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Reparação de danos pela negativa abusiva de atendimento de urgência e emergência do usuário de plano de saúde sob o argumento de necessidade de cumprimento do período de carência.

Agenda 11/10/2021 às 15:38

Este texto aprecia a (in)validade da negativa de cobertura no período de carência do plano de saúde e possibilidade de recusa a atendimentos de urgência e emergência.

Aprecia-se a (in)validade da negativa de cobertura no período de carência do plano de saúde e possibilidade de recusa a atendimentos de urgência e emergência.

Serão demonstrados os limites impostos pela legislação para a fixação de prazos de carência e a incidência desses prazos nos casos de atendimentos de urgência e emergência.

Assim, será possível verificar quando há negativa indevida de cobertura e o consequente dever de reparação dos danos.

Para compreender detalhadamente os limites das coberturas e as condições limitativas dos atendimentos é necessário observar algumas das disposições da Lei nº 9.656/1998 e da Resolução nº 13/1998 do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU).

Lei dos planos e seguros privados de assistência à saúde (Lei nº 9.656/1998).

Com relação aos limites de fixação dos prazos de carência, entre outras[1], são importantes as disposições do art. 12, V e VI, do art. 18, II, e do art. 35-C da Lei nº 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.

Destaque-se que, observadas algumas condições, o art. 12, V, da Lei nº 9.656/1998 estabelece limites máximos para períodos de carência. Para partos a termo, limite máximo de até 300 (trezentos) dias; para a cobertura de urgência e emergência, prazo de no máximo 24 (vinte e quatro) horas; e, para os demais casos, prazo máximo de carência de 180 (cento e oitenta) dias.

Confira os dispositivos mencionados:

Art. 12.  São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nos incisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintes exigências mínimas:

[...]

V - quando fixar períodos de carência: a) prazo máximo de trezentos dias para partos a termo; b) prazo máximo de cento e oitenta dias para os demais casos; c) prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência.

VI - reembolso, em todos os tipos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nos limites das obrigações contratuais, das despesas efetuadas pelo beneficiário com assistência à saúde, em casos de urgência ou emergência, quando não for possível a utilização dos serviços próprios, contratados, credenciados ou referenciados pelas operadoras, de acordo com a relação de preços de serviços médicos e hospitalares praticados pelo respectivo produto, pagáveis no prazo máximo de trinta dias após a entrega da documentação adequada.

Art. 18.  A aceitação, por parte de qualquer prestador de serviço ou profissional de saúde, da condição de contratado, referenciado, credenciado ou cooperado de uma operadora de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei implica as seguintes obrigações e direitos:  [...]

II - a marcação de consultas, exames e quaisquer outros procedimentos deve ser feita de forma a atender às necessidades dos consumidores, privilegiando os casos de emergência ou urgência, assim como as pessoas com mais de sessenta e cinco anos de idade, as gestantes, lactantes, lactentes e crianças até cinco anos.

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos: 

I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico assistente; 

II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional;

III - de planejamento familiar.

Parágrafo único. A ANS fará publicar normas regulamentares para o disposto neste artigo, observados os termos de adaptação previstos no art. 35.

Valem ser lembrados, a respeito dessa questão, os Enunciados nºs 62 e 92 das Jornadas de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Enunciado nº 62.  Para o fim de cobertura assistencial, o conceito de urgência e emergência deve respeitar a definição legal contida no art. 35-C, Lei Federal 9.656/98, de acordo com o relatório médico, com expressa menção do quadro clínico de risco imediato.

Enunciado nº 92. Na avaliação de pedido de tutela de urgência, é recomendável levar em consideração não apenas a indicação do caráter urgente ou eletivo do procedimento, mas também o conjunto da condição clínica do demandante, bem como as repercussões negativas do longo tempo de espera para a saúde e bem-estar do paciente.

Cobertura de procedimentos de emergência e urgência - Resolução nº 13/1998 do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU).

A Resolução nº 13/1998 do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU) também trata da cobertura dos atendimentos de emergência e urgência, no âmbito da contratação da prestação de serviços de saúde suplementar.

Cobertura de procedimentos de emergência e urgência: i) nos contratos de plano ambulatorial; ii) nos contratos de plano hospitalar; iii) nos contratos de plano e seguro referência.

Condições gerais.

Sobre a abrangência do atendimento, independentemente da natureza do contrato de plano de saúde, conforme previsto no art. 1° da citada Resolução nº 13/1998 do CONSU, a cobertura dos procedimentos de emergência e urgência, aludidos no art.35-D da Lei nº 9.656/98 e que impliquem risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente, incluídos os que resultem de acidentes pessoais ou de complicações no processo gestacional, deverá ser orientada pelos princípios de preservação da vida, dos órgãos e das funções. Logo, os atendimentos de emergência e urgência que consistam em intervenções necessárias à preservação da vida ou da integridade do paciente devem ser realizados sem qualquer questionamento sobre a amplitude da cobertura do plano. Somente nas demais hipóteses serão admitidas restrições de cobertura de acordo com o a natureza do plano contratado.

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Da mesma forma, inobstante a natureza do plano, depois de garantidos os primeiros atendimentos de urgência e emergência, se for constatada a necessidade de remoção para outra unidade de saúde, a operadora deverá suportar todos os custos necessários. Isso poderia ocorrer, por exemplo, nos casos de falta de estrutura hospitalar ou da necessidade de internação de paciente sem cobertura. Observe-se, a propósito, o que dispõe o art. 7º da Resolução nº 13/1998 do CONSU.

Cobertura de procedimentos de emergência e urgência no contrato de plano ambulatorial.

No caso da contratação de plano ambulatorial[2] a cobertura deve garantir acesso aos procedimentos de urgência e emergência durante as 12 (doze) horas seguintes ao primeiro  atendimento.[3]

Na hipótese de procedimentos exclusivos de cobertura hospitalar, mesmo que necessários à continuidade do atendimento de urgência e emergência, não haverá cobertura para o contratante de plano ambulatorial. Em outros termos, o plano ambulatorial só cobrirá o atendimento de urgência e emergência nas 12 (doze) primeiras horas, independentemente de carência. A cobertura não se estende, contudo, a outros serviços exclusivos de planos hospitalares como internação ou acesso a unidades de terapia intensiva. 

Cobertura de procedimentos de emergência e urgência nos contratos de plano hospitalar.

Tratando-se de contrato de plano hospitalar, assim como ocorre no plano ambulatorial, assegura-se a cobertura dos procedimentos de urgência e emergência nas primeiras 12 (doze) horas. Mas, além disso, se depois do atendimento de urgência e emergência houver necessidade de internação para garantia da vida ou integridade da saúde do usuário, a operadora deve assegurar a cobertura, desde o momento do primeiro atendimento até a cessação dos cuidados necessários.

Mesmo durante o período de carência períodos de carência, este deverá abranger cobertura igualmente àquela fixada para o plano ou seguro do segmento ambulatorial, não garantindo, portanto, cobertura para internação.

De todo modo, nos contatos de plano ou seguro hospitalar não será admitida a fixação de período de carência superior a 24 (vinte e quatro) horas após o início da vigência do contrato. A Resolução nº 13/1988 do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU) estabelece, nesse sentido, que o atendimento de urgência decorrente de acidente pessoal não poderá ser condicionado a outras exigências além do eventual cumprimento do período de carência de 24 (vinte e quatro) horas da vigência do contrato. Confira, nesse sentido, o art. 3º da Resolução nº 13/1998 do Conselho de Saúde Suplementar.

Arou ainda, de lesões irreparáveis, não haverá a obrigatoriedade de cobertura por parte da operadora.

Atendimentos de emergência e urgência relativos ao processo gestacional nos contratos de plano hospitalar.

Independentemente de cobertura obstétrica, os contratos de plano hospitalar devem assegurar os atendimentos de urgência e emergência relacionados ao processo gestacional.

Nesse sentido, o art. 4º da Resolução nº 13/1998 do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU) define o seguinte:

Art. 4° Os contratos de plano hospitalar, com ou sem cobertura obstétrica, deverão garantir os atendimentos de urgência e emergência quando se referirem ao processo gestacional.

Parágrafo único. Em caso de necessidade de assistência médica hospitalar decorrente da condição gestacional de pacientes com plano hospitalar sem cobertura obstétrica ou com cobertura obstétrica – porém ainda cumprindo período de carência – a operadora estará obrigada a cobrir o atendimento prestado nas mesmas condições previstas no art.2° para o plano ambulatorial.

Atendimentos de emergência e urgência nos contratos de plano ou seguro referência.

Tratando-se da contratação de plano ou seguro referência, deverá ser assegurada cobertura integral, ambulatorial e hospitalar para urgência e emergência.

É possível que o usuário tenha contratado cobertura parcial temporária para doenças e lesões preexistentes. Nesses casos, tratando-se de atendimentos de urgência e emergência referentes às doenças ou lesões preexistentes excluídas, a cobertura será idêntica a do plano ambulatorial, ou seja, pelas primeiras 12 (doze) horas seguintes ao atendimento inicial.

Confira, nesse sentido, o que dispõem os artigos 5º e 6º da Resolução nº 13/1998 do CONSU.

Art. 5° O plano ou seguro referência deverá garantir a cobertura integral, ambulatorial e hospitalar para urgência e emergência.

Art. 6° Nos contratos de plano hospitalar e do plano e seguro referência que envolvam acordo de cobertura parcial temporária por doenças e lesões preexistentes, a cobertura do atendimento de urgência e emergência para essa doença ou lesão será igual àquela estabelecida para planos ambulatoriais no art. 2° desta Resolução.

Conclusão.

No contexto da prestação de serviços de saúde suplementar, independentemente das particularidades do plano contratado, os o beneficiário tem direito a atendimentos de urgência e emergência, vedando-se a fixação de prazos de carência superiores a 24 (vinte e quatro) horas.

Assim, não obstante a possibilidade de períodos de carência maiores para outras hipóteses, nos casos dos atendimentos de urgência e emergência, o prazo de carência não poderá ultrapassar 24 (vinte e quatro) horas, contadas da celebração do contrato.

A inobservância dessa orientação, além de implicar invalidade da correspondente disposição contratual, configura dano moral indenizável.

A propósito disso, o Superior Tribunal de Justiça manifestou-se da seguinte forma:

“[...] A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o mero descumprimento contratual não enseja indenização por dano moral. No entanto, nas hipóteses em que há recusa de cobertura por parte da operadora do plano de saúde para tratamento de urgência ou emergência, segundo entendimento jurisprudencial desta Corte, há configuração de danos morais indenizáveis [...].[4]

Nessa mesma perspectiva o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que  “ [...] a cláusula contratual de plano de saúde que prevê carência para utilização dos serviços de assistência médica nas situações de emergência ou de urgência é considerada abusiva se ultrapassado o prazo máximo de 24 horas contado da data da contratação (Súmula nº 597/STJ).

 


[1] Atente-se para o fato de que a Medida Provisória nº 1.067/2021, editada para aprimorar as regras sobre o processo de atualização das coberturas no âmbito da saúde suplementar, alterou alguns dispositivos da Lei nº 9.656/1998. Foram acrescentados os §§ 1º a 9º ao artigo 10 e incluído o art. 10-D.

[2] Existem planos ambulatorial e hospitalar. O plano ambulatorial garante a cobertura de urgência e emergência, limitada até as primeiras 12 (doze) horas do atendimento (art. 2º). O plano hospitalar deve oferecer cobertura aos atendimentos de urgência e emergência que evoluírem para internação, desde a admissão do paciente até a sua alta ou que sejam necessários à preservação da vida, órgãos e funções (art. 3º).

[3] Conforme o disposto no art. 2º, caput, da Resolução nº 13/1998 do CONSU.

[4] AgInt no REsp 1838679/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 03/03/2020, DJe 25/03/2020. No mesmo sentido: AgInt no AREsp 1657633/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 10/08/2020, DJe 14/08/2020; AgInt no AREsp 1573989/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/08/2020, DJe 28/08/2020; AgInt no AREsp 1656556/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 24/08/2020, DJe 15/09/2020.

Sobre o autor
Antonio Evangelista de Souza Netto

Juiz de Direito de Entrância Final do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Universidade de Salamanca - Espanha. Pós-doutor em Direito pela Universitá degli Studi di Messina - Itália. Doutor em Filosofia do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2014). Mestre em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP (2008). Coordenador do Núcleo de EAD da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná - EMAP. Professor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados - ENFAM. Professor da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - EMES. Professor da Escola da Magistratura do TJ/PR - EMAP.

Informações sobre o texto

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