dando-se azo a uma lacuna que deverá ser colmatada por critérios hermenêuticos; em segundo lugar, um sistema pode-se revelar aberto por uma hermenêutica dialética, que submete perenemente as regras aos preceitos constitucionais e a contraprova da realidade, tornando quase que impossível à predeterminação do conjunto de possibilidades interpretativas.

Tercio Sampaio Ferraz Jr., influenciado pela teoria luhmanniana, sistematizou a ciência jurídica sob os fundamentos de que o repertório de elementos que o integram, a estrutura que o organiza, e a unidade que lhe confere coerência interna, integram intrinsicamente o sistema jurídico e todas as demais regras estruturantes.

Com a valorização da Filosofia do Direito, marcada pela mudança hermenêutica em 1970, conferiu-se abertura semântica passando a aquilatar a heterogeneidade social, a força criativa dos fatos e o pluralismo jurídico, cuja síntese somente se revelou possível pela reestruturação da concepção dos princípios.

Ronald Dworkin preocupado em traçar uma crítica ao positivismo sistêmico classificou as normas como gênero do qual derivam as espécies princípios e regras, que seriam aplicáveis segundo o método do tudo ou nada.

Com amparo quiçá nas teorizações de Dworkin, Robert Alexy afirmou que os princípios seriam verdadeiros mandados de otimização, os quais deveriam atuar conjunta e paralelamente as regras, de forma a concretizar, por meio delas , sempre que possível as suas finalidade intrínsecas podendo, assim, variar de acordo com as vicissitudes do caso concreto. O que faz para Alexy, as regras uma necessidade, haja vista o modelo exclusivamente principiológico (Prinzipien-Modell de Rechtssystems), que para José Joaquim Gomes Canotilho conduz a inoperabilidade prática do ordenamento que seria incapaz de concretizar ‘in casu’ aquilo que ele próprio propõe.

Podemos então verificar que o Direito é um sistema dialeticamente aberto, que deve ser compreendido por meio de uma hermenêutica critica, que submete perenemente as regras, aos preceitos constitucionais, destacando a dignidade da pessoa humana, e a contraprova da realidade.


2. A CONSTRUÇÃO DOS DIREITO ECONÔMICOS E SOCIAIS

Na concepção de Jean Jacques Dupeyroux4, “quando se reconhece ao homem o direito ao trabalho, à seguridade social, à educação, igualmente é reconhecido o direito de exigir a intervenção estatal nos problemas econômicos e sociais, a fim de que as diferentes aspirações, cuja legitimidade é proclamada, possam ser satisfeitas”.

Realmente o Direito visa manter a ordem e o equilíbrio dentro da sociedade. É através desta terminologia que o Direito do Trabalho passa a ser visto através da proteção social do trabalhador enquanto membro da sociedade. Não se trata de um direito individual, mas sim de um direito que cria metas e objetivos frente à sociedade.

Considerando a historicidade desses direitos, e justificando essa exigência, muito mais social do que econômica, a Constituição Brasileira de 1934, inseriu a proteção aos direitos sociais no Capítulo sobre a “Ordem Econômica e Social”, como norma programática de cunho genérico e de vigência politicamente condicionada; e esse embrião surgiu dando ensejo à valorização do trabalho, tanto que as demais Cartas Constitucionais deram seguimento a este amparo, que ganhou o alicerce em sua plenitude com a Constituição Federal de 19885.

A Constituição Federal de 1988 contempla o liberalismo brasileiro, apesar dos fundamentos do Estado ser do Bem Estar Social (artigos 1º, 3º e 5º), tal dissonância decorre da figura do Estado ideal pretendido pelo legislador constituinte de 1988 e do fato, da nossa sociedade ser de consumo, onde todo o sistema econômico-social é direcionado e baseado na aquisição e consumo de bens e serviços, razão pela qual a Constituição adotou um modelo impeditivo de Neoliberalismo, ao menos em tese, pois bem da verdade, não impede a adoção do chamado “receituário neoliberal”.

E embora seja um país capitalista, onde princípios liberais encontram-se contemplados no Estado estabelecido pelo legislador constituinte de 1988, faz-se necessário que se busque regular as relações econômicas e apresente mecanismos eficientes para que os princípios do bem-estar social não fiquem sufocados pelo poderio econômico.

Diante destas considerações, e pelos princípios da ordem econômica, o Estado deve intervir para que haja a diminuição da pobreza e das desigualdades sociais, bem como para recuperar o crescimento econômico, visando a) Redistribuição de renda; b) Política social adequada; c) Política industrial; d) Melhoria das infraestruturas. Em resumo, a intervenção do Estado dá-se no sentido de busca de harmonia econômica e social.

Os fatos destacados no setor econômico serviram para mostrar que o desenvolvimento na ordem econômica tem reflexo direto na ordem social, já que esta representa o equilíbrio dentro da sociedade, estabelecendo-se entre as necessidades emergentes e a proteção estatal, e como se vê, não basta controlar e regulamentar a economia.

É nesse cenário de primado ao trabalho, de proteção e inclusão do trabalhador à sociedade, que se pareia o objetivo da ordem econômica e social, determinante do alcance do bem-estar e justiça sociais, e que se consagra a visão integral dos direitos humanos.

Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, como bem lecionou Hector Gros Espiel6:

“Só o reconhecimento integral de todos estes direitos pode assegurar a existência real de cada um deles, já que sem a efetividade de gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais. Inversamente, sem a realidade dos direitos civis e políticos, sem a eletividade da liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos sociais e culturais carecem, por sua vez de verdadeira significação. Esta idéia da necessária integralidade, interdependência e indivisibilidade quanto ao conceito e à realidade do conteúdo direitos humanos, que de certa forma esta implícita na Carta das Nações Unidas, compila-se, amplia-se e sistematiza-se em 1948 na Declaração Universal dos Direitos Humano, e se reafirmam definitivamente nos Pactos Universais de Direitos Humanos aprovados pela Assembleia Geral em 1966, e em vigência desde 1976 na Proclamação de Teerã de 1968, e na Resolução da Assembleia Geral, adotada em 16/12/1977, sobre os critérios e meios para melhorar o gozo efetivo dos direitos e liberdades fundamentais (Resolução n.º 32/130).”

A compreensão dos direitos econômicos, sociais e culturais demanda ainda que se recorra ao direito ao desenvolvimento, que foi adotado pela ONU em 1986, do qual destaco três aspectos:

1) A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento endossa a importância da participação;

2) A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento deve ser concebida no contexto das necessidades básicas da Justiça Social; e

3) A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento enfatiza tanto a necessidade de adoção de programas e políticas nacionais, como da cooperação internacional.

Digo isso porque a pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimento e deve ser ativa participante e beneficiária do direito ao desenvolvimento, e o Estado por sua vez tem dever de adotar medidas, individualmente ou coletivamente voltadas a formular políticas de desenvolvimento internacionais, com vistas a facilitar a plena realização de direitos, acrescentando que a efetiva cooperação internacional é essencial para promover aos países em desenvolvimento meios que encorajem o direito ao desenvolvimento – e este demanda uma globalização ética e solidária.

2.1. Plano Internacional

Feitas as considerações a respeito da construção dos direitos econômicos, sociais e culturais, transita-se a análise da proteção internacional, uma vez que esta dimensão é nada mais do que o direito a uma repartição equitativa concernente ao bem-estar social e econômico mundial.

As assimetrias globais apontam uma demanda crucial do nosso tempo, na medida em que quatro quintos da população mundial não aceitam o fato de um quinto da população mundial continuar a construir sua riqueza com base em sua pobreza.

Essa realidade da desigualdade de renda reflete em outros indicadores7, tanto que a Declaração de Viena de 1993 reconhece a relação de interdependência entre a democracia, o desenvolvimento e os direitos humanos.

Mas, foi a partir da Declaração Universal de 1948, que se instaurou um marco de criação dos “Direitos Internacionais dos Direitos Humanos”, prevalecendo o entendimento de que este deveria ser “juridicizado” sob a forma de um tratado, que fosse obrigatório e vinculante.

Essa “juridicização” ocorreu entre 1949 e 1966, com a preparação de dois distintos tratados internacionais no âmbito das Nações Unidas – o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que enuncia um extenso catálogo de direitos, que inclui o direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e a proteção contra o desemprego, direito à uma remuneração justa e satisfatória, que lhes assegure uma existência digna; e direitos sindicais (direito de organizar sindicatos e a neles ingressar para a proteção de seus interesses), seguindo viés do artigo XXIII da própria Declaração Universal.

Nota-se que o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, aprovado e promulgado pelo Decreto 591/1992, garante os direitos sociais, nestes incluídos os direitos trabalhistas (arts. 6º a 8º), como integrantes do Direito Internacional dos Direitos Humanos, e estabelece em detalhe o direito a condição de trabalho justa e favoráveis compreendendo: a) remuneração que permita uma vida digna; b) condições de trabalho seguras e higiênicas; c) igual oportunidade no trabalho; e d) descanso, lazer e férias, bem como direitos sindicais.

Se não fosse suficiente, durante esse Período nascia a OIT – Organização Internacional dos Direitos do Trabalho, com a precípua finalidade de promover parâmetros internacionais de condições de trabalho e bem-estar, deixando claro que não é apenas uma obrigação moral dos Estados, mas uma obrigação jurídica, e sob essa máxima ainda que condicionados à atuação do Estado, que deve adotar medidas tanto pelos seus esforços próprios, como pela assistência e cooperação internacional, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, com vistas a alcançar progressivamente a completa realização desses direitos.

Nessa contextualização, o plano externo estabelece que cada Estado Parte, como é o caso do Brasil, compromete-se a adotar medidas, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos em questão, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas.

A República Federativa do Brasil, por imperativo do compromisso internacional, deve adotar medidas legislativas que resultem no aperfeiçoamento dos direitos sociais, nos quais se inserem os direitos trabalhistas, e não na sua redução, precarização ou extinção, restando nítida a determinação cogente de que os direitos trabalhistas, como direitos sociais, humanos e fundamentais, devem ser assegurados de forma progressiva, não se admitindo retrocessos.

2.2. Plano Constitucional

À Proteção Internacional dos Direitos Sociais somam-se os mecanismos de proteção nacional desses direitos.

No plano interno, a Constituição Federal de 1988 dispõe sobre os direitos sociais (arts. 6º a 11), inserindo-os no catálogo dos direitos fundamentais, como se observa do seu Título II. O que nos leva a afirmar, que os direitos trabalhistas, tanto na esfera individual, como na coletiva, integram os direitos sociais e são, inegavelmente, direitos fundamentais.

A Constituição da República, além de catalogar os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, também afiança outros direitos que visem à melhoria de sua condição social, logo, o princípio da proteção, inerente ao Direito do Trabalho, com destaque à prevalência da norma mais favorável, tem hierarquia constitucional e integra as chamadas cláusulas pétreas.

No dizer do saudoso Paulo Bonavides8: “os direitos sociais não são apenas justificáveis, mas são providos, no ordenamento constitucional da garantia suprema da rigidez”. O que entendo que os Direitos Trabalhistas, com guarida constitucional deveriam, portanto, ser direitos inatingíveis, irredutíveis, de modo que qualquer de meio reformista – Lei Ordinária, Emenda Constitucional, Medida Provisória – que afetarem, abolirem, ou suprimirem os direitos sociais devem padecer do vício de inconstitucionalidade.

Esses mesmo direitos trabalhistas quando previstos em normas infraconstitucionais, ou legislação, estão constitucionalizados como direitos materialmente fundamentais e integram o bloco de constitucionalidade.

Não pasmem, pois é o caso da Lei 13.467/2017, tida como legislação infraconstitucional, e evidentemente, para ser válida, deve respeitar as determinações hierarquicamente superiores – neste caso do sistema constitucional instaurado em 1988.

A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm constituir os princípios constitucionais que incorporam a as exigências da justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo sistema jurídico brasileiro.

Esses valores, na ordem de 1988 passam a ser dotados de uma especial força expansiva, projetando-se por todo o universo constitucional e servindo como critério interpretativo de todas as normas do ordenamento jurídico nacional.

Isso se dá em razão da Constituição Federal de 1988 adotar a idéia da universalidade dos direitos humanos, na medida em que consagra a dignidade da pessoa humana, como princípio fundamental.

Por ser a primeira carta magna brasileira a incluir os direitos internacionais no rol dos direitos constitucionalmente garantidos, o que prestigia um alcance universal.

2.3. Plano Novo Normal – “Aberratio Finis Legis9

Na mesma linha de raciocínio “Ordem Econômica e Social”, para a proteção dos direitos sociais, que estão condicionados a atuação do Estado, e este deve adotar medidas tanto no esforço próprio como pela assistência e cooperação internacional, devemos refletir brevemente os direitos civis e políticos que devem ser assegurados de pronto pelo Estado, sem escusa ou demora e que possuem a chamada auto aplicabilidade.

Convém destacar que tanto os direitos sociais, como os direitos civis e políticos demandam prestações positivas e negativas, sendo equivocada e simplista a visão de que os direitos sociais só demandariam prestações positivas, enquanto os direitos civis e políticos demandariam do Estado prestações negativas ou a mera abstenção estatal.

Se questionarmos qual o custo do aparato de segurança, mediante o qual se asseguram direitos civis clássicos, como os direitos à liberdade e da propriedade, ou ainda qual o custo do aparato eleitoral, que viabiliza os direitos políticos, ou do aparato da justiça, que garante o direito de acesso ao Judiciário, estaríamos convictos de que os direitos civis e políticos não se restringem a demandar mera omissão estatal, já que sua implementação requer políticas públicas direcionadas, que contemplam também um custo.

Então, não podemos admitir que alterem ou suprimam direitos sociais, com base na avaliação crítica acerca do “custo”, pois é necessário refletir a aplicação progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais, de forma a extrair seus efeitos.

Achegada do coronavírus em 2020 levou o Brasil a reconhecer a ocorrência do estado de calamidade pública por meio do Decreto Legislativo nº 6 e, na área trabalhista, o governo propôs duas Medidas Provisórias: a 927 e a 936.

A MP 927 estabeleceu medidas como o teletrabalho, a antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, o aproveitamento e a antecipação de feriados, o banco de horas, a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho e o diferimento do recolhimento do FGTS; e a MP 936 instituiu um programa emergencial para regular a suspensão dos contratos de trabalho, bem como a redução proporcional de jornada de trabalho e de salários, com a previsão de pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda.

Por iniciativa do próprio Congresso Nacional foi ainda aprovada a Lei 13.982/2020, prevendo o pagamento de um auxílio emergencial no valor de R$ 600,00 mensais aos trabalhadores do mercado informal. Como afirmaria David Trubek10, “os direitos sociais, enquanto social welfare rights, implicam na visão de que o Governo tem a obrigação de garantir adequadamente tais condições para todos os indivíduos. A idéia de que o Welfare é uma construção e de que as condições de Welfare são em parte responsabilidade governamental repousa nos direitos enumerados pelos diversos instrumentos internacionais, em especial o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Ela também expressa o que é universal neste campo, na medida em que se trata de uma idéia acolhida por quase todas as nações do mundo, ainda que exista uma grande discórdia acerca do escopo apropriado da ação e responsabilidade governamental, e da forma pela qual o social Welfare pode ser alcançado em específicos sistemas econômicos e políticos”.

Digo isto, pois as medidas governamentais na área trabalhista sofreram inúmeros questionamentos de constitucionalidade, em especial quanto à possibilidade de negociações individuais entre os sujeitos do contrato de trabalho.

Certo que o STF acabou suspendendo a eficácia de apenas dois dispositivos da MP 927: o artigo 29 (que não considerava doença ocupacional os casos de contaminação de trabalhadores pelo coronavírus) e o artigo 31 (que limitava a atuação de auditores fiscais do trabalho à atividade de orientação), e quanto à MP 936, que previa a possibilidade de celebração de acordos individuais para implantação da redução proporcional de jornadas e salários, argumentou-se que haveria a violação ao art. 7º, VI, da Constituição, quando prevê entre os direitos dos trabalhadores a irredutibilidade salarial, salvo negociação coletiva, no entanto, o STF, rejeitou o questionamento (em polêmica decisão que aludiu a um “direito constitucional de crise”) e acabou validando a possibilidade de celebração de acordos individuais, a depender do valor dos salários dos trabalhadores envolvidos.

Transpostos os questionamentos jurídicos acerca da constitucionalidade, coube ao Congresso Nacional decidir pela conversão das MPs em leis, a 927, acabou caducando por decurso de prazo e diante da perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas, e a MP 936 foi aprovada e convertida na Lei nº 14.020/2020.

Registre-se que toda essa movimentação acabou se consolidando prevalentemente pela via dos acordos individuais entre os empregados e os seus empregadores, na medida em que o espaço da negociação coletiva com os sindicatos foi reduzido, em razão da forma como as medidas acabaram regulamentadas. E não podemos ignorar futuras demandas judiciais para questionar a validade dos inúmeros ajustes trabalhistas individuais que foram feitos por empregados e empregadores até agora, o que, infelizmente, nos coloca no segundo ano de pandemia em um preocupante cenário de incerteza.

Em 2021, o Governo Federal editou duas Medidas Provisórias, a 1.045 e a 1046, na prática elas recriam uma versão atualizada do Beneficio Emergencial, diante do agravamento da pandemia no Brasil.

A MP 1.045 se subdivide em dois pontos principais, a destacar: o primeiro permite às empresas a cortar 25, 50 ou 70 por cento do salário e da jornada dos funcionários por até 120 dias, preservando o salário-hora; e segundo permite a suspensão temporária do trabalho por até 120 dias. Nos dois casos o governo complementa a remuneração com base no Seguro Desemprego a que o trabalhador teria direito se fosse demitido sem justa causa.

Porém, adotar a MP 1.045 diante da crise é totalmente opcional, e a alternativa ao acordo é a demissão que será calculada conforme o percentual de redução salarial. Para as empresas que aderirem é obrigatório, quando escolherem o acordo para a efetivação das regras da nova medida, comunicarem em até 10 dias corridos a celebração de acordo com o funcionário, este terá garantido pelo menos mais 120 dias de emprego, e como se trata de suspensão temporária do Contrato de Trabalho esse pagamento tem natureza indenizatória, e não de salário, não integrando a base de cálculo de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), Imposto de Renda (IR), e Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Façamos um breve parêntese aqui para comentar o diferimento do recolhimento do INSS, pois este é o mais maledicente, em razão do Decreto 10.410, de 30 de junho de 2020, pois, quando a contribuição do mês seja menor que um salário mínimo, o segurado poderá agrupar a mesma com outro mês recolhido em valor menor, ou complementar o valor, pois, ela não será considerada como Tempo de contribuição e nem manterá sua qualidade de segurado, sendo descartada no computo do tempo mínimo da aposentadoria.

Feitas as considerações supra, a MP 1.046, permite antecipação de férias coletivas; o aproveitamento e a antecipação de feriados e banco de horas; a suspensão de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho (exceto exame médico admissional); e podem alterar o regime de trabalho presencial para o trabalho remoto e vice-versa, independentemente de acordos individuais ou coletivos, dispensando registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho.

Posteriormente foi editada a Lei 14.151, de 12 de maio de 2021, que trata do afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante o período de emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus. Essa nova lei trouxe à baila algumas importantes questões de ordem trabalhista para aqueles empregadores que possuem relações empregatícias com empregas gestantes em geral, nesse contexto incluído domésticas, rural, temporário e intermitente. No entanto, aludida legislação não se aplica às servidoras públicas ou trabalhadoras regidas por normas jurídico-administrativas, entre as quais as exercentes de cargos em comissão e as contratadas mediante regime especial de Direito Administrativo.

Certo que a proteção da maternidade representa irrefutável arcabouço protetivo normativo pátrio, como a Convenção n° 103 da OIT, igualmente consubstanciada no artigo 10, inciso II, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição, bem como encontra amparo no artigo 201, inciso II, e artigo 227, caput, ambos da Carta Magna, ao passo que a Súmula 244 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) expressa essa proteção, denotando a primazia do respeito à dignidade da pessoa humana.

Acontece que a nova Lei 14.151/2021 impôs o afastamento compulsório da gestante do local de trabalho, sem, contudo, especificar quem será o responsável pela continuidade dos pagamentos de sua remuneração, E impôs a readequação do trabalho da gestante, para exercício de suas atividades.

Analisando, em conjunto, a caduca MP 927/2021 e a atual MP 1.046/2021, observamos que na hipótese de inexistir meios hábeis para viabilizar o teletrabalho emergencial, a trabalhadora permanecerá afastada percebendo sua remuneração integral, o que cria uma nova hipótese legislativa de interrupção do contrato de trabalho, e não de sua respectiva suspensão.

Se considerarmos a nova lei, mais, a MP 1.045/2021, que possibilitou a redução da jornada de trabalho e renda, a gestante deve ser afastada, imediatamente, do local de labor. Se o benefício emergencial recebido, de forma isolada ou a título de complementação do salário, não satisfizer a completude da remuneração por ela até então auferida, entende-se que a responsabilidade pelo suprimento da diferença havida ficará a cargo do empregador, que assumiu o risco da atividade empresarial, por força do princípio da alteridade.

Nesse sentido, vejo aqui um prejuízo, embora haja quem defenda se possível, que à empregada gestante seja concedida a percepção de salário-maternidade, nos termos do artigo 394-A, §3º, da CLT, uma vez que o dispositivo autoriza a concessão do aludido benefício previdenciário, porém, precisa ser constatado o labor em local insalubre, que representa risco à gestante ou lactante. Nessa contextualização para que seja possível a concessão do benefício de salário-maternidade à gestante afastada compulsoriamente, em obediência à Lei 14.151/2021, exsurge a necessidade de edição legislativa a respeito, incluindo as gestantes que laboram em locais salubres.

Cabe aqui outra ponderação que se faz necessária é que o estado de gravidez da trabalhadora não se equipara à doença comum para fins de percepção de auxílio incapacidade temporária (doença) pelo INSS. Isso porque, ainda que os empregadores possam encaminhar as gestantes para a Previdência Social, isso não quer dizer que estarão desobrigados ao pagamento da remuneração respectiva.

Observem que restou totalmente incerta a perspectiva de que o Estado assumirá, após a edição da referida legislação, a responsabilidade pelo pagamento dos períodos de afastamento das empregadas gestantes, mediante o tradicional sistema de compensação tributária, corroborando com o dito da aplicação progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais, que resultam a proibição do retrocesso social em matérias de direitos sociais.

José Joaquim Gomes Canotilho11, já lecionava que o princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizados e efetivados por meio de medidas legislativas deve considera-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas que, sem a criação de esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática em uma anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial”.

Há de se mencionar o Protocolo de San Salvador, esse tratado da OEA reforça os deveres jurídicos dos Estados no tocante aos direitos sociais, que devem ser aplicados progressivamente, em destaque o artigo 6º, que endossa o direito a estabilidade, do trabalhador.

Sobre a autora
Tatiana Conceição Fiore de Almeida

Advogada (OAB/SP 271162), Doutorando Em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires (UBA), Coordenadora do Núcleo de Direito Previdenciário da ESA.OAB/SP; Relatora da 4ª Turma de Benefícios da CAASP; Membro Efetivo das Comissões de Direito do Trabalho, Direito Previdenciário, Perícias Médicas; Membro Convidada da Comissão de Direito Desportivo da OAB/DF; Articulista/Investigadora da equipe internacional Latin-Iuris (Instituto Latinoamericano deInvestigación Y Capacitación Jurídica); Articulista e Coordenadora de Obras Jurídicas; Coautora em diversas Obras Coletivas; Professora; Membro da Comunidad para la investigación y el estúdio laboral y ocupacional-CIELO; Coordenadora do Livro Previdenciário um olhar Crítico sobre Constitucionalidade e as Reformas (2016); Um Olhar Crise além dos Direitos Sociais (2019); e Previdenciário: Novas Tecnologias e Interações entre o Direito, a Saúde e a Sociedade; Participou como membro convidado da CPI da Previdência (ano 2017).︎

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