Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Princípio da primazia da realidade

Agenda 14/09/2021 às 10:28

O princípio da primazia da realidade é o instrumento capaz de viabilizar o confronto entre aquilo que se encontra disposto no contrato e aquilo que de fato ocorre no dia a dia laboral.

O princípio da primazia da realidade é o instrumento capaz de viabilizar o confronto entre aquilo que se encontra disposto no contrato e aquilo que de fato ocorre no dia a dia laboral.

São diversas as situações em que o princípio pode ser aplicado, inclusive em favor do empregador, posto que as relações são pautadas na boa-fé objetiva, mas também na mudança de rotina de trabalho que, por muitas vezes, não são incluídas no contrato inicial.

Como exemplo, podemos citar situação na qual o empregado exerce função diversa da contratada, ou até mesmo quando as horas trabalhadas extrapolam o limite estipulado e não são devidamente remuneradas com a finalidade de sonegar impostos ou até mesmo usurpar direitos do trabalhador.

O artigo 468 da CLT assim dispõe:

“Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.”

Portanto, quando ocorre alteração da função exercida pelo empregado, função esta diferente da qual fora contratado, temos o chamado desvio de função.

Contudo, o princípio da primazia da realidade é definido pela doutrina como a supremacia dos fatos em relação à verdade formal.

De acordo com Américo Plá Rodriguez:

“(...) em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos.” (PLÁ RODRIGUEZ, 2015, p.339).

Em uma síntese de palavras, este princípio na seara do Direito do Trabalho assegura a veracidade dos fatos concretos, mesmo que não estejam corretamente dispostos em documentos e registros.

Vale destacar a súmula 12 do TST que determina:

“as anotações apostas pelo empregador na Carteira de Trabalho do empregado não geram presunção juris et de jure, mas apenas juris tantum.”

Ou seja, mesmo que estiver disposto na carteira de trabalho que a função do empregado é de recepcionista de um posto de gasolina, mas é constatado evidentemente que o mesmo trabalha como frentista, por exemplo, é admitida prova contrária para que o empregado seja ressarcido de todos os eventuais prejuízos sofridos.

Luciano Martinez, Doutor e Mestre em Direito pela USP, argumenta que este princípio milita em favor da parte hipossuficiente da relação processual, não se limitando apenas ao trabalhador, vale dizer, o princípio pode ser empregado em favor do contratante, com o intuito de assegurar a verdade real e a obtenção de uma justa decisão.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Como bem assevera Vólia Bomfim:

O que importa é o que aconteceu e não o que está escrito. (…). O princípio da primazia da realidade destina-se a proteger o trabalhador, já que seu empregador poderia com relativa facilidade, obriga-lo a assinar documentos contrários aos fatos e aos seus interesses. Ante o estado de sujeição permanente que o empregado se encontra durante o contrato de trabalho, algumas vezes submete-se às ordens do empregador, mesmo que contra sua vontade. (BOMFIM, 2017, p. 187).

Conforme se depreende do excerto abaixo, esse é também o entendimento da moderna jurisprudência:

HORAS EXTRAS. CARTÃO DE PONTO. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE. Os registros de ponto são, por excelência, os documentos aptos a comprovar a jornada de trabalho do empregado. Contudo, demonstrada a ausência de fidedignidade de tais documentos, adotam-se outros elementos de prova que apontam a jornada efetivamente cumprida, já que o contrato do trabalho se rege pelo princípio da primazia da realidade.

(TRT-3 - RO: 00100463120215030187 MG 0010046-31.2021.5.03.0187, Relator: Des. Gisele de Cassia VD Macedo, Data de Julgamento: 08/06/2021, Segunda Turma, Data de Publicação: 09/06/2021.).

Dessume-se, portanto, do presente artigo que o princípio da primazia da realidade é um instrumento eclético, pois se presta ao processo e às partes e não à um único ator da demanda, seu destinatário é o Estado/juiz, cujo objetivo é alcançar a verdade real, ainda que seja necessário desconsiderar qualquer meio documental.


BIBLIOGRAFIA

Sobre os autores
Gleibe Pretti

Pós Doutorado na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina- nota 6 na CAPES -2023) Link de acesso: https://ppgd.ufsc.br/colegiado-delegado/atas-delegado-2022/ Doutor no Programa de pós-graduação em Direito da Universidade de Marília (UNIMAR- CAPES-nota 5), área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, com a tese: APLICAÇÃO DA ARBITRAGEM NAS RELAÇÕES TRABALHISTAS, COMO UMA FORMA DE EFETIVIDADE DA JUSTIÇA (Concluído em 09/06/2022, aprovado com nota máxima). Segue o link de acesso a tese: https://portal.unimar.br/site/public/pdf/dissertacoes/53082B5076D221F668102851209A6BBA.pdf ; Mestre em Análise Geoambiental na Univeritas (UnG). (2017) Pós-graduado em Direito Constitucional e Direito e Processo do Trabalho na UNIFIA-UNISEPE (2015). Bacharel em Direito na Universidade São Francisco (2002), Licenciatura em Sociologia na Faculdade Paulista São José (2014), Licenciatura em história (2021) e Licenciatura em Pedagogia (2023) pela FAUSP. Perícia Judicial pelo CONPEJ em 2011 e ABCAD (360h) formação complementar em perícia grafotécnica. Coordenador do programa de mestrado em direito da MUST University. Coordenador da pós graduação lato sensu em Direito do CEJU (SP). Atualmente é Professor Universitário na Graduação nas seguintes faculdades: Faculdades Campos Salles (FICS) e UniDrummond. UNITAU (Universidade de Taubaté), como professor da pós graduação em direito do trabalho, assim como arbitragem, Professor da Jus Expert, em perícia grafotécnica, documentoscopia, perícia, avaliador de bens móveis e investigador de usucapião. Professor do SEBRAE- para empreendedores. Membro e pesquisador do Grupo de pesquisa em Epistemologia da prática arbitral nacional e internacional, da Universidade de Marília (UNIMAR) com o endereço: dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/2781165061648836 em que o líder é o Prof. Dr. Elias Marques de Medeiros Neto. Avaliador de artigos da Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Editor Chefe Revista educação B1 (Ung) de 2017 até 2019. Colaborador científico da RFT. Atua como Advogado, Árbitro na Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada de São Paulo S.S. Ltda. Cames/SP e na Secretaria Nacional dos Direitos Autorais e Propriedade Intelectual (SNDAPI), da Secretaria Especial de Cultura (Secult), desde 2015. Mediador, conciliador e árbitro formado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Especialista nas áreas de Direito e Processo do Trabalho, assim como em Arbitragem e sistema multiportas. Focado em novidades da área como: LGPD nas empresas, Empreendedorismo em face do desemprego, Direito do Trabalho Pós Pandemia, Marketing Jurídico, Direito do Trabalho e métodos de solução de conflito (Arbitragem), Meio ambiente do Trabalho e Sustentabilidade, Mindset 4.0 nas relações trabalhistas, Compliance Trabalhista, Direito do Trabalho numa sociedade líquida, dentre outros). Autor de mais de 100 livros na área trabalhista e perícia, dentre outros com mais de 430 artigos jurídicos (período de 2021 a 2024), em revistas e sites jurídicos, realizados individualmente ou em conjunto. Autor com mais produções no Centro Universitário Estácio, anos 2021 e 2022. Tel: 11 982073053 Email: professorgleibe@gmail.com Redes sociais: @professorgleibepretti Publicações no ResearchGate- pesquisadores (https://www.researchgate.net/search?q=gleibe20pretti) 21 publicações/ 472 leituras / 239 citações (atualizado julho de 2024)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!