Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Ética e educação no século XXI

Agenda 06/01/2007 às 00:00

1. Introdução

O presente trabalho pretende sustentar que, nos correntes dias, o educador precisa adotar uma nova postura em sala de aula, tendo-se em vista a mudança de valores e de paradigmas ocorrida nas relações humanas com a entrada do século XXI. Essa nova postura do educador deve, portanto, superar a educação tradicional do século passado, a qual não se revela apta a preparar os homens e mulheres para viverem no mundo globalizado atual, uma vez que a tradição é marcada por concepções individualistas dos valores, de modo que cada sociedade e cada cultura julgam-se donas da verdade e acreditam que devem moldar, no processo educativo, as crianças, os jovens e os adultos de acordo com sua concepção particular da verdade, do bem e do justo.

A investigação começa mostrando as mudanças profundas que vinham ocorrendo no comportamento e no pensamento humanos desde o século anterior e cujos resultados se consolidaram como características da época histórica presente. Ainda nesse primeiro momento, é estudado o modelo de ética que se revela capaz de lidar responsavelmente com os desafios éticos da humanidade no contexto da civilização do século XXI. Em seguida, discute-se a necessidade de um novo modelo de educação, adequado à ética do discurso e, conseqüentemente, às exigências da nova ordem mundial. No epílogo, analisa-se como o modelo educacional aqui sugerido pode contribuir para a formação de juristas e de seres humanos mais solidários e mais justos.


2. A nova ordem mundial e a ética do discurso

Nos dias atuais, é razoável afirmar que a humanidade vive o surgimento de uma nova era [1]. Segundo Costa (2006:163), "o que caracteriza o surgimento dessa nova era é uma mudança na maneira de pensar e de ser da humanidade, que traz como conseqüência a criação de um novo mundo e, por que não dizer, de um novo ser humano". Esse processo de criação de um novo mundo, que já estava potencialmente presente com a invenção da linguagem e da escrita, acelerou-se com a invenção das tecnologias de comunicação, tais como: a imprensa, o telegrama, o telefone, a televisão e a internet.

No debate filosófico contemporâneo, é pacífico o entendimento segundo o qual o desenvolvimento científico-tecnológico, nitidamente retratado no crescente processo de cibernetização e de informação da sociedade atual, está provocando mudanças com conotações globais. Essa evolução da ciência atinge diversos campos de atuação humana (ecológico, social, espiritual etc.) e, por conseguinte, condiciona "a construção de um novo mundo, de uma nova realidade, de uma nova sociedade, de um novo homem e de uma nova mulher, o que traz como conseqüência fundamental a necessidade de repensar as relações humanas e, desse modo, também a educação (COSTA, 2006:163)".

Destarte, o impacto das novas tecnologias de comunicação e da tecnologia em geral está constituindo uma nova sociedade: a sociedade científico-tecnológica da informação e do conhecimento. Aliás, as conseqüências desse impacto e da criação dessa nova sociedade para a humanidade e para a vida planetária são, apenas, parcialmente conhecidas. Nessa perspectiva, segundo Costa (2006:164), "uma das conseqüências imediatas dessa sociedade científico-tecnológica é a interconexão de todas as regiões do planeta através de uma malha de redes, criando, assim, uma realidade planetária global, intermediada por uma realidade virtual, que é o ciberespaço". A referida interconexão permitiu a estruturação de uma economia global, elaborada através de processos de integrações econômicas e políticas, provocando transformações consideráveis nos âmbitos da família, do trabalho, do lazer, da guerra e, desse modo, também, no âmbito da educação.

Outra implicação fundamental do impacto do atual e crescente desenvolvimento técnico-científico reside no poder e no alcance excessivo que as ações do homem contemporâneo possuem, a tal ponto que as conseqüências e as subconseqüências de suas ações e de suas omissões têm um alcance planetário. Por conta disso, faz-se necessário perceber que construímos e estamos construindo uma civilização planetária, uma vez que "por primeira vez na história mundial transcorrida até agora, se torna visível uma situação, na qual os homens, em face do perigo comum, são desafiados a assumir coletivamente a responsabilidade moral (APEL, 1994:193)"; em outras palavras: "pela primeira vez na história da humanidade o destino de cada homem e de cada mulher está diretamente associado ao destino de todos os outros homens e mulheres (COSTA, 2006:164)".

Nesse horizonte, pode-se dizer que com a revolução na maneira de pensar ocorrida no início da modernidade, que trouxe como conseqüência uma concepção de ciência voltada para o domínio da natureza e a sua sujeição aos fins e determinações da vontade humana, foi criada a atual civilização planetária. Para se visualizar melhor essa civilização global, basta atentar para a bomba atômica, que colocou a guerra como um grave risco para toda a humanidade, bem como, num nível maior, para a exploração da natureza pela tecnologia da moderna sociedade industrial, que traz conseqüências como: a destruição do meio ambiente, a ameaça de extermínio por guerra nuclear e a ameaça biotecnológica, que põem em risco a existência da vida no planeta.

É possível pensar-se, de imediato, que a nova situação-problema da relação do homem com a natureza e as suas conseqüências – tais como: a ameaça da guerra nuclear, a poluição ambiental, a diminuição da camada de ozônio, a superpopulação e sua ameaça ao esgotamento da biosfera –, deveriam ser apropriadas para reduzir efetivamente a importância vital do conflito entre os homens. No entanto, conforme Apel (1994:168)), apesar de que

o destino ecológico comum – poder-se-ia pensar – deveria encher os habitantes do planeta com o sentimento de solidariedade próprio daqueles que estão num mesmo barco, e predispô-los a subordinar todos os interesses divergentes ao interesse comum pela sobrevivência (...), as análises da situação existente induzem, antes, a esperar o contrário.

Assim sendo, se os desafios e riscos que a humanidade enfrenta hoje têm alcance planetário, apenas uma resposta ética em nível planetário pode ajudá-la a enfrentar adequadamente esses problemas de cada um em face de seu próximo e também da responsabilidade política, no sentido convencional de "razão de Estado" (Cf. COSTA, 2006:166; APEL, 1994:194). Diante dessa constatação, uma moral de indivíduos, de grupos particulares ou de povos e nações não é capaz de responder de forma racional (intersubjetiva) pela práxis coletiva da humanidade. Somente é apta a corresponder aos desafios atuais da humanidade uma macroética planetária da responsabilidade que seja capaz de superar os fundamentos da ética solipsista ou particularista [2] e que caminhe na direção de uma ética intersubjetiva capaz de transpor as barreiras subjetivas e particulares de cada forma de vida cultural específica, conciliando racionalmente os interesses de cada um com os interesses de cada outro e com os interesses de todos.

A possibilidade de através de nossas ações, mediadas pela ciência e pela tecnologia, destruirmos nossa civilização planetária, de acordo com Costa (2006:167),

(...) aponta para a necessidade da cooperação solidária dos indivíduos na fundamentação das normas morais e jurídicas intersubjetivas (...), transnacionais, suscetíveis de consenso racional, o que nos parece possível, principalmente, através do discurso argumentativo nos moldes da ética do discurso.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

O mesmo autor ainda afirma o seguinte:

A ética do discurso, como ética da responsabilidade intersubjetiva solidária aponta, pois, para a institucionalização dos discursos práticos como mediação necessária da cooperação racional voluntária planetária de todos os indivíduos co-responsáveis e de tal modo que os indivíduos enquanto membros da comunidade de comunicação, capacitados para o discurso, coloquem-se em última instância, com a competência de decidir e deliberar racionalmente, isto é, de forma intersubjetivamente vinculada, frente às escolhas humanas e frente às instituições (COSTA, 2006:167).

Pode-se, agora, indagar acerca da (im)possibilidade de uma fundamentação de validade intersubjetiva de normas éticas. Apel responde a essa indagação afirmando que as condições de possibilidade de uma argumentação racional não só pertencem à competência lingüística que cada um traz consigo, mas pressupõem uma comunidade ideal da comunicação, em princípio ilimitada, na qual uma compreensão de sentido e uma formação de consenso sobre pretensões práticas devem ser, em princípio, possíveis. Portanto, com a suposição, a priori necessária, de uma comunidade ideal de comunicação, também a validade intersubjetiva de uma ética normativa da comunidade ideal da comunicação já deve ser sempre suporte e subjacente. Isso significa dizer que ninguém pode, nem mesmo consigo, entender-se corretamente, se, em princípio, já não reconhecer todas as normas de uma correta comunicação, nas condições de um reconhecimento recíproco dos parceiros da comunicação, e sem esta suposição, expressa ou implícita, sem dúvida qualquer discurso levado a sério deixaria de ter sentido (Cf. COSTA, 2006:168; APEL, 1994:187-188).

O a priori da comunidade da argumentação implica na pressuposição de uma ética comunicativa intersubjetiva ou ética do discurso. Na visão dessa ética, junto com pretensões defensáveis pela argumentação, podem ser afirmados argumentativamente todos os interesses e todas as necessidades individuais e particulares conciliáveis com interesses e necessidades de todos os outros. Assim sendo, a pressuposição de uma ética discursiva estabelece o parâmetro ético que, ao confrontar-se com a realidade, com as dificuldades e com os limites reais de uma práxis ético-política, pode proporcionar uma orientação ética para as ações humanas.

Além disso, deve-se colocar que,

(...) como implicação de uma ética da comunidade ideal de argumentação, resulta a exigência de uma intermediação conteudística de todos os interesses humanos, como possíveis pretensões e uma instituição de deliberação universal, a ser criada, livre de repressão (APEL, 1994:188).

Essa instituição de deliberação universal, que já está implícita no a priori da comunicação, deveria ser vista, ao mesmo tempo, como meta-instituição de todas as instituições sociais contingentes surgidas na história, ou seja, ser vista como instância de legitimação para todas as instituições de fato existentes ou a serem criadas.

Nessa perspectiva, "a exigência da responsabilidade solidária dos seres humanos deve ser cumprida, embora as condições de possibilidade de seu cumprimento nem sequer tenham sido constituídas (APEL, 1994:191)". Essa exigência resulta em uma orientação ético-política fundada no pressuposto irrecusável de uma comunidade ideal de comunicação e seu princípio ético, implicado em todo o falar e agir humano, que estabelece a orientação para o agir político. Desse modo, não apenas os políticos, mas todos os seres humanos, enquanto argumentantes, devem não só pressupor a possibilidade de uma comunidade ideal de comunicação no sentido da norma ética básica, mas até antecipar contrafaticamente sua existência enquanto argumentam [3]. A necessidade de antecipação contrafática das condições ideais da formação do consenso é importante, segundo Costa (2006:170), pelas seguintes razões: "por esta antecipação é apresentado um telos normativamente fundamentado que não é idêntico com o atual estado da sociedade dos construtores, mas antes com o estado a ser ambicionado por qualquer possível comunidade de argumentantes". A antecipação contrafática da comunidade ideal de comunicação aponta para o futuro no sentido de uma idéia reguladora do progresso moral e jurídico, que pode ser reconhecida por qualquer um que argumente, que é a condição de possibilidade do entendimento e da tolerância na unidade e na multiplicidade das culturas humanas. Nesse contexto, com Costa (2006:170), infere-se "como necessária, possível e racionalmente válida, a ética do discurso como meio de lidar responsavelmente com os desafios éticos da humanidade no contexto da civilização do século XXI".

Todas as considerações traçadas até agora foram feitas com a intenção de construir um conhecimento filosófico básico sobre as características da atual civilização planetária e sobre a ética do discurso, visto que essas duas visões servirão de norte para a interpretação do novo modelo de educação a ser estudado e sugerido a seguir.


3. A exigência de um novo modelo educacional para o século XXI

Como se disse anteriormente, o processo de integração humana planetária trouxe e trará mudanças profundas na vida humana, as quais repercutem nos âmbitos da família, do trabalho, do lazer, da guerra e, desse modo, também, no âmbito da educação. Isso significa que está em processo de gestação um novo ser humano em um novo mundo, o que traz como conseqüência imediata que os velhos conhecimentos acerca do homem, da mulher, da sociedade, da vida, e também, da verdade, do bem e da justiça já não servem mais como fonte de autocompreensão e de orientação de conduta para o homem e para a mulher contemporâneos. Dessa forma, pode-se afirmar, conforme Costa (2006:171), que

(...) os velhos valores, os velhos conhecimentos, as velhas crenças e as velhas concepções morais e jurídicas tornaram-se obsoletas para um mundo em transformação, um mundo que está sofrendo as dores do parto e nessa dor, tentando evitar a morte ecológica e atômica, procura fazer vir à luz novos valores, novas concepções de comportamento, enfim, novos conceitos de verdade, de bem e de justiça.

Diante desse período de transição e de transformação, no qual são substituídos os velhos valores do mundo que morre pelos novos valores do mundo que nasce, cabe, aos educadores e educandos, aos pais e filhos, aos governantes e governados, perguntarem acerca de qual papel a educação assume hoje.

Ora, é fundamental compreender que não existe apenas um modelo de educação. A concepção de educação, assim como a dos valores, varia de época para época, de cultura para cultura e de sociedade para sociedade, de tal modo que cada época, cada cultura e cada sociedade constroem um novo modelo de educação que corresponda aos seus valores, à sua visão de mundo, à sua concepção de homem, à sua concepção de mulher etc. Desse modo, tivemos até agora diferentes modos de educação, os quais têm formado homens e mulheres para viverem em diferentes sociedades.

Antes de se esboçar o novo modelo de educação, apropriado à atual civilização planetária, é preciso entender por que a educação tradicional tem de ser superada. Primeiramente, é necessário reconhecer que "a educação tradicional tem sido forjada de acordo com as tradições e com os costumes das diferentes sociedades e tem tido como finalidade preparar o homem e a mulher para viverem de acordo com os valores vigentes ou almejados por essas sociedades (COSTA, 2006:172)". Dessa maneira, percebe-se que as concepções tradicionais de educação têm levado os homens e as mulheres a viverem de acordo com os valores e com os costumes de sociedades particulares, com visões particulares de vida e de mundo, etc.

Nessas concepções tradicionais de educação, "não há a compreensão de uma possível civilização planetária multicultural, com diversas formas de sociedade, que, apesar das diferentes concepções de vida e de mundo, estão conectadas a um destino comum, com problemas e desafios comuns (COSTA, 2006:172-173)". Assim sendo, a educação tradicional não tem preparado os homens e as mulheres para viverem no mundo atual, pois as tradições têm sido marcadas por concepções solipsistas dos valores.

Nos moldes das culturas tradicionais caracterizadas pelo particularismo, a educação tem preparado o indivíduo para absorver passivamente os valores absolutizados de cada sociedade e para se contrapor aos valores também absolutizados de outras formas de cultura e de sociedade, o que tem como conseqüência uma postura, mais ou menos, intolerante, a qual, em vez de conduzir à vida em comunhão e à solidariedade, leva ao caminho do conflito e da guerra. Nesse tipo de educação, segundo Costa (2006:173-174),

(...) não há lugar para o diálogo e nem para a busca cooperativa da verdade e do bem, pois o conhecimento e os valores são transmitidos dogmaticamente por quem os conhece e, portanto, é o depositário da verdade e da correção absolutas, para quem não as conhece e, portanto, é o receptor da verdade e da correção absolutas às quais deve se conformar.

Como se pode notar, a postura educativa autoritária e dogmática da educação tradicional, fundada no respeito inquestionável à autoridade da cultura e do transmissor (seja ele o professor, o sacerdote, o pai, ou o governante) de conhecimentos e de valores, não prepara os homens e as mulheres para a comunicação intercultural e planetária, na qual as convicções particulares de cada crença religiosa, política ou científica estaria submetida aos interesses maiores da humanidade, tais como: a conservação do meio-ambiente, a necessidade de evitar uma destruição nuclear e a eliminação da fome no planeta. Observa-se, dessa forma, que a educação tradicional falhou, uma vez que permitiu inúmeras mazelas à humanidade, bastando citar apenas a inquisição, as cruzadas, o nazismo, as duas guerras mundiais e a crise ecológica.

Dito isso, pode-se compreender a necessidade urgente de se repensar os valores culturais vigentes e, com isso, repensar o modelo de educação tradicional, porque "se nós vivemos em uma civilização planetária na qual todos os homens e todas as mulheres estão associados a um destino comum, podemos e devemos buscar cooperativamente respostas comuns para os nossos problemas e desafios (COSTA, 2006:175)". Assim, somente através da cooperação entre os seres humanos é possível evitar a destruição da humanidade e possibilitar a construção de um mundo no qual as relações entre indivíduos, agrupamentos humanos, povos e nações estejam pautadas pela cooperação e pelo diálogo, e não pela força do mais forte, pelo conflito e pela guerra, o que possibilitará a construção de um mundo de paz, de harmonia e de bem estar sócio-ecológico.


4. A nova educação

Conforme se fundamentou acima, há uma exigência imprescindível de se revisar o modelo tradicional de educação. Costa propõe um novo modelo, denominado de nova educação, cujos alicerces residem, sobretudo, nas características da civilização globalizada do século XXI e na ética do discurso, as quais já foram analisadas.

Para Costa (2006:174-175),

O tema da nova educação deve ser, pois: o diálogo racional na busca cooperativa da verdade, do bem e do justo. A nova educação deve, portanto, preparar todos os indivíduos e todas as nações para se colocarem acima dos dogmas, das crenças e dos interesses particulares em benefício de todos; deve preparar, por conseguinte, para a cooperação, para o entendimento e para o acordo comunicativo.

Além do mais, "ela deve preparar para o respeito ético ao processo de formação cooperativa de um consenso racional no qual todos estejam dispostos a acatar o ponto de vista de cada um e de todos através do melhor argumento (COSTA, 2006:175)". Dessa maneira, os seres humanos podem e devem caminhar para uma aproximação progressiva de uma concepção dialógica da moral e do Direito, porquanto tal concepção é a única que pode possibilitar a formação de uma consciência racional (intersubjetiva) planetária e capacitar a humanidade para evitar a eminente destruição e construir uma nova ordem mundial mais solidária, mais pacífica e mais justa.

Nesse horizonte, frise-se, ainda, que o objetivo principal da nova educação não deve ser a transmissão autoritária de conhecimentos dogmatizados a serem absorvidos passivamente, mas a preparação de cada ser humano, de cada povo e de cada nação para o diálogo fraterno na construção da verdade, do bem e da justiça, enfim, para a construção da solução comum dos problemas e desafios comuns da humanidade, o que possibilitará a construção de uma nova era, regida pela paz e pela solidariedade, advindas da disposição para o diálogo e para a cooperação.

Diante desse contexto, os que trabalham em sala de aula como educadores devem perguntar-se qual deve ser a postura do professor [4] em sala de aula na medida em que ele assume o papel de educador compromissado com a formação e com a preparação de um novo ser humano que deverá viver em um novo mundo em formação, com novas exigências de posturas e de valores. Desse modo, segundo Costa (2006:177), importa responder às seguintes questões:

Nós, educadores, estamos educados de tal forma que estejamos preparados, em certa medida, para viver com o perfil do novo ser humano que exige o mundo em transformação? Ou seja: nós estamos preparados para viver com base no diálogo racional, na busca cooperativa da verdade, do bem e do justo? Será que realmente estamos preparados para assumir que nossas opiniões, crenças e costumes e ideologias particulares, transmitidos por nossa cultura e tradição, não são verdades absolutas e que quem pensa diferentemente de nós não está com o erro e talvez possa estar mais próximo da verdade do bem e do justo?

Se ainda se achar que a visão de mundo, os padrões de comportamento, as crenças e os valores particulares são melhores do que as concepções particulares dos que pensam diferentemente, então o educador não está apto ao diálogo e nem a aprender com quem pensa diferente, e a sua postura em sala de aula será dogmática e autoritária.

A postura ética do novo educador requer o amor ao ideal da verdade, do bem e da justiça, o que significa que ninguém é dono da verdade absoluta (nem o educador nem o aluno). Assim, querer moldar os alunos de acordo com concepções particulares e dogmáticas é um ato de violência e de arbitrariedade, e é esse tipo de postura intolerante que ajudou a criar sociedades e posturas autoritárias, as quais acabaram desembocando nas inúmeras mazelas que ameaçaram e ainda ameaçam a humanidade.

Conclui-se, com Costa, que, caso se queira evitar uma educação autoritária, é necessário construir-se uma relação educacional pautada no diálogo e na busca cooperativa da verdade, do bem e da justiça, de modo que o centro do processo educativo seja o desenvolvimento de uma postura ética na relação educador-aluno, a qual seja capaz de fomentar posturas e atitudes que os tornem preparados para viver num mundo que comporte pacificamente a diversidade e tenha seus alicerces construídos na cooperação racional e na autoridade da verdade resultante do diálogo.


Notas:

[1] Cf. COSTA, 2006:163-180; APEL, 1994:163-222; OLIVEIRA, 1993:40-67.

[2] Mais especificamente, o texto refere-se à ética solipsista formulada por Immanuel Kant. "(...) Para Kant, os outros ‘eus’ teriam que ser constituídos como objetos (e não como co-sujeitos) do eu-sujeito transcendental, quer no sentido de objetos do mundo da experiência, quer no sentido de entidades racionais metafísico-inteligíveis que, junto com Deus, formam o reino dos fins. Ora, devido à limitação crítica de sua filosofia subjetivista, Kant teve de recorrer a este reino dos fins metafísico (e a estas entidades da razão como fins em si mesmas) para poder pensar o fundamento supremo da moralidade e do direito (COSTA, 2006:111-112)".

[3] "Conforme o entendimento de Apel, as ‘necessidades dos seres humanos’, enquanto ‘exigências’ comunicáveis interpessoalmente, são eticamente relevantes e devem ser reconhecidas na medida em que possam ser justificadas através de argumentos. Ora, isto significa que se deve levar em conta as exigências virtuais, justificáveis argumentativamente, de todos os membros virtuais da comunidade de comunicação e, deste modo, todas as exigências que os seres humanos podem colocar intersubjetivamente. (...) Para ele, a norma básica esboçada não adquire seu caráter obrigatório a partir da aceitação fática por parte dos que chegam a um convênio, embora ela obrigue a todos os que adquiram competência comunicativa através do processo de socialização a procurar um convênio argumentativo com o objetivo de lograr uma formação solidária da vontade no que diz respeito aos interesses reais e virtuais (...) da comunidade de comunicação (COSTA, 2002:215-216)".

[4] Aqui, entenda-se professor como aquele que transmite algum ensinamento válido a outra pessoa, de tal modo que o conceito englobe qualquer educador em sala de aula, como, por exemplo, o monitor. Nessa acepção, infere-se que até mesmo os alunos podem assumir a função de professor, haja vista que ninguém é dono da verdade, senão o argumento mais plausível sobrevindo de um diálogo racional.


5. Bibliografia

APEL, Karl-Otto. Estudos de moral moderna. Tradução de Benno Dischinger. Petrópolis: Vozes, 1994.

COSTA, Regenaldo da. Ética e filosofia do direito. Rio - São Paulo - Fortaleza: ABC, 2006.

________. Ética do discurso e verdade em Apel. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela. Porto: Porto, 1995.

OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética e racionalidade moderna. São Paulo: Loyola, 1993.

Sobre o autor
Bruno Cunha Weyne

Doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Autor do livro "O princípio da dignidade humana: reflexões a partir da filosofia de Kant" (Saraiva, 2013).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WEYNE, Bruno Cunha. Ética e educação no século XXI. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1284, 6 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9353. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!