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PRINCÍPIOS QUE REGEM A GUARDA COMPARTILHADA

O presente trabalho abordará os princípios que regem a guarda compartilhada.

INTRODUÇÃO

O Estado, enquanto regente e mantenedor da sociedade, tem o dever de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta primazia, a conservação e aplicação de seus direitos adquiridos como indivíduos únicos.

Até 1916, estes eram tratados como propriedade de seus genitores e esta qualidade implicava nas decisões da guarda.

Posteriormente, um ambiente saudável para o desenvolvimento físico e psicológico da prole tornou-se um dos principais critérios para determinação da guarda, com embasamento nos princípios: melhor interesse da criança, proteção integral, convivência familiar e dignidade da pessoa humana.

O instituto da guarda deteve algumas dificuldades na compatibilização de seu regime devido à situação de pandemia da Covid-19 e todos os desafios que esta trouxe, sobretudo no cumprimento da quarentena.

Assim, será exposto os princípios que regem o instituto da guarda compartilhada.

 

1-PRINCÍPIOS QUE REGEM A GUARDA COMPARTILHADA

 Os princípios são bases fundamentais que orientam os institutos jurídicos e por isso a importância do seu estudo.

Quanto ao conceito de princípio, Miguel Reale (2003) aduz que:

Princípios são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis. (2003, p. 37).

Partindo desta visão, os princípios são ideias generalizadas que estabelecem concepções e intenções de criação de outras normas. Sendo assim, nos próximos parágrafos iremos apresentar os princípios que regulam a guarda compartilhada.

1.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

 

Dentre os princípios constitucionais citados anteriormente, é interessante mencionar que quando a Constituição Federal em seu art. 1º, inciso III, admitiu o princípio da dignidade da pessoa humana, esta tinha o intuito de colocar o ser humano como centro da proteção do Estado de Direito.

Ressaltando ainda os aspectos da dignidade da pessoa humana, Kildare Gonçalves (2006) escreve que:

A dignidade da pessoa humana, que a Constituição de 1988 inscreve como fundamento do Estado, significa não só um reconhecimento do valor do homem em sua dimensão de liberdade, como também de que o próprio Estado se constrói com base nesse princípio. O termo dignidade designa o respeito que merece qualquer pessoa. (2006, p. 462)

 

A influência do princípio da dignidade da pessoa humana deve existir em todas as fases da vida, seja na infância, juventude ou adolescência. Assim como qualquer outra pessoa, as crianças e adolescentes merecem respeito e proteção, e no momento em que ocorre a ruptura do casamento entre os genitores, no que tange a estipulação da guarda, deve ser observado todos os direitos e garantias pertinentes aos menores.

Evidenciamos os deveres de educação e dignidade para/com as crianças e os adolescentes na Convenção sobre os Direitos da Criança, vigente desde 1990. Os Estados que fazem parte da presente convenção, em seu preâmbulo, consideram que: (UNICEF BRASIL, 2019, p.1):

 [...]    a criança deve estar plenamente preparada para uma vida independente na sociedade e deve ser educada de acordo com os ideais proclamados na Carta das Nações Unidas, especialmente com espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade. (Unicef Brasil, 2019, p. 1)

Também, no Estatuto da Criança e do Adolescente, tratando-se da plena proteção à dignidade e desenvolvimento destes, encontramos nos seguintes art.:

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

O meio familiar é a garantia da existência digna de um bom desenvolvimento do ser humano, e esta proteção deve ser observada nos casos de separação conjugal na determinação da guarda, visto que o mais importante é que as crianças e os adolescentes tenham sua dignidade mantida, estando os genitores residindo juntos ou não.

No que se refere a guarda dos filhos, o referido princípio também zela pela formação psicológica dos menores, muitas vezes prejudicada pela alienação parental.

1.2 Princípio do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente

 

            O aludido princípio encontra previsão no caput do art. 227 da Constituição Federal Brasileira de 1988, bem como também foi recepcionado no rol do Estatuto da Criança e do Adolescente em seus art. 4º e 5º, que dispõe sobre a prioridade dos interesses da criança/adolescente tanto por parte do Estado, quanto por parte da família e sociedade. (GALINDO, 2015, p.27), (ZANDONAI, 2020, p.29).

Art. 227. CF: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, Constituição Federal, 1988)

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Quanto ao Estatuto da Criança e Adolescente este dispõe o seguinte:

Art. 4º ECA: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, Lei nº 8.069,1990)

Art. 5º ECA: Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.(BRASIL, Lei nº 8.069, 1990)

O objetivo do princípio em questão é zelar pela vida do infante e adolescente de forma a incluir aspectos como a saúde, educação, moradia, sustento, além do convívio com sua respectiva família, visto que em razão da pouca idade não possuem discernimento suficiente para gerirem suas vidas sozinhos. (VALE, 2020, p.2), (ZANDONAI, 2020,p.29).

O princípio do melhor interesse da criança foi introduzido no ordenamento brasileiro como consequência da doutrina da proteção integral. Sua aplicação é requerida quando a peculiar situação da criança demanda uma interferência do Judiciário, Legislativo e Executivo. Trata-se de circunstâncias que envolvam a guarda e visita de filhos de pais separados, medidas sócio-educativas, colocação em família substituta, dentre outras. (MEIRELLES, apud, VALE, 2020, p.2).

Em comento, aduzindo ao princípio supracitado, e em atenção à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil do ser humano foi publicada a Lei nº 13.257/2016 que trata sobre políticas públicas para a proteção da primeira infância, implicando ao Estado o dever de estabelecer programas, planos e políticas que atendam as necessidades das crianças com 6 anos completos ou 72 meses de vida.

              Em seu livro, Tartuce (2020) explica que tais políticas públicas estão voltadas ao atendimento dos direitos da criança na primeira infância que serão elaboradas e executadas de forma:

a) atender o interesse superior da criança e à sua condição de sujeito de direitos e de cidadã;

b) incluir a participação da criança na definição das ações que lhe digam respeito, em conformidade com suas características etárias e de desenvolvimento;

c) respeitar a individualidade e os ritmos de desenvolvimento das crianças e valorizar a diversidade da infância brasileira, assim como as diferenças entre as crianças em seus contextos sociais e culturais;

d) reduzir as desigualdades no acesso aos bens e serviços que atendam aos direitos da criança na primeira infância, priorizando o investimento público na promoção da justiça social, da equidade e da inclusão sem discriminação da criança;

e) articular as dimensões ética, humanista e política da criança cidadã com as evidências científicas e aprática profissional no atendimento da primeira infância;

f) adotar abordagem participativa, envolvendo a sociedade, por meio de suas organizações representativas, os profissionais, os pais e as crianças, no aprimoramento da qualidade das ações e na garantia da oferta dos serviços;

g) articular as ações setoriais com vistas ao atendimento integral e integrado;

h) descentralizar as ações entre os entes da Federação; e

i) promover a formação da cultura de proteção e promoção da criança, com apoio dos meios de comunicação social.” (BRASIL, Art. 4º da Lei 13.257/2016). (TARTUCE, 2020, p.1761/1762).

 

 1.3 Princípio da proteção integral

 No que tange o príncipio da proteção integral da criança e do adolescente, encontramos sua previsão, também, no caput do art. 227 da Constituição Federal Brasileira de 1988, assim como o principio do melhor interesse da criança e do adolescente.

Art. 227 CF/88 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, Constituição Federal, 1988).

Desta forma, como o Estatuto da Criança e Adolescente visa o cuidado e a proteção dos menores, é possível encontrarmos o referido princípio no seguinte art.:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

À luz do refereido art. podemos concluir que as crianças e adolescentes recebem o reconhecimento de serem titulares de plenos direitos devido a sua condição de vulnerabilidade.

Partindo dessa concepção, Luiz Antonio Miguel Ferreira (2004), demonstra os princípios:

 

Basicamente, a doutrina jurídica da proteção integral adotada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente assenta-se em três princípios, a saber:
•   Criança e adolescente como sujeitos de direito - deixam de ser objetos passivos para se tornarem titulares de direitos.
•   Destinatários de absoluta prioridade.
•   Respeitando a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Sendo assim, dentro do contexto de poder familiar, o direito dos pais não mais se impõem ao direito dos filhos, conforme compreendia o antigo pátrio poder do Código Civil de 1916, onde interpretava-se que os filhos eram propriedade dos pais. Hoje temos o poder familiar exercido em igualdade de condições por ambos os pais, assim como expõe o art. 1.631 do Código Civil de 2002:

Art. 1.631 CC/02 - Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade

O príncipio da proteção integral mostra-se muito influente na determinação da guarda, uma vez que o menor que é identificado em uma situação delicada como a da separação conjulgal este precisará de proteção incondicional, sendo esta deferida pelo poder judiciário com o auxílio da assistência social.

2.4 Princípio da Convivência Familiar

 

A convivência familiar é um direito fundamental, e está indicada tanto na Constituição Federal quanto na Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990.

Com base nos estudos da presente monografia, podemos observar que toda criança e adolescente possui o direito de permanecer na convivência de seus pais mesmo após a dissolução da sociedade conjugal, visto que apesar de não mais existir relacionamento entre os cônjuges, estes não podem se abster de continuar exercendo o poder familiar sobre a prole. Neste sentido expõe o art. 1.632 do Código Civil de 2002:

Art. 1.632 CC/02. A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.

O Estatuto da Criança e Adolescente, também visando a preservação do convívio dos filhos com os pais, disserta o seguinte art.:         

Art. 19 ECA/90. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral. (BRASIL, Lei nº 8.069, 1990)

Com base no entendimento de Guilherme Nucci (2014):

[...] um dos princípios deste Estatuto é assegurar o convívio da família natural e da família extensa com a criança e o adolescente; por isso, uma das políticas, calcada, na prática, em programas específicos do Estado, é harmonizar filhos e pais, dando-lhes condições de superar as adversidades. (2014, p. 250)

A garantia de convivência familiar à infância e juventude, de forma equilibrada e digna, mostra-se fundamental para o desenvolvimento positivo dos menores perante a sociedade, uma vez que é na família que o ser humano tem o primeiro contato com o outro e recebe orientação para construção de sua própria família.

Quando este princípio não é garantido, o trauma do abandono e a ausência do afeto dos pais, pode prejudicar o indivíduo na estrutura moral e suas futuras relações, visto que as crianças e adolescentes são pessoas em estágio de desenvolvimento.

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BRASIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO.

TJ-GO - AI: 01167391820188090000, Relator: ITAMAR DE LIMA, Data de Julgamento: 14/09/2018, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 14/09/2018. Site: https://tj-go.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/934366219/agravo-de-instrumento-cpc-ai-1167391820188090000

BRASIL. STJ - REsp: 1626495 SP 2015/0151618-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 15/09/2016, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/09/2016 RMDCPC vol. 74 p. 124 RSTJ vol. 243 p. 570. Site: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/862924052/recurso-especial-resp-1626495-sp-2015-0151618-2                 

Sobre as autoras
Daniela Galvão Araújo

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Euripedes de Marília (2002), Pós-graduação em Direito Processual: Civil, Penal e Trabalho e Mestrado em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Euripedes de Marília (2005). Atualmente é professora e coordenadora do curso de Direito da UNILAGO (União das Faculdades dos Grandes Lagos). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Teoria do Direito, Teoria do Estado, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Penal, Direito Constitucional.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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