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As vantagens políticas e patrimoniais das ações preferenciais das companhias

Agenda 29/09/2021 às 20:00

Além das prerrogativas de ordem patrimonial, é possível a criação de ações preferenciais que atribuam vantagens políticas a seus titulares.

A depender dos direitos e das vantagens que expressam, as ações das companhias podem ser classificadas como ações ordinárias, ações preferenciais ou ações de fruição.

Consideram-se ordinárias as ações que atribuem direitos básicos ao acionista, sem lhe conceder quaisquer vantagens ou privilégios extraordinários. As ações ordinárias são usualmente adquiridas por acionistas mais interessados em participar ativamente das deliberações da companhia do que em receber dividendos mais vantajosos.

Todas as companhias, abertas ou fechadas, devem emitir ações ordinárias com direito de voto. Os direitos básicos conferidos pelas ações ordinárias estão indicados principalmente no art. 109 da LSA.

De outra parte, as ações preferenciais da companhia são títulos que conferem aos investidores algumas vantagens extraordinárias, de natureza política ou patrimonial, distintas das vantagens ordinariamente conferidas aos titulares de ações ordinárias.

Ao contrário do que ocorre nas ações ordinárias, os titulares das ações preferenciais podem sofrer limitações ou até exclusão do direito de voto.[1].

Essas supressões ou limitações dos direitos de voto, no entanto, condicionam-se à oferta de vantagens patrimoniais compensatórias. Portanto, quando a ação preferencial contiver restrição ao direito de voto o acionista titular deverá ter o direito de desfrutar de alguma vantagem de natureza patrimonial.

A propósito dos limites de emissões de ações preferenciais com restrição (parcial) ou exclusão (total) ao direito de voto, cumpre notar o seguinte.

A criação de ações preferenciais sem direito de voto foi admitida primeiramente no Decreto nº 21.526/1932, independentemente da fixação de limites ao número de emissão.

O Decreto-lei nº 2.627/1940, anos depois, limitou a emissão de ações preferenciais sem direito a voto a 50% (cinquenta por cento) do capital social. A companhia, portanto, não poderia ter ações preferenciais sem direito de voto (exclusão total) que representassem mais de 50 % (cinquenta por cento) do capital social. Não havia referências, no entanto, às ações preferenciais apenas com restrição ao direito de voto (com direito de voto parcialmente restrito). Logo, em tese, seria admitida a emissão de qualquer número de ações preferenciais com restrição ao direito de voto (não com exclusão), ainda que superior a 50% (cinquenta por cento) do capital social.

A Lei nº 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações), pela redação original do §2º do art. 15, estabeleceu que o número de ações preferenciais sem direito a voto (exclusão total), ou sujeitas a restrições no exercício desse direito (qualquer restrição, ainda que parcial), não poderia ultrapassar 2/3 (dois terços) do total das ações emitidas.

Para a fixação desses limites, de acordo com a exposição de motivos da LSA, foi considerado o seguinte: i) a necessidade de ampliar a liberdade do empresário na organização da estrutura de capitalização da sua empresa; ii) a necessidade de facilitar o controle, por empresários brasileiros, de companhias com capital distribuído no mercado; iii) a importância de evitar a distribuição, na fase inicial de abertura do capital de companhias pequenas e médias, de duas espécies de ações, em volume insuficiente para que atinjam grau razoável de liquidez.

Em 2001, com a alteração da redação do §2º do art. 15 da Lei nº 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações – LSA), pela Lei nº 10.303/2001, esse percentual foi limitado a 50 % (cinquenta por cento).

Assim, pela regra atualmente vigente, o número de ações preferenciais sem direito a voto, um com restrição ao direito de voto, não pode ser superior a 50% (cinquenta por cento) do total das ações da companhia.[2]

Independentemente de qualquer previsão estatutária, contudo, no caso de ações preferenciais sem direito de voto (ou com restrição ao direito), se não for realizado o pagamento de dividendos fixos ou mínimos por 3 (três) exercícios consecutivos, os acionistas passarão ter direito de votar nas deliberações da companhia. A concessão de direito de voto aos acionistas titulares de ações que, em tese, não permitiriam esse direito será mantida até o pagamento o pagamento dos dividendos atrasados.

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Vantagens patrimoniais das ações preferenciais.

Vejamos algumas das vantagens patrimoniais que podem ser conferidas pelas ações patrimoniais.

As ações preferenciais, de acordo com o art. 17, caput,  da LSA, podem conferir aos acionistas, isolada ou cumulativamente, as seguintes preferências ou vantagens: i) prioridade na distribuição de dividendo, com valores fixos ou mínimos; e ii) prioridade no reembolso do capital, com ou sem estipulação de prêmio.

Considerando a possibilidade de cumulatividade de direitos, seria admissível, em tese, criar ações preferenciais com prioridade na distribuição de dividendos e com prioridade no reembolso do capital, com ou sem prêmio.

Não se pode esquecer que, além das previstas no art. 17, caput, da LSA, o estatuto pode estipular outras preferências e vantagens atribuíveis aos acionistas sem direito a voto, ou com voto restrito.[3]

Acrescente-se que nas companhias abertas, independentemente do direito de receber ou não o valor de reembolso do capital, as ações preferenciais sem direito de voto (ou com restrição a esse direito) só serão admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários se lhes for conferido ao menos um desses direitos: i) direito de receber dividendos correspondentes a pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido do exercício, calculado na forma do Art. 202 da LSA; ii)  direito ao recebimento de dividendo, por ação preferencial, pelo menos 10% (dez por cento) maior do que o atribuído a cada ação ordinária; ou iii)  direito de serem incluídas na oferta pública de alienação de controle, nas condições previstas no Art. 254-A, assegurado o dividendo pelo menos igual ao das ações ordinárias.

Na hipótese de da previsão de recebimento de dividendos correspondentes a pelo menos 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido do exercício, é preciso observar, ainda, os seguintes critérios: i) a prioridade no recebimento dos dividendos deve corresponder a, no mínimo, 3% (três por cento) do valor do patrimônio líquido de cada ação; e ii) deve ser assegurado o direito de participar dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ações ordinárias, depois de a estas estar assegurado dividendo igual ao mínimo prioritário.

Apesar de tudo isso, o estatuto poderá prever outras preferências ou vantagens atribuíveis aos acionistas sem direito a voto (ou com restrição a esse direito).

No que se refere aos aspectos patrimoniais das ações preferenciais, para finalizar, convém acrescentar o seguinte:

i) no silêncio do estatuto, o dividendo prioritário não é cumulativo.

ii) o titular da ação com dividendo fixo não participa dos lucros remanescentes.

iii) o titular da ação com dividendo mínimo participa dos lucros distribuídos em igualdade de condições com as ordinárias, depois de assegurado o pagamento de dividendo igual ao mínimo.

iv) os dividendos, fixos ou cumulativos, não poderão ser distribuídos em prejuízo do capital social.

v) nas ações preferenciais com direito ao recebimento prioritário de dividendos cumulativos o estatuto pode autorizar que o pagamento seja feito com os recursos da reserva de capital, mesmo que no exercício o lucro tenha sido insuficiente.

v) o estatuto não poderá, em regra, prever qualquer exclusão ou restrição da participação de titulares de ações preferenciais nos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros. Esta vedação, no entanto, não se aplica nos casos de ações preferenciais com dividendo fixo.  Logo, nas ações preferenciais com dividendos fixos, o estatuto poderá excluir ou restringir a participação dos titulares nos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros.


Vantagens políticas das ações preferenciais.

Além das prerrogativas de ordem patrimonial, é possível a criação de ações preferenciais que atribuam vantagens políticas a seus titulares, a exemplo do que se prevê no art. 17, §7º, e no art. 18 da da LSA.

Nas companhias objeto de desestatização, segundo o disposto no §7º do art. 17 da lSA, podem ser criadas ações preferenciais de classe especial, cuja propriedade deva ser atribuída exclusivamente ao desestatizante. Nessa hipótese admite-se que o estatuto social confira determinados poderes políticos, inclusive o poder de vetar certas deliberações da assembleia geral.

A lei prevê a criação de ação preferencial de classe especial nas companhias que foram objeto de desestatização[4].

Essas ações de classes especiais pertencerão exclusivamente ao ente desestatizante, e poderão lhe conferir, nos termos do estatuto, poderes específicos, sobretudo de veto às deliberações da assembleia-geral (artigo 17, §2º da LSA).[5]

Estas ações são denominadas golden shares.[6]

Sem prejuízo dessas orientações, a companhia pode assegurar a determinada classe de ações preferenciais o direito de eleger, em votação separada, um ou mais membros dos órgãos da administração (art. 18, caput, da LSA), assim como estabelecer que certas alterações estatutárias devem ser subordinadas à aprovação dos acionistas de uma classe específica de ações preferenciais (art. 18, parágrafo único, da LSA).[7]


[1] Como visto, são direitos essenciais de qualquer acionista, em regra, independentemente das naturezas das suas ações: i) direito de participação nos lucros sociais; ii) direito de participação na partilha do acervo líquido da companhia, nos casos em que esta for dissolvida; iii) direito de fiscalização da gestão da sociedade; iv) direito de preferência na subscrição de novas ações ou de novos valores mobiliários e; v) direito de retirada.

[2] Art. 15 [...]§ 2o O número de ações preferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrição no exercício desse direito, não pode ultrapassar 50% (cinqüenta por cento) do total das ações emitidas.  

[3] Art. 17 [...] § 2º Deverão constar do estatuto, com precisão e minúcia, outras preferências ou vantagens que sejam atribuídas aos acionistas sem direito a voto, ou com voto restrito, além das previstas neste artigo.  

[4] A Lei nº 9.491/1997 alterou os procedimentos relativos ao Programa Nacional de Desestatização e revogou a Lei n° 8.031/1990. Esta lei está regulamentada, entre outros, pelo Decreto nº 2.594/1998.

[5] Se considerarmos que a golden share é uma ação que confere vantagens e prerrogativa especialíssimas ao seu titular, as ações mencionadas no art. 18 da LSA também podem ser classificadas como golden share. O art. 18 da LSA prevê que o estatuto pode assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração.

[6] Juliana Krueger Pela ressalta que “As golden shares têm origem no Reino Unido, no âmbito do processo de privatizações realizado, a partir de 1979, pelo governo da primeira-ministra Margareth Thatcher.  Apesar de a diminuição da intervenção estatal na administração das empresas públicas constituir um dos evidentes objetivos da privatização, o governo entendeu que, mesmo após a transferência do controle dessas companhias a particulares, certo grau de intervenção ainda deveria ser mantido. Como grande parte das sociedades privatizadas tinha importância estratégica para a economia do Reino Unido e era incumbida da prestação de serviços públicos essenciais, não se podia permitir que tais companhias ficassem vulneráveis a determinadas circunstâncias, como falência, interrupção das atividades ou transferência de controle acionário, especialmente mediante a aquisição hostil (hostile takeover) por parte de estrangeiros. Assim, durante o processo de privatizações, o governo procurou criar mecanismos para neutralizar a vulnerabilidade das antigas empresas estatais. Um desses mecanismos, senão o principal deles, foi justamente a golden share. [...] A partir do modelo britânico de privatizações e, justamente para satisfação dos interesses nacionais, o mecanismo originalmente corporificado na golden share foi adotado, sob denominações diversas, em países como a França (action spécifique), Itália (poteri speciali), Alemanha (goldene Aktie e Spezialaktie), Bélgica (action spécifique), Portugal (ações preferenciais), Espanha (regime administrativo de controle específico), Nova Zelândia (kiwi share), México e no Brasil (ação de classe especial).” PELA, Juliana Krueger. Golden shares. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.

[7] Art. 18. O estatuto pode assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração. Parágrafo único. O estatuto pode subordinar as alterações estatutárias que especificar à aprovação, em assembléia especial, dos titulares de uma ou mais classes de ações preferenciais.

Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA NETTO, Antonio Evangelista. As vantagens políticas e patrimoniais das ações preferenciais das companhias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6664, 29 set. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/93479. Acesso em: 22 dez. 2024.

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