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Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às relações jurídicas estabelecidas no âmbito dos empreendimentos habitacionais promovidos por sociedades cooperativas.

Agenda 06/10/2021 às 12:05

O texto aborda a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos negócios jurídicos relacionados a empreendimentos imobiliários realizados por cooperativas.

O texto aborda a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos negócios jurídicos relacionados a empreendimentos imobiliários realizados por cooperativas.

Em primeiro lugar, importa saber que, segundo a legislação, reputam-se instituições financeiras as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, que exerçam, de forma principal ou acessória, atividade bancária[1]. Para tais fins, considera-se atividade bancária a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, além da custódia de valores de propriedade de terceiros.  Equiparam-se às instituições financeiras quaisquer pessoas que exerçam atividades dessa natureza, de forma permanente ou eventual. Dentre essas pessoas estão a cooperativa de crédito, como se pode notar, por exemplo, da leitura do art. 18 da Lei nº 4.595/1964.[2]

As cooperativas que desenvolvem atividades financeiras, portanto, são juridicamente equiparadas às instituições financeiras.

Lembre-se que, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o Código de Defesa do Consumidor aplica-se aos contratos bancários firmados entre instituições financeiras e consumidores.

É correto dizer, por conseguinte, que os negócios jurídicos celebrados pelas cooperativas e seus cooperados, no contexto do exercício de atividade financeira, se subordinam às normas do Código de Defesa do Consumidor.[3]

Pela mesma lógica, aplicam-se as disposições do Código de Defesa do Consumidor às operações financeiras relativas a empreendimentos habitacionais promovidos por cooperativas. [4]

Cumpre acrescentar que a aplicação das normas consumeristas aos negócios entabulados por cooperativas, diversamente do que se pode pensar, revela-se perfeitamente coerente com o nosso ordenamento jurídico.

Esta percepção é evidente ao se considerar que a Constituição Federal não só assegura apoio e estímulo ao cooperativismo (art. 174 da CF[5]) como também garante a proteção do consumidor (art. 5º, XXXII; art. 150, §5º; art. 170, V).

Repare, a propósito, que o art. 1º do Código de Defesa do Consumidor preceitua que suas normas objetivam a proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e do interesse social, nos termos do artigo 5°, inciso XXXII[6], e do artigo 170, inciso V[7], da Constituição Federal, sem prejuízo do disposto no art. 48 de suas Disposições Transitórias.

 


[1] Com relação à insolvência não se esqueça que as instituições financeiras se submetem a procedimentos específicos de intervenção e liquidação extrajudicial, nos termos da lei nº 6.021/74 e do Decreto-Lei nº 2.231/87. Para o estudo detalhado deste tema, confira: SADII, Jairo. Regimes especiais de liquidação e intervenção extrajudicial nas instituições financeiras. Tratado de Direito Comercial. Fabio Ulhoa Coelho (coord.), volume 8: Títulos de Crédito, Direito Bancário, Agronegócio e Processo Empresarial. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 269 e segs. “A gênese do fenômeno financeiro se encontra no poder estatal de criação de moeda, ente abstrato destinado a viabilizar o fenômeno econômico, ou seja, como meio de troca e de troca e de pagamento, seja como medida de valor. [...] o crédito funciona como sucedâneo da moeda e acaba por criar uma segunda espécie de moeda, a moeda escritural, que só existe nos registros do ente concedente de crédito, mas que possibilita a multiplicação dos meios de pagamento. ” TURCZYN, Sidnei.  Conceito e características gerais dos contratos bancários. Tratado de Direito Comercial. Fabio Ulhoa Coelho (coord.), volume 8: Títulos de Crédito, Direito Bancário, Agronegócio e Processo Empresarial. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p.164.

[2] Lei nº 4.595/1964: Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Parágrafo único. Para os efeitos desta lei e da legislação em vigor, equiparam-se às instituições financeiras as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma permanente ou eventual. Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização do Banco Central  da República do Brasil ou decreto do  Poder  Executivo, quando forem estrangeiras. § 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas e das cooperativas de crédito ou a seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às disposições e disciplina desta lei no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de terceiros, atividade relacionada com a compra e venda de ações e outros quaisquer títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de natureza dos executados pelas instituições financeiras. § 2º O Banco Central da Republica do Brasil, no exercício da fiscalização que lhe compete, regulará as condições de concorrência entre instituições financeiras, coibindo-lhes os abusos com a aplicação da pena nos termos desta lei. § 3º Dependerão de prévia autorização do Banco Central da República do Brasil as campanhas destinadas à coleta de recursos do público, praticadas por pessoas físicas ou jurídicas abrangidas neste artigo, salvo para subscrição pública de ações, nos termos da lei das sociedades por ações.

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[3] O STJ definiu que “[...] A orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de se admitir a aplicação das disposições do Código de Defesa do Consumidor às relações travadas entre cooperados e cooperativas quando estas desenvolvem atividades equiparadas às instituições financeiras. AgInt nos EAREsp 1302248/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 20/10/2020, DJe 29/10/2020. “[...] As normas de proteção aos direitos do consumidor são aplicáveis aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas, consoante o disposto na Súmula nº 602/STJ, havendo, portanto, responsabilidade solidária de todos os integrantes da cadeia produtiva ou de fornecimento do serviço, nos termos dos arts. 7º, parágrafo único, 14 e 34 do Código de Defesa do Consumidor. 3. Hipótese em que o tribunal de origem deixou assentado que a recorrente participou efetivamente da cadeia de fornecimento do bem, de modo que eventual conclusão em sentido contrário dependeria do reexame do contexto fático-probatório dos autos, procedimento vedado pela Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo interno não provido.” (AgInt no AREsp 1581700/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/08/2020, DJe 13/08/2020).

[4] Além da Súmula nº 602 do STJ, a conclusão indicada se esboça nos seguintes julgados: AgInt no AREsp 1581700/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/08/2020, DJe 13/08/2020. AgInt no AREsp 1266376/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 30/05/2019, DJe 04/06/2019. REsp 1735004/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 29/06/2018.

[5] Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. § 2º A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.

[6] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.

[7]  Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: V - defesa do consumidor.

Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Informações sobre o texto

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