SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais. 2. Bloco I: os Estados. 2.1 Exposição elementar acerca do primeiro sujeito do Direito Internacional. 2.2 Estado Sui Generis: Santa Sé e Vaticano 3. Bloco II: as Organizações Internacionais. 4. A soberana Ordem de Malta (Ordem de São João de Jerusalém, Ordem São João de Rodes ou Cavaleiros Hospitaleiros) 5. Bloco III: os Indivíduos. 6. Bloco IV: ONGs. 7 Comitê Internacional da Cruz Vermelha 7. Conclusão. 8. Referência bibliográfica
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS:
A conscientização nos convida a assumir uma posição utópica frente ao mundo, posição que converte o conscientizado em fator utópico. Para mim, o utópico não é o irrealizável. A utopia não é o idealismo (não se trata de sonhar despertos), é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar: o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão a utopia é também compromisso histórico (MADRI, 1972 apud MICHEL, 2001, p.122-123).
Inauguramos nosso labor numa oração simples, já que nos filiamos modestamente a percepção de que, a evolução do conceito sócio-político-histórico-cultural dos sujeitos atrela-se a ideologias e a utopias revolucionárias, bem como a lutas de resistência.
Cabe, em certa dose de medida, tecer alguns rasgos sobre a noção de sujeitos de direito, mediante um acessível resgate histórico no campo da literatura jurídica, sem menoscabar referências de cunho social, político e cultural em torno do tema.
Ora, se bem que é verdade que a história constrói e contém sujeitos, tais sujeitos enquanto integrantes do universo social e histórico em que atuam, não poderiam deixar de ter características que dimanam de suas relações com o espaço, do somatório de escalas justapostas e aprazadas em seus fartos relacionamentos.
Daí, nos vem a ideia de que os sujeitos se conectam ao <<fazer histórico>> e <<ao reproduzir social>>, sem largar a dinâmica social, a lógica da convivência dialética e a autonomia entre os sujeitos envoltos.
As sociedades internacionais são, de fato, dialeticamente atuantes mediante uma dinâmica que influencia e, concomitantemente, se deixa influenciar por sujeitos do Direito Internacional. Diga-se, de passagem, que o pulsar dos sujeitos na sociedade internacional se faz primordial e, até mesmo, algumas vezes, difícil de entender.
Mas, afinal, o que a doutrina jus internacional nos tem a ensinar a despeito de nosso objeto de estudo? O que é sujeito? E como eles costumam ser categorizados no plano internacional?
De todo modo, vale a pena determos uns momentos nos capítulos que nos ajudam a buscar entender o significado mais próximo que expresse os sujeitos na sociedade internacional. Qualquer que seja as incertezas lançadas acerca do tema, não existem grandes dúvidas, nem diferenças doutrinais quanto ao fato dos sujeitos de Direito serem compreendidos, na órbita internacional, como entes ou entidades jurídicas.
Sujeitos de Direito Internacional são todos os entes ou entidades às quais as normas de direito internacional atribuem, direta ou indiretamente, direitos ou obrigações, e que têm a possibilidade de atuar direta ou indiretamente no plano internacional (NOVO, 2020).
De fato, os sujeitos do Direito Internacional são dotados de personalidade jurídica, com capacidade quer de contrair obrigações, quer de usufruir direitos na órbita internacional.
Quando cuidamos de sujeitos de Direito internacional, estamos tratando da personalidade jurídica, vale dizer da capacidade de contrair obrigações e usufruir direitos, de que são portadores alguns atores das relações internacionais (NOGUEIRA; 2006, p. 7)
Nas palavras de Hidelbrando Accioly, tais sujeitos afiguram-se como Entidade jurídica que goza de direitos no plano internacional com capacidade para exercê-los (ACCIOLY; 2017, p.236).
Repare, pois, que, através da subjetividade, criam-se e recriam-se os sujeitos num processo, de cariz econômico; cultural; político, que implica em coabitação com os demais sujeitos do Direito internacional.
Registre-se, de antemão, que nos parece que as coisas ainda estão amadurecendo na ordem internacional. Porventura, atende-nos a literatura com alguns contributos para podermos enxergar com acuidade os sujeitos do Direito Internacional a partir de premissas antropológicas, sociais, históricas, filosóficas e culturais.
Entrementes, abordar os sujeitos do Direito internacional ordena a investigação dos modos de vida da sociedade internacional, que nos faz olhar inclusive ao redor da ordem da negatividade social e nos leva a uma corrida rumo a tópicos que adentram em vielas correlacionados a compreensão da dominação e resistência.
Nessa corrida, não podemos perder de vista que perante tamanha dominação, opressão e exploração, assistimos uma maior mobilização dos sujeitos em busca e luta por direitos na esfera internacional. De algum modo, a concepção do que sejam sujeitos nos impulsiona a tentar entender os <<mecanismos de legitimação e contraposição>> existentes dentro da estrutura da sociedade internacional no que diz respeito a dominação.
Deveras, uma revisão bibliográfica nos orienta e instiga a identificar se houve ou não diante dos percalços da vida, uma preocupação real da sociedade em mudar ou, então se a vaidade conservadora prevaleceu na formação dos sujeitos. Cabe aqui, perceber se nas inovações, a história parece ou não se repetir, se o pulsar da sociedade internacional é ou não tergiversante e como isso tudo impacta na (re)afirmação dos sujeitos que atuam em tal sociedade.
Começamos por chamar atenção que, não há, pois, um manual na formulação dos sujeitos do Direito Internacional. Em suma, a formação e o desenvolvimento dos sujeitos do Direito Internacional se apresentam como um processo lento e gradativo. De modo que podemos detectar laços entre sujeitos, historicidade, cultura e realidade.
Não nos parece certo ignorar que os sujeitos do Direito Internacional detêm de uma dimensão social e de uma complexidade histórico-cultural, especialmente, quando já sabemos que a perspectiva sócio-histórico-cultural nos permite esquadrinhar, em contextos culturais definidos e, historicamente inseparáveis, o quanto os sujeitos do Direito internacional repercutem e encontram-se em diálogo, interação com outros sujeitos (tais como sujeitos sociais, históricos, de direito interno).
Senão vejamos que, os sujeitos do Direito Internacional foram, pouco a pouco, mobilizados a agir na sociedade internacional com baluarte em convicções, desejos de mudança e a partir também de demandas por reconhecimento perante situações de opressão e injustiças.
Não podemos, puro e simplesmente, esquecer que as mudanças sociais impactam na vida dos sujeitos do direito internacional. Afinal de contas, traz modificações na sociedade internacional, e inovações em torno de campos como a política, direito e cultura. A despeito deste último, sobreleva destacar que:
A cultura é sempre processo, em constante reatualização. Todo e qualquer atos dos sujeitos de ações significantes corresponde a dinamização do universo cultural: reposição, reelaboração ou alteração dos sentidos já existentes (GARCIA, 1996, p.164).
Não à toa sujeitos históricos, normalmente, são avistados como produtos sócio-políticoculturais, como fruto de lutas e movimentos sociais, de conquistas políticas, de autenticidade e transformação cultural. Vê-se, pois, que os sujeitos, em geral, tendem a ser analisados como organismos, pessoas, entes, histórico e socialmente, constituídos e culturalmente legitimados.
Assim, perante um universo de tempos fractais, o desafio que nos propomos reside em percorrer os trajetos em torno da construção dos Sujeitos do Direito internacional. Talvez não seja exagerado relembrar, que assim como a história deve considerar os seus sujeitos, a historiografia do Direito Internacional não poderia deixar escapar tal tópico. Destarte, sendo o Direito internacional um ramo jurídico, se faz oportuno especular acerca dos fundamentos da titularidade subjetiva internacional. Ademais, não nos custa repensar o sentido, o papel vital que tais sujeitos desempenham na sociedade internacional.
Como veremos a seguir, as mudanças paradigmáticas vêm revisitando essa necessidade de atribuir e reconhecer a titularidade subjetiva internacional a novos sujeitos do Direito Internacional para muito além dos Estados.
Numa prévia conclusão: anote, desde já que, na conjuntura atual, o Estado na qualidade de sujeito por excelência do Direito internacional já não é mais o único a dominar o panorama internacional. A crise do Direito Internacional Clássico contribuiu para o enfraquecimento do paradigma Estado-Nação e com isso, abriu horizontes para o novo, vindo a florescer sujeitos tais como as Organizações internacionais, Organizações não governamentais e até mesmo os indivíduos, de sorte a concorrer no procedimento de diluição da forma clássica do Direito.
De mais a mais, vindo ao encontro do que já fora desbravado na doutrina, acrescente-se que uma parte significativa dos sujeitos do direito internacional se contentam com a satisfação, pelo menos, com alguns traços bem característicos, a saber: 1. gozar de faculdade para atuar na sociedade internacional; 2. criar normas de Direito Internacional; 3. ter capacidade de aquisição e exercício de direitos e obrigações estipulados em normas internacionais; 4. possuir a faculdade de recorrer aos mecanismos internacionais de solução de controvérsias (PORTELA, 2017).
No plano teorético, os sujeitos são categorizados basicamente como: 1. tradicionais (Estados e Organizações Internacionais); 2. fragmentários (Indivíduos; ONGs), sem olvidar àqueles sujeitos reputados como sujeitos atípicos do Direito Internacional (Santa Sé; Vaticano; Comitê Internacional da Cruz Vermelha; Soberana Ordem de Malta).
No fim de contas, uma última palavra se impõe acerca dos sujeitos de Direito, ditosos ou não. Num conspecto a doutrina atual, deixamos a impressão de que os sujeitos tradicionais do Direito internacional tem uma capacidade mais ampla de atuação na sociedade internacional, logrando poder de celebrar tratados, criar normas de direito, além de um maior acesso aos mecanismos internacionais de solução de controvérsias, ao passo em que os novos sujeitos, intitulados por alguns de sujeitos fragmentários, não podem sequer criar normas de direito, privados de celebrar tratados, acabam tendo uma atuação mais limitada na sociedade internacional, afora um acesso mais restrito aos mecanismos de resolução de controvérsias.
2. BLOCO I: OS ESTADOS
Consabido é que os Estados são emoldurados como sujeitos primários ou originários do Direito Internacional Público. Tais <<sujeitos primitivos>> são apontados como o principal sujeito do Direito internacional, se revelando genuinamente como <<criadores dos demais sujeitos do Direito Internacional>> (FAVARO, 2007, p.62).
Em extrato, acostuma-se aperceber o Estado na seara internacional como:
Ente composto por um território onde vive uma comunidade humana governada por um poder soberano e cujo aparecimento não depende da anuência de outros membros da sociedade internacional (PORTELA, 2017, p.157)
Numa tarefa cuidadosa Clarissa Franzoi Dri, tomando préstimo das lições de Pierre-Marie Dupuys e Guido Soares, nos ensina que os Estados possuem capacidade internacional de: 1. produzir atos jurídicos internacionais; 2. serem imputados fatos ilícitos internacionais; 3. acesso aos procedimentos contenciosos internacionais (diplomáticos ou jurisdicionais); 4. estabelecer relações diplomáticas com outros Estados; 5. tornarem-se membros e participarem plenamente da vida e das organizações internacionais intergovernamentais; 6. exercer perante outro Estado, efetiva e legítima proteção de nacionais, quer pessoas físicas, quer jurídicas (DRI, 2005).
Convirá, em todo caso, lembrar que o Estado tem capacidade plena para elaborar as normas internacionais, eis aqui um destinatário imediato das normas em comento que tutelam interesses, bem como definem obrigações. Para além, tal sujeito pode ajuizar ações perante os Tribunais internacionais.
Repise-se que, enquanto pessoa Internacional, o Estado produz diretamente a norma jurídica que lhe será aplicada, o que o destoa dos sujeitos do direito interno, firmando, a grosso modo, um silogismo, de maior sutileza, que nos passa a noção de que enquanto o direito internacional evidencia uma relação de coordenação, o direito interno remete a uma relação de subordinação.
2.1 EXPOSIÇÃO ELEMENTAR ACERCA DO PRIMEIRO SUJEITO DO DIREITO INTERNACIONAL
Tomando como referência fecundas bibliografias, percebemos que o quão Teoria Geral do Estado (TGE) se afigura como disciplina importante e aplicável nos estudos do Direito Internacional, eis que nos ajuda a investigar melhor os fenômenos em torno deste sujeito e sobre particularidades que nele influi.
De realçar, que o Estado, no plano da TGE, costuma ser avistado como sendo àquela entidade composta por elementos. De modo lacônico: são elementos de cunho: 1. Humano (povo); 2. Geográfico (território); 3. Político-jurídico (soberania); e, finalístico (social).
Numa perspectiva internacionalista,
Pode-se definir o estado como agrupamento humano, estabelecido permanentemente num território determinado e sob governo independente. Da análise desta definição, constata-se que, teoricamente, são quatro os elementos constitutivos do estado, conforme a Convenção Interamericana sobre Direitos e Deveres dos Estados, firmada em Montevidéu, em 1933, que indica os seguintes requisitos: a) a população permanente; b) território determinado; c) governo; d) capacidade de entrar em relação com os demais Estados (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2017, p.244).
Pensamos que os esforços dos jusinternacionalista não deveria escapar a compreensão do Estado, através de um recorte temático da TGE, envolvendo questões como: 1. Origem e formação do Estado; 2. Estrutura, 3. Organização, 4. Funcionamento, 5. Finalidades. Cremos, pois, que através de uma importação de insights-chave da TGE, o Direito Internacional pode ganhar um contorno mais sólido, o que nos autoriza a entender melhor o primeiro sujeito do Direito Internacional que não é o indivíduo humano, mas o Estado.
Lembre-se que, consoante Jakob Burckhardt, o Estado se afigura como uma <<obra de arte>>, nenhum Estado é idêntico ao outro. Na obra Die Kultur der Renaissance in Italien de 1860, tal ente se traduz, nestas palavras:
[...] como criação consciente e calculada, como obra de arte. Tanto nas cidades-repúblicas quanto nos Estados tirânicos, esse ser vivente manifesta-se de centenas de maneiras, determinando-lhes a configuração interna bem como a política externa (BURCKHARDT, 2012, p.7).
Deste modo, começamos por avivar a memória que, assim como um opus humanum, o Estado, como <<criação da vontade humana>>, como um <<composto de seres humanos com todas as suas consequências>>, está mais para uma obra inacabada, uma realidade construída, com algumas inconsistências e insuficiências.
Como um organismo extremamente imperfeito, o Estado permanece sujeito a paixões, divergências, colisões de interesses. Frequentemente, assim como qualquer âmbito da vida humana, existem conflitos dentro e entre Estados e alguns deles parecem ser inevitáveis.
O Estado é atingido por contradições e lutas de classe e seus agentes políticos devem sempre levar em conta a mobilização (potencial) de uma vasta gama de forças para além do Estado engajadas em lutas para transformá-lo, determinar suas políticas ou simplesmente resistir a ele de longe (JESSOP, 2007, p. 17)
Note não haver <<uma fórmula universal de organização estatal>>. Cada Estado sofre influência de variáveis determináveis, se encontrando, conquanto, sujeitos a condicionantes que dependem quer da realidade histórica, quer territorial, religiosa, cultural, social, e assim por diante.
A formação do Estado não é um processo realizado só uma vez e de uma vez por todas, nem o Estado se desenvolve num lugar e depois se espalha para outros. Ele foi inventado diversas vezes, teve seus altos e baixos, e presenciou recorrentes ciclos de descentralização, territorialização e desterritorialização [...] (JESSOP, 2007, p.17)
Ao quadro que acabamos de esboçar, juntamos a percepção de Weber de que o Estado moderno diz respeito a <<uma comunidade humana que, com êxito, reivindica o monopólio legítimo dos meios de coerção numa dada área territorial>> (WEBER, 2003).
Em linhas gerais, estes sujeitos tradicionais ou clássicos surgem na modernidade a partir da união de diversos feudos, tendo como ponto de partida o contexto inerente ao continente europeu, prenunciam a crise do feudalismo e anunciam o desenvolvimento do capitalismo mercantilista.
A aspiração à antiga unidade do Estado Romano, jamais conseguida pelo Estado Medieval, iria crescer de intensidade em consequência da nova distribuição da terra. Com efeito, o sistema feudal, compreendendo uma estrutura econômica e social de pequenos produtores individuais, constituída de unidades familiares voltadas para a produção de subsistência, ampliou o número de proprietários, tanto dos latifundiários quanto dos que adquiriram o domínio de áreas menores. Os senhores feudais, por seu lado, já não toleravam as exigências de monarcas aventureiros e de circunstância, que impunham uma tributação indiscriminada e mantinham um estado de guerra constante, que só causavam prejuízo à vida econômica e social. Isso tudo foi despertando a consciência para a busca da unidade, que afinal se concretizaria com a afirmação de um poder soberano, no sentido de supremo, reconhecido como o mais alto de todos dentro de uma precisa delimitação territorial. (DALLARI, 1995, p. 59-60).
Num recorte histórico, podemos dizer que os Estados do século XV, XVI, XVII afiguram-se mais como uma <<sociedade política típica da modernidade>>. Eis aqui, a presença do Estado Nacional Moderno (Antigo Regime) inspirada pela <<doutrina da razão do Estado>>.
A razão de Estado (raison dÉtat) instaura ao governante um <<imperativo do poder estatal e os meios necessários>> para se perpetuar no poder. Para o Jesuíta Giovanni Botero, o Estado constitui <<um domínio firme sobre os povos>>, sendo a razão de Estado visto como <<o conhecimento de meios adequados a fundar, ampliar e conservar o domínio>>. A lógica absolutista da razão de Estado, tem como pando de fundo, a noção de paz armada e guerra (HANSEN,1996), e se refere, sobretudo, em ordem crescente, aos seguintes propósitos: 1. Fundar; 2. Conservar, e; 3. Aumentar a dominação.
[...]o espírito do Estado europeu moderno manifesta-se livremente, entregue a seus próprios impulsos. Com suficiente frequência, elas exibem em seus traços mais medonhos o egoísmo sem peias, escarnecendo de todo o direito, sufocando o germe de todo desenvolvimento sadio (BURCKHARDT, 2012, p.6-7).
Nos escritos de Engels, o Estado nasce
[...] da necessidade de frear os antagonismos de classe e estruturado ao mesmo tempo no meio desses conflitos, é, portanto, o Estado da classe mais poderosa, economicamente dominante a qual, por meio dele, se torna também politicamente dominante e assim adquire um novo instrumento para manter subjugada e explorada a classe oprimida (ENGELS, 1963, p. 93).
Se nos debruçarmos sobre o significado do Estado considerando os escritos de Thomas Hobbes (1588-1679), enxergaremos o Leviatã, monstro marítimo, exprime uma metáfora para o Estado predador. É isso mesmo. O Leviatã é visto como uma <<representação lírica do Estado absolutista>>. Em poucas palavras: o Leviatã estatal se traduz numa mera figura mitológica que descreve um Estado repressor que ergue suas bases através dos medos humanos.
O Estado Nacional moderno, traduzido pelo aforismo o Estado sou Eu, pressupõe, como repetidamente tem sido afirmado, a aparição de um <<príncipe como artesão e o Estado como matéria do poder>> (HANSEN, 1996). O rei concentra em suas mãos um poder que é absoluto, donde açambarca competência para governar, editar leis e julgar, transparecendo o brocardo o <<Estado sou eu>>. Descortina-se, pois, que até meados do século XVII, a representação do Estado Absolutista, centralizado na pessoa do Rei, encontrou rudimentos na cultura para legitimar o poder monárquico. A cultura, de algum modo, colocava o monarca em posição privilegiada, com o gabarito de escolhido de Deus para governar os homens e, incutia na sociedade a ideia de que Deus era o regente do universo e o rei o regente dos homens.
De um jeito mais preciso, impende lembrar que os primeiros Estados modernos (tais como Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Países Baixos) nascerem, gradualmente, no século XV, XVI, XVII, vindo a se consolidar tão somente no século XVII, a partir da Paz de Westfália, quando em 1648, se fixou os predicados dos Estados modernos, esculpindo princípios basilares como soberania, igualdade jurídica entre Estado, não-intervenção e territorialidade.
[...] século XVII o Estado configurou-se como única alternativa de organização política, por ser sujeito de direito internacional. Efetivamente, a partir da Paz de, de 1648, se iniciou uma nova ordem mundial na Europa ocidental, baseada na existência de Estados nação, soberanos dentro de territórios determinados, com a finalidade de alcançar a paz em Europa. O tratado exaltava a razão do Estado como justificação da atuação internacional. Desde então foram aceitos os princípios de soberania territorial, não ingerência em assuntos internos e trato de igualdade entre os Estados (TELLO, 2012, p.74).
Assim, se explica, largamente, a edificação de um Direito Clássico, um Direito Internacional tradicional à imagem e semelhança dos Estados.
O Direito das Nações ou Direito Internacional (Droit des Gens, Volkerecht) é o nome do corpo das regras costumeiras e convencionais que são consideradas juridicamente vinculativas pelos Estados civilizados entre si (OPPENHEIM apud ARRUDA, 1938, p.481).
Os adeptos da teoria estática, conforme preleciona o professor Braz de Sousa Arruda, costumam conceber o Direito Internacional como um <<corpo de regras costumeiras e convencionais consideradas obrigatórias pelos Estados civilizados, em suas relações recíprocas>>. Isso quer dizer, noutras palavras, que aqueles que aceitam a doutrina etática admite tão somente os Estados como sujeitos do Direito Internacional, desvalorizando, assim, qualquer possibilidade existencial que difere do paradigma vetusto.
[...] Direito Internacional é o conjunto de normas jurídicas estabelecidas por mútuo consentimento dos Estados para regular suas relações recíprocas. Os Estados são, como veremos, as únicas pessoas internacionais. O Direito Internacional regula as relações recíprocas dos Estados com os outros Estados que com eles co-existem na comunhão internacional. Somente as regras reguladoras das relações dos Estados entre si é que são de Direito Internacional (ARRUDA, 1938, p.483).
Secundando Andrea Cristiane Kahmann e Anselmo Peres Alós, a estrutura jurídica do Estado moderno agregou a construção cultural da nacionalidade (KAHMAN, 2015). De mais em mais, vemos que
[...] a tarefa de construção do Estado Nacional (do Estado Moderno) dependia da construção de uma identidade nacional, ou em outras, da imposição de valores comuns que deveriam ser compartilhados pelos diversos grupos étnicos, pelos diversos grupos sociais para que assim todos reconhecessem o poder do Estado, do soberano. Assim, na Espanha, o rei castelhano agora era espanhol, e todos os grupos internos também deveriam se sentir espanhóis, reconhecendo assim a autoridade do soberano. (MAGALHÃES, 2011, p. 205).
O aprimoramento do Estado, no final século XVIII e XIX, já na contemporaneidade, foi acompanhada pelo abandono pleno a doutrina da razão do Estado e pelo robustecimento de uma nova figura: estado-nação, almejando primar pelo rigor do <<Estado da razão>>, tal modelo estatal inspira-se, fortemente, no iluminismo, e desde cedo, se formou na convicção e na busca por unir <<a instituição política com a unidade cultural>>.
O conceito de Estado foi construído progressivamente na Europa, mediante a configuração de elementos essenciais tais como: a nação soberana dentro de um território delimitado; o interesse geral expresso mediante lei, com base na autoridade e no poder do Estado; o monopólio da força, onde o Estado é a única fonte legitima de violência dentro de seus limites territoriais, e as burocracias funcionais apresentadas como aparatos especializados, encarregados de cumprir com as funções estatais (CHEVALLIER, 2011, p.37 apud TELLO, 2012, p.74)
Cabe a propósito salientar que,
O Estado-nação afirma-se por meio de uma ideologia, uma estrutura jurídica, a capacidade de impor uma soberania, sobre um povo, num dado território com fronteiras, com uma moeda própria e forças armadas próprias também (Cf. Infopédia Dicionários Porto Editora).
No entanto, com o passar do tempo, nem a <<razão do Estado>>, nem o <<Estado de razão>> se mostraram aptos a atender as demandas sociais. Se tornando antiquados quanto a dinâmica das sociedades internacionais. Note, por exemplo, que, a ideia de soberania absoluta do Estado <<levou à irresponsabilidade e à pretensa onipotência do Estado, não impedindo as sucessivas atrocidades por este cometidas contra os seres humanos>> (TRINDADE, 2012, p.25).
Não é à toa que o velho paradigma calcado no,
Estado-nação entra em declínio. Como consequência os mapas culturais já não coincidem com as fronteiras nacionais, fato acelerado pela intensificação das redes de comunicação que atingem os sujeitos de forma direta ou indireta. Grandes conceitos informavam a construção de identidades culturais, como nação, território, povo, comunidade, entre outros, e que lhe davam substância, perderam vigor em favor de conceitos mais flexíveis e relacionais (OLIVEIRA).
Num lembrete, cabe rememorar que
O Estado é sujeito do direito internacional por excelência: realidade física, assentada em base territorial, sobre a qual interage uma população politicamente organizada. Até as primeiras décadas do século XX, foi o único detentor de tal personalização (NOGUEIRA; 2006, p.8)
Por cerca de 300 anos, os Estados figuraram como o único ente dotado de personalidade jurídica, ficando, por muito tempo, solitários no campo jurídico internacional. Para Dianna Carolina Valencia Tello, tomando préstimo da lição de Koselleck,
[...] O conceito de Estado, ao ser um conceito político-social tem uma história de diferentes conteúdos, os quais variam dependendo de cada época, cultura e tradição. Portanto é um conceito que não tem história, contém historia, ja que mudam contextos, mas não o conceito envelhecido. (TELLO, 2012).
Com efeito, o Estado enquanto sujeito do Direito Internacional decorre de lutas e movimentos sócio-políticos:
A Revolução Francesa em 1789, a Revolução Russa em 1917 e a Revolução Chinesa em 1949 foram três grandes tentativas de modificação do sistema social e da organização do Estado, com enormes reflexos na história da humanidade: a primeira desencadeou o processo de eliminação dos direitos feudais e de transformação das monarquias absolutas na Europa (e de seus impérios coloniais, em especial na América Latina) ao afirmar que cada povo é independente e soberano; a segunda iniciou a primeira experiência de um modelo social e político alternativo ao capitalismo e ao liberalismo e reforçou, em competição com os Estados Unidos, que advogava, somente para os europeus, a idéia de autodeterminação dos povos; e a terceira iniciou o processo de transformação do Estado e da economia chinesa com as conseqüências que hoje fazem com que a China, ao crescer em média 10% ao ano nos últimos vinte anos, tenha-se transformado na segunda maior potência econômica do mundo (GUIMARÃES, 2008, p.250).
Pois bem, duas notas mais julgamos cabível grifar. Volvemos nosso olhar, brevemente, para os principais esforços no sentido de contribuir para formular uma noção acerca da função e finalidade do Estado. Assinale, sem embargo, que
as funções do Estado são o meio utilizado por este para atingir seu fim genérico: o bem comum da sociedade. Assim, as funções são as atividades do Estado destinadas ao atingimento de seus fins (WINTER, 2015).
De admirar não será que o Estado desempenha funções no campo jurídico, político, sem olvidar o campo Executivo, deliberativo e controlador.
Os fins e funções do Estado foram trabalhados em três níveis hierárquicos e interdependentes. Nos fins últimos do Estado, o (a) Tribunal Constitucional e a (b) Chefia de Estado exercem as funções (a1) controladoras e (b1) moderadoras. Nos fins intermediários o (c) Parlamento e o (d) Governo exercem as funções (c1) legislativa e (d1) governativa. Nos fins próximos o (e) juiz e o (f) administrador exercem as funções (c1) jurisdicional e (f1) administrativa. A cada poder foi atribuída uma função. Elas se articulam e se complementam do topo à base e da base ao topo (REVERBEL, 2012 apud WINTER, 2015).
Por seu turno, vale trazer à baila que em 1926, Barreto Tobias já constatava que
O fim do Estado é um facto que a cada momento se realisa na sociedade e que a cada momento está para ser realisado. Sempre se realisou e nunca acaba de se realisar. É um acto interminavelmente repetindo-se, incessantemente renovando-se. Todas as vezes que a lei penal pune aquelle que se poz em conflicto contra a ordem pública, offendendo direitos de terceiro, está se realisando o fim do Estado. Todas as vezes que o cidadão que trabalha gosa pacificamente dos proventos do seu trabalho, e o cidadão que estuda gosa dos fructos de suas vigílias, de suas indagações, á sombra da lei, o fim do Estado está se realisando. A honra protegida contra os ataques da injuria, da calumnia, e do ímpeto carnal: a vida do cidadão inviolavel, sua propriedade garantida contra o roubo, o furto, o esbulho, etc: o exercicio, em summa, de todos os direitos afiançados pelos poderes publicos: tal é o fim do Estado (TOBIAS, 1926).
Convirá concluir que a finalidade precípua do Estado se apraz em <<promover o bem comum>>. Temo-nos, seria oportuno finalizar este item com os lampejos de Dallari que nos revelam o Estado como uma <<ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo>> localizado em um dado território (DALLARI, 1999, p. 100)
2.2 ESTADO SUI GENERIS: SANTA SÉ E VATICANO
Como é da sabença geral, tanto o Vaticano como a Santa Sé são tidos como figuras equiparadas aos Estados, merecendo o epíteto de Estado sui generis, eis que são Estados sem o elemento humano (noutras palavras, falta-lhes o quesito povo), são Estados anômalos, não possuindo, de forma tradicional, todos os elementos dos Estados.
Veja, pois, que o Vaticano, observador permanente na ONU, é tido como um estado sem o elemento pessoal, sem o elemento humano, apresentando, pois, território e soberania, carente de povo. Instituído em 1929 pelo Tratado de Latrão (instrumento constitutivo celebrado entre Mussolini e o Papa Pio XI), o Vaticano constitui-se num <<Estado instrumental a serviço da Santa Sé>>, possuindo, inclusive, capacidade para firmar tratados.
Tratado de Latrão (Artigo 2º A Itália reconhece a soberania da Santa Sé em questões internacionais como um atributo inerente, em conformidade com suas tradições e as exigências de sua no mundo) capacidade de firmar tratados (RANGEL, 2012).
Ao contrário do Vaticano, a Santa Sé não possui natureza política, mas possui natureza espiritual, religiosa e humanitária. Dotada de poder temporal e espiritual, a Santa Sé detém de elementos assemelhados ao Estado, mas lhe falta também o elemento povo, daí ser um Estado anômalo, sui generis.
Encerra-se aqui este breve excurso pela temática acerca do Estado e dos sujeitos tradicionais e atípicos reputados como Estados sui generis pela doutrina. Se bem que é verdade que os estudos sobre os Estados comportam uma gama de assuntos importantes a serem apreciados, tais como a classificação, nascimento, reconhecimento, extinção, sucessão, direitos e deveres, responsabilidade internacional e muitos outros tópicos, também do muito que fica por dizer, convirá não voltar ao esquecimento de que precisamos nos esforçar para compreender melhor esse sujeito tão complexo e tido, apesar de certas diferenças doutrinais, por alguns como o mais importante do direito internacional.
3. BLOCO II: AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS
As organizações internacionais são sujeitos derivados do Direito Internacional, entes dotados de personalidade jurídica, estamos, portanto, diante de pessoas internacionais e tradicionais que ocupam um determinado lugar na sociedade internacional. Em abono do que se disse, moldura-se no plano teórico a compreensão da organização internacional como
[...] entidades criadas e compostas por Estados por meio de tratado, com arcabouço institucional permanente e personalidade jurídica própria, com vistas a alcançar propósitos comuns. Como são estabelecidas pelos Estados, sujeitos que têm personalidade internacional originária, a doutrina entende que sua personalidade internacional é derivada (PORTELA; 2017, p.157).
Com efeito, é digno de nota o fato de que:
As organizações fazem parte do Direito Internacional atual e são o resultado do aumento das relações internacionais e da necessidade de cooperação entre os Estados. [] A instauração da Sociedade ou Liga das Nações Unidas (SdN), após a primeira guerra mundial, faz as organizações internacionais passarem a ter maior impacto na vida internacional (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2017,p.427).
Vem a propósito enxertar aqui este aclamado sujeito clássico/tradicional que surge no século XIX, contudo, apenas no século XX é que começa a ganhar contorno no cenário internacional. Caso Folke Bernadotte está aí como um exemplo do que se acaba de afirmar. Isto mesmo parece que este relevante precedente apreciado pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) em matéria de reconhecimento dos organismos internacionais como sujeitos do Direito Internacional abre a senda ao encastelar sinais certificadores de uma pequena e tardia evolução conceitual quanto ao que vem a ser compreendido como sujeito do Direito no plano externo.
Ainda prevalece na doutrina, o entendimento de que a personalidade das Organizações internacionais nasce da ação dos Estados, não de outros entes. Muitos defendem, a rigor, que a existência das organizações internacionais dependem exclusivamente dos Estados que a criam e não de homologação de outro ente. Portanto, as organizações internacionais ou organismos internacionais são definidos como entidades coletivas estabelecidas por um ato solene entre Estados soberanos. Daí serem considerados sujeitos derivados.
Tradicionalmente, as organizações internacionais têm como característica precípua: 1. Criação por acordo internacional; 2. Erguida conforme norma do Direito Internacional; 3. Possui pelo menos um órgão decisório com vontade coletiva.
Na peugada de Abdullah El-Irian, chamamos atenção para uma mudança na lógica e estrutura conceitual do que se entende por organização internacional:
[...] associação de Estados (ou de outras entidades possuindo personalidade internacional) estabelecida por meio de tratado, possuindo constituição e órgãos comuns e tendo personalidade legal distinta da dos Estados-membros). (Accioly; 2017, p. 428)
Aqui chegados, não será de admirar a essa altura que as organizações internacionais são ainda por muitos retratadas como um sinônimo para o vocábulo organização intergovernamental, não compreendendo, portanto, as organizações não governamentais (ONGs). Daí brota as fronteiras, os marcos divisores, entre as organizações internacionais - havidas como entidades formadas por Estados e dotadas de personalidade jurídica de Direito Internacional -, e as organizações não governamentais - tidas como organização sem qualquer vínculo direto com o Estado.
Pouco e pouco, tais concepções são revistadas, despontando na doutrina as bases para considerar organismos internacionais como: 1. Organizações internacionais intergovernamentais; e, 2. Organizações Internacionais não governamentais.
Num excurso explorador ao direito internacional, não desacompanhamos organizações internacionais como sujeitos do Direito Internacional que decorrem, sobretudo, de acordo e possuem pelo menos um órgão decisório de vontade coletiva. Tais organizações têm finalidades administrativas, ocupando-se da cooperação de ordem técnica e financeira. Eles podem celebrar tratados, praticar atos necessários ao seu funcionamento e efetivação de seus objetivos, além de socorrer-se aos mecanismos internacionais de resolução de controvérsias.
Em linhas gerais, as organizações internacionais podem ter vocação quer universal, quer regional. Segue, por fim, no quadro abaixo, uma pequena amostra dos numerosos exemplos de organismos internacionais (ACCIOLLY, 2017):
Organizações internacionais universais |
Organizações internacionais regionais |
Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) Sede: Roma |
Organização dos Estados Americanos (OEA) |
Organização Internacional do Trabalho (OIT) Sede: Genebra |
União Europeia (UE) |
Organização Mundial da Saúde (OMS) Sede: Genebra |
Unidade Africana |
Organização Mundial do Comércio (OMC) Sede: Genebra |
Liga Árabe |
União Postal Universal (UPU) Sede: Berna. |
Organização de Cooperação Econômica da Ásia-pacífico |
Organização para a educação, ciência e cultura (UNESCO) Sede: Paris |
4. SOBERANA ORDEM DE MALTA (ORDEM DE SÃO JOÃO DE JERUSALÉM, ORDEM DE SÃO JOÃO DE RODES OU CAVALEIROS HOSPITALEIROS)
Atualmente, a Soberana e Militar Ordem Hospitalária de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta, sediada em Roma, é um sujeito de direito internacional com funções soberanas, observador permanente das Nações Unidas, que atua em mais de cem países, em praticamente todos os continentes, na área da assistência médica e social, prestando ajuda humanitária. Está classificada como um sujeito de Direito Internacional Público, mais especificamente como uma Coletividade não estatal (MARCHINI NETO, 2018, p. 2).
É isso mesmo. A Soberana Ordem de Malta, observador permanente da ONU, com sede em Roma, e relações diplomáticas com mais de quarenta Estados pode ser reputada como um sujeito atípico (sui generis) do Direito Internacional com fins humanitários e de benemerência, que possui, em suma, cariz assistencial, humanitário, espiritual e religioso.
Não custa asseverar que, já no século XX, houve uma discussão em redor do estatuto internacional da Ordem de Malta. Seria ou não um sujeito do Direito Internacional? Em caso afirmativo, seria um Estado sem base territorial ou uma organização internacional sui generis?
Conforme se fez notar, Portela posta em destaque a constatação de que a doutrina sustenta que:
a Ordem não conta com personalidade jurídica de Direito Internacional Público, em vista do vínculo dessa entidade com a Santa Sé, e pelo fato de a imunidade de jurisdição de seu Grão-Mestre ter sido concedida por ato do Estado italiano, não por norma internacional (PORTELA, 2017, p. 160).
Cumpre, contudo, não deixar desadvertido que o argumento acima, embora sedutor, se faz questionável. Como já dizia Valério Mazzuoli,
A partir dos anos cinquenta começou-se a discutir sua própria existência, enquanto ente dotado de personalidade jurídica internacional, perante os Tribunais da Cúria Romana que, com a sentença de 24 de maio de 1953, estabeleceu que a Ordem tem natureza de organização religiosa e, como tal, subordina-se à vontade da Santa Sé, que, por sua vez, está regulada pelo ordenamento canônico. Entendeu-se também que a Ordem, embora dependente em certos aspectos da Santa Sé, detinha a qualidade de sujeito do Direito Internacional (MAZZUOLI, 2016, p.458).
Apontada como uma organização internacional católica que remonta ao século XI a dita época das Cruzadas, a Soberana Ordem de Malta foi Instituída inicialmente como associação que prestava assistência médica e militar aos soldados cristãos, perdendo seu caráter militar tão somente no século XVIII. No decorrer da história a ordem se correlaciona mais aos cuidados aos doentes, a gestão hospitalares para cuidado de peregrinos e mercadores.
Registre-se, desde já, que nem todos reconhecem a Soberana Ordem de Malta como uma organização internacional, eis aqui um tema controvertido. A começar pelo fato de que a Soberana Ordem de Malta não decorre da existência de vontade dos Estados.
a Ordem de Malta é soberana e possui qualidade de sujeito do Direito Internacional, podendo inclusive assinar tratados internacionais e emitir passaportes, como de fato têm feito nas últimas décadas (MARCHINI NETO, 2018, p.3).
Além disso, a Soberana Ordem de Malta não é tida como Estado, pois, lhe falta uma base territorial. Contudo, diga-se, que a Carta Constitucional e o código da Soberana Ordem de Malta estampam que:
Par. 6 - The religious nature of the Order does not prejudice the exercise of sovereign prerogatives pertaining to the Order in so far as it is recognized by States as a subject of international law ( 1961).
Sobeja advertir que
A natureza peculiar de entidade soberana supranacional, específica das ordens militares medievais, não costuma ser postas em discussão. Os Estados reconhecem sua soberania, mesmo diante da ausência de base territorial (MARCHINI NETO, 2018, p.4).
Por ora, atentemos, para o fato, que a Soberana Ordem de Malta costuma ser apontada como um Estado anômalo. É o que se depreende da mensagem nº 16 (SF), de 2019, que propugna que a mencionada ordem possui um status de Direito internacional sui generis: embora não possua território próprio (apenas alguns imóveis), recebe tratamento equiparado ao de um Estado (MSF nº 16 de 2019, p.24).
No entanto, há quem considere a Ordem de Malta como uma organização internacional católica. Cabe destacar Bertrand Galimard Flavigny, na obra Historie de LOrde de Malta ou ainda, Vladimir Silveira.
A Ordem Soberana e Militar Hospitalária de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta, também conhecida simplesmente como Ordem de Malta, foi fundada durante as Cruzadas à Terra Santa como uma associação militar e médica (McKEEVER, online). Atualmente, é uma organização internacional humanitária, de origem cristã, a qual, dotada de status extraterritorial (tal como ocorre, por exemplo, com representações diplomáticas), estabeleceu bases em Roma, desde 1834 (SILVEIRA; FERNANDES, 2018, p.148).
Pois bem, estamos em crer que a ordem de Malta é um sujeito atípico do Direito Internacional que apresenta certas peculiaridades. No entanto, apoucada de certezas, propendemos a considerar se, a Ordem de Malta seria um Estado anômalo (um Estado sem base territorial) ou se, estaria mais para uma organização internacional anômala, isto, é para uma coletividade não estatal. Eis aqui, um tópico longe de qualquer paz doutrinal.
Cai de molde recordar que os Estados, em decorrência de atos de reconhecimento, expressaram algumas colocações pertinentes, a saber:
1. A ausência de um território não é mandatório para a Ordem de Malta obter personalidade jurídica internacional; e 2. O reconhecimento se deve às condições históricas diferenciadas e para propósitos outros que não os propósitos de um Estado (IVANOV, 2014, p.9), ou seja, a característica inicial humanitária religiosa (de origem católica) da Ordem de Malta e não por esta ser efetivamente um Estado (SILVEIRA; FERNANDES, 2018, p.149).
Hodiernamente, a Ordem de Malta nos parece mais uma <<organização profissional>> que atua em escala mundial no campo da assistência humanitária, operando conforme as normas internacionais de ajuda humanitária.
5. BLOCO III: OS INDIVÍDUOS
Com efeito, o processo de humanização do direito, permitiu que o indivíduo adquire-se um estatuto no contexto pós-moderno. Aquando comparado ao Estado e a organização internacional, o indivíduo se perfaz no Direito Internacional como o mais novo sujeito.
É de se ver que o reconhecimento progressivo da condição internacional do ser humano decorre de um fenômeno conectado a ética de humanidade, a processos históricos em torno de lutas sociais, movimentos políticos, que se deixam guiar por utopias de resistência contra a opressão.
Por cerca de trezentos anos, o cenário internacional se ocupou exclusivamente dos Estados, ignorando qualquer estatuto para o indivíduo. A teoria étatica, o modelo Westfaliano, o direito internacional tradicional não ouvia os clamores do ser humano.
Praticamente, o direito internacional clássico se constrói sob uma forte influência da corrente positivista, negando ao indivíduo qualquer status como sujeito do Direito Internacional. A teoria étatica aceita só o Estado como sujeitos de direitos. E como é tratado o indivíduo neste Direito Internacional clássico? Ora, por serem havidos como meros sujeitos do Direito Interno, o estatuto do indivíduo reside numa condição de objeto do Direito Internacional Tradicional. Noutras palavras, o homem seria objeto do direito internacional, prevalecendo, pois, a teoria do homem-objeto.
Sem perder de vista a obra de Antonio Cançado Trindade (TRINDADE, 2012, p.25), sublinhamos o trecho a seguir que nos traz uma noção preliminar sobre os sujeitos do Direito Internacional a partir da corrente tradicional e da vertente que a ela se contrapõe:
Toda uma corrente doutrinária, do positivismo tradicional, - formada, além de Triepel e Anzilotti, também por K. Strupp, E. Kaufmann, R. Redslob, dentre outros, passou a sustentar que somente os Estados eram sujeitos do Direito Internacional Público. A mesma postura foi adotada pela antiga doutrina soviética do Direito Internacional, com ênfase na chamada coexistência pacífica interestatal. Contra esta visão se insurgiu uma corrente oposta, a partir da publicação, em 1901, do livro de Léon Duguit LÉtat, le droit objectif et la loi positive, formada por G. Jèze, H. Krabbe, N. Politis e G. Scelle, dentre outros, sustentando, a contrario sensu, que em última análise somente os indivíduos, destinatários de todas normas jurídicas, eram sujeitos do Direito Internacional (cf. infra).
Anote que perante a frieza e indiferença da ordem jurídica internacional para as demandas dos indivíduos, o direito vai sofrendo pouco a pouco modificações para dar corpo a um direito menos indiferente ao sofrimento humano.
Com efeito, após as atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial, o indivíduo ganha, finalmente no século XX, um estatuto relevante no Direito Internacional ao torna-se um sujeito do Direito Internacional.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos surge, assim, em meados do século XX, em decorrência da 2ª Guerra Mundial e seu desenvolvimento pode ser atribuído às monstruosas violações de direitos humanos da era Hitler e à crença de que parte destas violações poderia ser prevenida se um efetivo sistema de proteção internacional de direitos humanos existisse(4). Neste cenário fortalece-se a ideia de que a proteção dos direitos humanos não deve se reduzir ao domínio reservado do Estado, isto é, não deve se restringir à competência nacional exclusiva ou à jurisdição doméstica exclusiva, porque revela tema de legítimo interesse internacional. Por sua vez, esta concepção inovadora aponta a duas importantes consequências:1ª) A revisão da noção tradicional de soberania absoluta do Estado, que passa a sofrer um processo de relativização, na medida em que são admitidas intervenções no plano nacional em prol da proteção dos direitos humanos; isto é, permite-se formas de monitoramento e responsabilização internacional, quando os direitos humanos forem violados(5); 2ª) A cristalização da ideia de que o indivíduo deve ter direitos protegidos na esfera internacional, na condição de sujeito de Direito. (PIOVESAN, 1996?)
A teoria individualista que enxerga o indivíduo como sujeito de Direito, começa a lançar as bases para superar a teoria do objeto. Afinal de contas, a noção de pessoa humana seria incompatível com a de objeto do Direito Internacional.
Ora se levarmos em conta os apontamentos de Cristiane Splicido, logo veremos que:
[...] o homem, em virtude tão somente de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado (SPLICIDO, 2012, p.85).
Dentre os adeptos da teoria individualista, destacamos Duguit que defende que o homem é sujeito de Direitos, enquanto o Estado se reduz ao indivíduo e Le Fur que compreende o homem como sujeito indireto do Direito Internacional e o Estado como sujeito direto do Direito Internacional (RODRIGUES, 2015).
De realçar que, na conjuntura atual, ainda que o ser humano não seja apercebido como sujeito pleno, por gozar de capacidade internacional limitada, isso não lhe retira sequer a vivacidade do estatuto de sujeito que lhe pertence na comunidade internacional.
[..] A conclusão a que podemos chegar é que a melhor posição é a que defende serem sujeitos de DI os Estados, as organizações internacionais, o homem, etc, isto é, todo ente que possuir direitos e deveres perante a ordem jurídica internacional. (...) É o homem, pessoa internacional, como é o Estado, apenas a sua capacidade jurídica de agir é bem mais limitada que a do Estado.(MELLO, 2001, p.769-770)
É isso mesmo. Por ora, o sujeito, portanto, além de ser sujeito do Direito Interno, passa a ser sujeito do Direito Internacional, dotado de personalidade jurídica internacional, assim como capacidade jurídica tanto nos planos domésticos como internacionais.
Todo o novo corpus juris do Direito Internacional dos Direitos Humanos vem de ser construído em torno dos interesses superiores do ser humano, independentemente de seu vínculo de nacionalidade ou de seu estatuto político. Daí a importância que assume, nesse novo direito de proteção, a personalidade jurídica do indivíduo, como sujeito do direito tanto interno como internacional (TRINDADE, 2012, p. 28).
A pessoa física ou pessoa humana tem personalidade jurídica, podem recorrer aos mecanismos internacionais de solução de conflito de modo mais restrito, inclusive, podem demandar, direta ou indiretamente, em Cortes Internacionais de Direitos Humanos. Basta, para tanto, ter em mente, as demandas apreciadas na Corte Europeia de Direitos Humanos; na Corte Interamericana de Direitos Humanos; na Corte Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.
O fato de serem os Estados compostos de seres humanos individuais - com todas as suas consequências - não passou despercebido de outros autores, que destacaram a importância da atribuição aos indivíduos de recursos (remedies) no âmbito dos mecanismos internacionais de proteção de seus direitos. Há os que chegam mesmo a afirmar que a atribuição da personalidade de direito internacional ao indivíduo constitui o domínio em que este ramo do Direito mais progrediu nas últimas décadas (TRINDADE, 2012, p.28).
Como sujeito de Direito Internacional, o indivíduo possui também direitos e obrigações estampadas em declarações, tratados, convenções, protocolos internacionais. Há mecanismos internacionais que os protegem, mas há também àqueles que os responsabilizam. Veja que existe a chamada responsabilidade penal do indivíduo que não o impede de responder perante instâncias internacionais ad hoc ou permanentes, tais como o Tribunal Penal Internacional com sede em Haia, Tribunal Penal Internacional para Ruanda, Tribunal de Nuremberg, Tribunal para antiga Iugoslávia.
6. BLOCO IV: ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS (ONGs)
As ONGs inovam a órbita jurídica internacional e costumam ser compreendida como <<entidades que promovem o bem>>, realizam múltiplas ações solidárias para públicos específicos, ações filantrópicas e de ajuda mútua (SEBRAE, 2017). Como é da sabença geral, as organizações não governamentais são avistadas como organizações constituídas formalmente e autonomamente.
O surgimento das ONGs encontra-se atrelado tanto a crise fiscal enfrentada pelos Estados, quanto ao desenvolvimento de uma sociedade civil que se volta na direção e em busca de uma cidadania ativa.
Enquanto expressão da sociedade civil internacional, as ONGs ilustram a extensão e irreversibilidade das mudanças ocorridas no sistema internacional, nas últimas décadas, e preparam o caminho para a análise do ser humano como sujeito do Direito Internacional (ACCIOLY, 2017, p.482).
Em grande dose de medida, as ONGS visam prover as demandas da população em áreas que por atribuição legal seria do encargo do Estado. Como partida, reavivamos a notável premissa de que aonde o poder público não chega, as ONGs encontram assento. Isso quer dizer que, a medida que o Estado, sujeito do fazer ou ao menos do dever fazer, não consegue gerir com eficiência suas obrigações em campos como educação, saúde, meio ambiente, segurança, relação internacional, proteção aos direitos humanos, proteção de grupos vulneráveis como os povos indígenas, os negros, a mulher, a criança e do adolescente, pessoas em condição de rua, dentre outros, as ONGs tomam lugar e se evidenciam como expressão da sociedade civil internacional, ganhando pouco a pouco maior espaço para suprir das demandas sociais, conquistando um certo estatuto na comunidade internacional.
Tal estatuto ainda é questionando. Nem todos reconhecem, de fato, a ONG como um sujeito de Direito Internacional. Todavia, em pleno século XXI, já existe a uma forte tendência a reconhecê-la como sujeito fragmentário. Repare que, caminhando num sentido contrário aos das organizações internacionais, sobretudo, no que tange à sua constituição, composição e lei de regência, as ONGs não são compostas por Estados, nem regidas em sua constituição pelo Direito Internacional.
Muito pelo contrário, elas costumam ser regidas pelo Direito Interno do país ou países em que se encontram constituídas, registradas e onde possuem sede legal, mas apesar disso não deixam de possuir relevo e extensa atuação internacional. Em extrato: seria, aliás, mais uma expressão da sociedade civil internacional que necessita encontrar <<canais e caminhos adequados para a veiculação dos seus reclamos e a melhor ordenação da sua atuação>>,
[...] As ONGs têm transformado e transtornado a atuação das organizações internacionais tradicionais, desde a expressão de protestos populares, criando ruído surdo e bloqueando acessos às reuniões interministeriais, mas de modos muito mais eficientes e organizados, como canais e caminhos possíveis para veicular anseios da sociedade civil internacional, com demonstrada capacidade inovadora e crescente poder de pressão sobre governos dos estados e sobre modelos de gestão das organizações internacionais intergovernamentais (Accioly, 2017, p.480-481)
Em linhas gerais, não podemos sofrer de amnésia, ignorando que as ONGs enquanto sujeitos do direito internacional emergem da vontade de ajudar a sociedade internacional, em que pese não pertencer a um governo, e serem tidas como instituições privadas, tais organizações, normalmente, não carregam consigo uma finalidade lucrativa e costumam ser enquadradas no terceiro setor justamente por fazerem parte do setor da sociedade que se preocupa com ações filantrópicas e sociais sem ambicionar lucros. Rodolfo Alves Pena nos lembra que a ONG como pertencente ao terceiro setor, também se apresenta tal qual como um resultado direto da ineficiência do poder público, que muitas vezes não possui a capacidade de atuar em determinados problemas sociais. (PENA, s.d)
Dentre as ONGs, merece destaque o Greenpeace, organização não governamental bastante conhecida na comunidade internacional por sua atuação em matéria ambiental. Inicialmente chamada de Dont make a Wave Committe, a Greenpeace foi fundada em 1971 por um grupo de ativistas canadense que almejavam impedir a realização de testes nucleares nas Ilhas Aleutas, sobretudo, por terem associado o terremoto ocorrido em 1964 no Alasca aos testes feitos pelos EUA na Ilha de Aleutas.
Em 1971, uma equipe de 12 pessoas, entre jornalistas, hippies e ecologistas, partiu de Vancouver, Canadá, a bordo de um velho barco de pesca rumo ao Ártico. Esses ativistas acreditaram que a ação de indivíduos comuns pode fazer a diferença. Sua missão era testemunhar e tentar impedir os testes nucleares realizados pelos EUA nas ilhas Amchitka, no Alaska (GREENPEACE BRASIL, s.d).
Tais ativistas canadenses, buscando arrecadar recursos para a viagem, decidiram confeccionar“button”. Os mencionados “buttons” deveriam conter as palavras “green” (verde) e “peace” (paz) expressando a bandeira da organização: pacifismo e defesa do meio ambiente. Daí surge a Greenpeace, ONG com sede em Amsterdam e com escritórios espalhados ao arredor do mundo, que faz campanhas e se mobilizando para atuar, internacionalmente, em questões atinentes a preservação ambiental, ao desenvolvimento sustentável, abordando tópicos como florestas, climas, energia renovável, oceanos, e externando preocupações voltadas para temática da engenharia genética, substâncias tóxicas, agrotóxicos, transgênicos. Em suma, tal ONG, mediante atos, publicidade e outros meios, vem tocando a opinião pública para fomentar a proteção do Meio ambiente.
Outra ONG criada também em 1971 que se tornou estimada e célebre remete aos Médicos sem fronteiras (MSF), sem qualquer finalidade lucrativa, tal organização se direciona a prestar ajuda médica-humanitária as populações em situação de vulnerabilidade, sobretudo, vivenciando conflitos armados, catástrofes, epidemias, fome, exclusão social. Avistada como a maior ONG de ajuda humanitária no campo da saúde, tal organização dimana do labor de jovens médicos e jornalistas franceses, liderados por Bernard Kouchner. Recebendo o Nobel da Paz em 1999, como reconhecimento do seu combate em favor da ingerência humanitária, o MSF busca atuar tendo como baluarte a ética médica universal.
No mais, o Fundo Mundial da Natureza (World wild fund for nature - WWF) é uma ONG, fundada na Suíça em 1961 por um grupo de cientistas que se preocupavam com a devastação do Meio Ambiente, que atua tanto nas áreas de conservação e investigação, como na recuperação ambiental (WWF, [s.d]).
Podemos ainda citar a Save The Children, ONG que atua na defesa dos direitos da criança no mundo. Após os horrores da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa, a organização foi criada em Londres em 1919 por Eglantyne Jebb e sua irmã Dorothy Buxton, a Save The Children no intento de melhorar a condição de vida das crianças (MULLEY, 2009).
7. COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA
Por fim, outro tópico que merece relevo diz respeito ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), observador permanente da ONU, fundado em 1863, com sede em Genebra, Suíça, para se dedicar as <<funções humanitárias em tempos de guerra>> (ACCIOLY, 2017, p.259). A CICV é considerada por alguns como uma organização não governamental, que desempenha papel na promoção e implementação de leis que protegem as vítimas de guerra, instituída para realizar funções humanitárias em tempos de guerra, para prestar assistência humanitária a indivíduos afetados por conflitos armados e outras formas de violências.
Trata-se, pois, de um sujeito atípico, sui generis, especial que presta, de modo excepcional, serviço internacional público, com mandado para guardar o direito internacional humanitário (cf. Convenções de Genebra de 1949). Vista como organização humanitária, neutra e independente, a CICV possui personalidade jurídica, tendo obrigações e direitos disciplinados pelo Direito Internacional.
8. CONCLUSÃO
Neste epílogo, tomando nota de algumas considerações acima tecidas, quem nos dera dar conta do desafio de retratar a evolução conceitual dos sujeitos do Direito Internacional ao longo da história. Creio que, certamente, enfatizaríamos, pelo menos, alguns grandes momentos históricos: a) a Pré-história/fase rudimentar: onde não há sequer numa noção moderna com contornos mais claros do que sejam os sujeitos do Direito Internacional, mas já podemos detectar rudimentos, contributos por parte dos sujeitos históricos e sociais para futuramente formular uma concepção dos sujeitos que se afiguram atuantes na sociedade internacional moderna e contemporâneas; b) a fase histórica moderna/ inaugural/originária/primária: onde tão somente os Estados se apresentam como sujeitos únicos, exclusivos, solitários do Direito Internacional. De modo que o sujeito do Direito Internacional se conecta fortemente ao paradigma westfaliano e atrela-se ao contexto da modernidade c) a fase histórica contemporânea: onde brota no século XX uma série de novas pessoas reconhecidas pela doutrina e jurisprudência como sujeitos do Direito Internacional, bastando a propósito citar as Organizações Internacionais, os indivíduos e as ONGs.
A essa altura, não poderiam nos escapar algumas conclusões finais:
- No plano internacional, a condição de sujeito também decorre de todo um processo evolutivo. O Direito internacional que antes se ocupava apenas dos Estados, nos últimos anos, sobretudo, a partir da contemporaneidade, vem sofrendo rupturas paradigmáticas com o processo de humanização do Direito.
- O modelo westfaliano/paradigma tradicional do Estado moderno, pouco a pouco, deixa de ser centro de gravidade do corpo internacional, abrindo espaço para um modelo mais humanizado, que se preocupa com o ser humano.
- Assiste-se no século XX, um aumento significativo do número de sujeitos do Direito Internacional de modo a caracterizar a pós-modernidade. É, pois, no século passado, que as organizações internacionais intergovernamentais e Organizações não governamentais passam a ser reconhecidas como sujeitos do Direito Internacional e, que o ser humano adquire um certo estatuto no Direito Internacional.
- De algum modo, vemos que a construção desses novos sujeitos do Direito Internacional se conectam a utopias revolucionárias, a lutas de resistência contra a opressão e ideologias que reproduz e ajudam a manter a democracia, fomentando, porquanto, governos que <<promovem a paz>>.
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