Tudo quanto vemos não é mais do que aparência. A realidade é outra. (...) O sol parece girar em torno de nós , levantar-se pela manhã e recolher-se à tarde, e a Terra em que estamos parece imóvel. O contrário é que é verdade. Habitamos em torno de um projétil turbilhonante (...) O som não existe não passa de uma impressão de nossos sentidos, produzida por vibrações de ar, de uma certa amplitude e com uma certa velocidade, vibrações silenciosas por si mesmas. Sem o nervo auditivo e sem o cérebro não haveria sons. Na realidade não há senão movimento. Tudo é ilusão no testemunho dos nossos sentidos. A Terra não é o que nos parece ser: a Natureza não é o que supomos. (...) A impressão direta e regular dada pela observação da Natureza é a de que habitamos na superfície de uma Terra sólida, estável, fixa no centro do Universo. (...) A Criação universal é uma imensa harmonia na qual a Terra é um insignificante fragmento, bastante pesado e incompreensível.
Camille Flammarion,
Urânia
Há cerca de três milhões de anos, alguns macacos africanos que viviam nas árvores desceram para o chão. Não havia nada de especial nestes macacos. Seus cérebros eram pequenos e eles não eram especialmente inteligentes. Não tinham garras nem dentes afiados como armas. Não eram especialmente fortes ou rápidos. Certamente não estavam preparados para enfrentar um leopardo. Mas, como eram pequenos, começaram a andar a pé para poder ver acima da alta relva africana. Foi assim que começou. Apenas macacos comuns, olhando por cima da relva.
Michael Crichton - The Lost World
Resumo: O presente artigo apresenta uma visão de Natureza enquanto sistema primordial, numa clara apreensão, e somente neste tocante, das idéias de Niklas Luhmann. Sustenta através de uma explanação lógica e contextual-histórica, seja princípio aquilo que, parcela mínima que seja, sobrevive à mudança (devir), e que mantém a identidade sistêmica (unidade mínima mantenedora do padrão e da estrutura) de tal ou qual secção do saber (in casu: de tal ou qual sistema), a fim de que o mesmo não deixe de ser o que é passando a ser outro, por não conservar nada do que fora outrora – se é que admitimos possa haver uma mudança categórica nestes termos. E, só então, fulcrado em todos os corolários supra-expostos, perquire qual seria o fundamento de validade (existência) para a proteção ambiental, tendo como base uma visão holística de mundo.
Palavras-Chave: natureza; ciência; princípio; sistema; antropocentrismo; holismo;
Rudiments of a foundation of principles for the ambient protection: The nature as the primordial system with which the man interacts (entorno) - for a Not-Superlative-Anthropocentric Vision of World
Abstract: The present article presents a vision of Nature while primordial system, in a clear apprehension, and only in this moving one, of the ideas of Niklas Luhmann. It supports through a logical and contextual-historical explanation, either principle what, minimum parcel that either, survives to the change (devir), and that it keeps the identity of system (minimum unit of maintenance of the standard and the structure) of such or which system (in casu: of such or which section of knowing), so that exactly it does not leave of being what it is starting to be another one, for not conserving nothing of what it are long ago - is that we admit can have a categorical change in these terms. And, only then, supporting in all the supply-displayed corollaries, investigates which would be the foundation of validity (existence) for the ambient protection, having as base a holistic vision of world.
Keywords: nature; science; principle; system; anthropocentrism; holism;
Sumário: Introdução –; 1. NATUREZA: CRIAÇÃO OU DESCOBERTA HUMANA? -; 1.1 Objetivismo Axiológico e Subjetivismo Axiológico –; 2. DIFERENTES FORMAS DE PERCEBER A NATUREZA: DO QUE SE CONVENCIONOU CHAMAR PRÉ-MODERNIDADE, MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE –; 2.1 Pré-modernidade: do Mito à Ciência Aristotélica -; 2.1.1 Do ‘conhece-te a ti mesmo’ ao Mundo das Idéias: as concepções de Platão e Sócrates acerca do Homem, da Natureza e do Mundo -; 2.1.2 Aristóteles: o pai da ciência primeira; 2.2 O Cair das Trevas?! –; 2.3 Modernidade: Um Novo Antropocentrismo (?!) – A Luz sob o Alqueire –; 2.3.1 A invenção (?!) da Ciência enquanto modelo convencionalmente aceito de representação da Natureza –; 2.3.1.1 Determinismo Mesológico (?!) e o Papel da Intuição na Percepção das Leis Naturais –; 2.3.2 Do Método Científico e do Mecanicismo a imperar na Ciência Moderna –; 2.3.3 Das Esferas do Natural e do Sobrenatural: a ciência moderna enquanto modelo ideológico dominante –; 3. HOLISMO – TRANSCENDENTALISMO – UNIVERSALISMO –; 3.1 Noções de Sistema –; 3.1.1 Sistemas Alopoiéticos e Sistemas Autopoiéticos –; 3.1.1.1 O Direito e a Sociedade como Sistemas –; 4. A UNIVERSALIDADE DOS PRINCÍPIOS CIENTÍFICOS E A UNIDADE SISTÊMICA –; 5. A POSSIBILIDADE DA CONCEPÇÃO DE EVOLUÇÃO: O SER E O SABER –; 6. DIREITOS DE QUARTA GERAÇÃO – DIREITOS DE SOLIDARIEDADE – ; À guisa de conclusão – ; Referências – .
Introdução
O objetivo primeiro deste artigo é investigar qual seria o fundamento principiológico para a proteção ambiental, tomando-se como base a idéia de Luhmann (1997) acerca de um sistema primordial (entorno – contorno – ambiente). E nossa hipótese é exatamente esta, a de que a Natureza consubstancie esse sistema primeiro (ou pelo menos o maior sistema com o qual interagimos diretamente), do qual todos mais seriam apenas subsistemas.
O tema ora abordado é sobremaneira amplo e as conjecturas aqui levantadas primam, antes de tudo, apenas por fomentar a discussão, eis que apostamos logo ab initio tratar-se apenas de "rudimentos", a dizer claramente, com isso, o nosso intento, qual seja: o de que não nos arvoramos a querer erigir aqui uma explicação unívoca, última e inconteste, mas a aclarar os lineamentos gerais, a fim de que se possa, quiçá um dia, atingir contornos de uma aproximação da verdade sobre o tema. Todavia, tal pretensão consiste, igualmente, num esforço primário, ao menos naquilo que tangencia o presente tema, de desenvolvimento de nossa própria dissertação de mestrado.
Já disseram que o maior problema e a questão fundamental a ser lidada pelo Direito, e o quanto antes, sob pena de que se veja esvair no vão das indefinições, seria a da inexistência mesma de uma maior uniformidade conceitual e/ou terminológica para os institutos de que se acerca e para os direitos a que visa proteger. De fato, o próprio Direito, em si, não possui definição precisa e uniforme, ou um conceito apreendido em inteireza, ao menos em vias de externar-se, sendo sua própria delimitação, sua natureza, ou mesmo o objeto sobre o qual se debruça, ainda hoje, fortes fatores de divergência ideológica e doutrinária entre os mais balizados cultores da matéria. Em última análise, isso se traduziria numa divergência terminológica e conceitual. Com o chamado Direito Ambiental não seria diferente. No cerne das grandes discussões em matéria ambiental encontra-se sempre a vaguidão conceitual, a falta de solidez e fundamento para firmar eficácia a determinados direitos, mesmo que já positivados, ou a razão de sua proteção, e em que âmbito ela se daria. Os próprios conceitos de "Natureza" e de "Meio Ambiente" não possuem contornos precisos, não se podendo saber com a minúcia desejada o que realmente se visaria proteger, quais as fronteiras do que chamamos Natureza, ou mesmo até que ponto o ser humano se encontraria dissociado desta proteção, ou seja, até que ponto o Homem deixa de fazer parte do chamado Mundo Natural. Ora, sequer convencionamos legalmente se aquilo que alcunhamos Natureza é, de fato, em toda a extensão e inteireza, aquilo que deve ser protegido; e ainda não firmamos consenso nem mesmo sobre os modos como se deve dar sua proteção. Uma análise mais percuciente descortinaria aí um problema de fundamento de validade (existência), um problema, pois, de fundo principiológico, eis que os diferentes conceitos e as opiniões diversas acabam por atender a interesses e exigências de ordem extralegal, curvando-se ao peso das ideologias dominantes, e deixando ao desamparo a necessidade racional e sistêmica de um fundamento e/ou justificativa de ordem para a proteção ambiental.
Intentamos delinear inicialmente os lindes mínimos para aquilo que se julgou fosse uma cisão absoluta entre o Homem e a Natureza, hoje vista quase como que fictícia, e a operacionalização, no contexto do chamado Pós-modernismo, de um possível reencontro do Homem com o Mundo Natural — um retorno ao lar, por assim dizer. Para tanto, centramos a presente análise no fio condutor: ciência – sistema – princípio – natureza.
A boa-lógica mandaria encetarmos esta perquirição por uma tentativa prévia de conceituação e/ou definição dos termos chave já citados. Mas restaria, como sempre resta em tentativas apressadas do tipo, como que um vácuo, a ausência do caminho percorrido até o esforço conceitual e/ou a apreensão definitória expostas. Os conceitos e definições previamente apresentados não viriam de corolários lógicos, eis que o mero apostar de rótulos sobre os objetos analisados bem pouco diz sobre os mesmos.
Bem assim, principiamos por uma explanação lógica e contextual-histórica, pontilhando toda uma trilha de raciocínios "percorrida pela humanidade", que vai desde uma analogia-simbólica do primeiro contato do Homem com a Natureza (ou pelo menos da primeira percepção que o próprio ente racional teve desse contato) até as posturas calcadas numa percepção mais holística de mundo, a fim de galgarmos a pretensão aqui almejada: delinear os contornos de um fundamento principiológico para a proteção à Natureza, fulcrando esse proceder, em parte, numa visão sistêmica, não só do Mundo Natural, mas também do Cultural, Humano e Social.
Pode parecer, ao observador apressado, uma impropriedade focarmos de forma tão central a Ciência numa reflexão que pretende desanuviar tema de enfoque eminentemente filosófico. A razão é bem simples: a Ciência, como veremos, constitui exatamente o modelo adotado pelo homem hodierno para tentar explicar a Realidade e as Leis que regem o Mundo Natural, ou seja, é o sistema convencionalmente adotado pelo Homem para explicar a Natureza. Assim, não há como falar em Natureza sem falar no modo como a vemos, até mesmo porque, por vezes, chegamos a confundir a imagem que temos dela, com o que ela efetivamente é, tomando uma coisa por outra. E por que, então, não falarmos em fundamentos filosóficos e, sim, principiológicos?! Ora, nada mais busca a Filosofia que os fundamentos últimos e os princípios primeiros. Nestes termos, pretendemos aqui caracterizar a razão fundante para a proteção ambiental, sua justificativa lógica e racional, conquanto nem sempre seja aquela que efetivamente mova os homens e as leis. E cause talvez mais estranheza ainda abordarmos idéias das chamadas ciências naturais e exatas numa pesquisa de âmbito estritamente social e humano. É que comungamos das idéias do professor Boaventura de Sousa Santos (2001) e as tomamos como pressupostos do presente percurso analítico. Segundo tais idéias, "começa a deixar de fazer sentido a distinção entre ciências naturais e ciências sociais; (...) as ciências sociais terão de recusar todas as formas de positivismo lógico ou empírico ou de mecanicismo materialista ou idealista com a consequente revalorização do que se convencionou chamar humanidades ou estudos humanísticos." [01]
Julgamos conveniente, antes de mais nada, expormos desde as mudanças paradigmáticas, as mudanças nas formas de a Ciência ver a Natureza, entendendo-se esta enquanto repositório maior dos objetos sobre os quais se debruça a Ciência, bem como o modo como isso (essas mudanças) afetariam a proteção ambiental e a concepção que o Homem tem da própria Natureza. Nossa pretensão mediata seria demonstrar logicamente haver algo que resista à mudança, algo que se perpetue, como categoria do entendimento que garanta a manutenção do que dado sistema seja, sob pena de que ele venha a – mudando plenamente – deixar de ser o que é (de ter a conformação que efetivamente tem), para ser outro (adotando nova conformação, tornado-se, então, um novo sistema). Tal raciocínio garantiria a solidez de nossa pretensão imediata: encontrar nisso um fundamento de validade (existência), um fulcro lógico-racional para a proteção ambiental, independente do móvel que atualmente faz os homens erigirem suas leis.
1. NATUREZA: CRIAÇÃO OU DESCOBERTA HUMANA?
Desde que o primeiro homem foi coroado com a razão, se admitimos seja esse o elemento garantidor do ter galgado a condição humana, aquele mesmo primeiro primata que pensou teve, com o advento da razão – e por que não dizer em decorrência mesmo dela, indissociáveis que são uma e outra coisa – uma noção mais ou menos rudimentar de sua individualidade em relação a tudo o mais que a seus primitivos olhos maravilhavam, a visão de que ele era cousa diversa de tudo o quanto o cercava, passando a ver a si próprio como algo destacado e, de certa maneira, independente da Natureza em derredor. E percebeu, com isso, que não havia sido ele o criador de tudo o quanto seus olhos podiam ver, tampouco de si próprio. Invariavelmente, Algo ou Alguém haveria de ter criado tudo aquilo, bem como a ele mesmo (já que nada surge do nada e todo efeito tem uma causa). E assim, pela procedência comum de Um Mesmo Criador (pessoal ou impessoal, que seja), o Homem estaria inexoravelmente ligado à Natureza, conquanto pudesse perceber, ainda que rudemente definidas, as fronteiras entre si e ela.
Há autores, porém, que apregoam tenha principiado, exatamente aí, no momento em que se teria iniciado essa "separação" natureza-homem, o chamado Fim da Natureza, sob o simples argumento de que, no instante em que o Homem dela se destacou, a Natureza tenha parado de atuar completamente dissociada da influência humana. Influência esta que atinge, paulatinamente, culminâncias cada vez mais absolutas. Como bem destaca o Professor-Doutor, Paulo de Bessa Antunes (2000), há quem intente seja fulcro suficiente para afirmação tão categórica quanto a do chamado Fim da Natureza o fato de que, por exemplo "...a emissão de dióxido de carbono para a atmosfera, em decorrência das atividades humanas, é de tal ordem que chega a alterar o próprio clima no planeta. A conseqüência desse fato é que, hoje em dia, não existe (sic!) mais qualquer região na Terra — incluindo as camadas mais elevadas da atmosfera — que não sofra os efeitos da ação direta do Homem sobre o ambiente." [02] Um outro argumento bastante usado nesse afã seria o de que não poucos são os indícios de um maior controle dos fenômenos naturais pelo homem. "A temperatura e a chuva não serão mais obras de alguma força independente e incontrolável, mas em vez disso, ao menos em parte, um produto de nossos hábitos, economias e modos de vida." [03] Todavia, ao tomarmos estes fatos – alarmantes e significativos, sem dúvida – como elementos suficientes a podermos propagar o Fim da Natureza, agiríamos em conformidade a uma incongruência tal como a de quem toma o rótulo pelo objeto. "Um procedimento vicioso é confundir o conceito – representação do fenômeno – com o próprio fenômeno – realidade concreta. Os conceitos constituem apenas o quadro de referência lógico dos fenômenos concretos." [04] Shakespeare (2000) chegou a conclusão similar, ao afirmar, pelos lábios de sua Julieta: "que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação, teria igual perfume!" [05]Ou seja, o simples fato de darmos nomes a tais ou quais coisas não nos habilitaria a dizer que asconhecemos a contento. O mero rótulo (nomenclatura) que eventualmente lhes atribuamos nenhum poder tem de acrescer ou diminuir àquilo que as coisas analisadas, de fato, sejam; não se podendo dizer que, ao jungirmos tal ou qual objeto à determinada categoria, por simplesmente lhe termos dado um ou outro rótulo, ele esteja posto adequadamente onde lhe convém.Ora, são coisas bem diversas a Natureza em si e a imprecisa apreensão que temos dela, a visão que dela fazemos – não fosse isso teríamos tido sempre a exata noção do real desde que fomos criados, e não haveria falar-se em evolução do conhecimento humano. E, para expressá-la, tão mais imperfeita que a apreensão que dela temos, é a indumentária vocabular com que a queremos nomear, eis que o mero nome bem pouco diz a respeito do que seja essencialmente o objeto analisado, in casu: a Natureza. Assim, talvez até possamos falar do fim da concepção que se tenha de Natureza, pois que o findar da Natureza em si culminaria, inevitavelmente, com o findar da própria espécie humana, tão indissociavelmente ligados estamos a ela. [06] De dizermos, previamente, que o Homem, conquanto não se enxergue como tal, efetivamente faz parte da Natureza. Demarcar, nestes termos, o marco do Fim da Natureza pelo mero principiar e/ou ampliar da atuação humana junto a ela seria um contra-senso sem igual, já que é nela que o Homem atua e vive, e é dela que está acercado (e não o contrário), e de tal modo, que, mais logicamente, poderíamos dizer (dentro das premissas acima aduzidas) não haver falar em Homem fora da Natureza.
O certo é que, naquele mesmo instante em que se apercebeu como ser diverso da Natureza, o Homem percebeu igualmente não ter sido ele o Criador de si próprio e de tudo o que o rodeava, surgindo, assim, num mesmo átimo, os germens antípodas e paradoxais não só do antropocentrismo individualista (e também, sob outro aspecto, dualista, uma vez que separa Homem e Natureza), como também daquilo que se poderia chamar Panteísmo (para não dizer Monismo Holístico, por tratar-se de concepção bem mais elaborada, mas que teria na proposta panteísta sua forma rudimentar).
E, a par de os povos sempre terem sido marcadamente refratários uns aos outros, considerando por vezes a si próprios como superiores, ou até mesmo, tomando como únicos pertencentes à espécie humana apenas os de seu grupo [07], nunca houve registro na história humana de povos ateus, como houvesse, no seio de todos os povos, em todos os tempos, e nos mais diversos lugares do globo, uma intuição supralógica e global (para não dizer universal) da existência de um Ser superior (ou Algo que O valha) que tivesse engendrado a tudo. Há uma proposição em matéria científico-filosófica que reza: todo efeito tem uma causa. Assim, nada teria surgido do nada. Todavia, se estendermos o raciocínio, veremos que todo efeito inteligente, há de ter tido uma causa igualmente inteligente. E não é outra a conclusão a que têm chegado inúmeros cientistas.
O engenheiro, Hernani Guimarães Andrade (2002), pesquisador renomado e possuidor de um considerável número de publicações abordando temáticas científicas, diria que: "o progresso [da Natureza] foi lento, mas executado em etapas lógicas sucessivas, como que obedecendo a um plano inteligente." [08] Paul Davies, doutor em física, professor de filosofia natural e renomado autor na área científica, sobretudo após a publicação do livro ‘Deus e a Nova Física’, deita opinião semelhante, segundo a qual "há uma poderosa evidência de que há algo por trás de tudo (...) parece como se alguém organizou bem os números da natureza para fazer o Universo (...) a impressão de desígnio é visível. As leis [da física]... parecem ser o produto de desígnio totalmente engenhoso (...) O Universo tem que ter um propósito." [09] O cosmólogo britânico, Edward Milne afirma que "sobre a causa do Universo, em contexto de expansão, cabe ao leitor decidir, mas nosso quadro fica incompleto sem Ele [Deus]" [10] O astrofísico britânico, Fred Hoyle, confessa: "uma interpretação de bom senso dos fatos nos mostra que um superintelecto forjou a física, como também a química e a biologia, e que não há nenhuma força cega na natureza. Os números que podemos calculardos fatos (...) parecem colocar essa conclusão além da pergunta." [11] George Ellis, um outro astrofísico britânico, conclui ainda que: "uma maravilhosa perfeição existe nas leis para fazerem [a complexidade] possível.Falar da realização dessa complexidade fica muito difícil ao deixar de usar a palavra ´´miraculoso´´ sem levar em conta o sentido ontológico da palavra." [12] John O´keefe, astrônomo da NASA, assevera que "nós somos, por padrões astronômicos, um bem-sucedido, destacado e feliz grupo de criaturas. (...) Se o Universo não tivesse sido feito com essa precisão nós nunca poderíamos ter existido. Por isso (...) estas circunstâncias indicam que o Universo foi criado para o homem viver nele." [13] Arno Penzias, prêmio Nobel em física, aclara, por seu turno, que "a Astronomia nos mostra um evento sem igual, um Universo que foi criado do nada, com um equilíbrio muito delicado para ter as condições necessárias à vida, e que está debaixo de (poderíamos dizer) ‘sobrenatural’ plano." [14] Arthur Eddington, também astrofísico, chega a afirmar que "a idéia de uma mente universal ou Logos seria (...) uma conclusão bastante plausível para o presente estado da teoria científica." [15] E, por fim, transcrevemos aqui as palavras de Einstein, num de seus escritos de brilhante lucidez, em que afirma: "eu quero saber como Deus criou o Universo. Eu não estou interessado neste ou naquele fenômeno, no espectro deste ou daquele elemento. Eu quero conhecer o Seu pensamento, o resto é detalhe." [16]
Como bem vimos antes, descortinaram-se, para os olhos daquele primata que pensou, duas visões de mundo bem distintas, dois comportamentos marcadamente opostos, mas que, por um capricho do acaso — se é que tal coisa existe —, teriam surgido no mesmo seio, o da conquista racional, quais sejam: o antropocentrismo e o não-antropocentrismo, em todas as suas muitas variantes, seja as que depõem o homem de uma posição privilegiada e central, apostando uma outra polarização em seu lugar, ora centrando-se em Deus, ora na Natureza (panteísmo, transcendentalismo, deísmo teocêntrico, biocentrismo, etc), ou, por vezes, apenas depondo o homem de uma posição de primazia, sem que coloquem nenhum outro elemento como tendo prevalência em relação aos demais (Holismo).
A partir de então, o observador perspicaz da parca passagem humana sobre a Terra, terá notado o início de um movimento pendular – ou cíclico, como queiram – onde ora se move o homem para interesses de âmbito mais restrito e individualista, ora se permite expandir para horizontes mais amplos, buscando a conectividade com o próximo, com a Natureza e com o todo. E isso se tem repetido em todas as áreas da atuação humana, cada qual com suas peculiaridades próprias. Senão vejamos: ora nos apoiamos no Estado Mínimo e Liberal, ora vemos o Estado Providência e Dirigente (Welfare State) grassar espaço; ora o Direito pende para o Privatismo, ora para o Publicismo; ora privilegia a Segurança Jurídica, ora rende maior valor à Justiça; ora os interesses humanos são focados no materialismo, ora numa proposta de cunho transcendental; ora o homem se vê como o centro de tudo, tomando todas as coisas como engendradas, tão-somente, para a sua satisfação e prazer (Antropocentrismo), ora se vê conectado a tudo o que o rodeia, a todo o cosmos infinito (Holismo); ora o Homem se volta à parte fragmentária e diminuta, ora ergue a fronte para o todo; a própria ciência moderna, que foi calcada no mecanicismo a crer que todas as coisas fossem divisíveis e desmontáveis em partes mais simples, como máquinas complexas, paulatinamente abre espaço para uma visão de mundo que privilegia a apreensão do todo, como algo mais que a mera soma das partes. Não à toa se chegou a conjecturar, em decorrência mesmo de tais posturas, fosse o desejo Ocidental o da invisibilidade, o de trespassar e esmiuçar os objetos, o de ver por dentro, como numa visão de raios-X; ao passo que o Oriente almejaria a visão do todo, o levitar, o ver de cima, pairando por sobre o quadro geral das coisas para vê-lo em uma perspectiva nova. E a cada vez que o pêndulo volta (ou que o ciclo se completa), as velhas concepções ressurgem, reelaboradas, com nova face e novo fôlego, a suplantarem as anteriores, que invariavelmente haverão de retornar um dia – também melhoradas –, num turbilhão muito similar à proposta Dialética (seja a Aristotélica, a Hegeliana, ou mesmo a Marxista). [17]
Pois bem, vivemos precisamente no limiar de uma dessas "fases de mudança", num período de transição paradigmática, ou mesmo, como queiram alguns, no ponto (vértice) da Revolução Científica que se opera em nossa atual forma de ver o Mundo e a Natureza. Todavia, uma revolução sobremaneira singular, pois visa – ao menos no pouco horizonte que vemos se descortinar adiante – a uma verdadeira síntese dialética destas duas formas de ver a realidade e o mundo: aquela que o esquadrinha, que reduz o que nele há de complexo, parcelando-o em muitas partículas diminutas e mais simples, perquirindo a sua unidade mínima, e o trespassa, a fim de dominá-lo, atendendo sempre a fins utilitários; e aquela que o vê de cima, volvendo-se à apreensão do todo, e intenta, antes de tudo, compreendê-lo, com vistas à satisfação do intelecto sempre sequioso por respostas. À primeira destas visões de mundo se convencionou chamar – erroneamente, a nosso ver (como bem tentaremos salientar adiante) – de paradigma [18] newtoniano-cartesiano ou paradigma moderno (que hoje é o paradigma dominante); por outro lado, denominou-se a essa segunda forma de ver o mundo, a que sucintamente descrevemos nas linhas acima, de paradigma pós-moderno, holístico ou ecológico (hoje tido como paradigma emergente).
"Tal como noutros períodos de transição, difíceis de entender e de percorrer, é necessário voltar às coisas simples, à capacidade de formular perguntas simples, perguntas que, como Einstein costumava dizer, só uma criança pode fazer, mas que, depois de feitas, são capazes de trazer uma luz nova à nossa perplexidade [19]."
Ora, antes mesmo de nos perguntamos, "o que é Natureza?" (ou se dela fazemos parte e em que medida tal se dá), devemos ter sempre em mente uma outra pergunta, subjacente e implícita a esta, mas ainda assim presente, que é a de com base em que referencial (paradigma, modelo, arquétipo ou visão) queremos saber (obter) a resposta. [20] Bem assim, as respostas podem ser as mais várias, contendo, inclusive, elementos paradoxais e, até mesmo, completamente opostos; contudo, não de todo incorretos, apenas levando em consideração uma única e determinada visão de mundo, atendendo, pois, a interesses co-respectivos às ditas visões, aos diferentes modos de ver em que eventualmente estejam fundadas. Cada um destes modos de ver, cada um destes paradigmas, sistemas, arquétipos ou modelos é caracterizado por um método que lhe é próprio e específico, constituindo mesmo o seu cerne e sua própria identidade, por assim dizer. "Cada método é uma linguagem e a realidade responde na língua em que é perguntada. Só uma constelação de métodos pode captar o silêncio que persiste entre cada língua que pergunta [21]." Eis a proposta que se descortina para a Ciência Contemporânea: coadunar uma pluralidade de métodos, abraçando, por conseguinte, uma pluralidade de visões, a fim de se ter, ao menos, mínima idéia das linhas que tracejam os contornos da Natureza, da Realidade e do todo, ou, pelo menos, do objeto com que lidam.
1.1 Objetivismo Axiológico e Subjetivismo Axiológico:
Adolfo Sanchez Vásquez (1998), em seu manual Ética [22], utiliza uma terminologia própria e bem diversa, mas que se revela sobremaneira útil para as conjecturas que ora queremos levantar. Segundo o referido autor [23], o antropocentrismo ocultaria uma tendência marcadamente subjetiva quando da emissão de juízos valorativos, ou seja, estaria permeado por um "subjetivismo axiológico". O que caracterizaria esta postura em relação ao mundo é que ela se centra no homem, na apreciação humana, e o faz de forma radical. A própria existência ou, pelo menos, a relevância dos objetos analisados (não importando quais sejam) ficaria estritamente condicionada ao debruçar do olhar humano por sobre o objeto. Abraça o subjetivismo axiológico quem creia que dado objeto só teria importância, só assumiria os contornos que nele vemos, exatamente por termos deitado sobre ele nossa própria apreensão, nossa visão e nossos valores. Seria a convenção humana que daria o valor ao objeto em análise, pertença ele a que plano do saber seja ou a que área do conhecimento for. É do cerne dessa concepção que o homem é que conferiria valor ao objeto de sua atenção, seja ele qual for – até mesmo à própria Natureza vista em seu conjunto. Seria como sugerir, por exemplo, que um relógio no meio de um deserto, distante de qualquer aglomerado humano, distante da possibilidade de que algum ente racional conhecido teça qualquer avaliação sobre ele, deixaria de ser um relógio, quase que perdendo sua essência por assim dizer, ou, pelo menos, abdicando de seu valor, perdendo sua importância. Em contrapartida, uma visão de mundo não-antropocêntrica seria, no geral, secundada por uma tendência a qual Sanchez Vásquez denominou "objetivismo axiológico". Essa postura de ver o mundo preconiza, por sua vez, que as coisas teriam valor de per si, independente de o Homem deitar sobre elas qualquer valoração. Tudo no mundo valeria (e existiria) independente do Homem ou do valor que ele lhe possa atribuir, ou mesmo prescindindo de que o faça.
Tal terminologia facilita bastante a demarcação das diferenciações entre as posturas antropocêntrica e não-antropocêntrica frente à Natureza. Senão vejamos: para uma, a Natureza, o Meio Ambiente em si, só serviria como mero "pano de fundo" para a atuação humana, sendo todo o Mundo Natural totalmente subordinado ao Homem. Ou seja, a Natureza pertenceria ao mundo da cultura e das convenções humanas, nada mais consubstanciando que um simples nome, um rótulo qualquer que apostamos sobre algo, terminologia que convencionamos fosse usada para representar determinada parcela do real – nada mais que isso. Para a outra, o Ambiente possuiria um valor próprio, que se interligaria ao valor inerente à própria condição humana como "ser planetário [24]", para usar aqui o termo de Edgar Morin (2000), rumando, assim, para uma ética que leve em consideração a "identidade terrena e a identidade cósmica [25]" do ser humano, como ser em estreita interdependência (há quem fale até em transdependência) com tudo o que o rodeia; não mais central, nem superior por si só, mas interligado a tudo, e, portanto, vendo-se novamente como parte integrante da Natureza (a ela integrada) e dela tão dependente como todos os seres mais deste orbe. [26]
Bem, já vimos que não é a Natureza ou a Realidade, ou mesmo um objeto qualquer sobre o qual se debrucem os homens que muda, mas são os conceitos, os modelos, as apreensões, os paradigmas, os arquétipos, as visões de mundo que têm mudado. Uma coisa seria a natureza; outra, a visão que tenhamos dela [27]. E se podemos dizer que a Natureza consubstancia o repositório maior dos objetos sobre os quais a Ciência se debruça, podemos dizer, também previamente, que a Ciência apenas descobre e não cria, no sentido próprio da palavra [28]. E se há um âmbito restritamente "criativo" do labor científico seria exatamente o das doutrinas, modelos, e paradigmas, mas nunca o dos objetos em si. Não foi a Natureza que mudou, deixando de ser o que era e passando a ser coisa diversa, mas foi o Homem que evoluiu, suas visões de mundo que se depuraram. Se outrora julgava, por exemplo, raios e trovões como reflexos de um desagrado provindo da Divindade, manifestações por assim dizer "sobrenaturais", hoje as sabe pertencentes ao Mundo Natural. Ora, elas nunca deixaram de ser manifestações eminentemente naturais. Foi apenas o Homem que passou a percebê-las de forma cada vez mais aproximada do que elas realmente são. Nestes termos, o sobrenatural nada mais seria que o estranho, o oculto, a fronteira que o Homem (ainda) desconhece, e que, portanto, não mais existiria, uma vez que se torne conhecida; tais são as mudanças que se operam em nossa forma de ver a Natureza e que, paulatinamente, se processam cada vez mais céleres, a ponto de que, dentro em pouco, talvez não mais consigamos sequer apreender num átimo aquilo que é, porque já terá sido [29]. Todavia, algo dessas mudanças nos diz, ao menos à intuição que seja, rumarem para um padrão de perfectibilidade maior, eis que, somente assim, poderíamos dizer que se trata de evolução. [30]
Antes, porém, de prosseguirmos mais nesta senda, resta-nos delinear os contornos dessas mudanças, para, por fim, podermos colher noções mínimas sobre como as alterações paradigmáticas afetariam a concepção que o Homem tem de Natureza e Meio Ambiente, e de que modo isso atingiria as construções legais que visem protegê-los, ou mesmo (e mais percucientemente) sobre qual o fundamento principiológico para tal proteção. De entendermos, aqui, e de antemão, princípio como aquilo que, parcela mínima que seja, sobrevive à mudança, e que mantém a identidade sistêmica (unidade mínima mantenedora do padrão e da estrutura) de tal ou qual secção do saber (a fim de que a mesma não deixe de ser o que é passando a ser outra, por não conservar nada do que fora outrora – se é que admitimos possa haver uma mudança categórica nestes termos), ampliando assim, pari passu, o edifício do conhecimento a cada mover do pêndulo a que já nos referimos.