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A luta das famílias por seu direito à moradia e ao solo

Agenda 05/11/2021 às 22:53

O Direito à Moradia e ao Solo é um direito social fundamental expresso de forma clara na Constituição do Brasil. Todavia, ainda não é minimamente cumprido pelo Estado no que diz respeito sua eficaz implementação.

Resumo: O Direito à Moradia e ao Solo é um direito social fundamental expresso de forma clara na Constituição do Brasil. Todavia, ainda não é minimamente cumprido pelo Estado no que diz respeito sua eficaz implementação. Nota-se um problema histórico e extremamente ligado às questões que constroem o sistema econômico brasileiro há séculos. Portanto, lutar pelo direito social supramencionado significa lutar por um Brasil mais democrático, com políticas públicas concisas e socialmente democráticas. O trabalho percorre por todas essas questões, até encontrar possibilidades reais de como se promover tais direitos à família brasileira e o impacto causado no Brasil por isso.

Palavras chave: família habitação lar moradia terra dignidade constituição.


1. INTRODUÇÃO

A família é a unidade mais básica e importante de uma sociedade em um determinado tempo. É ela o pilar central de todo o desenvolvimento sadio de um país.

Portanto, é garantido à família todos os direitos possíveis dentro de um Estado Democrático de Direito, tais como a dignidade da pessoa humana, saúde de qualidade, qualidade de vida, segurança (física, econômica, social e alimentar), pleno desenvolvimento, lazer, educação e, principalmente, o direito à moradia e ao solo.

Esse direito é explícito na Constituição Federal de 1988 e constitui uma base fundamental para o exercício pleno de sua cidadania. Portanto, no decorrer desse artigo, será discutido vários pontos sobre o direito da família à moradia e ao solo, aplicando os mais importantes princípios jurídicos sobre fatos e argumentos comprovadamente verdadeiros perante a história do Brasil.

O artigo será dividido em seis principais tópicos, a saber: o conceito de família e sua importância para o Brasil; a necessidade de um lar para esse núcleo social, a origem e a história da luta pela moradia no país, tanto no ambiente rural quanto no ambiente urbano; as principais leis e regulamentos que tratam do tema atualmente, o problema enfrentado pelo Estado na garantia pelo direito à moradia e ao solo e, por fim, as possíveis soluções para a resolução, a longo prazo, para o problema.

Será utilizado uma ampla pesquisa bibliográfica sobre vários documentos sobre o tema, com algumas análises de juristas renomados, bem como explicações retiradas de portais com notório saber sobre o assunto.

Tendo isso em vista, o artigo visa discorrer, sem exaurir o tema, sobre a luta pela família brasileira pelo direito a ter um solo ou uma habitação dentro de um país que, por séculos buscou a concentração desses meios em uma pequena parcela de sua população.

2. DOS RESULTADOS E DISCUSSÕES

2.1. O conceito de família e sua importância para o estado.

Pode-se conceituar por família o agrupamento de pessoas que possuem um certo grau de parentesco ou a presença de laços afetivos entre si, vivendo em uma mesma casa, formando um lar.

A família anteriormente considerada tradicional era normalmente formada pelo pai e mãe, unidos por matrimônio, e seus filhos, compondo uma família nuclear, no entanto, com o passar do tempo, esses outros padrões de agrupamento familiar passaram a perder essa característica marginal com a edição da Carta Política de 1988 que abriu o leque de exemplos distintos de núcleos familiares. (MADALENO, 2020).[1]

Com isso, a família passou a ter uma extensa diversidade entre suas formações, passando a existir, além das famílias matrimoniais, as famílias informais, monoparentais, anaparentais, reconstituídas, paralelas, naturais, eudemonistas e homoafetivas.

Tratando de questões tão íntimas à pessoa humana, à sociedade e ao Estado em si, o estudo do direito de família é de suma importância (ARAUJO & GEDIEL, 2018).[2]

Conforme observa a professora Maria Berenice Dias, a família é uma construção cultural[3]. Ou seja, ela deve ser encarada como um grupo de indivíduos cuja importância deve se equiparar à própria pessoa humana dada sua importância para toda a sociedade. Tal importância é bem destacada pelo jurista Arnaldo Rizzardo (2019, p 38) que narra a seguinte informação:

Pela importância da família em qualquer sociedade civilizada ou não, tem a proteção do Estado, podendo considerar-se integrado ao direito público no sentido amplo, tanto que em todos os litígios judiciais que envolvem a mesma intervém obrigatoriamente o Ministério Público, que justamente representa a participação do Estado na composição das questões problematizadas.[4]

Ao se falar de família, então, verifica-se que um vasto campo que aumenta conforme as relações sociais vão evoluindo, tornando-se a composição de família mais complexas e cercadas de relações interindividuais que são, por sua vez, envoltas de princípios éticos e morais que crescem e se modificam na medida que ocorrem fatos sociais e culturais (RIZZARDO, 2019).

Nesse sentido, a família pode conter vários grupos de pessoas que gozam de atenção especial, desde a criança e o adolescente, o deficiente físico ou intelectual até os idosos. Portanto, por si só, a família já carece de atenção especial perante o Estado.

A título de exemplo, procurando listar apenas um desses grupos para verificar a importância que se tem ao avaliar os membros de uma família, pode-se verificar o efeito que uma criança pode causa dentro de uma família. Conforme a lição de Katia Regina Ferreira (2016, p.54), a Constituição e o Estatuto da Criança estabelece primazia em favor das crianças e dos adolescentes em todas as esferas de interesse[5], ou seja, basta que haja apenas uma criança para que toda a sua família goze de prioridades em determinados campos da sociedade.

Dessa forma, analisando a família brasileira, nota-se que quase todas possuem elementos humanos capazes de manter, dentro do seu núcleo familiar, uma relação de absoluta prioridade perante a sociedade. Pode-se induzir, então a importância de uma família, tanto perante o Estado pois é o dever dele a sua proteção quanto perante a sociedade, dada a importância dos entes que a compõe.

2.2. A necessidade de um lar perante a dignidade da pessoa humana.

Antes do nascimento da Constituição Federal e de sua emenda constitucional nº 26, o Brasil, ao assinar a Declaração dos Direitos Humanos, definiu que toda pessoa teria direito a um padrão de vida capaz de assegurar para si e sua família saúde e bem estar, incluindo a alimentação, vestuário, cuidados médicos e demais serviços básicos (MATA, 2021).[6]

Carla Mereles (2017) informa que:

Um dos motivos para a inclusão do direito à moradia na Constituição é a associação direta dele com o princípio da dignidade da pessoa humana. Esse princípio é um dos mais importantes dentro das nossas leis assim como no mundo inteiro e serve como reflexão para várias questões, como: o quão necessário é ter direito a uma casa, um lar com requisitos básicos à sobrevivência, para que se viva com dignidade? Ao relacionar a necessidade de uma moradia com a aquisição de uma vida digna, entende-se o direito à moradia como um direito social que vai além do individual e, por isso, é relevante para toda a sociedade.[7]

Nota-se que um lar, uma moradia ou uma porção de solo é uma das necessidades basilares de qualquer família, sendo questão de dignidade a promoção do acesso a esses direitos para a maiorias dos brasileiros possíveis.

Considerando tamanha importância, o direito à moradia como uma condição para a existência de dignidade humana, a doutrina passou a descrever uma melhor análise sobre o direito à moradia, portanto jurista André de Carvalho Ramos (2020, p. 607), pode-se verificar que:

O direito à moradia consiste no direito de viver com segurança, paz e dignidade em determinado lugar, no qual o indivíduo e sua família possam se instalar, de modo adequado e com custo razoável, com (i) privacidade, (ii) espaço, (iii) segurança, (iv) iluminação, (v) ventilação, (vi) acesso à infraestrutura básica (água, saneamento etc.) e localização. Em síntese, é o direito a ter um local adequado, com privacidade e dotado do conforto mínimo para o indivíduo e seu grupo familiar.[8]

Todos esses direitos correlacionam-se com vários fatores e, principalmente, descansam no direito à moradia. Esse direito diz respeito a vários tipos tais como habitação, usufruto de porções ou imóveis, aluguéis em imóveis de terceiros e à porções ou terrenos de solo voltados para a vivência rural. O direito à moradia diz respeito, basicamente à ideia de se ter um lar.

Conforme explica o pesquisador Leandro Ferreira da Mata (2021) a definição do tema pode parecer banal, mas questões relacionadas à moradia, habitação ou propriedade comportam grandes questões e problemas estruturais que foram historicamente debatidos no decorrer da história do Brasil.[9]

Um tema de tamanha importância deve ser analisado por um conjunto complexo de temas relativos à moradia, habitação, reforma agrária, terra e outros lugares que podem ser citados como lar.

2.3. A luta pela moradia, um breve histórico.

É notório que a moradia é uma necessidade fundamental do ser humano desde os primórdios da história.

Dando um salto sobre a história do acesso à moradia, percebe-se que esta pode ser contada a partir de 1850, momento no qual a Lei de Terras - nº 601/1850 - nasce e estabelece critérios para a aquisição de propriedades no Brasil.

A lei acima visava dificultar o acesso à propriedade por parte de imigrantes ou escravos libertos, oriundos dos movimentos abolicionistas ocorridos na época. De acordo com a Lei de Terras, somente era reconhecido como proprietário aquele que podia pagar pela propriedade. [10]

Com a cultura escravista, não havia, àquela época, uma preocupação direta com questões referentes à moradia pois a maior parte da população era formada por escravos, que viviam nas propriedades de seus senhores. Assim afirma Neide Aparecida de Souza (1988, p. 07):

Com a libertação dos trabalhadores escravizados - oficializada pela Lei Áurea, de 1888 - e, ao mesmo tempo, com o impedimento de os mesmos se transformarem em camponeses, quase dois milhões de adultos ex-escravos saem das fazendas, das senzalas, abandonando o trabalho agrícola, e se dirigem para as cidades, em busca de alguma alternativa de sobrevivência, agora vendendo "livremente" sua força de trabalho. Como ex-escravos, pobres, literalmente despossuídos de qualquer bem, resta-lhes a única alternativa de buscar sua sobrevivência nas cidades portuárias, onde pelo menos havia trabalho que exigia apenas força física: carregar e descarregar navios. E, pela mesma lei de terras, eles foram impedidos de se apossarem de terrenos e, assim, de construírem suas moradias: os melhores terrenos nas cidades já eram propriedade privada dos capitalistas, dos comerciantes etc. Esses trabalhadores negros foram, então, à busca do resto, dos piores terrenos, nas regiões íngremes, nos morros, ou nos manguezais, que não interessavam ao capitalista. Assim, tiveram início as favelas. A lei de terras é também a "mãe" das favelas nas cidades brasileiras.[11]

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Assim como vários problemas na sociedade brasileira atual, a escravidão no Brasil foi o fato gerador, também, da falta de moradia digna para todos os brasileiros, e pode-se dizer que a Lei nº 601/1850 foi a criadora dos atuais problemas habitacionais presentes no país.

Nesse contexto, aquelas pessoas que não possuíam valor suficiente para adquirir porções de terras, eram obrigadas a criar formas precárias de se morar e de forma irregular, uma vez que as opções mais viáveis de moradia eram concentradas nas mãos de oligarquias e pessoas com alto poder aquisitivo (REIS, 2018).

Nota-se uma pequena mudança nesse cenário em 1930 quando são realizadas nas cidades as primeiras obras de saneamento básico e destinadas à paisagística visando interesses capitalistas em relação à compra e venda de tais imóveis. Diante disso, as populações mais carentes eram excluídas desses movimentos e jogados para morros e favelas, assim como a população rural mais humilde que eram forçadas a invadirem latifúndios pertencentes a grandes fazendeiros a fim de possuírem algum pedaço de terra.

Maricato ainda destaca que os eventos históricos relacionados à abolição da escravatura e a proclamação da República definiram o percurso das cidades brasileiras sem que fosse planejado as condições urbanas de saneamento e distribuição das pessoas. Em contrapartida, com o citado êxodo rural, as propriedades rurais consolidaram-se em grandes latifúndios, ainda possuídos e gerenciados pelas famílias oligárquicas que não eram, necessariamente, produtoras rurais.

Outra data muito importante para a história do direito à moradia e à habitação se deu com a urbanização durante o século XX, principalmente, em meados de 1960. Isso pode ser explicado pelo grande número de pessoas em processo de migração interna, entre os variados estados da federação, decorrentes da industrialização e do êxodo rural ocorrida, também, nesse período (MARICATO, 2001). [12]

Analisando ainda a questão rural, verifica-se que o Plano Nacional de Reforma Agrária do Brasil, embora criado em novembro de 1966, nunca foi colocado em prática. Esse plano visava a distribuição de propriedades rurais que ocorriam desde 1950, a partir do desenvolvimento industrial, a urbanização e a ineficácia de se deixar as terras em mãos de latifundiários ou sob posse do governo[13].

Em 1970, também foi criado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária INCRA, visando a colonização de terras da região norte, a princípio, mas o processo não foi levado a frente, sendo retomada apenas em 1984 (LOPES, 2019).

Por fim, com a Constituição de 1988, foi estabelecido à União, o poder de desapropriação de terras particulares, desde que não cumprido sua função social, para a finalidade de reforma agrária. Com isso, foi criado o Ministério Extraordinário para o Desenvolvimento da Reforma Agrária MIRAD - para tratativas sobre o assunto. Novamente, o tema foi deixado de lado e retomado somente em 1996. Em 2000 um novo órgão foi desenvolvido para o tema, o Ministério do Desenvolvimento Agrário MDA que acabou incorporando o INCRA (LOPES, 2019).

Em conjunto com as questões fundiárias, foi criado também alguns movimentos sociais voltados para o acesso à moradia rural, na grande maioria denominado como Movimento do Sem Terra (MST), conforme explica Adriana Lopes (2019, p.01):

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) foi criado em 1980 com o objetivo de promover uma união em favor da reforma agrária, bem como outras transformações sociais necessárias para o Brasil. Tem, portanto, um papel de extrema relevância nessa questão.

Entre as causas defendidas pelo MST relacionadas à reforma agrária, pode-se destacar a determinação de um limite máximo para todas as propriedades rurais de acordo com a escala de produção e atendimento de demandas proporcionados pela terra. Além disso, propõe uma reforma na política de exportação, com priorização do valor agregado dos produtos.

E, através desses movimentos sociais, a reforma agrária ganhou destaque nas discussões sociais dentro do cenário brasileiro. De um lado, demonstrando a vasta quantidade de terras sem qualquer função social, nas mãos de grandes latifundiários. Do outro lado, mostrando o evidente preconceito dado a esses movimentos, através de acusações de ocupações e tomadas de propriedade violentas ou através de atos discriminatórios para com os integrantes do movimento ao chamá-los de desocupados, vândalos, criminosos etc.

Ou movimento que ganhou destaque, agora no âmbito urbano, foi o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. Fundado em 1997, o movimento ganhou muita visibilidade na segunda década desse século e declara que seu objetivo central é a luta pelo respeito ao direito constitucional de moradia.

Embora esteja alinhado junto às questões e organicidade do MST, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto apresenta uma luta baseada no questionamento social aos privilégios de uma classe em relação a detenção e poderio de imóveis urbano, em contraste a grande maioria que sequer os tem.

Uma vez falado dos principais movimentos ligados a distribuição equitativa de propriedades dentro do Brasil, visando tanto a moradia quanto a possibilidade de produção no campo, verifica-se que a questão habitacional no país mexe em várias estruturas, configurando como uma verdadeira guerra entre os pobres que não tem direito ao solo em uma vastidão que é o Brasil e entre aqueles que possuem poder econômico suficiente para monopolizar o acesso à moradia dentro do país.

Isso, enfim, evidencia o principal problema a ser tratado nesse trabalho: a luta das famílias por seu direito ao solo, seja ele na forma de moradia ou na questão agrária.

2.4. O direito fundamental à moradia no brasil conforme a constituição federal de 1988.

O direito à moradia é considerado um direito fundamental social, expressamente previsto na Constituição Brasileira de 1988, no seu artigo 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição

Além disso, o artigo 7º do mesmo documento trata dos trabalhadores urbanos e rurais e garante que todos estes possuem direito a um salário mínimo capaz de atender às necessidades mais básicas do ser humano:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.

Outro ponto importante sobre o tema, dentro do texto constitucional, se encontra no artigo 23, inciso IX, da CF no qual informa que é competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.

Em relação a possibilidade de terras destinadas à reforma agrária, a Constituição também prescreve o seguinte:

Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.

Diante disso, verifica-se que o assunto é amplamente pertinente dentro da sociedade brasileira, embora seja programas sociais longe que ainda estão longe de se tornarem efetivos ou, no mínimo, democráticos. Isso é explicado visto que os mais necessitados de programas sociais voltados à moradia e reforma fundiária não são beneficiados ou sequer são objetos de estudos nos mandatos de governos eleitos.

2.5. Outras legislações sobre o direito à moradia e à regularização fundiária.

O direito à moradia e ao solo em geral não está escrito somente na lei constitucional. Pode-se citar diversos documentos legais nos quais tratam desse direito, sendo considerado um assunto muito importante no que tange as normas programáticas dentro da legislação nacional e internacional.

Tem-se o Comentário Geral nº. 4 do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais ao artigo 11.1 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC); o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social Lei 11.124/2005 e a sua regulamentação - Decreto 5.796/2006; o Termo de Adesão ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e a Resolução nº 2 do Conselho Gestor do Fundo Nacional de Habitação de Interesse social; e a Assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social - Lei Nacional 11.888/2008 (MPPR, 2021)[14].

Ainda de acordo com o Ministério Público do Paraná, há passagens ao direito à moradia digna no Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003); no Estatuto da Igualdade Racial (Lei n. 12.288/2010); na Lei de Acessibilidade (Lei n. 10.098/2000) e no Decreto n. 7.053/2009 que institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua (MPPR, 2021).

A Lei Complementar 119/2007, por sua vez, institui o Sistema Estadual de Habitação de Interesse Social e cria o Fundo Estadual de Habitação e Regularização Fundiária de Interesse Social (MPPR, 2021).

Partindo para um campo universal, o Ministério Público do Paraná ainda cita: o comentário Geral número 7 do Conselho de Direitos Humanos da ONU trata de procedimentos e garantias do Direito à Moradia em casos de despejos e remoções; e a Resolução n. 10/2018 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos o qual trata sobre soluções garantidoras de direitos humanos e medidas preventivas em situações de conflitos fundiários coletivos rurais e urbanos.

Tratando-se da Pandemia do novo Coronavírus, tem-se a recomendação n. 90/2021 do Conselho Nacional de Justiça na qual recomenda aos órgãos do Poder Judiciário a adoção de cautelas quando da solução de conflitos que versem sobre a desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais durante o período da pandemia do Coronavírus (Covid-19); o Decreto Judiciário 244/2020 TJPR que define a suspensão do cumprimento dos mandados de reintegração de posse por ocupações coletivas urbanas ou rurais ocorridas anteriormente à expedição do Decreto Judiciário no 227, de 28 de abril de 2020; dentre vários outros projetos de lei, leis, portarias, e outros atos que visam a suspensão de despejo e reintegração de posse na vigência da pandemia como, por exemplo, a Lei Distrital nº 6.657/2020 que suspende tais remoções no Distrito Federal durante a pandemia causada pela COVID-19.

No que tange aos principais programas sociais, baseados no tema, tem-se o Programa Minha Casa, Minha Vida (Lei 11.977/2009); a Lei 12.424/2011 que altera a Lei supracitada e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas; E a recente Lei Federal 14.118/2021 que criou o Programa Casa Verde, alterando várias leis.

Ainda pode-se citar a Lei 8.009/1990 na qual dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família; a Lei 8.245/1991 que trata sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes; a Lei 11.888/2008 onde assegura às famílias de baixa renda assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social e o Decreto-Lei 3.365/1941 que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública.

Por fim, levando em conta a brilhante pesquisa bibliográfica realizada pelo MPPR sobre o tema, tem-se as questões relativas à regularização fundiária tais como a Lei Federal 13.465/17; o Decreto n. 9.760/1946 que trata da Regularização Fundiária em Imóveis da União; e, por fim, a Lei n. 9.636/1998 que versa sobre a Regularização Fundiária em Imóveis da União (MPPR, 2021).

2.6. A ineficiência do estado na promoção do acesso à moradia e na realização de reformas fundiárias.

Diante de tantas leis e regulamentos, é estranho porque nunca foi realizado uma distribuição de solo e de propriedade de uma forma justa e igualitária para toda a população do Brasil.

A origem dessa ineficiente promoção do Direito à Moradia pode ser explicada por apenas um processo, que percorre a fundamentação pela qual falta moradia nos centros urbanos e terra nas áreas rurais para a população brasileira.

Uma reforma agrária eficaz e/ou uma ampla distribuição de moradias em um país continental como o Brasil seria uma das melhores soluções para muitos dos problemas sociais do país, na qual impactaria profundamente na economia interna, gerando uma distribuição mais democrática de riquezas e de meios de produção.

Para averiguar a ineficiência do Estado em relação ao Direito à Moradia e à Terra, deve-se buscar um assunto já discutido por este documento. Trata-se da inexistência de uma reforma agrária ampla.

Umas das principais hipóteses para essa falta de gestão sobre o tema trata-se da falta de vontade política em modificar a coluna vertebral do capitalismo brasileiro: a agroexportação.

A agroexportação é a venda ou o envio de produtos agrícolas de um Estado para outro, geralmente tendo como matéria-prima as chamadas commodities que, por sua vez, significa um bem ou produto de origem primária que é comercializado nas bolsas de mercadoria e valores de todo o mundo, possuindo um valor comercial expressivo. Alguns exemplos dessas commodities são a cana-de-açúcar, o milho, a soja e o trigo (ALTMAN, 2019)[15]

A agroexportação no Brasil é o principal objeto de lucratividade dos mais poderosos dentro do país. Por ser um país de destaque na agricultura, a maior parte das exportações realizadas pelo país deriva de uma produção em larga escala desses itens que não é, necessariamente, utilizados para alimentação de determinado povo.

Isso acaba rivalizando com o conceito de mercado interno. Tanto é que o Brasil, mesmo com uma vasta escala de terreno propício para a agricultura, ainda não é um país autossuficiente em questão de produção de alimentos.

Por conta desse modelo de economia exportadora do país, não é do interesse da classe mais dominante que seja realizada uma reforma agrária, onde grande parte da população rural passe a tomar posse de uma porção menor de terra para o cultivo de bens e alimentos destinados ao consumo ou comercialização no mercado interno.

Em contrapartida, o grande latifundiário deve deter a maior quantidade de terra para produzir em larga escala uma grande quantidade de commodities exclusivamente para o mercado externo, vindo a tomar para si toda a margem de lucro possível, ou seja, a riqueza opera entre as mãos do importador e a mão do exportador, sem refletir em benefícios diretos para a população nacional.

Outro fator a se destacar é a evolução da tecnologia voltada para o campo. Em conjunto com o Monopólio da terra por parte dos grandes latifundiários e a derrubada de legislações trabalhistas e ambientais, o exportador acaba se aliando a tecnologia no sentido de, cada vez mais, diminuir os custos com mão-de-obra do campo e até mesmo a necessidade dessas pessoas para a produção de suas lavouras (ALTMAN, 2019).

É nesse momento que entra o ponto chave para o problema de moradia e acesso à terra no Brasil.

Sem a demanda por trabalho e sem a propriedade de uma terra dada a inexistência de interesse em reforma agrária, o pequeno agricultor ou o trabalhador rural é forçado a sair do campo em busca de melhores condições de vida para si e sua família.

Isso foi perfeitamente visível nos anos entre 1980 a 1990 quando se verificou um grande êxodo rural para as cidades, onde começaram a criação de grandes favelas e centros periféricos em todo o Brasil. Sem grandes condições financeiras, o brasileiro que saiu do campo foi forçado a viver em periferias sem o mínimo de saneamento básico, em casas precarizadas e sem qualquer legalidade, problema que persiste até os dias atuais.

Veja-se que a falta de moradia no ambiente urbano se dá a falta de uma reforma agrária no campo, o qual culminou em um movimento populacional de concentração nos centros urbanos que, não necessariamente, concederam casas ou habitações para essas pessoas.

Do mesmo jeito que os interesses capitalistas estiveram presentes no campo, a especulação imobiliária tomou conta dos centros urbanos, fazendo com que somente os mais ricos tivessem acesso a imóveis dentro das cidades. Quanto aos demais, sobraram as invasões e os alugueis.

Os programas habitacionais e pequenas distribuições de terras agrárias já ocorridas, dada a sua grande burocracia, tiveram poucos efeitos no desenvolvimento da qualidade de vida dos brasileiros, perpetuando um problema que vigorou desde a abolição da escravatura: a falta de moradia e de solo para plantio.

Aos poucos, o sonho das famílias por um lar ou um lugar para morar foi dando lugar aos interesses políticos e econômicos da grande burguesia tornando a luta por esse direito uma verdadeira batalha que já dura séculos.

Explicado os principais motivos da existência de tanta desigualdade em relação à questão habitacional e fundiária dentro do país, verifica-se que a saída parece ser simples, todavia, constitui em um grande desafio pois perpassa por interesses políticos e econômicos dentro de uma cultura capitalista brasileira tradicional e muito poderosa.

No entanto, se for respeitado os preceitos constantes na Constituição, verifica-se que o Direito à moradia e ao solo pelas famílias parece ser possível e real. Um fato extremamente impactante no país pois viria a corrigir um problema capital no país, trazendo mais igualdade social e fortificando a economia do país como um todo.

2.7. Políticas públicas voltadas ao direito à moradia e ao solo.

Uma vez que se verificou o histórico do Direito à Habitação no Brasil, passando pela descrição das inúmeras leis e regulamentos sobre o tema e os principais motivos de ainda se mostrar distante uma solução para a questão, tem-se a necessidade de visualizar as possíveis soluções para a garantia do Direito à Moradia e ao Solo por parte das milhares de famílias brasileiras que lutam por isso.

Em primeiro lugar, deve se ter em mente que a Constituição já existe a existência de atos direcionados à promoção de construção e distribuição de habitações para as famílias brasileiras, principalmente, para as mais humildes que não possuem condições suficientes para pagar pelos imóveis.

Isso vá ao encontro do princípio basilar da República Federativa do Brasil: a dignidade da pessoa humana, como se pode ver na brilhante lição de Sylvio Motta, a seguir:

Outro dos fundamentos de nossa República, previsto no art. 1o, inciso III, da Constituição, a dignidade da pessoa humana é preceito basilar que impõe o reconhecimento de que o valor do indivíduo, enquanto ser humano, prevalece sobre todos os demais. A Constituição é pródiga em normas que representam aplicações diretas deste fundamento, como as que tratam dos direitos dos presos, as que vedam determinadas sanções penais, as que protegem os deficientes e os idosos, entre tantas outras, que serão analisadas quando do estudo dos direitos e garantias fundamentais.[16]

Trabalhar com condições facilitadas de pagamento, empréstimos ou até mesmo doação é uma realidade que deve ser analisada e até mesmo adotada pelo Estado a fim de que haja uma reforma habitacional capaz de atender a todos os brasileiros, independente da sua capacidade financeira.

Por outro lado, realizar uma reforma agrária de modo a permitir a coexistência entre agronegócio e a produção agrícola familiar é o melhor cenário para a solução de problemas ligados às famílias do campo.

Somente com o incentivo ao mercado interno de gêneros agrícolas, com a devida valorização e distribuição do solo às famílias produtoras do campo que não possuem terra é que haverá possibilidade de se ter um país livre de desigualdade social, com mercado interno robusto e com segurança alimentar adequada, de modo que o lucro não circule apenas em poucas mãos, mas sim, passe a circular pelo consumidor, produtor rural, fornecedor e demais agentes dentro da sociedade.

Com habitações condignas e com solo destinados à agricultura familiar tendo como beneficiários aqueles que não possuem moradia ou solo cultivável é talvez o melhor caminho, não somente para suprir as necessidades das famílias aqui narradas, como também suprir as necessidades de um país como o Brasil.

Essas hipóteses são claramente possíveis graças a ascensão dos direitos de segunda geração, ou também chamadas de direitos sociais. Nas palavras de Sylvio Motta (2018, p. 211), tem-se:

Os direitos fundamentais de segunda geração são os direitos de índole econômica, social e cultural. Em termos cronológicos, surgem após os direitos de primeira geração e, diferentemente, destes, não visam a uma atuação estatal negativa, mas positiva, pois têm por conteúdo alguma prestação que o Estado deva cumprir perante os indivíduos. Tais direitos exigem, pois, uma postura ativa do Estado, no sentido de possibilitar as conquistas sociais, sobretudo as decorrentes da regulamentação do Direito do Trabalho. Estão intrinsecamente ligados ao estatuto da igualdade. As normas constitucionais consagradoras desses direitos exigem do Estado um fazer, por meio de ações concretas desencadeadas para favorecer o indivíduo (também são conhecidos como direitos positivos ou direitos de prestação). [17]

Políticas Públicas como reformas habitacionais, distribuição de casas às famílias mais carentes a custo zero, remanejamento de famílias em áreas de risco ou favelas para complexos habitacionais mais condignos ou facilidade na obtenção de crédito ou de imóveis na planta em conjunto com a construção civil são apenas alguns exemplos que podem atingir o objetivo de garantir o direito à propriedade por parte da família brasileira.

Já políticas públicas voltadas para a reforma agrária com distribuição sem ônus para famílias de agricultores que não possuam solo, mas possuam conhecimento de campo; bem como a possibilidade usufruto, desapropriação de latifúndios inutilizados ou sem função social ou a destinação de terrenos da União para a reforma agrária são exemplos de ações capazes de fomentar a economia interna do país ao passo que propicia para a família um lugar para morar e trabalhar.

Dessa forma, fica totalmente assegurada ao brasileiro o seu Direito à Moradia e ao solo. E, por outro lado, verifica-se uma séria de proteção a vários direitos e garantias fundamentais, tais como a dignidade da pessoa humana, ao salário mínimo, ao trabalho, lazer, qualidade de vida, segurança alimentar, a proteção da criança pertencente a essas famílias, ao idoso produtor, aos moradores de rua, enfim: a milhares de brasileiros sem chão para viver.

Pensar no Brasil como um país mais justo conforme demonstrado, esquecendo a sede pelo lucro e pela propriedade em si, parece ser um ótimo ponto de partida para se ter uma Estado mais responsável e próspero.

3. CONCLUSÃO

Tendo em vista os diversos pontos elencados no presente artigo sobre o Direito à Moradia e ao Solo por parte das famílias brasileiras, nota-se que a falta de moradia é um problema estrutural no país que vem desde a abolição da escravatura.

Nota-se também que a questão da reforma agrária, no passado, foi a causa para levantar o problema referente a esse direito no âmbito do espaço urbano pois possui uma ligação direta.

Verifica-se também que a existência de grupos sociais que lutam pelo direito ao solo e moradia funcionam como verdadeiros protagonistas pois deixam essa luta viva até os dias de hoje. Uma luta que pode ser explicada por questões econômicas e ligadas ao agronegócio brasileiro e ao capitalismo implantando no país.

De um certo modo, a solução parece ser simples, porém, burocrática pois atinge uma grande oligarquia social e econômica presente no Brasil.

No entanto, a solução desses obstáculos ensejaria em uma mudança de paradigmas no Estado tendo em vista que não seria beneficiado a vida de milhões de famílias, mas também toda a estrutura econômica do país, vindo a fortalecer a qualidade de vida da sociedade como um todo, além de fortalecer a economia interna do país.

Por fim, as Políticas públicas voltadas a uma efetiva e destacada distribuição de terras e habitações parece ser o essencial para a solução e garantia da habitação e agricultura familiar para essas famílias.

 

 

  1. MADALENO, Rolf. Direito de Família / Rolf Madaleno. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.

  2. ARAUJO Júnior, GEDIEL Claudino de Prática no direito de família / Gediel Claudino de Araujo Júnior. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018.

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Sobre o autor
Leandro Ferreira da Mata

Cientista Jurídico; bacharel em Direito pelo Centro Universitário Estácio Brasília; Especialista em Direito da Criança, Juventude e dos Idosos e em Segurança Pública e Organismo Policial.

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