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Proporcionalidade e razoabilidade na ponderação de interesses

regras para decisão de princípios colidentes

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Agenda 24/09/2021 às 19:22

Neste artigo apresentam-se as distinções entre a razoabilidade e a proporcionalidade como meios de ponderação de interesses em casos difíceis. Numa abordagem histórica da proporcionalidade, suas particularidades e sua aplicação no direito brasileiro.

Introdução

É fato que na prática social, em dimensão geral, e na prática do Direito, em dimensão específica, a ocorrência de conflitos de interesse é uma regra. Afinal, em certa medida, uma das dimensões do Direito, enquanto recurso da prática social, é, sem dúvida, mediar os litígios para encaminhar soluções pacíficas aos conflitos, isto é, desfechos que sigam fora da via da barbárie, ou seja, dos ciclos infinitos de vingança como os das épocas das sociedades clânicas, na antiguidade clássica e no período medieval.

Por isso, a necessidade da criação de instituições sociais que pudessem encaminhar tais decisões, de modo a não gerar favorecimento injusto a nenhuma das partes envolvidas no conflito, fez com que as sociedades, no decorrer de suas histórias, fossem criando estruturas jurídicas e métodos de mediação das lides, em cada fase desigual dos seus desenvolvimentos. Daí, é que se faz mister a existência de um agente terceiro mediador (ou de agentes) não comprometido com nenhuma das partes, para com base nos costumes, nas regras previamente estabelecidas e nas tomadas de decisões anteriores, de casos análogos, estar apto a ponderar os interesses e tomar a mais prudente decisão – em virtuosidade aristotélica – ao menos em tese.

Na sua devida importância, o Direito, a justiça e as decisões judiciais, precisam servir à sociedade, para que haja garantia de responsabilidade mútua entre os sujeitos, para que cada um, como afirma Hervada (2006), receba aquilo que lhe cabe, e para que nenhum indivíduo, e nem mesmo o Estado, tenha direito de violar, impunimente, aquilo que é o direito de cada um. Ideais abstratos que constituem telos deontologico do direito.

Neste sentido, ao longo de sua história - na antiguidade pelas as regras em Hamurabi, pela valorização da supremacia da Lei nas Pólis gregas, pelo Digesto dos Corpus Iuris Civilis romano - na idade média com os cânones da Igreja ou nos costumes germânicos - até a contemporaneidade, da constitucionalização dos Estados, o Direito acumulou muito em teoria jurídica, em regras e princípios, em técnica jurídica e métodos para encaminhar, de forma justa, as demandas conflitivas no seio social.  

Neste interim, valores como a vida, a liberdade, a igualdade, a dignidade humana, a propriedade, a separação dos poderes, o julgamento justo etc. tornaram-se fundamentais à manutenção da coesão social. Tais valores, num Estado de Direito, são garantias materiais de um Estado Constitucional e aparecem como normas e/ou princípios da organização social contemporânea, seja de modo implícito ou explicito, nas Leis dos ordenamentos jurídicos dos Estados Democráticos.

No ordenamento jurídico brasileiro, v.g., tais valores aparecem reiteradamente na Constituição Federal de 1988 - nos Art. 1º, III; Art. 2º; Art. 3º, I e IV; Art. 4º, II; Art. 5°, II, III, IV, VI, VIII, IX, X, XV, XXII, XXXVI, XXXVII, LIII, LIV - como também em outros textos jurídicos infraconstitucionais. Em que todos eles devem nortear as decisões judiciais, sempre que necessário for ao juiz efetivar uma ponderação de interesses[1]. Tal qual indica Cristóvam (2017), ao expor que:

a ponderação judicial deve estar plenamente vinculada à supremacia da Constituição e à prevalência dos direitos fundamentais. Estes são o Norte e o limite finalístico da teoria ponderacionista, a gravitar em torno da plena satisfação do sistema constitucional e das normas infraconstitucionais que o complementam e especificam, a partir da concretização daquela sua extensa constelação normativa de regras e princípios legitimamente reconhecidos. (Cristóvam, p. 221, 2017).

Certamente, a tomada de decisão nunca é tarefa fácil na vida humana. Deliberar é sempre um dispêndio de energia vital, em alguma medida, e muitas vezes, altamente desgastante – principalmente se se trata de uma deliberação norteada pela prudência. Nesta perspectiva, se, na vida cotidiana, decidir tem suas adversidades, há de se convir que na seara jurídica não seria diferente. Atrevo-me a dizer que a situação de um magistrado é até mais delicada, uma vez que sua decisão incidirá não sobre sua vida, mas sobre a vida de terceiros, quiçá de toda uma comunidade. Tarefa de extrema responsabilidade, que estará, de maneira geral, no centro desta reflexão.

Os embaraços nas decisões judiciais não ficam restritos aos efeitos que ela pode causar, mas surgem desde o princípio da hermenêutica do magistrado, na medida em que, para essa tomada de decisão, não cabe ao julgador deliberar unilateralmente apenas por sua livre consciência[2], muito pelo contrário. Uma determinação judicial deve ser resultado de esforços interpretativos profundos, do caso concreto, da lei, da jurisprudência e de uma variedade de argumentos apresentados pelas partes, pela doutrina, que influem sobre o processo – portanto, sua discricionaridade deve ser contida nos limites das fontes do direito. Isto quer dizer que, em tese, tudo deve ser executado de modo rigoroso, com fundamentos metodológicos, legais, teóricos e argumentativos adequados, não superficiais, para que a decisão seja de fato justa e não um produto casuístico de arbitrariedade individual; para não configurar um “espaço de incertezas jurídico-políticas, de diuturna e casuística relativização de direitos, com a progressiva corrosão das noções de legalidade e segurança jurídica e o consequente déficit de estabilidade” na ordem “social, política e econômica da comunidade.” (Cristóvam, p. 221, 2017).

Tradicionalmente e na maioria dos casos, a hermenêutica jurídica, procede com base na subsunção, isto é, enquadra-se a lei ao caso concreto e aplica-se o disposto na regra à situação, por meio de raciocínio silogístico, em que a premissa maior (norma), incide sobre a premissa menor (fato). No entanto, como afirma Barroso (2019), há casos difíceis em que a subsunção se faz insuficiente, isto porque existem “normas de mesma hierarquia indicando soluções diferenciadas.” (p.320).

Para tais casos (hard cases), existem métodos outros, que não a subsunção, para o encaminhamento de decisão judicial razoável. Dentre eles, aqueles que nos debruçaremos nesta exposição, de maneira específica, para tratar da ponderação de interesses, são assim: a razoabilidade e a proporcionalidade.

Estes dois conceitos, apesar de no senso comum, e por vezes na doutrina, na jurisprudência também, serem tratados como sinonímias, enquanto metodologia hermenêutica, para tomada de decisão mediante ponderação, não o são. Tais terminologias possuem origens históricas e significações distintas, assunto este ao qual dedicaremos o segundo tópico deste trabalho.

Na sequência, no terceiro tópico, antes da conclusão, a partir de bibliografia acadêmica sobre o tema, nos debruçaremos sobre a maneira como a argumentação doutrinária e a jurisprudência aplicam e fundamentam a proporcionalidade no sistema jurídico brasileiro. Nosso enfoque estará em debater a coerência ao método, ou seja, em comentar se a aplicação da proporcionalidade tem sido efetivada de maneira adequada em nosso direito.

2. Origens históricas e as devidas distinções entre razoabilidade e proporcionalidade

De modo suscinto, razoabilidade e proporcionalidade, em conotação jurídica, não são sinônimos e não possuem a mesma origem histórica, sendo, portanto, no máximo, construções jurídicas diversas com certa semelhança. A razoabilidade, como afirma Barroso (2019), Peruchin (2015) e a maioria dos trabalhos sobre o tema, tem sua gênese embrionária com a Magna Carta de 1215[3], no direito anglo-saxão, pela cláusula law of the land[4], enquanto uma primeira forma de proteção da vida, da propriedade e da liberdade contra o abuso do Estado. Na sequência histórica este instituto ganhou destaque no direito estadunidense, onde efetivamente ganhou forma, na Constituição dos EUA, em especial pela Emenda XIV[5], que prevê a obrigatoriedade do devido processo legal.

Neste país, por meio desta cláusula do devido processo legal, segundo Barroso (2019), “passou-se a proceder ao exame da razoabilidade (reasonableness) e de racionalidade (rattionality) das leis e dos atos normativos em geral no direito norte-americano.” (p.250), o que inclusive ocorreu em duas fases. Na primeira, de característica especificamente processual, “abrigando garantias voltadas, de início, para o processo penal e que incluíam os direitos a citação, ampla defesa, contraditório a e recursos.” (p.250). E, numa segunda fase, em que também passou a desempenhar um alcance substantivo, de modo que o judiciário passou a exercer “determinados controles de mérito sobre o exercício de discricionaridade pelo legislador, tornando-se importante instrumento de defesa dos direitos fundamentais.” (p.250), sendo assim, um prestigioso mecanismo de controle de constitucionalidade (judicial review). Dellore (2017) resume a importância deste instituto nos seguintes termos:

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O devido processo legal substancial refere-se à limitação ao exercício do poder do Estado, autorizando o magistrado a questionar a razoabilidade de determinada lei e a justiça das decisões judiciais, estabelecendo o controle material da constitucionalidade e da proporcionalidade. O devido processo legal substancial se dirige muito mais ao legislador, como uma forma de limitar a sua atuação. É que as leis não devem ser desprovidas de razoabilidade, devem estar adstritas a critérios de justiça, racionalidade, razoabilidade e proporcionalidade.  (Dellore, p.115, 2017)

A proporcionalidade, por sua vez, teve sua origem no direito alemão. “Desenvolveu-se no âmbito do direito administrativo, funcionando como limitação à discricionariedade administrativa.” (Barroso, p. 251, 2019). A proporcionalidade só ganhou fundamento constitucional neste país a partir da Lei Fundamental de 1949, com o princípio da reserva de lei proporcional, com a ideia de necessidade de relação racional entre meios e fins. Sua aplicação no direito alemão subdividiu a proporcionalidade em três subregras, tais quais: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito – que oportunamente entraremos em detalhes.

Tanto razoabilidade quanto proporcionalidade, tornaram-se importantes instrumentos do direito contemporâneo neoconstituicional, principalmente para superar os limites da subsunção e encaminhar decisões racionais e justas, na medida adequada, em rejeição a atos arbitrários ou caprichosos, em casos difíceis.

Por casos difíceis devemos entender aqueles que, dentro de uma ordem jurídica constitucional, apresentam situações concretas que põem princípios fundamentais em rota de colisão uns com os outros, sendo assim, faz necessária a ponderação de interesses fora dos limites da subsunção de regras. Isso porque há diferença substancial normativa entre regras e princípios. Segundo Alexy apud Da Silva (2002), apresentam a seguinte distinção:

Regras expressam deveres definitivos e são aplicadas por meio de subsunção. Princípios expressam deveres prima facie, cujo conteúdo definitivo somente é fixado após sopesamento com princípios colidentes. Princípios são, portanto, ‘normas que obrigam que algo seja realizado na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas’; são, por conseguinte, mandamentos de otimização. (Alexy apud Da Silva, p.24, 2002).

Dito isto, neste ponto, afirmamos duas questões de relevo: i) ratificamos que razoabilidade ou ponderação são métodos de interpretação jurídica que devem somente ser utilizadas em casos que promovam colisão de princípios e não de regras. ii) e proporcionalidade, apesar de ser meio de resolução de hard cases, por conflitos principiológicos, não é um princípio em strictu senso, não ao menos na classificação de Alexy – como afirma Da Silva (2002, p.25).

A segunda premissa é sem dúvida espantosa, visto que na literatura jurídica, majoritariamente, a referência que se faz ao instituto é enquanto princípio da proporcionalidade. No entanto, Da Silva (2002) afirma que devido ao fato de a proporcionalidade não “produzir efeitos em variadas medidas, já que é aplicado de forma constante, sem variações” (p.25), por não entrar em conflito com outras normas-princípios, a proporcionalidade melhor se adequaria a noção de regra. “O termo mais apropriado, então, é regra da proporcionalidade, razão pela qual se dará preferência a esse termo no presente trabalho.” (p.25), no entanto, compreende-se aqui que o termo princípio é usado comumente no direito brasileiro, a fim de conferir a devida importância a este importante instituto, ou seja, à proporcionalidade.

Uma vez apresentados os argumentos sobre a regra da proporcionalidade, as diferentes origens históricas dos termos, seguiremos agora para distinção estrutural entre razoabilidade e proporcionalidade, mantendo como suporte a teorização exposta por Da Silva (2002), que diz:

A exigência de razoabilidade, baseada no devido processo legal substancial, traduz-se na exigência de "compatibilidade entre o meio empregado pelo legislador e os fins visados, bem como a aferição da legitimidade dos fins". Barroso chama a primeira exigência -compatibilidade entre meio e fim - de razoabilidade interna, e a segunda - legitimidade dos fins -, de razoabilidade externa. Essa configuração da regra da razoabilidade faz com que fique nítida sua não-identidade com a regra da proporcionalidade. O motivo é bastante simples: o conceito de razoabilidade, na forma como exposto, corresponde apenas à primeira das três subregras da proporcionalidade, isto é, apenas à exigência de adequação. A regra da proporcionalidade é, portanto, mais ampla do que a regra da razoabilidade, pois não se esgota no exame da compatibilidade entre meios e fins, conforme ficará claro mais adiante. (Da Silva, p.32 e 33, 2002 – grifos do autor).

Isto porque a proporcionalidade se subdivide em três etapas, “o princípio da proporcionalidade consiste na justa ponderação de interesses, levando-se em conta o binômio necessidade-utilidade e necessidade-adequação, assim como a proporcionalidade em sentido estrito.” (Pinho, p. 834, 2020). No entanto, estas três subregras devem ser aplicadas metodologicamente numa ordem, sendo assim, adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, que devem seguir uma sequência formal no processo de ponderação de normas ou interesses, por meio da proporcionalidade. Neste sentido, “a análise da adequação precede a da necessidade, que, por sua vez, precede a da proporcionalidade em sentido estrito.” (Da Silva, p.34, 2002).

Barroso (p. 253, 2019), explica que a adequação é a verificação da idoneidade da medida para produzir o resultado desejado, numa relação entre meio empregado e fim perseguido, a fim de fomentar o objetivo que se almeja com aquela norma ou decisão, “ainda que o objetivo não seja completamente realizado.” (Da Silva, p.36, 2002).[6]

Quando se trata de “necessidade ou exigibilidade”, Barroso (2019) define que seu uso supõe “verificar a inexistência de meio menos gravoso para consecução dos fins visados.” (p. 253). E Da Silva (2002), afirma que “um ato estatal que limita um direito fundamental é somente necessário caso a realização do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido.” (p.38), ou seja, havendo alternativa menos gravosa, não há necessidade de seguir pela via de maior restrição de direito ou danos.

Por fim, o uso da proporcionalidade em sentido estrito, para Barroso (2019), consiste “na ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido”, ou seja, se o benefício for inferior ao dano provocado pelo ônus, não há proporcionalidade.

Nessas situações, o juiz deve fazer uma ponderação dos interesses em jogo, pela aplicação do critério da proporcionalidade, levando em conta os interesses e os valores humanos que se entrechocam e, em que medida, devam eles conciliar-se ou se a eficácia de um deles pode reduzir, ainda que minimamente, a do outro. (Greco, p. 53, 2015).

Cabe assim ao magistrado efetivar “um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva” (Da Silva, p.40, 2002).

Enfim, são estas as três subregras indispensáveis à aplicação da proporcionalidade como mecanismo de ponderação de interesses em situação de conflitos entre princípios e direitos fundamentais, o que substancialmente a difere da razoabilidade, que, como já dito, no máximo coincide com a primeira etapa de averiguação. Agora que a distinção se encontra resolvida, falta-nos ainda dar luz a uma pergunta. Será que na prática jurídica brasileira, nas tomadas de decisões, os tribunais têm aplicado o método das três subregras de modo efetivo e coerente? Sobre este aspecto dedicar-se-á o próximo tópico de nossa exposição.

3.  O uso da proporcionalidade no direito brasileiro

Nesta parte do texto vamos demonstrar a maneira como a proporcionalidade encontra-se tratada e aplicada no direito brasileiro. Ao tratar sobre a proporcionalidade, apesar de fazer a devida distinção histórica e até metodológica, Barroso (2019), conduz-nos a ideia de que proporcionalidade e razoabilidade são termos fungíveis, na técnica da ponderação. Em seu curso de “Direito Constitucional Contemporâneo”, o autor, constantemente se refere aos “princípios” da proporcionalidade ou razoabilidade, alternando-os de maneira a parecer que são partes do mesmo método ponderativo. O que, como já pontuado neste trabalho, não é o caso.

Na Constituição brasileira não há qualquer previsão que determine a regra da proporcionalidade como meio determinado de solução de impasses no direito. Não há qualquer positivação feita à proporcionalidade. No entanto como afirma Luciano Feldens apud Peruchin (2015), “o Supremo Tribunal Federal inclina-se por conceber a proporcionalidade como postulado constitucional que encontra a sua raiz material no princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF), em sua perspectiva substancial.” (Peruchin, p.224, 2015).

Neste sentido, há também na doutrina diferentes justificações para sua aplicação da proporcionalidade na ponderação de interesses. Como afirma Da Silva (2002), uma parte da doutrina defende que a proporcionalidade tem seu fundamento no chamado “princípio” do Estado de Direito, e dentre os doutrinadores, o autor, enumera Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Suzana de T. Barros. A este argumento cabe reforçar à seguinte indagação de Da Silva (2002): por que existem tribunais de países em que vige o Estado de Direito e a proporcionalidade não se aplica como método, tal qual, na Suprema Corte dos Estados Unidos?

 Em busca de justificação da integração da proporcionalidade ao direito brasileiro, há também aqueles que fundamentam a proporcionalidade em diversos dispositivos constitucionais, são alguns deles: “Antônio Magalhães Gomes Filho, e de Carlos Affonso Pereira de Souza e Patrícia Regina Pinheiro Sampaio.” (p.42).

Segundo esses autores, fundamentam a aplicação da proporcionalidade os artigos 5º, II (legalidade), 5º, XXXV (inafastabilidade do controle jurisdicional), 1º, caput (princípio republicano), 1º, II (cidadania), 1º, III (dignidade). São ainda citados os institutos do habeas corpus (art. 5º, LXVIII), mandado de segurança (artigo 5º, LXIX), habeas data (artigo 5º, LXII), assim como o direito de petição (artigo 5º, XXXIV, a). No mesmo sentido, e provavelmente como inspirador dos autores citados, leciona Paulo Bonavides. (Da Silva, p.42, 2002 )

Paulo Bonavides, também, faz a defesa do uso do § 2º[7] do art. 5º, por se tratar do regime de princípios, como afirma Da Silva (p.43, 2002). Este autor, no entanto, defende que “a exigibilidade da regra da proporcionalidade para a solução de colisões entre direitos fundamentais não decorre deste ou daquele dispositivo constitucional, mas da própria estrutura dos direitos fundamentais.” (p.43).

Ao voltarmos nossos olhos sobre a prática dos tribunais, com base no estudo de Da Silva (2002), para além da doutrina, o que se percebe é o uso indiscriminado da proporcionalidade ou razoabilidade sempre que se quer afastar qualquer conduta considerada abusiva, fundamenta-se sem fundamento a partir da “fórmula ‘à luz do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, o ato deve ser considerado inconstitucional’.” (p. 31), sem se efetivar qualquer nível de diligência necessária as etapas, sejam as da razoabilidade, quiçá as três fases da proporcionalidade.

Vejamos a jurisprudência do STF, em que se lançou mão à proporcionalidade como meio de subsídio para decisão de certos casos. Como no caso da liminar atribuída ao HC76.060-4, segue-se o parecer.

O que, entretanto, não parece resistir, que mais não seja, ao confronto do princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade - de fundamental importância para o deslinde constitucional da colisão de direitos fundamentais - é que se pretenda constranger fisicamente o pai presumido ao fornecimento de uma prova de reforço contra a presunção de que é titular.

Como afirma Da Silva (2002), apesar da relevância a proporcionalidade para ponderação de colisão entre direitos fundamentais, não se percebe qualquer esmiuçar metodológico de proporcionalidade na decisão, nada mais do que uma simples referência ao “princípio” sem aplicação das necessárias subregras. Na prática dos magistrados, ainda que da Suprema Corte, “o raciocínio aplicado costuma ser muito mais simplista e mecânico. Resumidamente: a constituição consagra a regra da proporcionalidade; o ato questionado não respeita essa exigência; o ato questionado é inconstitucional.” (p.31).

Quando compara aplicação da proporcionalidade e o uso de seus três elementos constitutivos, a dois casos decididos pelo STF, sendo o primeiro o ADC 9-6 (racionamento de energia) e o segundo o ADIn 855-2 (Pesagem de botijões), Da Silva (2002), indica incongruência entre um uso real da regra da proporcionalidade e as decisões que se encaminharam com base na citação da proporcionalidade, que obviamente ocorreu sem a devida aplicação das subregras.

Quando sujeitados os casos a nova análise, subtendo-os primeiramente à adequação, a ADC 9-6, que delimitava nos artigos 14 e 18, metas de consumo e sanções para quem não cumprisse tais metas. Ainda que questionável pela previsão de suspensão de fornecimento de energia, por seu caráter coercitivo, tenderia a impelir os consumidores ao respeito das metas, colaborando para que os objetivos fins lograssem êxito – podendo-se qualificar como adequada. Já a ADIn 855-2, que previa a necessidade de pesagem dos botijões frente ao consumidor, por uma lei do Estado do Paraná (10.248/93), foi declarada pela corte inconstitucional, sob a alegação genérica de violação da proporcionalidade pela parte autora, mas, no entanto, segundo Da Silva (2002), “nenhum dos argumentos [foi] suficiente para decretar a inadequação da pesagem para a proteção do consumidor.” (p.38).

Ao partir para a fase da necessidade,  no que se refere a ADC 9-6. A suspensão de energia com base em metas de consumo arbitradas pelo consumo médio anterior, acaba por colocar aqueles consumidores mais moderados em condição de desigualdade com aqueles que costumam fazer um uso mais intenso, e, desta forma, o direito a igualdade perante a lei encontra-se limitado, assim como a livre iniciativa, o direito ao trabalho e em última análise o direito a vida digna, assim afirma Da Silva (2002). Por isso, tais medidas, “conquanto fossem elas adequadas para fomentar a realização do objetivo desejado, dificilmente resistiriam a um cotejo com medidas alternativas e seriam classificadas como desnecessárias.” (p.39), e, portanto, desproporcionais. Mas, não foi desta maneira que procedeu o STF.

Em relação ao ADIn 855-2, a autora alegou apenas restrição ao direito da livre iniciativa, em função dos recursos necessários de investimento para dar seguimento a tal medida, o que prejudicaria diversas empresas que não teriam como acompanhar tais modernizações e assim estariam em risco de falência. Como alternativa encaminhou-se a proposta de pesagem por amostragem efetivada pelo poder público. No entanto, a Lei 10.248/93 do estado do Paraná tinha por fim a proteção do consumidor, a fim de não lesá-lo, não obrigando-o a pagar pelo que não recebeu. E de fato pode-se ter exatidão com a pesagem na frente do cliente, com muito mais eficiência à proteção ao consumidor, do que a pesagem por amostragem. Por isso, Da Silva (2002) afirma: “Nesse sentido, a exigência de pesagem na presença do consumidor pode ser considerada como necessária, nos termos da regra da proporcionalidade.” (p.40).

Por fim, diante do exame da proporcionalidade em sentido estrito. Como a ADC 9-6 não passou da segunda etapa das subregras, não há motivo de prosseguir à avaliação, já que no quesito necessidade a mesma já se provou desproporcional, apesar do STF ter lhe conferido proporcionalidade. Quanto a ADIn 855-2, como o dano provocado aos estabelecimentos comerciais de botijões seria em favor da maior proteção individual dos consumidores, pode-se dizer que o bônus da aprovação da Lei 10.248/93 é, sem dúvida, maior que o ônus por ela causado, sendo assim, proporcional em sentido estrito o reconhecimento da constitucionalidade da mesma e o indeferimento da ADIn 855-2, algo que não foi o ocorrido na decisão do Supremo Tribunal Federal.

Como base nestas comparações encaminhadas por Da Silva (2002), fica evidente a importância de se decidir com base na proporcionalidade a partir de sua aplicação efetiva, e não de sua simples citação genérica no texto, seja na petição, apelação e principalmente na decisão judicial.

4. Conclusão

Apesar das diferenças conceituais e estruturais – razoabilidade e proporcionalidade são importantes recursos na contenção dos poderes arbitrários e promotores de decisões respaldadas nas garantias fundamentais, no entanto, para este fim, em primeiro lugar, se faz preciso maior coerência ao método escolhido para ponderar conflitos de interesses. Em segundo lugar, é preciso ter clareza que a proporcionalidade só deve ser aplicada em situações em que a ponderação de interesse se faça diante de um caso em que princípios e direitos fundamentais encontrem-se em rota de colisão – visto que apesar de “a regra da proporcionalidade não [encontrar] fundamento em dispositivo legal do direito positivo brasileiro”, ela “decorre logicamente da estrutura dos direitos fundamentais como princípios jurídicos.” (Da Silva, p.45, 2002), sendo adequado seu uso no Brasil.

Outro ponto, é que se pela escolha do jurista este prefere a proporcionalidade, que não é uma obrigatoriedade, não basta justificá-la enquanto princípio, como vimos na jurisprudência supracitada da Suprema Corte brasileira, que não aplicou a proporcionalidade efetivamente, quando no máximo o que fez foi um apelo a razoabilidade e não a regra da proporcionalidade.

Para fundamentar uma decisão proporcional deve-se fazer a análise tripartida, na sequência de subregras, exigível à real ponderação pela via da proporcionalidade. Não seguir pelo rigor exigido fragiliza a decisão e, neste escopo, também o papel do direito e dos tribunais. Não se pode incorrer no risco de que os “parâmetros como a razoabilidade e a proporcionalidade vir[e]m ‘mantras de justificação’ para toda e qualquer subjetivismo judicial.” (Cristóvam, p.224, 2017).

Em síntese, é preciso sim que se tenha a coerência metodológica para afastar qualquer forma de decisionismo superficial, com potencial de fragilizar o sistema jurídico, de promover ativismo e injustiças, ao invés de justiça, de fato e de direito, no curso dos processos e nas decisões processuais, dentro do sistema jurídico e processual brasileiro.

5. Referências bibliográficas

ARISTÓTELES. Ética a nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2015.

BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 8ª ed. - São Paulo :  Saraiva Educação, 2019.

DA SILVA, Virgílio Afonso. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais. N. 798, p. 23-50, 2002.

DELLORE, Luiz. Teoria geral do processo contemporâneo / Luiz Dellore et al. – 2 ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Atlas, 2017.

GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil, volume I / Leonardo Greco. 5ª ed. – Rio de Janeiro : Forense, 2015.

HERVADA, Javier. O que é o direito?: a moderna resposta do realismo jurídico: uma introdução ao direito / Javier Hervada ; tradução Sandra Marta Dolinsky ; revisão da tradução Elza Maria Gasparotto ; revisão técnica Gilberto Callado de Oliveira. - São Paulo : WMF Martins Fontes, 2006.

PERUCHIN, Marcelo Caetano Guazzelli. O princípio da proporcionalidade como ferramenta eficaz para a aferição da ilegitimidade da indevida restrição a direitos fundamentais, no âmbito do processo penal. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, vol. 1, n. 1, p. 218-229, 2015.

PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Manual de direito processual civil contemporâneo / Humberto Dalla Bernardina de Pinho. – 2. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020.

Sobre o autor
Vinicius Cavalcanti Ferreira

Professor e Mestre em Geografia, atualmente graduando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Texto produzido para avaliação no curso de Teoria Geral do Processo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

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