RESUMO
Com a alteração do Decreto-Lei nº 5.452/1943 conhecido como a Consolidação das Leis do Trabalho pela Lei nº 13.467/2017 conhecida como a Lei da Reforma Trabalhista, advieram alterações significativas de grande impacto ao empregado e ao empregador. Neste cenário, surge o contrato de trabalho intermitente no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação do serviço e inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregador e do empregado[2]. Destarte, para o empregado, não se torna um contrato vantajoso pelo fato de suas condições financeiras após o termino do prazo do trabalho o obrigar a ter pluralidade de empregos para seu sustento. Desse modo, o presente artigo visa esclarecer melhor esta modalidade de contrato abrangido pela Lei da Reforma Trabalhista.
Palavras-chave: Reforma Trabalhista. Contrato Intermitente.
I. INTRODUÇÃO
Quando tratamos do termo trabalho, fazemos referência a uma expressão genérica que abrange toda e qualquer forma de prestação de serviço, no entanto, nem toda atividade considerada como trabalho é regulada pelo Direito do Trabalho. A este respeito, somente se enquadrará a relação de trabalho subordinado, ou também conhecido como relação de emprego. Com a evolução da sociedade, a partir de 1930 foram elaborados diversos decretos com o esco-
po de assegurar direitos aos trabalhadores, mas essas leis expedidas e outras revogadas na década de trinta, trouxe grandes dificuldades para sua aplicação, sendo preciso um único texto com os respectivos ordenamentos.
Embora a constituição estivesse em vigor muito antes da aprovação da CLT em 1943 e dos
decretos elaborados em 1930 adiante, elas se caracterizavam pela ausência de proteção aos trabalhadores (1824 e 1891) e somente a partir de 1930, com o início da intervenção do Estado nas relações de trabalho, as subsequentes passaram a resguardar a proteção do trabalhador.
No âmbito constitucional, as normas trabalhistas tem por base o respeito à dignidade humana do
trabalhador e os valores sociais do trabalho, de modo que no seu artigo 170 indica na categoria de princípios da atividade econômica a valorização do trabalho humano, a justiça social e a busca pelo pleno emprego.
Embora seja assegurado aos trabalhadores a valorização do trabalho humano, a reforma traba-
lhista aprovada em 2017 intensificou para a alteração da tendência de geração de empregos e formalização, fato este já observado por intermédio de políticas dos governos Temer e Bolsonaro.
Ademais, ocorre após a reforma, a fragilização do sindicato, pois há interferência na capacidade
de negociação dos mesmos no quesito de possibilitar a negociação individual de aspectos trabalhistas e a rescisão contratual sem intermediação do sindicato.
Neste aspecto, abordaremos de forma sucinta sobre a reforma trabalhista e sobre o contrato de
trabalho intermitente.
II. REFORMA TRABALHISTA – LEI Nº 13.467/2017
Recentemente, por intermédio da Lei supracitada, a CLT sofreu uma grande alteração nos seus dispositivos legais. Dos 922 artigos que a compõe, foram alterados 54, inseridos 43 novos artigos e revogados 9, totalizando 106 modificações, que segundo anunciado pela Chefia do Executivo “foi uma saída para manter empregos”[3].
Não somente esta reforma como outras que acontecem mundo afora, tem o escopo de modernizar, melhorar o ambiente de trabalho, e o mais interessante “flexibilizar a legislação” para que possa ocorrer mais contratações, o que a priori é muito bom, mas não se fala que esta flexibilização é um pacote com outros fatores cruciais que podem prejudicar o trabalhador, como por exemplo, os direitos que eram flexíveis, devidos apenas em situações específicas, são cortados nas reformas, pois ao cortá-los aumentam a chance de contratação de mais empregados. Esses direitos eram custos desnecessários aos olhos do legislador.
No âmbito jurídico, o impacto da reforma foi diretamente nas regras e condições do contrato de trabalho, alterando as formas de contratação, remuneração, tempo de trabalho, saúde e segurança e também a efetividade e se caracterizando por prever ou garantir menos direitos ao trabalhador.
À vista disso, surge o contrato de trabalho intermitente no artigo 443,§3º da CLT incluido pela
Lei da reforma. Tema que abordaremos adiante.
III. CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE
O contrato de trabalho intermitente é aquele no qual sua definição se encontra no artigo 443, §3º
da CLT[4] e lhe é garantido pelo legislador disciplina própria a essa modalidade atípica de contrato no artigo 452-A da CLT. Em outros países como Inglaterra, este contrato é chamado “sem horas preestabelecidas” e na Itália “trabalho mediante chamadas”, pelo fato de ser identificado o extermínio da ideia de tempo à disposição do empregador.
Como supracitado, denomina-o assim pois a prestação dos serviços subordinados é oferecida de
forma fracionada, com alternância de períodos de atividade e de inatividade, que segundo a lógica de just in time, diz-se do consumo fatiado, do número de horas, dias ou meses precisos à satisfação do empregador.
Desse modo, o contrato deve ser por escrito, especificando o valor da hora do trabalho, que não
pode ser inferior ao valor hora do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não, como aduz o caput do artigo 452-A da CLT.
O não respeito a formalização do contrato intermitente pode o descaracterizar, passando de in-
termitente para contrato de prazo indeterminado, conforme entendimento do Tribunal. Vejamos:
CONTRATO INTERMITENTE DE TRABALHO. ART. 452-A da CLT. FORMALIDADE NÃO OBSERVADA. Em consonância com a regra plasmada no art. 452-A da CLT, para a validade do contrato de trabalho na forma intermitente, impõem-se a celebração por meio escrito, o que incontroversamente não restou evidenciado no caso em exame. Sendo assim, incide o regramento relativo à contratação por prazo indeterminado. (TRT18, ROT – 0011400-62.2019.5.18.0052).
Ademais, estando o contrato celebrado entre as partes e havendo serviço, o empregador, deverá
com pelo menos três dias corridos de antecedência comunicar o empregado por qualquer meio de comunicação eficaz e após a convocação, o empregado terá o prazo de um dia para não responder à convocação, recusar a oferta ou aceitar a oferta, como predito no artigo 452- A, §§§ 1º,2º e 3º da CLT.
Aqui encontramos uma omissão do legislador, pois não há especificação da quantidade de vezes
que o empregado pode recusar a oferta e tampouco o número mínimo de ofertas a fim de garantir um salário mínimo mensal. Também, o fato da recusa não descaracterizar subordinação neste contrato, vemos ela vinculada como uma integração objetiva e estrutural na atividade empresarial, trazendo dependência jurídica e econômica, e não somente a subordinação de seguir regras. A subordinação torna-se uma expectativa de realização da atividade laboral.
Outrossim, quando falamos dos elementos requisitados para ser empregado, destacamos a pesso
alidade. Neste cenário de aceite ou não da chamada de trabalho, a pessoalidade torna-se um aspecto meramente fático, ela é diminuída em seu valor, ficando secundária.
Cabe mencionar que sendo a oferta aceita e havendo descumprimento de uma das partes, esta
que descumprir deverá pagar no prazo de trinta dias uma multa de 50% da remuneração que seria devida, portanto pela lógica, caso o empregado descumpra, quem dirá quando a ausência é compensável e se houve justo motivo pela falta afim de dispensar a multa, é o empregador.
Nesta modalidade de contrato, o tempo de inatividade do empregado não será considerado à dis-
posição do empregador, podendo o empregado ter pluralidade de empregos para garantia de seu sustento no período de inatividade. Portanto, havendo no contrato ausência de descontinuidade e inatividade, o contrato torna-se nulo passando de intermitente para o de prazo indeterminado segundo entendimento do Tribunal. Vejamos:
RECURSO DO RECLAMANTE. CONTRATO INTERMITENTE. NULIDADE. O art. 443 e 452-A da CLT definem o contrato intermitente. Na falta de um dos requisitos do contrato, esse se descaracteriza. No caso foi constatado a falta do requisito da descontinuidade e da inatividade. O contrato passou a ser por tempo indeterminado. (.....). TRT7 RO 00007995320195070003 – CE.
O propósito deste contrato, foi o de retirar da informalidade um grupo de trabalhadores que nor-
malmente eram identificados como freelancers, pois pelo entendimento do legislador, uma vez reconhecido esse grupo, tais trabalhadores poderiam ter registro em carteira, férias, décimo terceiro salário, FGTS e recolhimento de contribuições previdenciárias.
Desse modo, ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o paga-
mento imediato da remuneração e das frações correspondentes às férias proporcionais com acréscimo de um terço, ao décimo terceiro salário proporcional, ao repouso semanal remunerado e aos adicionais legais caso incidentes – horas extraordinárias ou adicional noturno, conforme estabelecido no §6º, artigo 452-A CLT, obtendo o direito de gozar de suas férias pelo período de um mês a cada 12 meses subsequentes, portanto não receberá pelas férias, haja vista a antecipação da percepção dos fragmentos de férias proporcionais com acréscimo de um terço.
IV. CONCLUSÃO
Assim, concluímos que embora o legislador ao implantar o contrato de trabalho intermitente
com a finalidade do mercado de trabalho ser mais amplo e também haver o reconhecimento de algumas classes de trabalhadores não o fez de modo claro, deixando lacunas e omissões em certos pontos já apontados, trazendo insegurança jurídica para o empregado.
Não se pode de fato afirmar uma relação de emprego na celebração de tal contrato, pois na rela-
ção empregatícia vigora dentre os seus princípios o da subordinação e eventualidade de forma completa e aqui é evidente que a subordinação não se torna um traço marcante nesta relação, e muito menos a inobservância da não eventualidade, haja vista o serviço prestado pelo empregado ser descontínuo.
Nota-se também que na modalidade contratual tradicional, o risco da atividade econômica é do
empregador, já nesta modalidade contratual, o risco é do empregado. Também, não é evidente ao empregado a regulamentação da duração do trabalho, sendo possível assemelhar que a carga horária se equivalerá a 44 horas semanais, e tampouco trata sobre os descansos intervalares.
Portanto, o legislador reformador ao estabelecer essa nova modalidade contratual na CLT, pecou
em não estabelecer parâmetros para sanar as omissões e lacunas presentes na mesma, como por exemplos as já apontadas acimas e outras que os empregados sempre questionam, mas sendo mais específico, a que versa sobre a forma de recolhimento das contribuições previdenciárias, levando o Poder Judiciário a efetuar ponderações interpretativas para aplicação de suas decisões.
V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[2] Artigo 443, §3º da CLT.
[3] Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/ 2016/08/temer-defende-reforma-trabalhista-e-diz-que-e--saida-para-manter-empregos.html
[4] Art.443,§3: Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.