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GUARDA COMPARTILHADA: IMPLEMENTAÇÃO E DIREITO COMPARADO

IMPLEMENTAÇÃO E DIREITO COMPARADO

O presente trabalho abordará a guarda compartilhada em diversos países.

INTRODUÇÃO

O Estado, enquanto regente e mantenedor da sociedade, tem o dever de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta primazia, a conservação e aplicação de seus direitos adquiridos como indivíduos únicos.

Até 1916, estes eram tratados como propriedade de seus genitores e esta qualidade implicava nas decisões da guarda.

Posteriormente, um ambiente saudável para o desenvolvimento físico e psicológico da prole tornou-se um dos principais critérios para determinação da guarda, com embasamento nos princípios: melhor interesse da criança, proteção integral, convivência familiar e dignidade da pessoa humana.

O instituto da guarda deteve algumas dificuldades na compatibilização de seu regime devido à situação de pandemia da Covid-19 e todos os desafios que esta trouxe, sobretudo no cumprimento da quarentena.

Assim, será exposto o instituto da guarda compartilhada em diversos países.

 

 Requisitos Necessários para Implementação Judicial da Guarda Compartilhada

 

            A guarda compartilhada surgiu como uma alternativa nos casos de divórcio litigioso, pois em decorrência da dissolução da relação conjugal dos genitores sobrevêm diversas situações conflitantes acarretando diversas consequências, principalmente na vida dos filhos.

            Diante deste cenário, visando atender ao princípio do melhor interesse da criança/adolescente, o Juiz, em virtude da ruptura do matrimônio entre os cônjuges busca uma divisão equilibrada do tempo de convívio dos filhos com seus genitores respeitando também a rotina dos menores. 

TABELA 2 – Requisitos necessários para fixar a guarda compartilhada

REQUISITO

ASPECTOS

Divórcio

Ação judicial que põe fim ao relacionamento conjugal

Cabe ao magistrado

    Reconhecer que ambos os genitores podem contribuir perante as responsabilidades relacionadas a prole para garantir uma boa convivência e um bom desenvolvimento do menor

Cabe aos genitores

 Possuir condições físicas e psicológicas para exercer em igualdade a guarda, bem como todos os direiros e deveres a eles inerentes

Fonte: Spagnol, 2016, p. 1

Para fixar a guarda dos filhos, o magistrado deve reconhecer que ambos os genitores possuem condições e discernimento para contribuir com a criação e demais responsabilidades para que assim se possa garantir uma boa convivência com sua prole. No entanto, a guarda compartilhada deixará de ser fixada quando restar comprovado que um dos genitores não possui condições físicas ou psicológicas de exercer a guarda em conjunto com o outro genitor, como por exemplo, nos casos em que um dos genitores apresentar vícios com álcool ou drogas, quando ocorrer violência doméstica ou violência sexual, e até mesmo nos casos em que os genitores não conseguem ter um diálogo civilizado e uma boa convivência e em decorrência disso acarreta prejuízo ao desenvolvimento da prole. (SPAGNOL, 2016, p.1). 

Posto isto, vale mencionar que nos casos em que ambos os genitores não forem capazes de gerir de forma igualitária os direitos e deveres de sua prole, a guarda do infante e/ou do adolescente poderá ser concedida de preferência aos parentes mais próximos, de acordo com o grau de parentesco e afetividade, como por exemplo os avós maternos ou paternos e tios. Entretanto, terceiros estranhos a relação processual também poderão exercer a guarda, desde que revele compatibilidade com a natureza da medida.

 Neste sentido preleciona o art. 1.584 da Lei nº 11.698/2008:

Art. 1584 CC/02. A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser: § 5º: Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.

    Tendo em vista que o objetivo principal da guarda compartilhada é atender ao dispositivo constitucional do art. 227 da Constituição Federal e o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, o Juiz, para cada caso concreto analisará os fatos e decidirá de maneira que possa proporcionar aos filhos incapazes um ambiente saudável para desenvolver-se fisicamente e psicologicamente, além de colocá-los a salvo de todo e qualquer tipo discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

     Por fim, e não menos importante, a decisão do Juiz que aplicar a guarda compartilhada será homologada (fixada), e vale ressaltar também que esta sentença estará sujeita a ser revisionada justamente porque produz apenas o efeito da coisa julgada formal, não gerando coisa julgada material.

     Nesse sentido, Baroni, Cabral e Carvalho (2016) expõem:

Por isso, dizemos que em muitos processos do Direito de Família a coisa julgada é relativa, sendo aceitável que se ingresse com uma nova demanda judicial para discutir novamente uma questão que havia sido resolvida anteriormente. ( 2016, p. 2)

Guarda Compartilhada no Direito Comparado

 

               A guarda compartilhada, de origem Inglesa, é utilizada no estrangeiro a cerca de 30 anos, visto que esta modalidade de guarda visa possibilitar um melhor nível de convívio e relacionamento entre pais e filhos após o término da relação conjugal, além de atribuir a ambos os pais direitos e obrigações referentes á vida da prole.

               Deste modo, devidas as inúmeras vantagens desta modalidade de guarda, sendo uma delas a possibilidade dos genitores de atuarem ativamente nas decisões que devem ser tomadas na vida dos filhos, a guarda compartilhada acabou espalhando-se para outros países.

  De acordo com o entendimento Ana Carolina Silveira Akel (2009, p. 115), acabou "[...] sendo desenvolvida, primeiramente, na França, para atravessar o Atlântico, atingindo o Canadá e Estados Unidos, observando-se, atualmente, sua aplicação na Argentina e Uruguai”. (AKEL, 2009, p.115, apud, FERREIRA, 2014, p.26).

  Na visão específica de OLIVEIRA LEITE (2003, p. 266):

A manifestação inequívoca dessa possibilidade por um Tribunal inglês só ocorreu em 1964, que demarca o início de uma tendência que fará escola na jurisprudência inglesa. Em 1972, a Court d´Appel da Inglaterra, na decisão Jussa x Jussa, reconheceu o valor da guarda conjunta, quando os pais estão dispostos a cooperar e, em 1980 a Court d´Appel da Inglaterra denunciou, rigorosamente, a teoria da concentração da autoridade parental nas mãos de um só guardião da criança. No célebre caso Dipper x Dipper, o juiz Ormrod, daquela Corte, promulgou uma sentença que, praticamente, encerrou a atribuição da guarda isolada na história jurídica inglesa.

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Diante das recorrentes dissoluções conjugais ocorridas na sociedade, houve a necessidade de proteger os filhos dos sofrimentos e danos provenientes da ausência de qualquer dos pais.

Devido á melhoria da qualidade de vida e bem estar que esta modalidade de guarda proporciona a prole, a sociedade brasileira passou a ter maior aceitação pela mesma acolhendo-a no ordenamento jurídico pátrio.

No Direito Inglês

 

Com origem na Inglaterra, a guarda compartilhada tinha o intuito de preservar o interesse da criança, assim como uma maior igualdade entre os pais.

Anteriormente ao século XIX,  o parlamento inglês atribuía ao pai a guarda dos filhos em caso de conflito, pois interpretava que o pai era proprietário de seus filhos. Posteriormente, houveram as seguintes mudanças:

Com a Revolução Industrial, e a migração dos homens do campo para as indústrias, até a década de 60, a mulher passou a ser a pessoa encarregada da criação e educação dos filhos, logo a ser privilegiada na atribuição da guarda, sendo o pai apenas o provedor.

Tal situação se alterou quando a mulher, a partir da segunda metade do século passado passou a ingressar no mercado de trabalho, a possuir renda própria, e o conceito da mãe dona de casa e o pai provedor caíram por terra. (SILVA, 2014, p.1)

Posteriormente, os tribunais entenderam que fracionar as responsabilidades dos genitores perante os filhos diminuía as injustiças e danos ocasionados pela guarda exclusiva, determinando que a mãe zelaria pelos cuidados diários com os filhos – care and control – e cabia ao pai o poder de dirigir conjuntamente a vida dos menores – custody. (GRISARD, 2009, p. 123)

No Direito Americano (Estados Unidos da América)

 

  De olho nos impactos comportamentais e psicológicos que o divórcio poderia causar nos filhos, os americanos aderiram intensamente á guarda compartilhada (Joint Physical Custody) e esta é a mais incentivada entre sua população.

Presentemente, é política pública nos Estado assegurar ao menor contato freqüente e continuado com ambos os pais depois que se separam ou divorciam, incentivando o compartilhamento dos direitos e das responsabilidades. Haverá sempre uma forte presunção natural de que a guarda compartilhada está nos melhores interesses da criança. Hoje, a legislação de cerca de 45 Estados autoriza a guarda compartilhada e em apenas 7 não é especificamente autorizada. Em outras 12 é presumida e em outros 8 a presunção se dá por acordo de ambos os pais (GRISARD FILHO, 2009, p. 143-144).

  Ainda, nos casos em que existisse culpa de ambos os cônjuges na dissolução da relação conjugal, os filhos menores ficariam sob a guarda da mãe, desde que o magistrado entendesse que esta convivência não traria prejuízo de cunho moral aos menores, observando-se toda uma discricionariedade deste para decidir, garantindo também ao outro cônjuge o direito de visita.

  Assim como no Brasil esta modalidade de guarda busca aproximar os genitores divorciados do convívio dos filhos, evitando-se assim a ocorrência de alienação parental (parental alienation) situação esta em que o ex-cônjuge, geralmente o detentor da guarda da criança, intencionalmente tenta afastar ou até mesmo bloquear seu filho do convívio com outro genitor, situação esta que tem causado danos irreparáveis para a prole e para o genitor excluído do convívio familiar.

Simone Roberta Fontes (2009, p.30) afirma que:

O Direito Americano foi o que mais se aplicou a este estudo, e a maioria de seus estados já adota francamente a guarda compartilhada. Inúmeros juristas americanos estão dedicando-se a pesquisar e discutir uma aplicação cada vez mais uniforme em todo o País.

No Direito Português         

Em Portugal houve um considerável reconhecimento pelos Tribunais da guarda compartilhada, antes mesmo de obterem embasamento legal para a mesma. Conforme a Lei nº 84 de 31 de Agosto de 1995, em seu art. 1.906, passou-se a vigorar que seria facultativo, ou seja, os pais poderiam deliberar sobre a execução da guarda dos filhos.

No entanto, na vigência da referida Lei, foram realizadas e publicadas algumas alterações de parte do art. 1.906 do Código Civil Português:

Art. 1906.º

[...] 2 - Os pais podem, todavia, acordar, nos termos do n.º 1 do artigo anterior, o exercício em comum do poder paternal, decidindo as questões relativas à vida do filho em condições idênticas às que vigoram para tal efeito na constância do matrimónio.

3 - Os pais podem ainda acordar, nos termos do n.º 1 do artigo anterior, que determinados assuntos sejam resolvidos por acordo de ambos os pais ou que a administração dos bens do filho seja assumida pelo progenitor a quem o menor tenha sido confiado.

Conforme entendimento de TAVERA (2002, p.5):

A custódia legal de uma criança é o direito e a obrigação de tomar decisões sobre a sua formação. Em muitos Estados, as cortes atualmente concedem a custódia legal conjunta aos genitores, o que significa que a tomada de decisões sobre os filhos é compartilhada. Se você compartilha uma custódia legal conjunta com outro genitor e o exclui do processo de tomada de decisão, esse ex-cônjuge pode levá-lo de volta perante a justiça e solicitar ao juiz que faça valer o acordo original da custódia.

  Tratando-se ainda da Lei nº 84 de 31 de Agosto de 1995, o tribunal decidirá pela guarda compartilhada visando sempre o interesse do menor, incluindo o de manter uma proximidade entre a prole e os dois progenitores, propiciando e fomentando acordos ou decisões que possibilitem maiores chances de convívio saudável e harmônico com os pais, bem como o compartilhamento das responsabilidades entre ambos.

No Direito Francês

 No âmbito jurídico francês, a ideia de guarda compartilhada ergueu-se em 1976, sendo este o primeiro país a criar uma lei específica sobre a guarda compartilhada: Lei nº 87.570, de 22 de Julho no ano de 1987, conhecida como “Lei Malhuret” (VIEIRA, SANTOS, FIALHO, 2018, p.10).

Conforme entendimento de Eduardo Oliveira Leite (2003, p. 268), a referida lei alterou o conteúdo de alguns artigos do Código Civil francês no que se refere a atuação do poder familiar, com o intuito de diminuir determinadas desigualdades advindas da guarda unilateral.

           Ainda sobre a aplicação da guarda conjunta, Leite (2003, p. 268) relaciona a Lei Malhuret ao julgamento do juiz Tourigny de 1987:

(...) a guarda conjunta é, finalmente, a aplicação prática do princípio do exercício conjunto da autoridade parental no caso de fragmentação da família. Se se pretende que os dois genitores conservem a autoridade parental e participem igualmente nas grandes decisões relativas à criança, esta é, certamente, a solução a privilegiar.

Atualmente, vigora na França o Código Civil modificado pela Lei nº 2002-305, que prevê o mesmo entendimento citado acima. De inovador, a lei trouxe um processo de mediação, em que o juiz deverá se esforçar pela busca da conciliação, com o objetivo de facilitar um exercício consensual da autoridade parental.

No Direito Canadense

O entendimento de guarda compartilhada ganha jurisprudência a partir da década de 70, aprovada pela Court d’Appel inglesa, estendenso-se pelas  províncias canadenses da common law, e depois pela América do Norte.

Constata-se que há um favorecimento nas decisões que levam à guarda compartilhada, uma vez que o direito canadense prevê que o divórcio não altera os direitos e deveres de pai e mãe em relação a seus filhos, conforme argumenta Grisard Filho (2005):

Nenhum pai deve sentir que perdeu a criança e, em muitos casos, o relacionamento entre pais-crianças tornam-se melhores. A seção dezesseis de The Divorce Act, de 1985, diz que o tribunal deve garantir à criança o contato constante com cada pai, na medida de seus interesses (2005, p. 140).

 Ainda tratando-se do Canadá, Quintas (2009, p.106) prelecciona que convém destacar o Código Civil de Quebec, que reconhece a subsistência dos deveres de ambos os pais em relação a sua prole após a concretização do divórcio. Também estabelece que, em virtude da existência de dificuldades inerentes ao exercício da autoridade parental, cabe ação no tribunal, que irá deliberar em conformidade com o interesse da criança.

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BRASIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO.

TJ-GO - AI: 01167391820188090000, Relator: ITAMAR DE LIMA, Data de Julgamento: 14/09/2018, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 14/09/2018. Site: https://tj-go.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/934366219/agravo-de-instrumento-cpc-ai-1167391820188090000

BRASIL. STJ - REsp: 1626495 SP 2015/0151618-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 15/09/2016, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/09/2016 RMDCPC vol. 74 p. 124 RSTJ vol. 243 p. 570. Site: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/862924052/recurso-especial-resp-1626495-sp-2015-0151618-2                 

 

Sobre as autoras
Daniela Galvão Araújo

Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Euripedes de Marília (2002), Pós-graduação em Direito Processual: Civil, Penal e Trabalho e Mestrado em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Euripedes de Marília (2005). Atualmente é professora e coordenadora do curso de Direito da UNILAGO (União das Faculdades dos Grandes Lagos). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Teoria do Direito, Teoria do Estado, Direito Civil, Direito Processual Civil, Direito Penal, Direito Constitucional.

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