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Rudimentos de uma fundamentação principiológica para a proteção ambiental: a natureza como o sistema primordial com o qual o homem interage (entorno).

Por uma visão de mundo não-superlativamente-antropocêntrica

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Agenda 30/12/2006 às 00:00

6. DIREITOS DE QUARTA GERAÇÃO – DIREITOS DE SOLIDARIEDADE:

O homem primitivo teria tomado por Deus a Terra (Gaia), a qual lhe devolvia farta colheita ao rasgo que o homem lhe fazia no seio, retribuindo — estranhamente (?!) — obem com o mal, numa concepção que poderíamos julgar bastante similar à moral. Situação igualmente inusitada se teria dado com as mitocôndrias, organelas que em nosso corpo são as responsáveis pela respiração a nível celular; e que, outrora, não teriam passado de bactérias em "associação" com as células de organismos pluricelulares, a fim de garantirem subsistência mútua, num agir que poderíamos dizer qual uma apreensão rudimentar do que entendemos por solidariedade. As plantas a liberarem oxigênio e consumirem gás carbônico nos ofertariam o combustível da vida, numa clara confirmação da idéia de interdependência entre os sistemas. E, como vemos, não é à toa que os chamados Direitos de Quarta Geração, no seio dos quais se enquadra o Direito Ambiental, são também denominados Direitos de Solidariedade. O homem primitivo chamou também Deus ao sol, por sua grandiosidade, beleza e intangibilidade. Viu também as feições de Deus nas plantas que voltavam frutos tanto a bons como a maus, sem exceção, traduzindo esta mesma natureza uma racionalidade superior e sábia, como bem apregoavam Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Sabedoria esta já observada pelos grandes mestres da humanidade. Cristo já dissera: ‘Deus faz chover sobre justo e injustos’. E não podemos conceber conduta mais justa que esta. É o que nos aclara Sócrates, em diálogo com Críton, conforme o relato de Platão. Para Sócrates, a Justiça consistiria em fazer o bem a todos. Críton, por sua vez, afirmava que a Justiça consistia em fazer o bem somente aos bons e ao mal aos maus. Com escopo de refutar tal pensamento, Sócrates demonstrou que, se fizermos o bem aos bons, eles se tornarão melhores; e ao fazermos o mal aos maus, eles se tornam piores ainda. Então, que "justiça" seria essa que, tendendo a manter a estrutura (segurança) social, prima por tornar bons melhores e maus piores, ampliando, pois, a esfera dos problemas que visa inibir, eis que torna os maus piores e passíveis de cometerem mais ilegalidade (quando não, injustiças)? Assim, em conformidade com Sócrates, a Justiça consistiria em fazer o bem, não somente aos bons como aos maus também, tornando a ambos cada vez melhores e que isso seria justo (Justiça), uma vez que, paulatinamente, erradicaria a prática de ilegalidades e injustiças.Nada muito diverso de ‘dar a chuva a justos e injustos’ ou ‘conceder a árvore frutos a bons e maus’. Com Moisés teria vindo a compreensão de que Deus consubstanciaria Leis, rudimentos da compreensão hodierna de leis eternas e imutáveis que regem o Cosmos. Tudo teria sido engendrado em conformidade com Leis uniformes, perfeitas e universais. Lembrando Santo Tomás e Santo Agostinho, até mesmo o humano ente teria sido cunhado em consonância com tais Leis. E poderíamos descobrir tais Leis impressas no cerne do que define o Homem como tal, bem como em tudo o quanto há, segundo pressupunha Sócrates com o seu "conhece-te a ti mesmo". Jesus, por sua vez, veio alargar as percepções de Deus para o Mundo Ocidental, mostrando que o "Criador" também seria Amor e Perdão. Newton e Einstein trouxeram à tona a idéia de que Deus também é Razão; e, portanto, Ciência. Já vimos que a idéia de que sempre houve um "Criador" sempre esteve com o Homem, muito embora, como ora constatamos, as percepções que tivemos dessa idéia tenham progredindo, sem que nada altere o que esse pretenso "Criador" seja. Tudo, porém, estaria interligado por um mesmo destino cósmico, com base nos mesmos princípios.

E não precisamos buscar no complexo uma analogia possível para justificar e/ou fundamentar tais afirmações. A lei da gravidade, por exemplo, imprime a corpos de massas diversas a mesma aceleração, qual seja, a aceleração da gravidade. Isto revela uma ordenação principiológica prévia e muito similar ao que concebemos seja justo. Ora, figura dentre as mais primitivas noções do justo a de que ‘se deve igualar os desiguais, eqüalizando-os, dando-lhes igualdade de condições e oportunidades’. Não é senão o que a gravidade faz, tornando iguais os desiguais, conforme, é claro, suas peculiaridades próprias. Isto é mais que simplesmente tratar os desiguais com igualdade, o que seria uma propugnação das mais injustas, eis que são, de fato, desiguais. Em consonância com as noções mais íntimas que trazemos acerca do justo, ela (a gravidade), efetivamente, atua conferindo a corpos de massas diferentes o mesmo trato, tratando-lhes em igualdade de condições, eqüalizando-os. Donde cabe aventar, ainda, da semelhança entre a Lei de Ação e Reação, de aplicabilidade material, e a moral cristã. Ora, dizermos ‘tudo o que plantardes, colhereis’ e afirmarmos ‘se fizerdes o bem ao próximo, ele retornará para vós; e se fizerdes o mal, ele igualmente retornará’, nada mais seria que a ação e reação vista newtoniana sob a ótica moral (humana, pois). Tomemos, então, a ação e reação de Newton — lei que, pretensamente, seria válida apenas para o âmbito da matéria — apliquemo-la à vida moral, como no exemplo acima dado, e saberemos que não há grandes diferenças entre o que Newton percebeu e o que Cristo professou, exceto quanto ao campo de atuação em que se debruçavam. Poderíamos dizer que, muita vez, o Homem age na vida moral, como quem ousa querer dar um soco na parede e não sentir a dor co-respectiva ou a força em sentido contrário.

Parece haver, de fato, um princípio de solidariedade universal adstrito à natureza, apesar de observações apressadas verem somente a "lei da selva". Inobstante a entropia rumar no sentido da desagregação, observamos, contra todos os prognósticos, a vida e sua evolução. E o homem, conquanto se perceba e se enxergue diverso e destacado da natureza, é congenitamente parte dela (natureza humana – subsistema do ambiente natural). Por meio das características presentes nas leis principiológicas (universais e necessárias), percebemos que tudo no universo é solidário, que tudo está interligado. Em última análise, atentar contra a Natureza é atentar contra toda a vida humana na Terra. Eis o fundamento de validade da proteção ambiental: a interdependência solidária de todos os subsistemas ao sistema maior (ambiente) com o qual interagimos (Natureza), sob pena de fazer ruir todo o intricado edifício de relações que nos mantém vivos, muito embora as construções legais apregoem a proteção ambiental com base num vago ‘direito das gerações futuras’, novamente focando apenas o Homem, por vezes, reduzindo o bem ambiental à co-respectiva punição de âmbito econômico, como se tal se pudesse equiparar.

O antropocentrismo superlativo defende a proteção ambiental em nome do vago conceito de "gerações futuras". A Lei n.º 9.433/97 indica como objetivo da política nacional de recursos hídricos assegurar-se à atual e às "futuras gerações" a necessária disponibilidade de água. O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 propõe o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado às presentes e "futuras gerações". Defende-se a educação ambiental como um necessário e efetivo compromisso político dos administradores com as "futuras gerações". A preocupação com as "futuras gerações" é típica do pós-guerra. Freqüenta a Convenção Internacional de Regulamentação da Pesca da Baleia (1946), a Declaração de Estocolmo (1972) e a Declaração do Rio, princípio 3 (1992). Alexander Gillespie imagina um ombusdman para as "futuras gerações". O mote traduz auto-transcendência, atemporalidade. Gerações do passado teriam feito sacrifícios para as presentes e futuras. Porém nada sabemos a propósito das necessidades do amanhã. Há pouco mais de dois séculos não se pensava dos valores do petróleo e do plutônio. A preocupação com as "futuras gerações" tem certo sabor freudiano e consubstancia eloqüentemente mais uma face do antropocentrismo dominante. [156]

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Não que defendamos aqui que a postura Antropocêntrica seja um exclusivo "privilégio" (?!) do Ocidente e uma "criação" sua, como também descremos que o Mundo da Cultura, sobretudo como visto pela ótica ocidental, todo esse arcabouço de convenções humanas tenha um tal poder de demover o que as coisas, de fato, são, para só valerem, prima facie, segundo – e subordinadamente – ao olhar e às denominações e terminologias humanas [157]. Ora, não bastou — e jamais bastará — que o homem cresse ter o planeta a forma achatada para que ele passasse a sê-lo, como não bastou apregoar que a terra se postasse fixamente no centro do universo para que lá ela se pusesse. O homem não demoveu um só milímetro a posição do sol quando o um dia creu estivesse ele no centro do universo. Como se vê, as conjecturas humanas, suas teorias e terminologias em nada afetam o que, de fato, há. [158] O fato de darmos os nomes de Fobos [159](medo) e Deimos [160](terror) a dois satélites de um planeta longínquo, nada acresce ou diminui ao que eles, de fato, são; tampouco revela que conheçamos algo a mais deles do que antes de os havermos denominado como tais. E tal se dá também no campo das Ciências Sociais. Como é de sabença geral, também não bastou que Adam Smith apregoasse haver uma "mão invisível" a regular todo o mundo econômico no sentido do bem da sociedade como um todo, para que lá ela houvesse e atuasse efetivamente [161]. Que o digam os exemplos históricos, a se imporem com a força irrefragável da evidência fática, qual o que se deu com o ‘Crack’ da Bolsa de Nova York em 1922, onde mão invisível alguma se viu atuar para amainar os prejuízos incalculáveis que se abateram sobre todo o mundo. Mas essa não foi a maior virtude das conclusões possibilitadas pelo fato acima referido.

Como já dissemos em linhas supra, a parte contem o todo, como o todo a contem. A crise econômica americana de 22 abalou o mundo inteiro, provando, com um tal peso e vigor, haver uma interdependência entre os elementos do campo social-humano, qual a que, há muito, se apregoava haver entre os elementos do campo natural.

Há, sim, — reconhecemos — um abismo entre o cultural e o real, é fato. E as dificuldades em transpô-lo não são poucas, a ponto de terem motivado um Kant a dedicar o labor de uma vida inteira na perquirição da simples possibilidade de conhecimento do real.

O contato com o contorno, com o universo que nos cerca, é extraordinariamente complexo e complicado. Somos, em todos os momentos, sem descanso, afetados por meio de radiações, sons, ondas de calor e de inúmeras outras maneiras. Nossos órgãos sensoriais recebem, filtram e processam essa quantidade espantosa de efeitos, eliminando os que não nos interessam imediatamente e interpretando, com auxílio das categorias cognitivas, as mensagens de nosso exterior e de nosso próprio interior. (...) A interconexão entre o homem e o universo está em grande parte balizada pela natureza de seus sentidos. Se ele dispusesse de ouvido diferente, poderia ser afetado por sons que lhe são inaudíveis; teria, por exemplo, a acuidade auditiva do cão. Analogamente, se seu olfato fosse mais potente, aproximar-se-ia, neste sentido, de outros mamíferos em cujas vidas o olfato desempenha papel preponderante. (...) A visão, também, poderia ser diversa; assim, imagine-se o que seria de nós se nos fossem acessíveis radiações eletromagnéticas situadas fora do espectro visível. Se possuíssemos visão de raios-X, sem dúvida, o mundo exterior se apresentaria a nós de outra forma: nossas imagens visuais se assemelhariam a chapas de raios-X. (...) O espaço-tempo, como o percebemos ou elaboramos, acha-se vinculado à nossa capacidade sensorial e à articulação dos sistemas nervoso e cerebral. Pequenas mudanças nesses sistemas produziriam, seguramente, enormes alterações no conteúdo intuitivo do contorno espaço-temporal. (...) Mas o aparelho sensorial não é o único fator de condicionamento do mundo que nos rodeia. Outro é constituído pelo modo como pensamos. As categorias a que recorremos para descrever o universo também o condicionam. Através de conceitos que criamos, em boa medida motivados pelo próprio mundo, é que o conhecemos, o dominamos e fazemos previsões que se mostram essenciais para nossa subsistência. (...) Por conseguinte, a compreensão do universo depende dele mesmo, mas, além disso, de nossa configuração sensorial e das peculiaridades de nosso pensamento. Seres fisiologicamente distintos de nós talvez chegassem a concepções do universo bem afastadas da nossa. [162]

Complementaríamos isso, com a obviedade de que as apreensões que temos do real, (com o evoluir de nossos sentidos, ou obtidas por seres com sentidos outros mais apurados que os nossos) seriam logicamente mais perfeitas e precisas.


À guisa de conclusão

Se o conhecimento sobre dado objeto (enquanto parte do repositório da Natureza) é mera criação (convenção) humana, se o saber humano até então erigido se consubstancia no mero rotular o Mundo Natural, então, conhecer é impossível e nada sabemos sobre cousa alguma, tampouco sobre a Natureza como um todo, tornando ilegítimo até mesmo qualquer elucubração no sentido de sustentar o viver e o existir humanos sobre este solo rude e frágil em que parcamente nos movemos, que se dirá da presente tentativa de perquirir um fundamento principiológico para a proteção ambiental. Eis o que perturbou o gênio de um Kant a ponto de dedicar vida inteira a perquirir uma única pergunta: "É possível conhecer?" — e entendamos o conhecer por ele preconizado como o saber a verdade sobre as coisas, perscrutar sua essência, saber o que verdadeiramente é, não apenas meramente nomear e rotular.

A constatação das incertezas de que é prenhe o Universo fez, senão ruir todo o modo de conceber o real sustentado pela ciência moderna, ao menos o demoveu de sua posição irredutível. "O último deus" teria perecido, conforme a metáfora nietzscheana. A proposta Funcionalista Sistêmica apregoa a verdade enquanto relação, a verdade como mera interpretação, como comunicação, ao sabor de um relativismo similar a tantas outras mais de suas facetas. Ora, Nietzsche, por exemplo, era filólogo. E não seria nada incomum que defendesse (como, de fato, defendia) uma proposta de verdade que exaltasse a Filosofia da Linguagem. Há quem diga – e já nos reportamos a isso em linhas supra – que o pensamento de Sócrates foi, de certo modo, uma antítese ao sofismo; e que o fato de Aristóteles julgar que os escravos não teriam alma – sendo ele próprio, Aristóteles, um meteco (estrangeiro), desprovido, ele também, de todos os direitos a que somente teria um cidadão ateniense – só corrobora tal visão: a de que mesmo os homens de gênio não escapam, de todo, à influência do meio em que vivem ou às pré-concepções viciosas a que sejam afeitos. Cai, assim, o mito da objetividade e da neutralidade em matéria de Ciência. E com ele o dogma de que somente a ciência moderna seria apta a perquirir a verdade, abrindo margem para outras verdades (a verdade social, a verdade jurídica, a verdade psicológica, etc), outras visões firmadas em outros ângulos, frações de um mesmo objeto: este imenso todo, que tem como repositório primário mais próximo do ente humano a Natureza.

O poeta Kahlil Gibran (1989) concluiria, dizendo que as doutrinas e sistemas seriam como vidraças, permitindo-nos ver o objeto de nossa procura, mas, a um só tempo, privando-nos de tocá-lo [163]. Ora, a visão da realidade a que uma ciência ou ramo do saber nos fornece é a visão restrita do — digamos — campo visual que a ela é dado abarcar de relance. E a verdade a que a ciência hodierna vem paulatinamente descortinando é que uma visão mais precisa da realidade não pode prescindir da ótica dos demais sistemas, sejam eles científicos, filosóficos, religiosos, morais, etc. O Direito, a contrário senso, foi até vanguardista nessa conclusão, ao constatar a visão multifacetária de seu objeto. Todavia, parou-se por aí, vez que não se estabeleceu, a contento, relação entre as facetas de seu objeto, antes gerando um digladiar dos orgulhos intelectuais dos pesquisadores da matéria, cada qual querendo sustentar seja a faceta por ele abraçada a mais importante, aquela que constituiria quintessência do Direito.

Se os rótulos caem diante de uma apreensão mais apurada dos objetos, e se os deuses (paradigmáticos) morrem para que outros surjam, Nietszche teria desconsiderado nisso uma clara externalização de um processo evolutivo, rumando as novas apreensões de mundo para um ideal paradigmático de maior perfeição. Paradigmas, modelos e sistemas (científicos ou não) são visões, apenas visões de mundo e não a realidade em si. E visões são quase sempre parciais, revelam apenas o campo visual de quem vê, não mostram a tridimensionalidade do objeto analisado, não o penetram conscienciosamente, nem vêem o quadro geral e complexo, reduzindo-o, por vezes, ao que de simples nele se pode observar. E freqüentemente se sujeitam ao vergar das ideologias e dos interesses de quem vê (interesses dominantes), ora reduzindo o objeto a suas múltiplas partes minúsculas e indecifráveis, que quase nunca informam o suficiente sobre o que ele seja, pois o todo acaba produzindo algo mais que a mera soma das partes, ora mostrando apenas uma de suas dimensões externas como sendo a verdade absoluta e irrefutável, desconsiderando todas as demais, ora descortinando uma visão em perspectiva, divisando ao longe as suas faces todas, mas sem nunca ousar tocá-las.Portanto, perguntamos, depois de tudo o que se explanou nas linhas supra: a quem interessaria uma visão antropocêntrica do trato do Homem com a Natureza? Grosso modo, em nosso Mundo Capitalista, tal visão é de estrito interesse de quem lucra com isso. Não raro o bem ambiental é barganhado e medido em valores econômicos, com multas que, por vultosas que venham a ser, não podem traduzem a perda que se tem: eis que atentar contra a Natureza, segundo todo o argumento supra-exposto, é atentar contra toda a vida humana no orbe terreno. O ambiente é, pois, o mais amplo sistema com o qual interagimos, seja a nível coletivo ou individual; a idéia de ambiente tem mais a ver com um supra-sistema cósmico, no qual nos inserimos, que com uma criação cultural e terminológica humana, mero rótulo (polissêmico) afeito a atender interesses e necessidades humanos, como pretensamente erigido para a satisfação dos homens, sendo bem mais lógico crer no contrário. E isso consiste exatamente no fundamento principiológico de validade para a proteção ambiental, mormente (e apesar de) que as leis humanas apregoem o esdrúxulo termo "gerações futuras", como se tivéssemos a pretensão de sondar as necessidades do amanhã e nos sacrificarmos por elas. Erro bastante similar ao que teria cometido Thomas Malthus [164], quando apregoou o crescimento das populações em progressão geométrica e o crescimento da produção em progressão aritmética e, com isso, a falência do sistema natural terreno, tendo desconsiderado, porém, o decisivo papel da tecnologia.

Como vimos, falta ao homem certa percepção da unidade dos saberes, sendo assim, uma igual falta da noção de unidade na multiplicidade no Mundo Natural, enquanto repositório dos objetos destes mesmos saberes. Divisão há de fato, mas, sem sombra de dúvida, meramente didática, simples divisão de campos de estudo, tomadas, ainda hoje, sob egoísticos ares de divisão efetiva. Por ainda não nos ser possível vermos o todo, dividimos em secções os saberes a que temos acesso, para que melhor possamos visualizá-los. A cada uma dessas secções chamamos ciências, qual fossem elas saberes isolados. Agimos, então, como exploradores que, no intuito de conhecer uma floresta por inteiro, dividem-na para melhor explorá-la. Contudo, após cada um conhecer o trecho por si desbravado, julga-o mais importante que os demais, olvidando que todas as ciências estejam interligadas umas às outras numa relação de interdependência, tanto mais seus objetos, advindos da Natureza prenhe de uma noção rudimentar daquilo que concebemos por solidariedade. Bem assim, muitos supõem ser a ciência com que lidam superior às demais, ou pior, julgam ser o que há de mais importante na face deste orbe. Mal sabem estes que nenhum saber subsiste sem os demais, posto estarem todos interligados em sua origem, não havendo como um suster-se sem o Todo.

Vale-nos, então, o sábio ensinamento de Descartes que, percebendo-se cego, na imensa floresta do conhecimento, optou por seguir em frente, a fim de que, se a direção seguida não o levasse aonde tinha desejado ir, pudesse voltar ao ponto inicial, seguindo a mesma linha reta em sentido oposto, e, assim, optar livremente por nova direção, na esperança de que esta possa levá-lo ao alvo tão almejado. [165]

Sobre o autor
Francisco de Sousa Vieira Filho

Advogado, militando sobretudo na área trabalhista, em Teresina-PI, Especialista em Direito Constitucional pelo LFG e Mestre em Direito pela Universidade Antônoma de Lisboa. Professor nas faculdades AESPI e FAPI, e professor substituto na UESPI (Campus Clóvis Moura). Autor dos livros: Lira Antiga Bardo Triste (2009); Lira Nova Bardo Tardo (2010) e Codex Popul-Vuh - ramo de folhas (2013).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA FILHO, Francisco Sousa. Rudimentos de uma fundamentação principiológica para a proteção ambiental: a natureza como o sistema primordial com o qual o homem interage (entorno).: Por uma visão de mundo não-superlativamente-antropocêntrica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1277, 30 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9340. Acesso em: 18 nov. 2024.

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