13. SEGURANÇA E PREVISIBILIDADE (RELATIVA)
Em paralelo à boa-fé e à pacta sunt servanda, a segurança e a previsibilidade dos contratos empresariais, mais do que vetores, são objetivos centrais dos pactos.
Como decorrência de sua já denunciada incapacidade de antever os eventos e da angústia que essa limitação imprime nos indivíduos, inevitável é que, de todas as formas, os empresários busquem ampliar as possibilidades de previsão de seus negócios, com o intuito de, assim, assegurarem-se do porvir. Ao admitirem suas incompetências para dominarem os eventos futuros, exsurge como flexão natural dos indivíduos in casu, dos empresários a necessidade de, ao máximo, cercarem-se de métodos de previsão.
Por se tratarem de documentos em que as partes deliberam sobre determinada negociação, os contratos empresariais encerram em suas linhas verdadeiros protocolos de conduta que, sistematicamente respeitados pelos agentes probos, conferem ao mercado a confiabilidade necessária para que, salvo eventos imprevisíveis, tudo corra de acordo com o esperado, seguramente.
14. PACTA SUNT SERVANDA E LIMITAÇÕES À AUTONOMIA PRIVADA
Vetor regente das negociações mercantis, a pacta sunt servanda determina, precisamente, que os contratos devem ser cumpridos.
Lastreado na ideia de que a assunção do compromisso implica no dever de seu cumprimento, o vetor da pacta sunt servanda exerce função ímpar na realidade empresarial, na medida em que ordena que os contratos firmados sejam fielmente adimplidos.
Não é erro afirmar que, substancialmente, salvo os de ordem pública, os demais vetores são desdobramentos da pacta sunt servanda. Veja-se, como exemplo, a noção de previsibilidade e confiança. Só é possível prever e confiar em efeitos positivos de determinada contratação se o pacto estiver afinado com o necessário dever de plena execução.
Por oportuno, recorre-se ao ensinamento de FÁBIO ULHOA COELHO (2011, p. 463):
Ao se vincularem por um contrato, as partes assumem obrigações, podendo uma exigir da outra a prestação prometida. Esta é a regra geral, sintetizada pela cláusula pacta sunt servanda, implícita em todas as avenças. Em outros termos, a ninguém é possível liberarse, por sua própria e exclusiva vontade, de uma obrigação assumida em contrato. Se o vínculo nasceu de um encontro de vontades, ele somente poderá ser desfeito por desejo de todas as pessoas envolvidas na sua constituição (ressalvadas as hipóteses de desconstituição por fatores externos à manifestação volitiva). Isto significa, especificamente, que todos os contratos têm, implícitas, as cláusulas de irretratabilidade e de intangibilidade. Pela primeira, afastase a possibilidade de dissolução total do vínculo por simples vontade de uma das partes; pela outra, revelase impossível a alteração unilateral das condições, prazos, valores e demais cláusulas contratadas.
Por outro lado, as limitações à autonomia privada, a despeito da imagem de contraposição ao vetor da pacta sunt servanda, representam apenas a dosagem com a qual a vontade dos pactuantes será regulamentada, sob os quadros normativos, com as permissões e vedações que a lei impõe.
Mesmo que estabelecido o acerto de vontades, a validade dos contratos empresariais e de qualquer outro negócio, diga-se de passagem estará, sempre, subordinado aos contornos determinados pela lei, os quais, no Brasil, estão sobretudo previstos no já aludido art. 104, do Código Civil.
15. CONTRATO E ERRO
Ainda que sirvam como instrumentos de previsão e segurança aos empresários, os contratos empresariais não podem excluir por completo a possibilidade de o agente econômico incorrer em erro de suas ações e consequentemente suportar prejuízos em função disso. É isso, em síntese, que se extrai do vetor em análise.
A eliminação da mera possibilidade do erro em matéria comercial suprimiria, naturalmente, a livre concorrência, pois equalizaria todos os empresários a níveis de certeza de suas ações, excluindo, dessa forma, o fator da capacidade individual mercantil. Ao, adiante de prevenir a possibilidade de erros empresário, passasse o contrato a impedi-los, esvaziada estaria a própria concorrência (leal) (art. 170, CF), remetendo o direito comercial à inaceitável estado de padronização contraposta à sua essência, motivo porque, para além de admissíveis, os equívocos negociais em jogadas mercantis são efetivamente esperados.
16. FUNÇÃO SOCIAL E EGOÍSMO DO AGENTE ECONÔMICO
Não obstante cotidianamente encarado com antipatia pela sociedade, em âmbito comercial, é indiscutível que o egoísmo dos agentes econômicos funciona como elemento indispensável ao desempenho das atividades empresariais.
Tal como destacado, estando o empresário imbuído de animus lucrandi ressai como consequência lógica dessa finalidade aquisitiva a inclinação ou, mais: o dever de encarar o cenário comercial pela lente do egoísmo (selfishness), assim entendido como ações mercantis legítimas voltadas ao benefício patrimonial próprio.
Em outra lição referencial, em relação ao egoísmo corporativo, o trabalho de PAULA A. FORGIONI (2018, p. 160):
O egoísmo será tolerado pela ordem jurídica na medida em que incrementar o tráfico, pois são muitas as situações em que o comportamento individualista traz benefícios para o fluxo de relações econômicas Por exemplo, a concorrência somente é possível porque uma empresa busca superar a outra, conquistando mercado. Não fosse esse empuxo, apanágio da busca pelo lucro, não haveria competição, mas situação de marasmo em que todos estariam satisfeitos, não buscariam posições melhores e inexistiriam mobilidade e progresso. Por conta disso, o egoísmo pode ser útil ao desenvolvimento.
Colateralmente, a balancear a vetorial do egoísmo do agente econômico está a função social dos contratos empresariais, a qual determina que, ainda que o lucro do comerciante seja a finalidade precípua da negociação, o desempenho de suas atividades não poderá redundar em prejuízo difuso.
Grife-se que, remontando o foco no direito projetado, o PLS 487/2011 (Novo Código Comercial), acentua a imperativa observância das funções econômica e social da empresa. Eis o art. 8º do texto provisório até então tramitante no parlamento:
Art. 8º. A empresa cumpre sua função econômica e social ao gerar empregos, tributos e riqueza, ao contribuir para o desenvolvimento econômico da comunidade em que atua, ao adotar práticas empresariais com observância de toda legislação aplicável à sua atividade, em especial aquela voltada à proteção do meio ambiente, dos direitos dos consumidores e da livre competição.
17. DEMAIS VETORES IMPLÍCITOS
Escudando-se na obra referencial Contratos empresariais: teoria geral e aplicação de PAULA A. FORGIONI por diversas vezes citada no presente trabalho, afigura-se impositivo relacionar ainda, vetores apontados pela referida autora como igualmente diretivos dos contratos empresariais.
Sinale-se que, não obstante autonomamente reconhecidos pela indiscutível obra da doutrinadora paulista, com a devida vênia, a nosso ver, tratam-se de orientações secundárias e implícitas às contratações mercantis e ao próprio e puro agir dos comerciantes, razão pela qual as apresentamos a seguir, a título de complementação, de maneira sintetizada e conjunta.
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Agentes econômicos ativos e probos: Segundo FORGIONI (2018, p. 120) Os agentes econômicos, em suas contratações, podem legitimamente presumir que a contraparte adotará comportamento semelhante àquele normalmente implementado pelos atores do mercado.. Tal vetor propõe, essencialmente, que nas pactuações mercantis está presente uma atmosfera que autoriza pressupor que a contraparte dispõe de suficiente perspicácia para contratar e desempenha seu mister com lealdade.
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Contratos e necessidades dos agentes econômicos: A premissa básica deste vetor é que, ainda que sob os autorizativos legais, os contratos empresariais decorrem das pretensões dos agentes econômicos e, raramente, de formatações externas ao mercado.
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Contrato como instrumento de alocação de riscos: Na lateral dos vetores da previsibilidade e da segurança jurídica e da racionalidade limitada, a noção do contrato como instrumento de alocação de riscos compatibiliza-se com a utilidade das pactuações para que os agentes econômicos dosem os riscos de suas atividades.
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Forma nos contratos empresariais: Como bem esclarecido por FORGIONI (2018, p. 161), [n]a área empresarial, as formalidades prestam-se a lubrificar o fluxo das relações econômicas, aumentando a segurança e a previsibilidade dos agentes e não a fins insensatos, desconectados do mercado.. A concepção, no caso, é de que a liturgia das contratações credibiliza as operações mercantis e fomenta as atividades a partir da segurança jurídica.
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Contrato e informações: A celebração do contrato empresarial pressupõe que os pactuantes tenham buscado e forneçam as informações necessárias à segurança e à fiabilidade do negócio. Isso não implica, porém, no dever de ilimitado e absoluto acesso e franqueio a dados que, alheios ao cerne da operação, não condigam diretamente com o foco do pacto. A dose, aqui, é a boa-fé objetiva.
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Informação e oportunismo: Também estabelecido com fundamento na importância da informação e sua destinação nas contratações mercantis, este vetor determina que, na relação comercial, os agentes econômicos priorizam a utilização dos dados que possuem em seu benefício, visando sempre o lucro. Dessa forma, mesmo que atuando em caráter (aparentemente) colaborativo, é inerente aos contratantes que, expostos a ocasiões e informações que lhes inspirem favorabilidade comercial, normalmente optam pelo contentamento de seu interesse e não o da contraparte.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHAGAS, Edilson Enedino das. Direito empresarial esquematizado. 6ª ed. Saraiva educação. São Paulo, 2019.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial : direito de empresa. 23. ed. Saraiva. São Paulo, 2011.
FORGIONI, Paula A. Contratos empresariais: teoria geral e aplicação. 3 ed. rev. atual. e ampl Thomson Reuters Brasil/Revista dos Tribunais. São Paulo, 2018.
HARARI, Yuval Noah. Homo Deus: uma breve história do amanhã. 1ª ed. Tradução Paulo Geiger. Companhia das Letras. São Paulo, 2016.
NETO, Alfredo de Assis Gonçalves. Direito de empresa: Comentários aos arts. 966 a 1.195. 8 ed. rev. atual. e ampl. Thomson Reuters Brasil/Revista dos Tribunais. São Paulo, 2018.