Joint Investigation Teams: Evidential Instrumentality and Organized Macrocriminality
Resumo: A finalidade do presente artigo está relacionada à utilização do instituto das Equipes Conjuntas de Investigação como instrumento probatório apto a subsidiar a investigação e a persecução penal do que atualmente convencionou-se denominar de macrocriminalidade organizada, fenômeno de acentuada gravidade e complexidade, em especial quando se trata da colheita de provas. Traz-se ao contexto elementos informativos referentes à criminalidade transnacional, conformada pela prática além-fronteira e concomitante de infrações penais de elevada danosidade social. Além disso e principalmente, busca-se compreender a sistemática e os fundamentos jurídicos das Equipes Conjuntas de Investigação nos ordenamentos legais nacional e internacional, demonstrando tratar-se de mecanismo de relevante efetividade no campo da obtenção de provas em investigações transnacionais, condição determinante para o êxito posterior da persecução penal no território nacional.
Palavras-chave: Equipes Conjuntas. Criminalidade Transfronteiriça. Investigação Transnacional. Persecução Penal.
Abstract: The purpose of the present article is related to the use of the joint investigation teams' institute as an evidential instrument capable of subsidizing the investigation and criminal prosecution of what is currently called organized macro-crime, a phenomenon of marked severity and complexity, especially when it comes to deals with the collection of evidence. Information elements referring to transnational crime are brought into the context, conformed by cross-border practice and concomitant criminal offenses of high social damage. In addition and mainly, it seeks to understand the systematic and the legal foundations of the joint investigation teams in the national and international legal systems, demonstrating that it is a mechanism of relevant effectiveness in the field of obtaining evidence in transnational investigations, a determining condition for the subsequent success of criminal prosecution in the national territory.
Keywords: Joint Teams. Cross Border Crime. Transnational Research. Criminal Prosecution.
Sumário: Introdução. 1. Da criminalidade prototípica à proteica criminalidade organizada. 2. A internacionalização do crime e macrocriminalidade organizada. 3. Componente estrutural externo da criminalidade organizada. 4. O problema da colheita de provas nas investigações transnacionais. 5. Mecanismo de captação de provas contra a macrocriminalidade organizada: as Equipes Conjuntas de Investigação. 5.1. Histórico. 5.2. Concepção e fundamentação legal nacional e internacional. 5.3. Sobre a aplicação do instituto das Equipes Conjuntas de Investigação. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A finalidade da presente pesquisa centra-se em analisar a aplicação do moderno instrumento das Equipes Conjuntas de Investigação como meio probatório hábil a subsidiar a investigação e a persecução penal da denominada macrocriminalidade organizada ou macro-organização das infrações penais em sua perspectiva transnacional, considerando que uma das grandes problemáticas na tratativa do tema reside na colheita de provas.
Para tanto, parte-se da compreensão da concepção de crime organizado no território nacional à transnacionalidade das condutas, haja vista que as organizações criminosas muito raramente permanecem tão somente atreladas ao território de origem, pelo fato de que o proveito econômico objetivado em operações transnacionais tende a ser maximizado.
Logo, a questão torna-se dificultosa quando as organizações criminosas destinam-se à prática além-fronteira de delitos, haja vista que os rastros (provas) das condutas praticadas, a exemplo daquelas envolvendo delitos como lavagem de dinheiro, evasão de divisas, tráfico de drogas e de pessoas, são de difícil detecção pelos instrumentos internos de investigação, razão pela qual faz-se necessário identificar um necessário ponto de contenção nas jurisdições nacional e internacional, de forma que haja cooperação entre distintas autoridades de jurisdições de diferentes países.
É, neste contexto, que releva a compreensão e utilização das Equipes Conjuntas de Investigação como instrumento de investigação e persecução penal em face da denominada macrocriminalidade organizada.
Adiante-se que as Equipes Conjuntas de Investigação constituem relevante mecanismo de cooperação jurídica internacional em matéria penal, cujas raízes estão basicamente fincadas no modelo materializado na União Europeia, a partir das experiências com investigação conjunta realizadas no território da Alemanha, desde 1970.
Deste modo, parte-se da evolução conceitual e recrudescimento das organizações criminosas à internacionalização da criminalidade, sendo certo que a existência de um assim chamado elemento externo da criminalidade organizada leva à problematização da captação transnacional de provas, algo não amparado pela Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.
Para além disso, no âmbito da contenção à criminalidade organizada transfronteiriça, tem-se a denominada Convenção de Palermo, ou Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, promulgada no Brasil por intermédio do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, importante tratado que auxilia a legislação interna no que se refere ao crime organizado além-fronteira e que expressamente dispõe acerca da aplicação das equipes conjuntas de investigação.
Não por menos, tem-se, ainda, mais duas convenções internacionais sedimentadas pela ONU que dispõe sobre as Equipes Conjuntas de Investigação, quais sejam, a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), cada qual dentro de seu campo de atuação e com finalidades específicas.
Somado a esse contexto, o objeto do presente texto evidencia que as chamadas Equipes Conjuntas de Investigação recentemente encontraram amparo por meio do Decreto nº 10.452, de 10 de agosto de 2020, que promulgou internamente o texto do Acordo Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação, não havendo óbices quanto à aplicação do instituto pelas autoridades investigativas do Brasil e dos demais países sul-americanos que compõem o Mercosul e que ratificaram o referido Acordo-Quadro.
Diga-se que o Projeto de Lei que tramita no Congresso Nacional referente ao novo Código de Processo Penal traz o detalhado Título V, que especificamente dispõe no que diz com a implementação de Equipes Conjuntas de Investigação. Porém, tratando-se, por ora, somente de um Projeto de Lei e, portanto, ainda não em vigor, tem-se que a Convenção de Palermo e o Acordo-Quadro sobre Equipes Conjuntas de Investigação são os dois diplomas que atendem aos reclamos da efetivação de uma investigação e persecução penal avançadas e paritárias com o atual estágio da macrocriminalidade organizada.
Ademais, faz-se neste texto o manuseio de pesquisa teórica e revisão bibliográfica dos institutos, a partir de fontes doutrinárias, textos legais, convencionais e demais referências pertinentes ao tema proposto, utilizando-se o método dialético, cujo pano de fundo constitui-se em temática de caráter doutrinário e legal, propugnando-se pela compreensão e instrumentalização das Equipes Conjuntas de Investigação como forma de otimização do sistema de investigação e persecução penal no território nacional.
1. DA CRIMINALIDADE PROTOTÍPICA À PROTEICA CRIMINALIDADE ORGANIZADA
Contextualizar a aplicação de um moderno mecanismo de investigação em face da criminalidade organizada exige a compreensão, mesmo que breve, no que se refere à transformação porque passou o fenômeno delitivo no último século, razão pela qual atesta-se, de imediato, que a evolução da criminalidade, organizando-se para além das fronteiras dos Estados, há de implicar na progressão dos meios de investigação e persecução penal.
Sendo assim, a assertiva inicial de NICEFORO, na obra La Transformación Del Delito en la Sociedad Moderna, de 1902, de que “o crime não morre: transforma-se” (1902, p. 03) encaixa-se à perfeição no objeto deste estudo, haja vista que, ainda com respaldo do referido autor, “a civilização moderna, como qualquer outra civilização, não reprime o mal: transforma-o” (1902, p. 03/04).
A moderna macrocriminalidade pressupõe, à evidência, a transformação a partir dos denominados crimes prototípicos, primitivos e originários, que restringiam-se aos delitos, por assim dizer, comuns, configurados no homicídio, no furto, na agressão física e sexual. Na atualidade, na qual permeia os mesmos crimes prototípicos de outrora, houve uma latente evolução: os delitos adquiriram um caráter proteico, multiforme, poliforme, tal como, por exemplo, constata-se nos crimes financeiros, econômicos, cibernéticos e organizados.
ZAFFARONI e OLIVEIRA (2010, p. 87) asseveram que “o organized crime como tentativa de categorização é um fenômeno do século passado”, de forma que “é absolutamente inútil procurar o crime organizado na Antiguidade, na Idade Média, na Ásia ou na China, na pirataria etc”. E concluem os citados autores que: “Quem fala do crime organizado, não está se referindo a qualquer pluralidade de agentes nem a qualquer associação ilícita, senão a um fenômeno distinto, que é inconcebível no mundo pré-capitalista”.
De acordo com CASTANHEIRA (2010, p. 892), também fundada em ZAFFARONI, aduz que: “Sobressaem-se na criminalidade organizada duas características, quais sejam, a estrutura empresarial e a atividade voltada para o mercado ilícito. As origens do ‘crime organizado’, desta forma, não podem ser buscas no mundo pré-capitalista e, portanto, não estão em nenhuma outra forma de associação delitiva existente ao longo da história da humanidade, até o início deste século”.
Em verdade, a evolução das sociedades industriais revolucionou a microcriminalidade até então predominante. Consoante ZAFFARONI e OLIVEIRA (2010, p. 86), “no século passado, e na Europa, particularmente depois da Comuna de Paris, produziu-se uma considerável literatura acerca do delito das multidões, dando lugar a várias valorações das multidões e da responsabilidade de seus líderes ou condutores”.
Neste prisma, “vinculado à proibição de sindicalização dos trabalhadores, generalizou-se o conceito jurídico-penal de associação ilícita ou associação de malfeitores para delinquir” (ZAFFARONI; OLIVEIRA, 2010, p. 87), conceito esse que, embora não seja propriamente referente às organizações criminosas tal como hoje são conhecidas, pode ser tido como o embrião para sua concepção.
Constata-se, conforme anota CASTANHEIRA (2010, p. 883), que “o desenvolvimento científico e tecnológico transformou profundamente as relações sociais”, afetando de forma direta as relações econômicas, transformando o modo de agir do mercado e das empresas transnacionais, questões intimamente relacionadas à atuação das organizações criminosas que atuam no além-fronteira.
Nessa linha de pensar, nota-se que há íntima ligação entre o advento da globalização e o surgimento das cadeias criminosas organizadas e subsistematizadas, incrementando-se especialmente após o surgimento das denominadas “máfias”, especificamente na Itália e no Japão (LIMA, 2020, p. 767). Diz-se incremento porque já se via uma conformação simultânea da prática de diversos delitos, tais como o contrabando, a extorsão, o tráfico de drogas, a lavagem de capitais, os jogos de azar, a prostituição e o tráfico de pessoas, cuja finalidade era – e continua sendo – a obtenção de ganhos financeiros ilícitos.
PRADO e CASTRO (2010, p. 927) conformam que “a criminalidade organizada, amplamente considerada, não está ligada apenas à criminalidade econômica em sentido estrito, mas manifesta-se também nas atividades políticas (nos esquemas de corrupção), no terrorismo, no tráfico de drogas e de pessoas, etc. As formas de manifestação desse tipo de criminalidade sofrem variações também no espaço em que se desenvolvem, nas realidades nacionais em que atuam. Na Itália, por exemplo, a criminalidade organizada é comumente identificada com a máfia ou outras organizações similares; em Portugal, está associada aos crimes contra o mercado financeiro; na Alemanha caracteriza-se basicamente pela lavagem de dinheiro e corrupção, enquanto na Espanha possui uma identidade mais acentuada com o terrorismo”.
Dessa rápida análise se verifica que o caráter proteico que assumiu a criminalidade moderna implicou claramente no recrudescimento das organizações criminosas, atingindo estas um tal nível de complexidade – em muito decorrente da atuação intrincada e subdividida internamente e da conjuntura de diversas infrações penais – que não mais se restringem ao âmbito de um só Estado, espraiando-se por diversos territórios, com fins fundamentalmente econômicos. Dito isso, ver-se-á que há uma relação intrínseca entre a internacionalização do crime e a macrocriminalidade organizada.
2. A INTERNACIONALIZAÇÃO DO CRIME E MACROCRIMINALIDADE ORGANIZADA
Parafraseando o sociólogo alemão Ulrich Beck, na atualidade é possível constatar a existência de uma verdadeira “sociedade internacional de risco”. No campo delitivo, o crime deixou de circunscrever-se aos limites de um dado bairro suburbano num dado país para acompanhar o próprio desenvolvimento e reconfiguração da interconectada sociedade moderna, atingindo diversas e distintas ordens jurídicas.
De acordo com o Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crime (United Nations Office on Drugs and Crime – UNODC), o crime organizado transnacional abrange praticamente todos os casos graves de ações criminosas motivadas pelo lucro de natureza internacional, no qual mais de um país está envolvido. Sendo assim, existem muitas atividades ilícitas que podem ser caracterizadas como transnacionais, incluindo o tráfico de drogas, o contrabando de migrantes, o tráfico de pessoas, a lavagem de dinheiro, o tráfico de armas de fogo, produtos falsificados, vida selvagem, propriedade cultural e criminalidade cibernética.
Ainda de acordo com o UNODC, “o crime organizado transnacional não está estagnado, mas está em constante mudança, adaptando-se aos mercados e criando novas formas de crime. Em suma, é um negócio ilícito que transcende fronteiras culturais, sociais, linguísticas e geográficas e que não conhece fronteiras ou regras”.
Bem analisadas as circunstâncias, essa constatação apontada pelo UNODC leva à conclusão que há uma verdadeira internacionalização do crime, ou à existência de uma “delinquência da globalização”, no dizer de SILVA SÁNCHEZ (2011, p. 104).
Mercê desse raciocínio, o referido professor espanhol alude que “o progresso técnico dá lugar, no âmbito da delinquência dolosa tradicional (a cometida com dolo direto ou de primeiro grau), a adoção de novas técnicas como instrumento que lhe permite produzir resultados especialmente lesivos; assim mesmo, surgem modalidades delitivas dolosas de novo cunho que se projetam sobre os espaços abertos pela tecnologia. A criminalidade, associada aos meios informáticos e à internet (a chamada ciberdelinquência), é, seguramente, o maior exemplo de tal evolução. Nessa medida, acresce-se inegavelmente a vinculação do progresso técnico e o desenvolvimento das formas de criminalidade organizada, que operam internacionalmente e constituem claramente um dos novos riscos para os indivíduos (e os Estados)” (SILVA SÁNCHEZ, 2011, p. 36).
Com reforço a tais considerações, STOICA (2016) assevera que “a globalização representa uma causa e um fator de facilitação para o crime organizado transnacional. A liberalização dos mercados e a livre circulação de capitais e, em certa medida, de pessoas, criaram novos estímulos para o grupos criminosos interessados em obter lucro. O modus operandi das organizações criminosas atuais seguem a lógica do mercado. Eles têm sucesso em evitar fronteiras nacionais e a adaptar-se rapidamente ao atual ambiente econômico global”.
No que concerne ao tópico em exame, essencialmente, o crime organizado transnacional é definido por atividades ilegais orientadas para lucros que ultrapassam as fronteiras nacionais. Nem todas as formas de crime organizado são transnacionais, mas, atualmente, existe uma gama de atividades nesta esfera que são realizadas com vínculos transnacionais ou mesmo em escala global (STOICA, 2016).
Parece lícito asseverar que no contexto da globalização, o crime organizado se expande, geograficamente – a nível espacial –, e numericamente – em relação ao número de países afetados, o número de grupos que operam e os campos de atividades ilegais. Quanto a este ponto, não há dúvida de que o Brasil possui uma delicada posição no quadro da expansão da criminalidade transnacional, haja vista que divide fronteira com diversos países propícios para a prática de delitos que exigem a transposição de fronteiras – para auferir lucros mais elevados –, tais como o tráfico de drogas, de armas e de pessoas.
Assume relevo, como, aliás, dão conta alguns argumentos já deduzidos, consoante sugere STOICA (2016), que a atuação contra o crime organizado transnacional tem que ser estendida ao âmbito global ou, ao menos, transnacional. Neste sentido, os fluxos criminosos transfronteiriços ocorrem em uma determinada região ou país, findando por produzir efeitos em outras regiões ou países, às vezes situadas a grandes distâncias. Como tal, STOICA dá conta de que “somente uma intervenção em uma escala semelhante à questão – ou seja, global – pode produzir os efeitos desejados”.
Em face dessas constatações, verifica-se, desde já, que apenas um sistema de investigação de caráter transnacional, vinculando duas ou mais autoridades de dois ou mais países pode suprir a ausência de mecanismos internos – fazendo-se referência especificamente ao Brasil e à legislação de regência – hábeis a fazer frente à contenção probatória e persecutória em face da macrocriminalidade organizada. “Trata-se, mais que nada, de responder a exigências do poder político ou das instâncias de aplicação judicial do Direito, impotentes na luta dos ordenamentos nacionais contra a criminalidade transnacional” (SILVA SÁNCHEZ, 2011, p. 98).
Portanto, aqui representado de modo sumaríssimo e constituindo o ponto-chave da análise, a UNODC atesta que o combate a um fenômeno global como a criminalidade organizada transnacional exige parcerias em todos os níveis, sendo que um dos aspectos essenciais no que diz respeito a essa medida é a coordenação por meio de uma ação integrada a nível internacional, o que é crucial para identificar, investigar e processar pessoas e grupos por trás da prática de tais delitos.
3. COMPONENTE ESTRUTURAL EXTERNO DA CRIMINALIDADE ORGANIZADA
A ideia referente ao caráter proteico da moderna criminalidade atualmente ostenta aquilo que JESUS (2010, p. 918/919) denominou de “componente estrutural externo, transnacional ou globalizado da delinquência organizada”. A dimensão macro que atingiu o crime organizado – especialmente no Brasil – deve-se basicamente à sua capacidade de ir além-fronteira, o que problematiza o processo investigatório e, por conseguinte, o persecutório em juízo. Eis porque faz-se necessário o implemento de um ponto de conexão investigatório entre diferentes jurisdições estatais.
Fincadas essas premissas, JESUS (2010, p. 919) assevera que, para além das manifestações criminológicas que tradicionalmente afetam uma comunidade, há a face externa da Política Criminal moderna, que é a denominada transnacional ou globalizada. Isso porque o problema do crime organizado atinge âmbitos mais amplos e genéricos, “quase obrigando seu estudo sob uma ótica de integração supranacional (ou visão externa da questão)”.
Ponderando sobre tais questões, a transnacionalidade das condutas relativas ao crime organizado implicou na crescente adoção de exceções ao princípio da territorialidade (JESUS, 2010, p. 919). Com base nisso, deve-se sustentar que as exceções previstas no art. 7º do Código Penal, referentes à extraterritorialidade, não são suficientes quando se trata de condutas transnacionais organizadas.
Disso decorre, adentrando na temática de fundo e de acordo com JESUS (2010, p. 919), que: “O exame dos mecanismos atuais de cooperação internacional revela que não é mais viável conceber uma ‘concepção estática de ordenamentos jurídicos’, nem tampouco manter a exclusividade da resposta penal em mãos de um único Estado. Pelo contrário, percebe-se uma verdadeira tendência (principalmente nos países de Direito escrito) em ‘relativizar o princípio da territorialidade’ em favor do chamado ‘princípio de justiça universal’, introduzindo mudanças consideráveis em temas como da extradição e da dupla jurisdição penal”.
A questão aqui apresentada revela que a prática concomitante de diversas e distintas infrações penais de elevada danosidade social no território de diferentes Estados – concepção central de macrocriminalidade organizada – exige a aplicação de avançados mecanismos de captura de provas. Não se afigura possível proceder uma diligente investigação no território nacional quando há indicativos da presença de outras provas correlacionadas em outros territórios, sem que haja cooperação entre as autoridades de distintos Estados.
Neste sentido, ainda com apoio em JESUS (2010, p. 921), “a dissociação produzida entre a execução material do delito e o resultado (que pode ocorrer em separado, tanto no espaço como no tempo) são fatores que exigem modelos unificados de resposta penal. O preenchimento de ‘lacunas legais internacionais’ é sensivelmente potencializado se o tipo de delito em questão tem o perfil de delinquência organizada”.
Em termos sumários, como modelo unificado de resposta penal, há um instrumento extremamente útil a fim de conceber uma concepção dinâmica entre os ordenamentos jurídicos com vistas à investigação e persecução penal das infrações penais que constituem o problema macro da criminalidade organizada: as Equipes Conjuntas de Investigação. Antes de adentrar no ponto principal, contudo, aborda-se as linhas gerais sobre o problema da captação de provas nas investigações transnacionais.
4. O PROBLEMA DA COLHEITA DE PROVAS NAS INVESTIGAÇÕES TRANSNACIONAIS
O que acima foi dito sobre a existência de um componente estrutural externo, transnacional ou globalizado da delinquência organizada conforma, por consequência, um grande e inafastável problema: a questão atinente à colheita de provas em delitos praticados de forma transnacional.
Porque neste ponto três eixos devem ser vislumbrados: a consumação ou a tentativa de realização de diversas infrações penais em distintos países, relativas a uma organização criminosa; as investigações que devem ser empreendidas nos territórios afetados; e a persecução penal que há de ser materializada em pelo menos um dos Estados – o Estado-base da organização criminosa –, a fim de que haja uma resposta penal satisfativa.
Assevere-se que o Código de Processo Penal, em seu Título VII, Capítulo I, na tratativa do inquérito policial e da prova, permanece atrelado às situações de caráter estritamente interno, não sendo utilizado, portanto, quando se trata de investigações transfronteiriças. Nesse caso, faz-se uso das disposições previstas no Livro V, Das Relações Jurisdicionais com Autoridade Estrangeira, onde há expressa previsão das cartas rogatórias e da homologação das sentenças estrangeiras, arts. 780 a 790, dois importantes instrumentos de cooperação jurídica internacional em matéria penal (Cf. ABADE, 2013).
Ainda assim, a previsão contida no Livro V do Código de Processo Penal não se mostra suficiente na questão relativa à criminalidade organizada transnacional. O mesmo deve ser dito quanto à Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, que definiu organização criminosa, bem como dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal, que foi um passo definitivo para a implementação interna de um sistema de investigação e persecução penal condizente o estado atual do crime organizado – dentro dos limites do território brasileiro.
Em face disso, especificamente no que tange à cooperação internacional para a produção de provas relativas ao crime organizado transfronteiriço, a Lei nº 12.850/2013 trata da questão em somente um momento, no art. 9º, que trata da ação controlada, verbis:
Art. 9º. Se a ação controlada envolver transposição de fronteiras, o retardamento da intervenção policial ou administrativa somente poderá ocorrer com a cooperação das autoridades dos países que figurem como provável itinerário ou destino do investigado, de modo a reduzir os riscos de fuga e extravio do produto, objeto, instrumento ou proveito do crime.
Em que pese haja essa única previsão na Lei nº 12.850/2013 pertinente ao assunto em debate, há de ser louvada, visto que a ação controlada é um dos principais meios de prova dispostos no citado diploma, cuidando-se de uma “importante técnica de investigação” (LIMA, 2020, p. 834), sendo certo que a cooperação das autoridades dos países que figuram como provável itinerário ou destino do investigado constitui elemento essencial para a produção e confirmação da prova relativa à autoria e materialidade delitivas.
Mesmo assim, a ação controlada é somente um dos meios de prova previstos na Lei nº 12.850/2013 que, definitivamente, como será tratado no tópico abaixo, não tem a abrangência das Equipes Conjuntas de Investigação que, contudo e por sua vez, não tem previsão na citada lei nacional de regência sobre organizações criminosas.
Esta breve exposição bem demonstra que há um nó górdio na legislação nacional quanto ao tema envolvendo a investigação de delitos praticados por organizações criminosas que atuam além-fronteira. Diga-se que nem o Código de Processo – à exceção dos citados arts. 780 a 790 – e nem a Lei nº 12.850/2013 oferecem mecanismos aptos e suficientes à captura de provas em delitos consumados em dois ou mais países, o que dificulta, e muito, a persecução penal tanto do delito de organização criminosa (art. 2º, Lei nº 12.850/2013), quanto dos diversos e quase sempre complexos crimes atrelados.
Como obter, por exemplo, provas de autoria e materialidade de infrações penais como tráfico internacional de drogas, tráfico internacional de pessoas, tráfico internacional de armas de fogo, evasão de divisas e lavagem de dinheiro, comumente praticados por organizações criminosas transnacionais, além do próprio delito de promoção, constituição, financiamento ou integração de organização criminosa, tal como previsto na Lei nº 12.850/2013?
Certo é que a Lei nº 12.850/2013 considera organização criminosa, também, aquela que seja de caráter transnacional, conforme enunciado no art. 1º, §1º. No entanto, no trato dos meios de investigação e obtenção de prova (Capítulo II, art. 3º), além de outras hipóteses, determina que é permitida, em qualquer fase da persecução penal, a “cooperação entre instituições e órgãos federais, distritais, estaduais e municipais na busca de provas e informações de interesse da investigação ou da instrução criminal” – repise-se: isso dentro dos limites do território nacional.
Em que pese essa exposição, ARAS opina que “há uma série de medidas de cooperação internacional voltadas para a obtenção de provas no exterior, sejam elas documentais, orais ou periciais” (2019, p. 437), pelo que é possível citar as cartas rogatórias e o auxílio direto, medidas de cooperação penal internacional – o que aqui não será objeto de análise.
Ademais, seguindo aos rumos do presente estudo, ARAS explicita que “as técnicas especiais de investigação (special investigative techniques) – ou meios especiais de obtenção de prova na linguagem da Lei nº 12.850/2013 – são admitidas na cooperação penal internacional” (2019, p. 449).
E diga-se, ainda com apoio em ARAS, que há um reforço quanto a essa questão na Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), precisamente no art. 20, §2º, ao dispor que “para efeitos de investigações sobre as infrações previstas na presente Convenção, os Estados Partes são instados a celebrar, se necessário, acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais apropriados para recorrer às técnicas especiais de investigação, no âmbito da cooperação internacional”, o que se aplica inclusive para a persecução da lavagem de dinheiro e da corrupção, o que há de somar-se à previsão contida no importante art. 19 da mesma Convenção de Palermo, dispositivo esse que constitui um dos eixos centrais do artigo.
São dois pesos e duas medidas: se de um lado os delitos evoluem, tornando-se tão complexos quanto a evolução própria da sociedade; de outro, há de evoluir, também, os meios de investigação para uma adequada persecução penal.
Nesse ponto entra a relevância da aplicação das Equipes Conjuntas de Investigação como medida para a captação de provas e ulterior substrato para a persecução penal em juízo dos delitos praticados no âmbito da macrocriminalidade organizada.
5. MECANISMO DE CAPTAÇÃO DE PROVAS CONTRA A MACROCRIMINALIDADE ORGANIZADA: AS EQUIPES CONJUNTAS DE INVESTIGAÇÃO
5.1. Histórico
O instrumento investigatório das Equipes Conjuntas de Investigação (ECIs) – ou do inglês Joint Investigation Teams (JIT) – é um produto da modernidade. Na verdade, é recentíssimo, datado de algumas poucas décadas, mas cuja força de aplicação passou a incidir a partir dos anos 2000.
O exame inicial afere que as Equipes Conjuntas de Investigação possuíram maior sistematização e aceitação nos países da Europa, provavelmente por conta do estágio avançado de integração entre os países daquele continente, o que permite propor com maior segurança e em consonância com os princípios da União Europeia, a possibilidade de trabalhos conjuntos entre autoridades de investigação de dois ou mais países, mesmo quando se encontrem fora de sua jurisdição de origem.
De acordo com BLOCK (2011, p. 89), “as Equipes Conjuntas de Investigação apareceram pela primeira vez no plano da elaboração de políticas da União Europeia, num documento de discussão apresentado em 1994 pela delegação alemã ao Grupo de Trabalho de Cooperação da Alfândega”.
Neste prisma, BLOCK (2011, p. 89) atesta que “o documento relacionado com a revisão e atualização da Convenção de Nápoles de 1967 sobre a assistência mútua entre autoridades alfandegárias e o seu conteúdo foi baseado em sugestões de autoridades aduaneiras da Alemanha para uma nova convenção. Uma das sugestões foi a criação de ‘equipes conjuntas’”.
Logo, vê-se que o instrumento em estudo tem suas raízes no âmbito europeu, onde os primeiros passos para a efetivação de uma mais eficaz cooperação mútua entre Estados para fins de investigação foram dados. Dito isso, ainda com base em BLOCK (2011, p. 89), a sugestão para a criação de equipes conjuntas reapareceu no primeiro esboço para a Convenção Relativa à Assistência Mútua e à Cooperação entre Administrações Aduaneiras (Nápoles II), enviada pela Alemanha e que apresenta as Equipes Conjuntas de Investigação como um método adicional de cooperação, além da tradicional assistência mútua:
“No âmbito da luta contra organizações criminosas internacionais, durante um período de tempo limitado e a fim de atingir um objetivo de investigação específico, pode tornar-se necessário formar uma equipe conjunta de investigação que envolva autoridades de dois ou mais Estados-membros. A ideia é possibilitar a identificação e o combate às estruturas criminosas organizadas”.
Percebe-se que a concepção original em torno da constituição das Equipes Conjuntas de Investigação teve como ponto de partida, justamente, o combate ao crime organizado transnacional, por conta da premente necessidade de prevenção, investigação e repressão de infrações cujas execuções e consumações podem dar-se em diferentes Estados, tal como ocorre no tráfico internacional de drogas, sendo certo que a primeira menção às Equipes Conjuntas de Investigação no combate ao crime organizado ocorreu em 1997, de modo que a Europol pudesse iniciar investigações multidisciplinares conjuntas em larga escala envolvendo dois ou mais Estados-membros (BLOCK, 2011, p. 90).
É preciso, pois, trazer ao contexto, para melhor compreensão, as disposições da Convenção Relativa à Assistência Mútua e à Cooperação entre Administrações Aduaneiras (Nápoles II), que substitui e reforça a Convenção de Nápoles original celebrada em 1967 e abrange a assistência mútua e a cooperação entre as autoridades nacionais na prevenção, investigação e repressão de determinadas infrações às regulamentações aduaneiras nacionais e da União Europeia, aplicável a partir de 23 de junho de 2009.
Em que pese o regime aduaneiro ser o ponto principal da Convenção Nápoles II, a possibilidade de os infratores utilizarem as vias alfandegárias para o cometimento de ilícitos penais transnacionais – com fins efetivamente financeiros, levou as autoridades dos países da União Europeia a cooperar entre si para combater a fraude aduaneira e o tráfico transnacional, bem como para reprimir e punir os infratores.
Além disso, a Convenção Nápoles II aplica-se às regulamentações aduaneiras nacionais, incluindo as relacionadas com o tráfico de drogas e de armas e com a pornografia infantil, bem como à lavagem de dinheiro, crimes estes quase sempre correlacionados com organizações criminosas transnacionais, por conta da presença do elemento ínsito a tais delitos: o proveito econômico ilícito.
Sendo assim, precisamente, no Título IV da Convenção Nápoles II, que versa acerca das formas especiais de cooperação, há a previsão no que diz respeito ao mecanismo em questão, denominado “equipes de investigação especial comuns”, cuja aplicação, neste caso, é restrita ao plano europeu, mas, como será disposto abaixo, é possível notar pontos em comum com a normativa aplicável na América do Sul.
Deste modo, veja-se o que prevê o art. 24 da Convenção Nápoles II (com previsão semelhante no art. 13 da Convenção sobre Assistência Mútua em Matéria Penal entre os Estados-Membros da União Europeia):
Artigo 24º Equipes de investigação especial comuns
1. De comum acordo, as autoridades de vários Estados-membros podem constituir uma equipe de investigação especial comum, implantada num Estado-membro e composta por agentes especializados nos domínios em causa.
À equipe de investigação especial comum serão atribuídas as seguintes tarefas:
- execução de investigações difíceis que requeiram grandes meios, destinadas a averiguar infracções específicas que exijam um procedimento simultâneo e concertado nos Estados-membros participantes,
- coordenação de atividades comuns destinadas a impedir ou averiguar certos tipos de infrações e obter informações sobre as pessoas implicadas, o meio em que se movem e o seu modo de atuação.
2. As equipes de investigação especial comuns operarão nas seguintes condições gerais:
a) Serão constituídas apenas para um fim determinado e por um período de tempo limitado;
b) A direção da equipe ficará a cargo de um agente do Estado-membro em cujo território a equipa tenha de intervir;
c) Os agentes participantes ficarão sujeitos à legislação do Estado-membro em cujo território a equipe tenha de intervir;
d) O Estado-membro em cujo território a equipe intervém criará as condições de organização necessárias ao seu funcionamento.
3. A participação na equipe não confere aos agentes que a constituem poderes de intervenção no território de outro Estado-membro.
Isso demonstra o quadro geral que fundamenta as Equipes Conjuntas de Investigação: a existência de um acordo comum entre autoridades especializadas de diferentes Estados para fins de investigações complexas e concertadas por parte dos Estados envolvidos, cuja finalidade é a investigação (averiguação) e repressão de determinadas infrações, respeitando-se a soberania do Estado no qual ocorrerá a intervenção.
Outrossim e como já se demonstrou, BLOCK (2011, p. 91) sustenta que as iniciativas para a criação de Equipes Conjuntas de Investigação entre dois ou mais Estados no âmbito europeu partiu da Alemanha, asseverando o citado autor que “as elevadas expectativas relacionadas com os equipes conjuntas de investigação podem possivelmente ser explicadas por experiências domésticas na Alemanha”. Diga-se que ouve um notável esforço da parte da Alemanha para inserir o conceito de Equipes Conjuntas de Investigação no quadro jurídico da União Europeia.
Consoante tal ordem de considerações, BLOCK conforma não surpreender que as Equipes Conjuntas de Investigação, no âmbito da Alemanha denominadas de Gemeinsame Ermittlungsgruppen, tenham sido uma estratégia de cooperação utilizada com frequência entre distintos órgãos de aplicação da lei nos diferentes Estados (Länder) da República Federal Alemã, antes de a Alemanha apresentar sua sugestão à União Europeia.
Por isso, BLOCK (2011, p. 91) menciona que a primeira Gemeinsame Ermittlungsgruppen foi estabelecida em 1970 na cidade de Hamburgo, entre a polícia estadual e a alfândega federal, cuja finalidade era a averiguação do tráfico de drogas, o que resultou na abreviatura GER (Gemeinsame Ermittlungsgruppe Rauschgift), comumente utilizada na Alemanha para estas equipes.
Há informações de que, em 1988, o primeiro acordo escrito entre a polícia e a alfândega incluindo disposições acerca das equipes conjuntas foi estabelecido em Nordrhein-Westfalen. Dois anos mais tarde, o governo federal alemão promoveu a utilização de equipes conjuntas entre a polícia e a alfândega na sua estratégia nacional de combate ao tráfico de drogas, de forma que as GER proliferaram-se por toda a Alemanha, embora com estruturas distintas (BLOCK, 2011, p. 92).
Assim vistas as coisas, nota-se que as Equipes Conjuntas de Investigação só foram inicialmente destacadas para o campo do crime de tráfico de drogas, dentro do território da Alemanha e depois para a União Europeia, contudo, BLOCK (2011, p. 92) atesta que atualmente as Equipes Conjuntas de Investigação são constituídas para combater vários tipos de crime organizado.
Assim, com base no exposto, conforme RIJKEN (2006, p. 99), “o instrumento das Equipes Conjuntas de Investigação foi há muito previsto como meio para facilitar a assistência mútua em matéria penal entre os Estados-membros da União Europeia”.
Com efeito, o que foi dito demonstra que as primeiras abordagens em relação à instrumentalização das Equipes Conjuntas de Investigação – incluindo-se aqui aquela relacionada à criminalidade organizada, a partir de 1997 – materializou-se especialmente na Europa, a partir das iniciativas da Alemanha, que já utilizava do referido meio de investigação desde a década de 1970.
A exposição histórica atesta que, na atualidade, “há vários instrumentos para viabilizar a cooperação internacional em matéria penal, no interesse de uma investigação criminal ou do processo penal” (ARAS, 2019, p. 425), entretanto, será demonstrado o fato de ser as Equipes Conjuntas de Investigação um dos mecanismos de investigação mais relevantes no plano da cooperação internacional criminal, por conta de sua abrangência e disposição das autoridades de diferentes Estados para implementar o instituto.
5.2. Concepção e fundamentação legal nacional e internacional
Assume relevo, já no início da tratativa legal nacional e internacional vinculada às Equipes Conjuntas de Investigação, que apesar dos diversos acordos internacionais sobre cooperação jurídica em matéria penal bilaterais e multilaterais já ratificados e em vigor no Brasil, a normativa específica sobre as Equipes Conjuntas de Investigação ainda vem esbarrando na insuficiência de instrumentos legais que viabilizem essa forma de investigação transnacional no ordenamento jurídico brasileiro.
Não obstante, no plano das Organizações das Nações Unidas (ONU) – em nível internacional, portanto – há a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, concluída em Viena, a 20 de dezembro de 1988, sendo o tratado internacional mais antigo a prever a possibilidade de instrumentalização das Equipes Conjuntas de Investigação, tendo sido internalizada no Brasil por intermédio do Decreto nº 154, de 26 de junho de 1991.
Seu art. 9º, 1, alínea “c”, assim dispõe:
1 - As Partes Colaborarão estreitamente entre si, em harmonia com seus respectivos ordenamentos jurídicos e sua administração, com o objetivo de aumentar a eficácia das medidas de detecção e repressão, visando à supressão da prática de delitos estabelecidos no parágrafo 1 do Artigo 3. Deverão fazê-lo, em particular, com base nos acordos ou ajustes bilaterais ou multilaterais:
[...]
c) quando for oportuno, e sempre que não contravenha o disposto no direito interno, criar equipes conjuntas, levando em consideração a necessidade de proteger a segurança das pessoas e das operações, para dar cumprimento ao disposto neste parágrafo. Os funcionários de qualquer umas das Partes, que integrem as equipes, atuarão de acordo com a autorização das autoridades competentes da Parte em cujo território se realizará a operação. Em todos os casos, as Partes em questão velarão para que seja plenamente respeitada a soberania da parte em cujo território se realizará a operação.
Bem analisadas as circunstâncias, em 1988 já havia a previsão de caráter internacional acerca da constituição de Equipes Conjuntas de Investigação, para fins de investigação de condutas relativas ao tráfico ilícitos de entorpecentes e de substâncias psicotrópicas, norma que passou a ter incidência no território brasileiro a partir do ano de 1991.
Somente a partir dos anos 2000, entretanto, que a temática afeta às Equipes Conjuntas de Investigação passou a ter acentuada atenção por parte das legislações ao redor do mundo, em especial na Europa e no seio onusiano (ONU).
Na Europa, existem três grandes normas internacionais que tratam das Equipes Conjuntas de Investigação: a Convenção da União Europeia de 2000, o Segundo Protocolo Adicional de 2001 à Convenção do Conselho da Europa de 1959 e a Decisão-Quadro do Conselho da União Europeia sobre Equipes Conjuntas de Investigação de 2002, cujos textos são similares quanto ao tema em debate.
No âmbito europeu, é possível destacar outros dois documentos acerca do assunto, oriundos do Conselho da União Europeia: o Guia Prático para as Equipes de Investigação Conjunta e a Resolução do Conselho relativa a um Modelo de Acordo para a Criação de Equipes de Investigação Conjunta, sendo que essa Resolução é abrangida pelo Guia Prático, e constitui um modelo do acordo a ser seguido pelos Estados ao formalizarem a criação de Equipes Conjuntas de Investigação, que trata dos requisitos de constituição e funcionamento, considerados essenciais pelo Conselho da União Europeia.
Na sistemática interamericana, há o seguinte projeto de tratado, que ainda não se encontra em vigor: a Convenção para a Cooperação entre os Estados membros da Conferência de Ministros de Justiça dos Países Ibero-americanos (COMJIB) em matéria de Equipes de Investigação Conjunta, de 2013, cujo texto muito se aproxima das convenções europeias que dispõem sobre as Equipes Conjuntas de Investigação.
Nota-se que o texto da referida convenção regional, da qual o Brasil faz parte, é muito similar ao que consta do Acordo-Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados Para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação, de 2010, e regulamenta, com maior segurança jurídica e de forma mais detalhada, as etapas para a constituição e funcionamento de uma Equipes Conjuntas de Investigação formalmente criada entre Estados.
Prosseguindo nesse contexto e aqui estando uma das bases principais do artigo, em 15 de novembro de 2000, houve a aprovação internacional, pela Assembleia-Geral da ONU, da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como Convenção de Palermo, tendo sido promulgada no Brasil em 12 de março de 2004, por meio do Decreto nº 5.015.
A disposição normativa da Convenção de Palermo, de forma inovadora, já no ano 2000, no âmbito internacional, e a partir de 2004, para o Brasil, tratou expressamente das Equipes Conjuntas de Investigação em seu art. 19:
Artigo 19. Investigações conjuntas. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar acordos ou protocolos bilaterais ou multilaterais em virtude dos quais, com respeito a matérias que sejam objeto de investigação, processos ou ações judiciais em um ou mais Estados, as autoridades competentes possam estabelecer órgãos mistos de investigação. Na ausência de tais acordos ou protocolos, poderá ser decidida casuisticamente a realização de investigações conjuntas. Os Estados Partes envolvidos agirão de modo a que a soberania do Estado Parte em cujo território decorra a investigação seja plenamente respeitada.
Na sequência, ainda no seio da ONU, adveio a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), em 31 de outubro de 2003, que foi promulgada internamente no Brasil pelo Decreto nº 6.587, de 31 de janeiro de 2006. Seu art. 49 é expresso ao dispor sobre as equipes conjuntas de investigação:
Artigo 49. Investigações conjuntas. Os Estados Partes considerarão a possibilidade de celebrar acordos ou tratados bilaterais ou multilaterais em virtude dos quais, em relação com questões que são objeto de investigações, processos ou ações penais em um ou mais Estados, as autoridades competentes possam estabelecer órgãos mistos de investigação. Na falta de tais acordos ou tratados, as investigações conjuntas poderão levar-se a cabo mediante acordos acertados caso a caso. Os Estados Partes interessados velarão para que a soberania do Estado Parte em cujo território se efetua a investigação seja plenamente respeitada.
De se ver, assim, que há três grandes tratados internacionais emergidos da ONU que possuem, cada qual, um dispositivo específico que prevê a possibilidade de cooperação entre os Estados-partes, no caso, por meio da composição de Equipes Conjuntas de Investigação, para, respectivamente, investigar fatos relacionados ao tráfico internacional de drogas e substâncias psicotrópicas, ao crime organizado transnacional e à corrupção.
A Convenção de Palermo, de seu turno, é o diploma internacional ratificado pelo Brasil cuja finalidade principal é reprimir a criminalidade organizada além-fronteira, cujo eixo de aplicação “consiste em promover a cooperação para prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada transnacional”, conforme consta de seu artigo 1º, que trata do objetivo do tratado em questão.
Eis, portanto, um dos fundamentos para a instrumentalização das Equipes Conjuntas de Investigação (art. 19) como forma de tornar mais eficaz a investigação e a persecução penal dos delitos implicados na conjuntura da macrocriminalidade organizada.
Isso permite constatar que, em tendo sido já internalizada formalmente por intermédio do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, já havia possibilidade firmada no âmbito internacional para que o Brasil – Estado-parte da Convenção de Palermo – utilizasse internamente da sistemática das Equipes Conjuntas de Investigação por seus órgãos de investigação e persecução penal com outros Estados-partes da mesma Convenção, para fins de investigação e repressão à criminalidade organizada transnacional.
Mas ainda há pontos legais para análise. No contexto interno, a primeira vez que a temática que envolve as Equipes Conjuntas de Investigação obteve respaldo legal em lei ordinária foi por meio da Lei nº 13.344, de 6 de outubro de 2016, que dispõe sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas e sobre medidas de atenção às vítimas. Sua previsão está contida no art. 5º, inciso III:
Art. 5º. A repressão ao tráfico de pessoas dar-se-á por meio:
[...]
III - da formação de equipes conjuntas de investigação.
Em que pese não haja uma concepção ou requisitos legais sobre o tema na referida Lei nº 13.344/2016, o legislador ordinário demonstrou a boa intenção em acolher o instituto, dando mostras de que as Equipes Conjuntas de Investigação podem ser utilizadas como forma de repressão a um gravíssimo delito que guarda estreita relação com a macrocriminalidade organizada: o tráfico nacional e transnacional de pessoas.
Nesse particular aspecto, o reforço a tal situação veio com a promulgação interna do Acordo-Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados Para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação, o que se deu pelo Decreto nº 10.452, de 10 de agosto de 2020 – acordo firmado pela República Federativa do Brasil, em San Juan, em 2 de agosto do longínquo ano de 2010.
O objetivo do Acordo-Quadro é intensificar o trabalho de cooperação entre países membros do Mercosul no combate ao crime organizado transnacional por meio do estabelecimento de investigação conjunta, o que reforça a cooperação jurídica internacional entre os países do bloco.
O Acordo-Quadro do Mercosul tem como diretriz dinamizar procedimentos de cooperação internacional em matéria criminal e permitir o trabalho próximo e concomitante, na produção de provas, entre autoridades de investigação de dois ou mais países, de forma a viabilizar, com maior celeridade e objetividade, a colaboração no combate ao crime organizado transnacional.
Esta forma cooperacional é decorrente de uma preocupação do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai (Estados-Partes do Mercosul), bem como da Bolívia e do Equador (Estados Associados do Mercosul), com os delitos como o tráfico ilícito de entorpecentes, corrupção, tráfico de armas e todos aqueles que integram o chamado crime organizado transnacional. Os Estados que ratificarem o Acordo-Quadro ficam convencidos deste modo, que as Equipes Conjuntas de Investigação constituirão uma ferramenta eficaz de cooperação internacional em matéria penal.
Sendo coerente a ideia de que grande parte do fluxo transfonteiriço das organizações criminosas que operam no Brasil dá-se com relação aos países limítrofes e próximos na América do Sul, o citado Acordo-Quadro certamente preencherá uma lacuna relevante acerca do assunto, o que está bem delineado em seu art. 1º:
Artigo 1º. As autoridades competentes de uma Parte, que estiverem a cargo de uma investigação penal, poderão solicitar a criação de uma Equipe Conjunta de Investigação às autoridades competentes de outra Parte, quando essa investigação tiver por objeto condutas delituosas que por suas características exijam a atuação coordenada de mais de uma Parte.
Na atual quadra, na qual “criminosos desconhecem fronteiras” (ARAS, 2019, p. 424), incumbe às autoridades competentes dos Estados-partes do Acordo-Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados Para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação propor ou admitir a formação de uma ECI, o que deve ocorrer por meio de suas autoridades centrais.
É o que prevê o art. 5º do Acordo-Quadro:
Art. 5º. Formalizada a solicitação pela Autoridade Competente da Parte Requerente, ela a remeterá a sua Autoridade Central. A Autoridade Central analisará se a solicitação reúne as condições estabelecidas no presente Acordo e, nesse caso, encaminhará o pedido à Autoridade Central da Parte Requerida.
Impõe-se dizer que o Acordo-Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados Para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação até o presente momento foi ratificado por Equador, Argentina e Brasil, de modo que, por enquanto, a formação de uma Equipe Conjunta de Investigação somente pode ser concluída entre os citados Estados-partes.
Em síntese, no que concerne à investigação, prevenção e persecução penal dos crimes relacionados à macrocriminalidade organizada, no contexto brasileiro há duas normas que podem fundamentar um pedido de constituição de uma Equipe Conjunta de Investigação: a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo) e o Acordo-Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados Para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação.
Para além do que prevê a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo) e o Acordo-Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados Para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação, ambos especificamente direcionados à macrocriminalidade organizada e já em vigor para o Brasil, há de se fazer referência ao Projeto de Lei nº 6.341/2019, que deu origem à Lei nº 13.964/2019, conhecida por instituir o chamado Pacote Anticrime.
No que concerne ao tópico em exame, o texto original do aludido PL nº 6.341/2019 trazia uma previsão específica no que tange às Equipes Conjuntas de Investigação, cuja finalidade era a inserção do mecanismo no teor da Lei nº 12.850/2013 (Lei de Organizações Criminosas). Veja-se como seria a redação do art. 3º-A da citada norma:
“Art. 3º-A. O Ministério Público Federal e a Polícia Federal poderão firmar acordos ou convênios com congêneres estrangeiros para constituir equipes conjuntas de investigação para a apuração de crimes de terrorismo, crimes transnacionais ou crimes cometidos por organizações criminosas internacionais.
§1º Respeitadas as suas atribuições e competências, outros órgãos federais e entes públicos estaduais poderão compor as equipes conjuntas de investigação.
§2º O compartilhamento ou a transferência de provas no âmbito das equipes conjuntas de investigação devidamente constituídas dispensam formalização ou autenticação especiais, sendo exigida apenas a demonstração da cadeia de custódia.
§3º Para a constituição de equipes conjuntas de investigação, não se exige a previsão em tratados.
§4º A constituição e o funcionamento das equipes conjuntas de investigação serão regulamentadas por meio de decreto.” (NR)
Sem embargo, o grupo de trabalho que então analisou o texto do Projeto de Lei nº 6.341/2019, ainda no mês de outubro do ano de 2019, decidiu retirar a previsão de acordos de cooperação sem previsão de tratados internacionais em investigações de organizações criminosas.
Além disso, entendeu-se que a previsão no sentido de que o Ministério Público Federal e a Polícia Federal poderiam constituir Equipes Conjuntas de Investigação para atuarem em crimes de terrorismo, transnacionais ou cometidos por organizações criminosas internacionais violaria a prerrogativa do Congresso Nacional de aprovar tratados internacionais do quais o Brasil é signatário.
Em que pese os argumentos deduzidos pela Câmara dos Deputados, perdeu-se a oportunidade, diga-se de passagem, de se ter a previsão em lei ordinária da instrumentalização de Equipes Conjuntas de Investigação com a específica finalidade de prevenção e repressão à criminalidade organizada transnacional, questão ausente – como já foi sustentado – na Lei nº 12.850/2013, cujo procedimento probatório ali definido está limitado ao regime jurídico e jurisdicional interno.
De qualquer modo, está em trâmite no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 8.045/2010, cuja diretriz é dispor sobre o novo Código de Processo Penal e há uma tendência de inserir dispositivos referentes às Equipes Conjuntas de Investigação, o que, sem dúvida, constituirá um notável avanço em termos probatórios.
De acordo com o Relatório da Câmara dos Deputados relativo ao PL nº 8.045/2010: “Também foi incorporada disciplina das equipes conjuntas de investigação, atendendo a compromissos internacionais assumidos. Tais equipes poderão ser constituídas para a apuração criminal de fato que configure delito previsto em tratado internacional de que o Brasil seja parte, a fim de que possa ser conduzida em território brasileiro ou estrangeiro, ou ainda quando houver apurações correlatas que exijam a coordenação de atuação de mais de um país, diante de sua complexidade”.
A novidade adveio por intermédio da Emenda nº 225/16, que trouxe ao PL as Equipes Conjuntas de Investigação, incorporada e acolhida no substitutivo apresentado à Câmara dos Deputados.
Em recente audiência promovida pela comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa o projeto do novo Código de Processo Penal, o Ministério Público Federal (MPF) defendeu alterações na proposta para fortalecer a cooperação jurídica internacional, propondo-se medidas para favorecer a formação de Equipes Conjuntas de Investigação no combate a crimes transnacionais.
No entanto, na oportunidade, o MPF sugeriu que seja retirada da proposta do novo CPP a exigência de um acordo constitutivo, a cargo da autoridade central, para a formação de Equipes Conjuntas de Investigação, que envolvem autoridades de diferentes países, haja vista que a medida contraria o Acordo-Quadro do Mercosul, que prevê a criação das ECIs por meio de acordo de cooperação técnica entre as autoridades envolvidas.
Isso porque, com fulcro no Acordo-Quadro, o MPF já tem integrado equipes formadas por integrantes da polícia e do Ministério Público de outros países, para a investigação e combate a crimes transnacionais, tendo sido necessário apenas o envio de proposta formal à autoridade central, justificando a necessidade do trabalho conjunto.
Nada obstante o correto posicionamento do Ministério Público Federal, uma previsão em lei ordinária interna tratando da instituição de Equipes Conjuntas de Investigação como meio probatório na investigação e persecução penal é medida louvável.
Por derradeiro e para melhor intelecção, agregue-se os principais dispositivos do texto do PL nº 8.045/2010, pertinente às Equipes Conjuntas de Investigação, com expressa previsão no Título V – Das Equipes Conjuntas de Investigação, com ampla e detalhada normatização entre os arts. 763 e 780 do projeto do novo Código de Processo Penal:
Art. 763. A constituição de Equipe Conjunta de Investigação (ECI), prevista nas Convenções das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, a Corrupção e o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, obedecerá ao disposto neste Título, sem prejuízo de sua formação para a apuração de outros crimes previstos em tratado internacional de que o Brasil faça parte.
§1º Enseja a constituição de uma Equipe Conjunta de Investigação a apuração criminal de fato que configure delito previsto em tratado internacional de que o Brasil seja parte, com repercussão transnacional, que possa ser conduzida em território brasileiro ou estrangeiro, ou a existência de apurações correlatas que exijam a coordenação de atuação de mais de um país, diante de sua complexidade.
§2º As autoridades competentes brasileiras devem possuir jurisdição territorial ou extraterritorial em relação ao fato objeto da investigação.
[...]
Art. 764. O acordo operacional ou similar poderá ser firmado pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública ou autoridade por ele designada, em representação ao Estado brasileiro.
Parágrafo único. Quando a autoridade central brasileira não estiver vinculada ao Ministério da Justiça, o acordo previsto neste artigo será firmado pelo Ministro das Relações Exteriores ou autoridade por ele designada, em representação ao Estado brasileiro.
Art. 765. A solicitação para a criação de Equipe Conjunta de Investigação pelo órgão interessado será enviada ao Estado estrangeiro ou recebida no Brasil por intermédio da autoridade central brasileira para cooperação internacional designada por lei ou tratado, que deverá manifestar-se acerca dos requisitos formais de admissibilidade para a formação da referida equipe, ou por mala diplomática, salvo previsão expressa em tratado internacional.
[...]
Art. 766. A aceitação do Estado requerido ao pedido de criação da Equipe Conjunta de Investigação será realizada por intermédio da autoridade central brasileira.
§1º. Após a aceitação do Estado requerido e presentes os requisitos formais de admissibilidade, será celebrado o acordo operacional que constituirá a Equipe Conjunta de Investigação.
§2º A recusa ao pedido de criação da Equipe Conjunta de Investigação será realizada por intermédio da autoridade central brasileira e deverá ser devidamente fundamentada.
Art. 768. São órgãos integrantes da Equipe Conjunta de Investigação e possuem legitimidade para firmar o respectivo instrumento de cooperação técnica:
I - a Polícia Federal e a Procuradoria Geral da República, conjuntamente, de acordo com suas atribuições legais, pelo Estado brasileiro;
II - as instituições estrangeiras congêneres, responsáveis pela condução de investigações criminais ou atuação em processo penal, pelo Estado estrangeiro.
§1º Poderão ser convidados a participar da Equipe Conjunta de Investigação, como membros adjuntos brasileiros, conforme a necessidade, outros órgãos federais, estaduais e do Distrito Federal, assim como organizações internacionais, todos dentro de suas respectivas competências.
§2º A Equipe Conjunta de Investigação poderá atuar em qualquer parte do território nacional e requisitar, quando cabível, a colaboração de órgãos de segurança pública federais, dos Estados e do Distrito Federal, e o apoio de outras autoridades locais.
§3º A Advocacia-Geral da União poderá participar como órgão integrante, conjuntamente com órgãos descritos no inciso I, nos casos em que os fatos criminais investigados possam caracterizar também ato de improbidade administrativa ou responsabilidade civil ou administrativa por ato contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
Assim concebido, o texto tencionará a preencher relevante lacuna na tratativa das Equipes Conjuntas de Investigação como instrumento probatório em investigações transnacionais complexas, tais quais aquelas vinculadas à macrocriminalidade organizada, questão-chave do estudo que ora se apresenta.
Assim, uma especificação pormenorizada dos procedimentos levados a cabo pelas Equipes Conjuntas de Investigação encontra-se bem delineada no art. 765 do PL nº 8.045/2010, deixando expresso normas relativas à definição do objeto e finalidade de atuação da equipe; à exposição sucinta dos fatos investigados e descrição dos motivos que justificam a necessidade de criação da equipe; à descrição sucinta dos procedimentos de investigação que se propõe realizar durante o funcionamento da equipe; ao provável prazo para seu funcionamento; e às regras de sigilo e confidencialidade que cada órgão integrante deve obedecer em relação aos fatos apurados pela equipe.
Portanto, é inegável o avanço que se dará com a aprovação do novo Código de Processo Penal em termos de cooperação jurídica internacional em matéria penal, havendo uma preocupação salutar do legislador ordinário com a previsão em lei ordinária acerca das Equipes Conjuntas de Investigação.
Contudo, não havendo certeza se o que consta do aludido Título V do texto do PL nº 8.045/2010 será mantido e aprovado, desde logo se pode concluir que a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo) e o Acordo-Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados Para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação suprem a ausência de normas internas condizentes com a instrumentalização de Equipes Conjuntas de Investigação em casos complexos de natureza transnacional atinentes à macrocriminalidade organizada, pois ambos já foram formalmente internalizados, não havendo óbices quanto à aplicação das mencionadas normas internacionais pelas autoridades brasileiras.
Por último, uma última palavra sobre os conceitos de Equipes Conjuntas de Investigação deve ser explicitada. A ideia geral em torno do assunto revela que, constituída por membros de Ministérios Públicos e autoridades policiais de dois ou mais Estados, uma equipe conjunta de investigação tem por objetivo realizar a investigação e a persecução de crimes transnacionais complexos, em um ou em todos os países que a compõe, a partir da celebração de acordo internacional entre as instituições envolvidas.
RIJKEN (2006, p. 102) anota que “a Joint Investigation Team é uma equipe de investigação operacional, criada com o objetivo de investigar casos complexos em diferentes Estados e composta por autoridades distintas destes Estados”.
Definição específica de Equipes Conjuntas de Investigação pode ser encontrada no art. 3º, 3.1, do Acordo-Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados Para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação:
3.1. Equipe Conjunta de Investigação (ECI): É a constituída por meio de um instrumento de cooperação técnica específico que se celebra entre as Autoridades Competentes de duas ou mais Partes, para levar adiante investigações penais em seus territórios, por um tempo e fim determinados.
Por outro lado, mas no mesmo sentido, na concepção da EUROJUST (European Union Agency for Criminal Justice Cooperation), “uma equipe conjunta de investigação (ECI) é um dos instrumentos mais avançados utilizados na cooperação internacional em matéria penal, incluindo um acordo jurídico entre autoridades competentes de dois ou mais Estados com o objetivo de realizar investigações criminais. Composta por procuradores e autoridades de vinculadas à aplicação da lei, bem como juízes, as ECI são estabelecidas por um período fixo, normalmente entre 12 e 24 meses, tal como é necessário para se chegar a conclusões bem sucedidas nas investigações”.
Já para a EUROPOL (European Police Office), “uma equipe conjunta de investigação é um instrumento de cooperação internacional baseado num acordo entre autoridades competentes – tanto judiciais (juízes, procuradores, juízes de investigação) como policiais – de dois ou mais Estados, estabelecidos por uma duração limitada e com um objetivo específico, para realizar investigações criminais em um ou mais dos Estados envolvidos”.
As concepções são semelhantes devido às finalidades semelhantes, haja vista que as Equipes Conjuntas de Investigação são um instrumento de cooperação eficiente e eficaz entre as agências nacionais de investigação no combate ao crime transfronteiriço, especialmente o organizado e concertado entre diversas jurisdições, facilitando a coordenação de investigações e processos judiciais conduzidos em paralelo em vários Estados.
5.3. Sobre a aplicação do instituto das Equipes Conjuntas de Investigação
Induvidoso, consoante a exposição apresentada, que as Equipes Conjuntas de Investigação permitem a implementação de técnicas de persecução mais eficazes para identificar, investigar e julgar os membros das organizações criminosas transnacionais. Os usos mais comuns desta forma de cooperação são no âmbito do tráfico de drogas, do tráfico de pessoas, da corrupção, da lavagem de dinheiro, do terrorismo, do contrabando de armas e dos crimes cibernéticos.
Os considerandos do Acordo-Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados Para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação bem explicitam tais fins:
Preocupados com delitos como o tráfico ilícito de entorpecentes, a corrupção, a lavagem de ativos, o tráfico de pessoas, o tráfico de migrantes, o tráfico de armas e todos aqueles que integram o chamado crime organizado transnacional, bem como os atos de terrorismo, ou delitos cujas características tornem necessária a atuação e o combate coordenados de mais de uma Parte;
Desejosos de reforçar a cooperação em matéria penal a fim de chegar a uma efetiva investigação de todas aquelas condutas referidas precedentemente;
Convencidos de que as equipes conjuntas de investigação constituirão uma ferramenta eficaz de cooperação internacional em matéria penal; e
Entendendo necessário contar com mecanismos apropriados de cooperação que permitam uma efetiva coordenação entre as autoridades das Partes.
É premente que o Acordo-Quadro do Mercosul veio a lume como relevante instrumento de constituição das Equipes Conjuntas de Investigação, sendo que os escopos e objetivos de sua criação, assim como os demais critérios para a funcionalidade da operação, devem ser definidos no texto do acordo a ser firmado entre os Estados interessados na investigação conjunta.
Notável, também, que tais equipes conjuntas podem ser formadas em qualquer fase da investigação ou da persecução penal, respeitando-se os princípios da soberania e independência dos Estados no plano internacional, competindo à legislação interna de cada país determinar quais são os órgãos dotados de poder investigatório hábeis a integrar a equipe conjunta, que hão de ser compostas basicamente por membros das Polícias investigativas (Polícia Federal e Polícia Civil) e procuradores ou promotores do Ministério Público.
Com base no Acordo-Quadro sobre Equipes Conjuntas de Investigação (art. 4º, 4.1) há de incumbir às autoridades centrais o trâmite dos pedidos de formação das Equipes Conjuntas de Investigação, limitando sua apreciação aos aspectos formais. Noutro norte, as autoridades competentes são os órgãos incumbidos do juízo de conveniência e oportunidade para propor ou admitir a formação de uma Equipe Conjunta de Investigação (art. 5º).
É o que está delineado no art. 5º do Acordo Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação:
Formalizada a solicitação pela Autoridade Competente da Parte Requerente, ela a remeterá a sua Autoridade Central. A Autoridade Central analisará se a solicitação reúne as condições estabelecidas no presente Acordo e, nesse caso, encaminhará o pedido a Autoridade Central da Parte Requerida.
A Autoridade Central da Parte Requerida, mediante prévio controle das condições do presente Acordo, encaminhará, em seu caso, o pedido a sua Autoridade Competente a fim de que esta se pronuncie sobre a criação de uma ECI, conforme sua legislação interna.
As Autoridades Centrais tramitarão as solicitações pelos meios mais expeditos e no menor prazo possível.
No Brasil, o papel de autoridade central é desempenhado, em relação a maioria dos países, pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça. A autoridade competente pode ser o Ministério Público Federal, a Polícia Federal ou outro órgão investigativo brasileiro.
A autoridade central é um órgão técnico, responsável pela intermediação de pedidos e esclarecimentos no âmbito da cooperação internacional em matéria civil e penal. Assim, a autoridade central não se manifesta sobre o mérito dos pedidos de cooperação, competindo-lhe apenas verificar a adequação formal dos pedidos e encaminhá-los aos órgãos competentes pela execução da medida requerida.
A autoridade central não solicita ou requer medida de cooperação, pois não detém legitimidade processual para isso. Não lhe cabe interferir ou opor obstáculos às medidas de cooperação ou realizar qualquer ato de cooperação que não seja a prestação de informações sobre a legislação de cada Estado.
Em verdade, “A aceitação da criação de uma ECI será comunicada por meio das Autoridades Centrais, a fim de formalizar o Instrumento de Cooperação Técnica definitivo, que será assinado por ambas as Autoridades Competentes” (art. 6º).
Dado importante é o fato de que “A prova e a informação obtidas em virtude da atuação da ECI somente poderão ser utilizadas nas investigações que motivaram sua criação”, o que somente não ocorrerá se houver acordo em contrário das autoridades competentes, além do que “As Autoridades Competentes poderão acordar que a informação e a prova obtidas, em virtude da atuação da ECI, tenham caráter confidencial” (art. 11).
Nessa linha de análise, no Relatório Técnico sobre a Meta 9 da ENCCLA 2017, uma equipe de procuradores da Secretaria de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal afirmou que:
“Na maior parte dos Estados civilizados, com o intuito de dar uma maior expediência aos pedidos de cooperação, a autoridade central costuma ser órgão do Ministério Público local. Porque, como acontece no Brasil, cabe ao Ministério Público a titularidade da persecução penal, não estando essa instituição adstrita aos limites formais, legais e materiais dos órgãos auxiliares do Executivo. A entrega ao MP do papel de autoridade central dos tratados de cooperação respeita a dimensão internacional do titular da ação penal, autoridade com atribuição para examinar a legalidade e possibilidade material do cumprimento dos pedidos de cooperação”.
Os procuradores do MPF ainda defendem que:
“As decisões de conveniência/oportunidade e detalhes técnicos relativos a cada Equipe Conjunta de Investigação (ECI) devem ser atribuição dos órgãos federais dotados de poder de investigação, conforme as normas e melhores práticas internacionais recomendam, devendo a avaliação inicial ser apenas de um caráter formal e com parâmetros claramente pré-definidos”.
Esta necessidade de implementação das Equipes Conjuntas de Investigação com relação à criminalidade transnacional se faz adequada tanto pelo fato de a Lei nº 12.850/2013 não dispor sobre a matéria, quanto pelo motivo de que “as fronteiras políticas dos Estados limitam o seu exercício de jurisdição penal e tornam, muitas vezes, impossível valer a lei penal ou processual penal nos eventos transfronteiriços” (ABADE, 2013, p. 31).
Consta que, atualmente, há oito pedidos de criação de Equipes Conjuntas de Investigação em acompanhamento na Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República, havendo um enorme empenho do MPF, junto à autoridade central brasileira e às contrapartes estrangeiras, para a criação das Equipes Conjuntas de Investigação nos casos concretos.
O Ministério Público brasileiro tem três ECIs em andamento: duas no âmbito do Mercosul e uma com a Unidade de Cooperação Jurídica da União Europeia (EUROJUST). As equipes conjuntas de investigação da América do Sul investigam crimes de tráfico de drogas e de pessoas com o Paraguai. A outra equipe vinculada à EUROJUST investiga, junto com a Itália, o tráfico internacional de drogas.
Afirma-se, conforme atesta ARAS (2020), que a primeira utilização do instrumento das Equipes Conjuntas de Investigação pelo Brasil deu-se com a ECI/Condor, formalizada no ano de 2014 pelos Ministérios Públicos do Brasil e da Argentina, para a investigação de um caso relacionado à Justiça de Transição.
Em 2018 os Ministérios Públicos do Brasil e Portugal criaram uma Equipe Conjunta de Investigação cujo acordo tem como fundamento a Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados-Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), e permitirá a atuação conjunta entre procuradores brasileiros e portugueses em matéria criminal, com destaque para investigações que envolvem corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e crimes correlatos.
Em outubro de 2020, o Ministério Público Federal do Brasil e o Ministério Público do Paraguai assinaram um acordo para a formalização de uma Equipe Conjunta de Investigação com o objetivo de investigar crimes de tráfico de pessoas em ambos os países, especialmente na região fronteiriça.
Isso confirma que a formação de Equipes Conjuntas de Investigação torna-se relevante nos lugares onde as fronteiras são compartilhadas, trazendo benefícios para as autoridades dos países participantes, tais como o estabelecimento de mecanismos de comunicação mais rápidos e procedimentos especiais para a validade de provas em casos específicos.
A fim de avançar na coordenação necessária entre a Procuradoria-Geral da República do Brasil e a Procuradoria do Paraguai, com o apoio do UNODC – Escritório das Nações Unidas Sobre Drogas e Crime (United Nations Office on Drugs and Crime) – no âmbito da iniciativa TRACK4TIP, financiada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, objetivou-se facilitar o desenvolvimento de uma reunião bilateral com o objetivo de “Promover o diálogo entre as autoridades nacionais e estabelecer prioridades operacionais para a implementação de Equipes Conjuntas de Investigação sobre o tráfico de seres humanos”.
No ano de 2020, firmou-se outra Equipe Conjunta de Investigação com a Itália, para apuração de tráfico internacional de drogas envolvendo a atuação da organização criminosa italiana Ndrangheta no Brasil.
Vislumbra-se do exposto que as equipes conjuntas de investigação podem atuar nos territórios dos países signatários do Acordo-Quadro e, em regra, consoante ARAS (2020), a prova colhida pelos investigadores pode ser validada (legalizada) para todos os fins, inclusive para persecução criminal em juízo, independentemente de outras formalidades exigidas nas vias ordinárias de cooperação internacional.
Não há, ainda, jurisprudência e nem mesmo decisões monocráticas emanadas das Cortes Superiores – Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça – e dos Tribunais Regionais Federais no que diz respeito à interpretação e instrumentalização das Equipes Conjuntas de Investigação como meio de captação de provas em investigações transnacionais.
Via de consequência e por fim, somente o tempo definirá se as Equipes Conjuntas de Investigação possuem a eficácia prática necessária para a obtenção de provas referente às investigações transnacionais, porém, em tese, eis aqui uma evidência firme de que sua implementação em muito contribuirá com a persecução penal dos delitos praticados no âmbito da macrocriminalidade organizada.
CONCLUSÃO
No contexto nacional, o quadro probatório relativo às organizações criminosas hoje já não se satisfaz somente com as disposições previstas no Código de Processo Penal e na Lei nº 12.850/2013, especialmente quando se fala em criminalidade transnacional ou além-fronteira. É preciso dar atenção à normativa internacional disposta em tratados firmados pelo Brasil, para fins de se obter um sistema investigativo e persecutório criminais mais coerente com a resposta penal a ser dada a um fenômeno de tão acentuada gravidade.
O que neste texto se objetivou, primordialmente, foi propugnar pela utilização mais expansiva do instrumento das Equipes Conjuntas de Investigação como forma de prevenção e repressão à macrocriminalidade organizada.
É notório que o fenômeno das organizações criminosas constitui uma das mais intrincadas causas de revitalização da criminalidade na atualidade, isso porque a forma pela qual opera uma organização criminosa regularmente abrange a prática de diversas e complexas condutas delituosas em diversos e distintos Estados, o que, além da danosidade social, finda por implicar no sistema de persecução penal.
Demostrou-se que há instrumental normativo disponível aos órgãos internos de investigação e persecução penal hábil a conter o impulso generalizador do crime organizado, que se perfaz por intermédio de delitos que afetam sobremaneira a estabilidade das instituições, instrumental esse abarcado pela Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo) e o Acordo-Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados Para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação.
Enquanto não há previsão do instrumento em lei ordinária interna – à exceção da Lei nº 13.344/2016, sobre prevenção e repressão ao tráfico interno e internacional de pessoas –, pelo que aqui corrobora-se com o que consta do Título V do Projeto de Lei nº 8.045/2010, que pretende instituir o novo Código de Processo Penal, deve-se ter em consideração e como fundamento os citados diplomas internacionais para a formação de Equipes Conjuntas de Investigação entre o Brasil e os respectivos Estados-partes.
Críticas às Equipes Conjuntas de Investigação podem vir a surgir, especificamente aquelas voltadas à ausência de defesa durante o trâmite de uma investigação conjunta, contudo, guardadas as reservas quanto à presença de contraditório no decorrer de investigações, nada impede que o acordo que instituir uma Equipe Conjunta de Investigação venha a dispor no que diz respeito à presença, por exemplo, de membro da Defensoria Pública da União a fim de que sejam observados os direitos e garantias dos investigados implicados numa investigação conjunta entre dois ou mais países.
Em arremate, na tratativa investigatória e persecutória em juízo da criminalidade organizada transnacional – macrocriminalidade organizada –, para além das disposições da Lei nº 12.850/2013, os órgãos internos de investigação competentes hão de atentar-se para a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional e para o recente Acordo-Quadro de Cooperação entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados Para a Criação de Equipes Conjuntas de Investigação, ambos internalizados no Brasil e cujos textos não deixam dúvidas acerca da possibilidade eficaz de instrumentalizaçao das Equipes Conjuntas de Investigação.
REFERÊNCIAS
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