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Violação de correspondência, correspondência comercial, divulgação de segredo, violação de segredo profissional e invasão de dispositivo informático no Código Penal.

Uma discussão do art. 151 a 154-A e 154-B do Código Penal brasileiro

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3. A divulgação de segredo no art. 153. do Código Penal

Em um retrospecto aos códigos do passado, em um exercício de resgate histórico de referências originais do crime de divulgação de segredo, no Código Criminal do Império e no Código Penal de 1890, respectivamente, a revelação de segredo de ofício (art. 164) e a publicação pelo destinatário do conteúdo da correspondência, sem consentimento do remetente, e que lhe causasse dano (art. 191), foram tipificações de nosso passado jurídico que possuem significativas aproximações – guardando certa analogia ao crime em questão neste tópico discutido – com o texto do art. 153. do Código Penal vigente no Brasil desde 1940.

O que há, no entanto, para se destacar comparativamente como diferença nos tipos do passado com o tipo do presente, como afirma Bitencourt (2012), é que “os referidos diplomas legais somente criminalizavam a revelação ou divulgação arbitrária do conteúdo de correspondência alheia. O atual Código Penal de 1940 foi que ampliou a tutela penal para abranger a revelação de documento particular.” (BITENCOURT, 2012: 1200).

Para além da preservação da liberdade, do direito de inviolabilidade nas comunicações, o código penal de 1940 veio garantir extensão deste direito, ampliando-o também para a proteção da manutenção de “segredos” e “confidências” em condição “natural” de permanência como tais, cominando penalmente aqueles que vierem a violar tal bem jurídico, ou seja, aqueles que vierem a divulgar informações sigilosas de atos, fatos ou aspectos da vida profissional e particular de outrem sem a devida autorização para tal. Sugere Bitencourt (2012), que a proteção da liberdade não seria completa se não fosse assegurado ao indivíduo o direito de manter em sigilo” aqueles assuntos “cuja divulgação possa produzir dano pessoal ou a terceiros.”

Deste modo, o tipo penal descrito no art.153 disciplina em exclusividade sobre a violação de segredos que afetam circunstâncias da liberdade individual dos sujeitos, no que tange à vida pessoal destes e afetam diretamente os direitos da personalidade, o direito à honra, à privacidade, ao sigilo.

O bem jurídico em questão é a inviolabilidade dos segredos, a preservação do sigilo de atos e/ou fatos secretos ou confidências, o direito de preservar-se de indevida indiscrição dos outros sobre particularidades de sua vida privada. No entanto, salienta Bitencourt (2012), que “a proteção penal, porém, limita-se a documentos particulares ou correspondências confidenciais” reveladas. Mesmo entendimento que o de Greco (2015).

Nesta relação, o sujeito ativo será sempre o destinatário ou detentor (independente da natureza legítima ou ilegítima da detenção) de documento particular ou correspondência confidencial, de conteúdo sigiloso, que divulga tais informações sem autorização do autor ou remetente do conteúdo e sem causa justa. Se por acaso tal detentor for ilegítimo, poderá também tipificá-lo em concurso de crimes no art. 151, contudo, sendo este um crime-meio, recomenda-se somente a punição do crime-fim, segundo Bitencourt (2012). Ainda afirma o presente autor que

Não pratica o crime quem, não sendo destinatário ou detentor, recebe a informação ou vem a ter conhecimento do segredo em razão da divulgação feita pelo agente, ainda que saiba de sua origem ilícita, a menos que tenha concorrido de algum modo para a prática do crime (art. 29. do CP). Igualmente, não o comete quem o propala por ouvir dizer ou ter visto o documento ou correspondência. (BITENCOURT, 2012, p. 1203).

Neste mesmo sentido, Greco (2015) cita Luiz Regis Prado na seguinte passagem: “advirta-se, porém, que, em se tratando de detenção ilegítima, o crime-fim (violação de segredo - art. 153. CP) absorve o crime-meio (apossamento de correspondência - art. 40, § 111, L ei nª 6 .538/ 78), por força do princípio de consunção.” (GRECO, 2015: p.586).

Em outro polo, como parte passiva, encontra-se o autor do conteúdo ou remetente do documentou ou correspondência, que sofre dano mediante a divulgação do conteúdo sigiloso ou confidencial. Há situação em que o destinatário também adere ao polo passivo, e.g., se o detentor é o divulgador da informação sigilosa, e outras também em que a revelação é feita por terceiro que possua dever profissional de confidência, mas que ainda assim divulga a informação que lhe foi compartilhada pelo detentor ou destinatário. O que nos evidencia que a figura do sujeito passivo não se confunde necessariamente com a figura do sujeito prejudicado, pois, ainda que, em regra, normalmente, o seja, ainda assim há casos extraordinários em que o prejudicado é o destinatário, que prefigurará no processo como testemunha, na intenção, por vezes, de salvaguardar sua honra. Para clarificar esta diferença que perfila entre sujeito passivo e o prejudicado, quando a situação concreta os difere em pessoas, a doutrina dispõe nos seguintes termos:

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o sujeito passivo é o titular do direito de representar criminalmente contra o sujeito ativo, detém a faculdade de autorizar a revelação do segredo, além de ter o direito da reparação ex delicto; ao prejudicado, por outro lado, resta-lhe o direito de postular a reparação do dano sofrido. (BITENCOURT, 2012, p. 1205)

Objetivamente a conduta aqui é expressa pelo verbo divulgar. Sendo assim, se trata de divulgar algo, um conteúdo que gere dano real ou potencial, obtido através de meios específicos, “de documento particular ou de correspondência confidencial, isto é, [a conduta tipificada é] tornar público ou do conhecimento de um número indeterminado de pessoas” tal conteúdo confidencial ou sigiloso e de dano potencial ou efetivo ao sujeito passivo e prejudicado pela exposição, conforme Bitencourt (2012). Em acordo, aparece também em Greco (2015) que “não exige a lei penal, como se percebe, o dano efetivo, mas tão somente a possibilidade de dano, ou seja, o dano potencial.” (GRECO, 2015, p. 586). E esta divulgação pode ocorrer por meios diversos, tais quais: imprensa, rádio, televisão, Internet, exposição ao público, obras literárias, dentre outros.

São elementos constitutivos deste tipo penal: (a) documento particular ou correspondência confidencial; (b) divulgação do seu conteúdo pelo destinatário ou detentor; (c) ausência de justa causa e (d) possibilidade de dano a terceiro. Até aqui, estão elementos apresentados tanto em Bitencourt (2012) quanto em Greco (2015), já o elemento subsequente é item destacado apenas por Bitencourt: (e) dolo, como seu elemento subjetivo (único elemento que não é de caráter objetivo).

No texto penal aparece a expressão “sem justa causa” – elemento jurídico normativo da ilicitude ou antijuridicidade – que tira a objetividade do tipo, tornando-o aberto, o que exige um juízo de valor para complementar a análise da tipicidade. Afirma Bitencourt (2012) que somente a divulgação injusta, contra legis, caracterizará o crime.

Como situações em que a divulgação não se faz antijurídica sendo, por sua vez, atípica,v podemos citar: (a) delatio criminis (art. 5º, § 3º, do CPP); (b) exercício de um direito (exibição de uma correspondência para comprovar judicialmente a inocência de alguém; não há infração na conduta de quem, na defesa de interesse legítimo, junta aos autos de interdição documento médico de natureza confidencial); (c) estrito cumprimento de dever legal (apreensão de documento em poder de alguém— art. 240, § 1º, letra f, do CPP); (d) o dever de testemunhar em juízo (art. 206. do CPP); (e) consentimento do ofendido (trata-se de direito disponível) e, finalmente, (f) ou qualquer excludente de criminalidade ou mesmo dirimentes de culpabilidade. (BITENCOURT, 2012, p. 1212).

Os mesmos critérios supracitados aparecem reforçados em Damásio (DAMÁSIO apud GRECO, 2015) e, configurada alguma das situações acima ou qualquer outra que torne o fato atípico, “constitui constrangimento ilegal o indiciamento do agente em inquérito policial, sendo passível de habeas corpus.” (BITENCOURT, 2012, p.1212). Sobre a situação existencial de “justa causa”, Greco (2015) diz: “se houver justa causa na divulgação do segredo, ou seja, se o agente atua amparado, por exemplo, por alguma causa de justificação, a exemplo do estado de necessidade, não há falar em crime.” (GRECO, 2015,p.585).

O dolo é o fator subjetivo que se representa pela livre vontade e consciente de divulgação de conteúdo particular, documental, sigiloso e sem justa causa. Sem qualquer elemento subjetivo especial.

O crime se consuma no ato de divulgar, mesmo que o dano seja só potencial. Contudo, se a divulgação é restrita a uma pessoa ou a um número pequeno de pessoas, tal comunicação se faz insuficiente para tipificar, portanto, faz-se necessária uma difusão extensiva. Para configuração de tentativa deste crime, a situação tem que configurar um ato de divulgação que se faz interrompido em seu decurso. A exemplo, fixação de cartazes com a divulgação do segredo em logradouro público, mas que é interceptado antes que cause o dano considerável.

O crime de divulgação de segredo é classificado como crime próprio e que exige sujeito ativo especial: a divulgação precisa ser feita pelo destinatário ou detentor da informação (documento). Portanto, em caso da divulgação por terceiro, este só responde pelo crime se configurado o concurso de agentes. No polo passivo o crime é classificado como comum, “uma vez que qualquer pessoa pode vir a ser prejudicada com a divulgação indevida.” (GRECO, 2015, p. 586).

O crime é formal, pois se consuma com a simples conduta de divulgar; instantâneo, pois se consuma no instante em que o agente divulga o segredo; comissivo, sendo impossível praticá-lo de maneira omissiva – contudo, sobre este assunto, uma ressalva aparece em Greco (2015, p. 588), que declara haver conduta omissiva na situação em que o detentor ou destinatário, na posição de garantidor do sigilo, em ciência do risco de terceiros acessarem o documento, v.g, não cuida para que suas visitas tenham acesso ao documento sigiloso e seu conteúdo, falhando em sua condição de garantidor; e, por fim, doloso, não havendo a modalidade culposa para tal crime.

A lei 9.983 de 2000 dispõe sobre a modalidade de “divulgação de segredo” que afete e gere dano para a Administração Pública. No texto, § 1º, tem-se a atualização para contemporaneidade, à era informatizada, “ao referir-se aos ‘sistemas de informações ou bancos de dados’ da Administração Pública” (BITENCOURT, 2012, p.1217).

O texto faz referência a informações sigilosas ou reservadas, e segundo Bitencourt (2012), tais conceitos devem se entendidos como:

Informações são dados, detalhes, referências sobre alguma coisa ou alguém. Sigiloso é algo que não deve ser revelado, confidencial, limitado a conhecimento restrito, não podendo sair da esfera de privacidade de quem o detém. Reservado, por sua vez, é dado ou informação que exige discrição e reserva das pessoas que dele tomam conhecimento. (BITENCOURT, 2012)

Por fim, a tipificação se faz quando a divulgação é de informações objeto de lei, em sentido estrito. O que não torna necessária a potencial produção de dano da divulgação que aparece no art. 153. (CP, 1940).

Para este crime a categoria da pena é alternativa, com detenção de um a seis meses, ou multa. Tal crime não pode se afastar da competência de Juizados Especiais Criminais, e dificilmente, em concreto, terão sanção diferente de multa.

A ação penal é pública condicionada à representação, e o início da ação depende de provocação do indivíduo. Contudo, em caso de prejuízo a ação pública, a ação penal será incondicionada.


4. A violação de segredo profissional no art. 154. do Código Penal

Historicamente, o Código Penal francês de 1810 foi o primeiro a criminalizar a conduta de violação de segredo profissional, o que levou a, posteriormente, outros diplomas legais adotarem o mesmo entendimento. No Brasil, por exemplo, tal conduta passou a ser tipificada no Código Penal de 1980 (no art. 192).

O bem jurídico tutelado é a liberdade individual sob o aspecto da inviolabilidade de segredo profissional, cuja divulgação é passível de causar dano a outrem. Segredos esses, por sua vez, relacionados aos de atividades da vida privada, já que a proteção do sigilo ou segredo da função pública são tratados pelos arts. 325. e 326 do Código Penal.

Ademais, a tipificação dessa conduta é justificada pela confiança que os cidadãos depositam em determinada categoria profissional, como médicos e advogados, e, dessa forma, a lei protege, além da liberdade individual, a privacidade e segurança dos indivíduos. Para que a conduta seja atípica, é necessário que haja justa causa prevista direta ou indiretamente por norma jurídica.

Consoante Cezar Bitencourt, trata-se de crime próprio, já que exige sujeito ativo especial – sendo esse o profissional que tiver ciência de segredo em razão do cargo que ocupa – para poder responder por esse crime, a não ser que incorra nas possibilidades de concurso de pessoas (art. 19. e §§). O sujeito passivo, por sua vez, é o titular do segredo, podendo ser pessoa física ou jurídica, sendo esse diferente do sujeito ofendido, que pode apenas buscar reparação do dano em esfera cível.

Ainda, é crime formal, já que, para estar consumado, basta a mera ação de revelar segredo, não necessitando verificar se houve dano. Consoante a doutrina, ademais, revelar é transmitir a qualquer pessoa, bastando uma, tal segredo. O nexo causal para tipificar o crime consiste entre o exercício da atividade (sujeito ativo próprio) e o conhecimento do segredo.

Apesar de difícil configuração, a doutrina admite a possibilidade de haver tentativa desse crime, principalmente se for plurissubsistente e feito por meio escrito, onde teoricamente seria possível constatar fracionamento dos atos iter criminis e verificar a modalidade de tentativa, mas não consumação do crime por não haver conhecimento de terceiros.

É crime instantâneo, consumando-se no instante em que o segredo é divulgado pelo agente. É doloso, por não haver modalidade culposa do crime. Quanto às modalidades comissivas e omissivas, enquanto o Cezar Bitencourt alega que só pode ocorrer de forma comissiva, Rogerio Greco admite que possa ocorrer de forma omissiva “desde que, nesta última hipótese, o agente seja considerado garantidor da guarda do segredo que lhe é revelado em razão de função, ministério, ofício ou profissão”. (GRECO, 2015, p. 598)

A pena do crime é alternativa, pois é dada por meio de detenção ou multa. A ação penal é pública condicionada à representação, ou seja, depende da provocação do indivíduo, nos termos do parágrafo único do art. 154.

Sobre os autores
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Advogado (OAB 254.318/RJ). Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Vinicius Cavalcanti Ferreira

Professor e Mestre em Geografia, atualmente graduando em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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