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Erro de diagnóstico – Responsabilidade civil do médico

Agenda 08/10/2021 às 14:12

Entenda tudo sobre o erro de diagnóstico e a responsabilidade civil do médico. Somos um escritório de advocacia especialista em Brasília - DF.

Resumo

O presente artigo tem por objetivo central analisar a responsabilidade civil do médico diante de erro médico no diagnóstico. Para tanto, é salutar para responder se o profissional médico responde civilmente por resultados danosos à integridade física e à saúde do paciente, em virtude de erro no diagnóstico tecer algumas linhas acerca da influência para a correta prescrição de medicamento e aplicação de tratamento na cura da doença, da classificação do diagnóstico em obrigações de meios ou de resultado, da culpa na responsabilidade civil do médico e da indenização pela perda de uma chance de sobrevivência ou de cura. Quanto à metodologia empregada, trata-se de uma pesquisa básica com abordagem qualitativa, objetivo exploratório, delineamento bibliográfico.

Introdução

O estudo do tema responsabilidade civil do médico em erro de diagnóstico fundamenta-se no princípio fundamental, segundo qual o alvo de toda atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com máximo de zelo e melhor de sua capacidade profissional (art. 2º).” A função principal do médico, em toda a história da humanidade, tem sido a de cuidar e tratar dos enfermos, quando melhor se caracteriza o ato médico.

Neste contexto, o ato médico consiste basicamente na formulação do diagnóstico e na instituição do tratamento mais indicado para o paciente. Com base em tal mandamento, o profissional médico para exprimir o diagnóstico deve se basear em informações e dados acerca do histórico clínico da vida do paciente.

O diagnóstico consiste em identificar e determinar a moléstia que acomete o paciente, pois dele depende a escolha do medicamento e tratamento adequado. Quando em decorrência da conduta culposa do médico configurada pelo erro de diagnostico, errado ou tardio, sobrevier danos à integridade física ou à saúde do paciente, o profissional médico poderá ser compelido a pagar justa e razoável indenização, após apurada a sua responsabilidade civil.

A determinação da responsabilidade civil do médico em erro de diagnóstico revela-se muito difícil, porque se adentra em um campo estritamente técnico, o que dificulta enormemente a apreciação judicial, principalmente porque não se pode admitir em termos absolutos a infalibilidade do médico.

Dentro desse quadro, será apresentada peculiaridades da análise da culpa na responsabilidade civil do médico à luz das teorias objetiva e subjetiva, situando-a dentro da doutrina, legislação existente, convenientemente identificada e, se possível, complementando com a jurisprudência que já tenha sido definida como majoritária.

Outrossim, será espaço de análise a perda de uma chance – teoria criada pelo direito francês na década de 60 -, e a sua aplicabilidade pelos tribunais na solução de demandas indenizatórias, ajuizadas por vítimas que tiveram a chance de sobrevivência ou de cura pelo resultado na terapia subtraída.

1 Diagnóstico Médico

1.1 Visão histórica do diagnóstico

A civilização suméria floresceu há 6.000 anos em Ur, na Mesopotâmia, e é de onde temos a mais antiga manifestação médica conhecida. O diagnóstico era baseado na astrologia e os distúrbios do corpo eram regidos pela relação entre os movimentos das estrelas e as estações. Os sintomas eram descritos em peças de argila.

Para os antigos hebreus a doença representava a cólera de Deus contra os pecados dos homens. A saúde jamais seria perdida se os dez mandamentos fossem obedecidos.

Na Índia a prática da anatomia limitava-se pela proibição religiosa de cortar com uma faca. O maior médico hindu, Susruta, aconselhava os médicos a mergulharem os corpos nos rios dentro de uma cesta. Após sete dias de decomposição, o estudo das vísceras podia ser feito sem incisões, apenas abrindo-se as cavidades manualmente. Técnica diagnóstica aprimorada: inspeção; palpação; ausculta (coração, pulmões e abdome); exame da pele e da língua.

A medicina na China se baseava em dois pólos opostos: Yin e Yang, juntamente com o sangue. A doença era o desequilíbrio desses dois princípios e a morte sobrevinha quando paravam de circular. A dissecção dos mortos era proibida uma vez que somente com o corpo íntegro era possível se juntar aos ancestrais. Apenas os imperadores podiam conduzir investigações anatômicas. Não aprofundavam a história clínica do enfermo e nem faziam um exame físico completo. Concentravam-se no exame do pulso, que era tomado de diferentes maneiras, levando a uma longa lista de variações. Para o exame físico das mulheres eram usadas bonecas de marfim.

Foi com Hipócrates, na Grécia, entre os séculos V e VI a.C, que nasceu a observação clínica, incluindo a História da doença que leva o doente a procurar o médico, e o exame físico detalhado do paciente em busca de dados para a formulação do diagnóstico e do prognóstico. Ele sistematizou o método clínico: inspeção e palpação apenas; observação objetiva dos fatos e rigor moral. O médico devia se abster de qualquer especulação e se inspirar apenas no exame do paciente e de suas condições de vida. A aparência do paciente era observada detalhadamente. Hipócrates já fazia a ausculta pulmonar diretamente com o ouvido no tórax do paciente. Já fazia exame vaginal e de outros orifícios do corpo com espéculos. Usava a palpação para observar a temperatura, assim como outras características das regiões corporais. O pulso era verificado, mas ainda não era considerado importante. Usava o cheiro do paciente como dado para complementar a observação de suas condições. Seus escritos eram livres de explicações religiosas e sobrenaturais.

Hipócrates escreveu os princípios do método hipocrático, segundo ele: observe tudo; estude o paciente mais do que a doença; avalie com honestidade; observe e ajude a natureza. Somente no século V a.C., com o surgimento da medicina hipocrática na Grécia, foi a mesma separada da religião, das crenças irracionais e do apelo ao sobrenatural.

O Direito francês foi inspiração para o Direito brasileiro e outros (até por isso mais veemente analisado neste estudo), trazendo mudanças significativas para o instituto da responsabilidade civil do médico. Na França, modernamente, é plena a reparabilidade do dano médico, devendo aquele indenizar o paciente todas as vezes que poderia prever um acidente, mesmo que raro e não o fez.

Para Richard Koch, citado por Pedro Laín Entralgo: "la historia del diagnóstico no comienza con la historia de la Medicina – “a história do diagnóstico não começa com a história da medicina” (traduçao nosssa).

Hodiernamente, no Brasil, a literatura médica define diagnóstico como sendo um processo – método científico, e não um ato. É o ato de determinar e conhecer a natureza de uma doença pela observação dos seus sintomas e sinais. Também corresponde ao nome com que o médico qualifica a doença de acordo com os sinais detectados, isto é, é o nome dado à conclusão em si mesma.

1.2 Influência para a correta prescrição de medicamento e aplicação de tratamento na cura da doença.

Saber qual a influência do diagnóstico médico no uso adequado do medicamento e tratamento na cura da doença é questão que suscita análise detida dos estudiosos da medicina, dado o crescente número de casos envolvendo erro médico no diagnóstico em virtude de ter o paciente o seu quadro de saúde agravado ou até sobrevindo a morte.

É forçoso concluir que o diagnóstico correto resultará sempre na cura do doente. Isso porque mesmo diante do avanço da medicina acerca dos sinais e sintomas, a cura está na orbita da certeza da probabilidade. O exemplo disso cita-se o câncer, doença que se desenvolve numa velocidade voraz, mesmo quando diagnosticado precocemente suas causas e estadiamento.

Nesse sentido, Luiz da Cunha Gonçalves, citado por Kfouri: “(...) em certos doentes, por motivos inexplicáveis a doença adquire uma grande virulência, em marcha galopante, como na septicemia e na uremia, de modo a tornar ineficazes todos os esforços do médico. Este, às vezes, devido à rápida evolução da moléstia, nem de tempo dispõe para assentar diagnóstico exato e empregar adequado tratamento.”

Todavia, é inegável que a medicação e o tratamento compatível com a doença diagnosticada corretamente proporcionarão se não uma chance de sobrevivência, a cura. Mas, frise-se, ainda no campo da incerteza.

Não obstante, a certeza da probabilidade do diagnóstico na cura da patologia, é principio fundamental que não pode ser afastado na atividade médica, que na medicina a saúde do ser humano é o foco de toda atenção do médico (art. 2º do CED). Jungir-se, a isso, a necessidade de o profissional médico manter-se permanentemente atualizado: “o médico deve aprimorar continuamente seus conhecimentos e usar o melhor do progresso cientifico em beneficio do paciente”(art. 5º, do CED), uma vez que a medicina não cessa de progredir e de oferecer novos recursos diagnósticos e terapêuticos.

Para Costales, citado por Kfouri, o primeiro ato da análise diagnostica - que é um dos momentos mais importantes da atividade médica – consiste na arguição do paciente. O médico para poder estabelecer qual o remédio e a terapia adequada, deve perscrutar a natureza da enfermidade e sua gravidade. Deve ir além do paciente.

Continua o ilustre jurista. O diagnóstico consiste, pois, uma vez efetuadas todas as avaliações (exames complementares de laboratório, radiografias, eletrocardiogramas etc.), na emissão de um juízo acerca do estado de saúde do paciente. De modo que não denota, repise-se, numa certeza de salvamento.

O papel do médico, na tomada de decisão quanto ao tipo de tratamento que um paciente receberá, é explicar as várias opções de diagnóstico ou tratamento que existem para o caso em concreto e os possíveis riscos de cada um desses tratamentos. Importa esclarecer, que diante um diagnóstico exato, é possível que o próprio organismo do enfermo influencie no resultado da terapia.

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O ato médico de diagnosticar os sinais e sintomas de uma patologia é obrigação de meios, pois não é exigido do médico garantir a cura ao doente e sim obrigar-se a lançar mão dos meios aceitos pela ciência médica e disponível ao profissional, no ato de diagnosticar a doença, para o restabelecimento da saúde e da integridade física e mental do enfermo. O diagnostico não é um ato isolado, e sim um processo, pelo qual deve o profissional médico ser diligente na investigação das causas da doença, para poder aplicar os procedimentos compatíveis. Além disso, justifica-se a natureza do ato como sendo de obrigação de meios, o fato de o paciente buscar no atendimento médico a doença diante dos sinais e sintomas manifestados no próprio organismo.

A formulação do diagnóstico deve fundamentar-se na história clínica passada e presente do paciente, ou seja, na anamnese, no exame físico do paciente, na evolução do quadro clínico e na interpretação crítica dos exames complementares porventura necessários, sejam estes exames de laboratório, registros gráficos ou métodos de imagem. Firmado o diagnóstico sindrômico e, se possível, etiológico, o ato médico seguinte, o de maior responsabilidade, consiste na tomada de decisão quanto à melhor conduta terapêutica a ser seguida, que poderá ser de ordem clínica, cirúrgica, ou mesmo psiquiátrica.

Em muitas ocasiões, o paciente poderá necessitar do concurso de um especialista, ou ser hospitalizado, ou submetido a uma intervenção cirúrgica ou a procedimentos invasivos que encerram algum risco calculado.

Em qualquer caso, o paciente deve receber a orientação e os esclarecimentos necessários sobre a sua doença, respeitando-se a sua autonomia em decidir se aceita ou não as medidas propostas, tanto na fase de elaboração do diagnóstico, quanto do tratamento.

Outrossim, um diagnóstico correto feito atempadamente pode diminuir as sequelas causadas pela doença, facilitar o tratamento e aumentar a probabilidade de sobrevivência (no caso de doenças graves), mas não dar a certeza da cura da doença.

1.3 Obrigações de meios (subjetiva/culpa) ou de resultado (objetiva/sem culpa)?

Fator de extrema importância na seara reparatória nas demandas em que se discute a responsabilidade civil do médico no erro de diagnóstico é a identificação da modalidade obrigacional do ato médico – diagnóstico como obrigação de meios ou de resultado, para se estabelecer a exigência da culpa inserida na análise da responsabilidade do profissional liberal, em um caso ou outro de obrigação.

Em regra, a obrigação assumida pelo médico é de meios, pois “não se compromete a curar, mas a prestar seus serviços de acordo com as regras e os métodos da profissão, incluindo aí cuidados e conselhos”, e por isso, responderá apenas se houver culpa provada em qualquer de suas modalidades.

Quanto à natureza jurídica da responsabilidade médica, o Código de Defesa do Consumidor remata essa discussão ao dispor que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais, inserindo-se neste conceito os médicos, será apurada mediante a verificação de culpa”, no parágrafo 4° do artigo 14.

Disso implica dizer que também será uma obrigação de cunho subjetivo, devendo a culpa do profissional liberal médico ser provada, embora possua natureza jurídica contratual, excetuando-se os casos de cirurgia estética, por ser obrigação de resultado e a responsabilidade fundada na culpa presumida.

A esse respeito Sérgio Cavalieri Filho comenta que “[...] o Código do Consumidor foi bem claro ao dizer que a exceção só abrange a responsabilidade pessoal do profissional liberal, não favorecendo, portanto, a pessoa jurídica na qual ele trabalhe como empregado ou faça parte da sociedade”.

No Brasil, quanto à responsabilidade subjetiva médica – obrigação de meios, o elemento de referência é a análise da culpa individual do médico, como no caso do suposto erro de diagnóstico. Em alguns casos, entretanto, pode-se presumir a culpa, na responsabilidade objetiva – obrigação de resultado, a exemplo da cirurgia plástica, preponderantemente, estética.

Destaque para o trecho, que reforça essa classificação, no qual o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Kfouri, de maneira bastante lucida afirma: “Não é propriamente o erro de diagnóstico que incumbe ao juiz examinar, mas sim se o médico teve culpa no modo pelo qual procedeu ao diagnóstico, se recorreu, ou não, a todos os meios a seu alcance para a investigação do mal, (...).”

A relevância prática em se definir o diagnóstico médico como obrigação de meios ou de resultado é ter ou não a culpa como fundamento da responsabilidade civil do médico que diagnostica equivocadamente uma doença ou aplica a terapia incompatível. Assim, naquele trecho em destaque, o nobre autor apresenta elementos próprios a deduzir ser o diagnóstico obrigação de meios, a qual se insere na teoria da responsabilidade subjetiva.

Há obrigação de meios – segundo Demogue, o formulador da teoria – quando a própria prestação nada mais exige do devedor (médico) do que pura e simplesmente o emprego de determinado meio sem olhar o resultado. É o caso do médico, que se obriga a envidar seus melhores esforços e usar de todos os meios indispensáveis à obtenção de cura do doente, mas sem jamais assegurar o resultado, ou seja, a própria cura.

Na obrigação de resultado, “o devedor se obriga a alcançar determinado fim sem o qual não terá cumprido sua obrigação. Ou consegue o resultado avençado ou terá que arcar com as consequências.”

Em outras palavras, na obrigação de meios a finalidade é a própria atividade do profissional médico (exames complementares, a fim de orientar o diagnóstico, tornando-se o mais possível exato, como Raio X, hemogramas, ultrassonografia, tomografia ou ressonância magnética) e na obrigação de resultado, o resultado dessa atividade (a cura).

Regra geral, para o médico ser responsabilizado por suposto erro de diagnostico a vítima deverá provar a culpa do profissional, conforme teoria subjetiva refletida na obrigação de meios que encerra a relação médico – paciente estabelecida pelo CC/02. Excepcionalmente, e contrário ao entendimento, segundo o qual o médico responde, independentemente de culpa, pelo fato de a relação médico – paciente encerrar obrigação de resultado compatível com a responsabilidade objetiva.

O Código Civil brasileiro, nos arts. 186 e 951, não se afastou da teoria subjetiva. A responsabilidade do profissional da medicina continua a repousar no estatuto da culpa, incumbindo o paciente provar a culpa do agente, para obter a reparação do dano.

Insta frisar que a responsabilidade civil dos médicos em relação ao diagnóstico não está vinculada ao resultado do tratamento, mas sim ao emprego dos meios disponíveis para a respectiva finalidade. Dessa forma, o efeito inesperado não implica inadimplência por parte do profissional.

A pessoa acometida de algum mal que busca os serviços de um médico, não pode exigir deste a cura, pois o médico tem por obrigação usar dos meios disponíveis reconhecidos pela ciência no tratamento, e não na cura, a qual muitas das vezes depende de uma série de fatores, como a influência do organismo e a boa qualidade de vida do paciente.

Para os adeptos da culpa como pressuposto da responsabilidade civil, a responsabilização do médico pelas sequelas advindas ao paciente, decorrentes de suposto erro de diagnostico está condicionada a comprovação da culpa na modalidade - negligência imprudência ou imperícia -, além da conduta ilícita, resultado e o nexo de causalidade (relação de causa e efeito entre ação ou omissão e o dano).

A regra geral dita que o médico não pode obrigar-se, no desempenho de sua atividade profissional, a obter resultado determinado acerca da cura do doente e assumir o compromisso de reabilitar sua saúde. A obrigação do médico é de meios. Não olvide que a ciência médica é dinâmica e, por isso, desafia os grandes cientistas a compreender os segredos da natureza humana.

2. Responsabilidade Civil do Médico

2.1 Casuística

À guisa de introito, verificamos decisão de tribunal superior, acerca do tema responsabilidade civil no erro de diagnóstico.

A 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Acre manteve condenação solidária do Estado do Acre, do Hospital Urgil e da médica pediatra ao pagamento de indenização por danos morais e materiais, no valor total de R$ 46 mil – em decorrência de erro médico no diagnóstico de uma criança acometida de câncer.

Na casuística, a paciente, uma menina que tinha três anos de idade à época, fora internada, primeiramente, no Hospital Urgil, sendo de lá transferida para o Hospital de Urgências e Emergências de Rio Branco (Huerb) com o diagnóstico de difteria. Diante do estado da criança, os pais resolveram levá-la, para a cidade de Goiânia (GO) onde foi constatado que, na verdade, “a criança estava acometida de leucemia, espécie de câncer que atinge o sangue e possui origem na medula óssea. A doença foi tratada e a paciente apresentou sensível melhora.”

Para a 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Rio Branco, não foi realizado exame de mielograma (avaliação da medula óssea), que poderia apontar a causa correta da enfermidade e afastar os falsos diagnósticos. Levando-se em conta a aflição, angústia e sofrimento pelo qual passaram a criança e seus genitores, além da responsabilidade objetiva (desnecessidade de provar a culpa) dos demandados, o magistrado condenou os requeridos ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 35 mil, além do pagamento de indenização por danos materiais, no valor de R$ 11 mil.

Os demandados alegaram que não houve comprovação da ocorrência de culpa das equipes médicas ou demonstração de nexo de causalidade entre o atendimento prestado e o agravamento do quadro de saúde da paciente. No entendimento dos apelantes, a responsabilidade, no caso, é subjetiva e não objetiva, não havendo, portanto, que se falar em dever de indenizar.

Outrossim, o magistrado também ressaltou que os hospitais são fornecedores de serviços e por isso, respondem independentemente de culpa pelo serviço defeituoso prestado ou posto à disposição do consumidor. (Art. 14, caput, do CDC).

O Desembargador Samoel Evangelista, relator do processo de apelação, no entanto, rechaçou a tese de responsabilidade subjetiva apresentada pelos apelantes. O magistrado lembrou que ao contrário do alegado, o nexo de causalidade foi demonstrado por meio da negligência no atendimento à criança, já que não foi realizado o exame apto a diagnosticar com precisão a enfermidade. “Compete à instituição hospitalar fiscalizar a atuação de seus prepostos e eles não foram diligentes, uma vez que a paciente mostrava sinais de patologia em andamento. Não há dúvida de que a gravidade do estado da paciente recomendava uma investigação mais acurada do quadro apresentado”, anotou o relator.

Ao que parece, a decisão do Egrégio TJAC vai na direção contraria ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça. A 4ª Turma Cível, em acordão da lauda do saudoso Ministro Luis Felipe Salomão, de 01.09.2014, decidiu que “a responsabilidade dos hospitais, no que tange à atuação dos médicos que neles trabalham ou são ligados por convênio, é subjetiva, dependendo da demonstração da culapa. Não se pode excluir a culpa do médico e responsabilizar objetivamente o hospital.” Na mesma linha, a 4ª Turma Cível, em acordão, de 24.11.2014 manteve o entendimento, segundo o qual “para se reconhecer a responsabilidade do hospital, antes, cumpre averiguar se houve ato culposo do médico que atuou como preposto.”

2.2 Culpa na responsabilidade civil em erro de diagnóstico

Antes de abordar ainda mais detalhadamente a culpa médica no erro de diagnóstico, faz-se necessária a distinção entre culpa e erro profissional. E é Sérgio Cavalieri Filho quem aponta a diferença:

Culpa e erro profissional são coisas distintas. Há erro profissional quando a conduta médica é correta, mas a técnica empregada é incorreta; há imperícia quando a técnica é correta, mas a conduta médica é incorreta. A culpa médica supõe uma falta de diligência ou prudência em relação ao que era esperável de um bom profissional escolhido como padrão; o erro é a falha do homem normal, consequência inelutável da falibilidade humana. E, embora não se possa falar em um direito ao erro, será este escusável quando invencível à mediana cultura médica, tendo em vista circunstâncias do caso concreto.

O erro médico culposo é aquele praticado pelo agente nas modalidades de imperícia, imprudência ou negligência. A culpa médica, nesses casos, rege-se pelos mesmos fundamentos da responsabilidade em geral, de maneira que quem pratica um ato, com discernimento, liberdade ou intencionalidade, possuindo opção de escolha, é obrigado a indenizar a vítima pelas consequências danosas dos seus atos, aplicando-se os mesmos princípios relativos à individualização da culpa.

Em vista a distinção feita por Cavalieri, e inserido no contexto culposo, o erro no diagnóstico reside como subespécies do erro médico, todavia, será preciso apurar em cada caso se, à luz da ciência e do avanço tecnológico que o médico tinha à sua disposição, era-lhe ou não possível chegar a um diagnóstico correto, ou a um tratamento satisfatório, resultado, esse, não obtido por imperícia, negligência ou imprudência injustificável.”

Portanto, a análise da culpa no erro médico no diagnóstico é realizada de acordo com o caso concreto, vez que é feita a verificação da sua conduta em relação aos procedimentos para com o paciente.

Ademais, jungir-se a isso, classificar o ato diagnóstico em obrigação de meios (responsabilidade subjetiva – necessidade de provar a culpa) ou de resultado (responsabilidade objetiva – presunção da culpa).

Alhures mencionado, em linhas gerais, que sendo o diagnóstico ato médico de obrigação de meios, que reflete na responsabilidade subjetiva, deve o paciente demonstrar a culpa do profissional médico, além dos demais requisitos. De outro modo, se a obrigação for de resultados, na modalidade objetiva de responsabilidade independe da constatação da culpa, basta a verificação do dano, além do próprio defeito na prestação do serviço, para configurar o dever de indenizar.

É compreensível que alguém somente seja compelido a indenizar pelo dano causado, mediante a comprovação da culpa. De modo diverso, estar-se-ia diante de um injusto civil.

Partindo-se dessa premissa, o entendimento que deve prevalecer na análise da culpa do médico em erro de diagnóstico, não poderia ser outro, senão o de que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa (parágrafo 4º, art. 4º, do CDC).”

Vê se, pois, que o entendimento da doutrina vai ao encontro do estabelecido no código consumerista, no sentido de se exigir o ressarcimento do dano material ou a reparação do dano imaterial mediante análise minuciosa da conduta do profissional médico, seja por negligencia, imprudência ou imperícia.

Nesse sentido, o STJ tem reiterado o entendimento, segundo o qual se aplica o CDC no que se refere à responsabilidade médica e hospitalar, cabendo ao hospital a responsabilidade objetiva (CDC art. 14), no caso de dano material e moral causado a paciente que escolhe o hospital (emergência) e é atendido por profissional médico integrante, a qualquer título, de seu corpo clínico, prestando atendimento inadequado, causador de morte (erro de diagnóstico). Outrossim, responde por culpa subjetiva o médico, aplicando-se, porém, a inversão do ônus da prova (CDC art. 6º, VIII).

Estabelecendo o diagnóstico como sendo obrigação de meios, na modalidade responsabilidade subjetiva, a vítima – consumidor ou seus parentes deverão comprovar a culpa por infecção hospitalar, negligência, imprudência ou imperícia na conduta ilícita do médico. Jungir-se, a isso a comprovação da relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado danoso.

2.3 Indenização pela perda de uma chance de sobrevivência ou de cura.

Não obstante, o diagnóstico médico científico ser aquele reconhecido pela comunidade médica como o procedimento apto a exprimir uma doença ou suas causas, não se pode olvidar que, também, representa as vezes à certeza de uma probabilidade de sobrevivência e de cura, ou resulta, infelizmente, em morte, subtraindo do enfermo, em todos esses casos, a chance de resultado favorável na terapia. Quando isto ocorre, para fins de indenização pelo dano, é necessário o julgador realizar um corte entre o prejuízo final resultante do suposto erro de diagnóstico e a perda da chance de resultado no tratamento benevolente ao doente.

Newton Pacheco, lembrado pelo festejado professor e jurista Kfouri, em Responsabilidade Civil do Médico, 2013, traz a lume que a perda de uma chance (La perte d’une chance), representa, na teoria francesa, a afirmação de que o erro é precisamente não dar todas as chances de cura ou de sobrevivência ao doente. Se o médico perdeu apenas uma chance, uma oportunidade de alterar aquilo que se revelou danoso deve responder, conquanto de forma atenuada.

A verificação da perda de uma chance é tarefe árdua que exige dos profissionais conhecimentos além do direito material e jurisprudencial, dado o caráter que merece dispensar ao caso concreto. À guisa de compreensão, e considerando o diagnóstico ato médico definido como obrigação de resultado, para se levar a cabo a responsabilidade civil do médico diante de erro de diagnóstico é indispensável à vítima provar a culpa médica (negligência, imprudência ou imperícia).

Em decorrência da negligência do médico em não diagnosticar os sintomas ou determinar a doença corretamente (suposto erro médico), surge para o doente a figura da perda de uma chance de sobrevivência ou de cura. Esta surge da imaginação do paciente ou familiar da incerteza quanto á certeza de sobrevivência ou cura e da certeza na probabilidade.

Yves Chartier, mencionado por Kfouri, dilucida que “a perda de uma chance repousa sobre a possibilidade e uma certeza: é verossímil que a chance poderia se concretizar; é certo que a vantagem esperada está perdida – e disso resulta um dano indenizável.”

Na apreciação de pretensão indenizatória, é fundamental que o juiz, incorpore o entendimento, segundo o qual, a indenização não recai sobre as consequências do erro de diagnóstico médico (prejuízo final), mas sim na perda de uma chance de resultado favorável no tratamento, de certeza na probabilidade na sobrevivência ou cura, se tivesse o médico agido com a diligência e prudência exigida pela ciência médica.

Nesse sentido, a questão de fundo nesse tópico é responder se é admissível a aplicação da teoria da perda de uma chance de sobrevivência ou de cura, em erro de diagnóstico médico, com vistas à indenização.

Embora, não haja dispositivo legal específico que estabeleça à reparação indenizatória pela perda de uma chance, todavia, esta situação se enquadra perfeitamente no conceito dos arts. 186, 944 e 951, do Código Civil brasileiro, tendo em linha de conta resultar de um ato ilícito, que inicialmente tenha produzido algum dano à vítima.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

Regra geral, a reparação por ato ilícito está disposta no art. 927 do CC/02.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

O art. 8º, do Código de Defesa dos Direitos do Consumidor estabelece que os fornecedores de produtos e serviços são obrigados, em qualquer hipótese, a dar todas as informações necessárias e adequadas a respeito do produto ou serviço que estejam fornecendo. Estatui o referenciado dispositivo:

Art. 8º. Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.

Ademais, é imprescindível, como asseverado alhures, a verificação da culpa, por se tratar de situação que teve sua gênese em um ato ilícito que, nesse caso em estudo, se verifica mediante a análise da culpa como pressuposto da responsabilidade civil subjetiva do agente. Nesse sentido, reza o art. 14, § 4º, do CDC:

Art. 14 (...)

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Também insta indicar o art. 1º, do Código de Ética Médica, que faz surgir o dever de reparação na esfera cível, caso o profissional médico desobedeça a regra, segundo a qual é inerente a toda profissão:

Art. 1º causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência”.

O marco da aplicação da teoria da perda de uma chance de sobrevivência ou de cura é na jurisprudência francesa que tem adotado, a partir de 1965, em casos de danos corporais indenizáveis, para proteger a vítima e obviar os inconvenientes na formação da culpa.

Na jurisprudência brasileira o tema é bastante controvertido. Discute-se acerca da aplicabilidade da teoria da perda de uma chance como fundamento do deferimento de indenizações.

O extinto Tribunal de Alçada do Paraná, que reapreciou – e manteve – sentença de procedência parcial de demanda indenizatória utilizou como fundamento à teoria da perda de uma chance, por entender que indeniza-se, em realidade, a chance, a oportunidade subtraída à vítima.

O Superior Tribunal de Justiça vem tendo que decidir em diversas hipóteses de demandas atinente da responsabilidade civil pela perda de uma chance, na qual a agente frustra à vítima uma oportunidade de ganho. Em razão disso, a sua Terceira Turma, em acordão da lavra da Ministra Nancy Andrighi, publicado em fevereiro de 2013, estabeleceu os contornos da aplicabilidade da teoria da perda de uma chance à responsabilidade civil do médico, partindo-se da hipótese de que em casos de perda de uma chance – no diagnóstico errado:

“(...) há certeza quanto ao causador do dano e incerteza quanto à respectiva extensão, o que torna aplicável o critério de ponderação característico da referida teoria para a fixação do montante da indenização a ser fixada; a incerteza não está no dano experimentado, notadamente nas situações em que a vítima vem a óbito. A incerteza está na participação do médico nesse resultado, à medida que, em princípio, o dano é causado por força da doença, e não pela falha de tratamento; (...) a chance, em si, pode ser considerado um vem autônomo, cuja violação pode dar lugar à indenização de seu equivalente econômico; admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo final experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido.”

Saliente-se que a indenização será quantificada tendo por base a perda da chance, preponderantemente, refletida na certeza da probabilidade que se imagina obter com o resultado do tratamento suprimido, e não sobre as sequelas ou morte do doente – prejuízo final.

O direito à indenização se imiscui da culpa médica que causou o dano final, surgindo para o agente o dever de reparar o doente, apenas no que se refere a perda da chance decorrente do agravamento dos sintomas ou da doença. Desaparece, desse modo, a dificuldade em se estabelecer a relação de causalidade entre o ato ou omissão médica e o agravamento da condição de saúde, invalidez ou morte do paciente, que tanto podem dever-se à culpa do profissional quanto às condições patológicas do paciente.

Kfouri, referência no Brasil, em responsabilidade civil envolvendo casos de culpa médica no erro médico e – de diagnóstico, é quem faz a análise sobre a responsabilidade pela perda de uma chance na seara médica e defende a corrente francesa majoritária, baseada na teoria da causalidade, sendo aplicado nos demais casos, a perda de uma chance considerada na modalidade de dano.

Ainda para o eminente jurista “o elemento prejudicial que determina a indenização é a perda de uma chance de resultado favorável no tratamento. A reparação, no entanto, não é integral, posto que, não se indeniza o prejuízo final, mas sim a chance perdida.”

Igualmente, abordando a visão histórica da responsabilidade civil médica, o autor colaciona em sua obra (Responsabilidade Civil do Médico, 2013) primeiro julgado, em França, que inaugura a jurisprudência da 1ª Câmara Civil da Corte de Cassação, de 1957, acerca da perda de uma chance: “Houve um erro de diagnóstico, que redundou em tratamento inadequado. Entendeu-se em 1ª instância que, entre o erro do médico e as graves consequências (invalidez) do menor, não se podia estabelecer de modo preciso o nexo de causalidade. A corte de Cassação assentou: “Presunções suficientemente graves, precisas e harmônicas podem conduzir à responsabilização”. Tal entendimento foi acatado a partir da avaliação de o médico haver perdido uma chance de agir de modo diverso, e condenou-o à indenização de 65.000 francos.”

Severo, dilucida que “na estipulação do quantum, deve ser levada em conta a probabilidade de que tal sucedesse, sendo indenizado o percentual de que foi privada a vítima, ou seja, ‘o juiz apreciará, então, não o valor global dos ganhos ou perdas, mas a proporção deste valor que em concreto representa a frustração da chance, que é atribuível ao agente segundo as circunstâncias do caso.”

Assim, o paciente ou seus familiares que tiver interesse em pleitear indenização do dano, perante o judiciário, deve fundamentar sua pretensão no sentido de que a chance perdida foi séria ou real e séria, produzida por culpa do médico que comprometeu as chances de tratamento ou de vida e a integridade do paciente.

3. Conclusão

Sem a pretensão de esgotar o tema, estudou-se nessas linhas a culpa como pressuposto da responsabilização do médico diante do erro de diagnóstico.

O diagnóstico nem sempre resultará na cura do doente, uma vez que mesmo diante do avanço da medicina acerca dos sinais e sintomas, a cura está na orbita da certeza da probabilidade, gerada pelas complicações imprevisíveis do organismo do ser humano. Todavia, é inegável que a medicação e o tratamento compatível com a doença diagnosticada corretamente proporcionarão se não uma chance de sobrevivência, a cura. Mas, frise-se, ainda no campo da incerteza.

O diagnóstico é obrigação de meios que se insere na teoria da responsabilidade subjetiva, exigindo-se prova da culpa do médico para a reparação do dano. O médico não pode obrigar-se, no desempenho de sua atividade profissional, a obter resultado determinado acerca da cura do doente e assumir o compromisso de reabilitar sua saúde.

A culpa é requisito indispensável na responsabilização do profissional médico no erro de diagnostico – obrigação de meios, atrelada à teoria subjetiva, estabelecida tanto pelo CC/02 quanto CDC.

A perda de uma chance que fundamenta o pedido de indenização do dano deve ser séria ou real e séria, produzida por culpa do médico que comprometeu as chances de tratamento ou de vida e a integridade do paciente. O que determinará a indenização é a perda de uma chance de resultado favorável no tratamento. A reparação, no entanto, não é integral, posto que não se indeniza o prejuízo final, mas sim a chance perdida.

Advogado para plano de saúde e sua importância no Direito médico

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