Acordo de não persecução civil era previsto na Lei de Improbidade Administrativa desde a vigência do chamado pacote anticrime, consubstanciado na Lei 13.964, de 2019,[1] mas passou a desfrutar de específica disciplina no art. 17-B da Lei 8.429/1992, incluído pela recente Lei 14.230/2021, e se antes não havia referência normativa às suas condições ou pressupostos, vazio que a doutrina ou regulamentos internos do Ministério Público até então preenchiam, hoje não mais.
Consiste num negócio jurídico entre o Ministério Público e a parte responsável pelo ato de improbidade, que pode ser pessoa física ou jurídica,[2] necessariamente assistida por advogado[3] e judicialmente homologado,[4] sem a obrigatoriedade de confissão, celebrável na fase pré-processual, durante o trâmite da ação ou na execução da sentença condenatória.[5]
É uma solução que pode ser mais vantajosa ao interesse público do que a oferecida pelo processo judicial, pois, com agilidade no tempo e eficiência de resultados, garante a responsabilização pelo ato de improbidade e a aplicação de sanções adequadas e proporcionais às circunstâncias do caso concreto, especialmente para as infrações de mediano poder ofensivo ao patrimônio público ou aos princípios reitores da Administração Pública. O autor voluntariamente aceita cumprir determinadas condições para não se submeter ao processo e ao risco de condenação, e o Ministério Público não ajuíza ou não dá curso a ação já proposta porque as vantagens decorrentes do ajuste atendem às exigências de proteção eficiente do patrimônio público.
O poder de propositura do acordo é outorgado ao Ministério Público em razão da sua condição de legitimado exclusivo à ação de improbidade administrativa (art. 17-B), poder que não é arbitrário e sim vinculado ao integral ressarcimento do dano, à reversão da vantagem indevida obtida em favor da pessoa jurídica lesada, ainda que oriunda de agentes privados e, especialmente, à adequação da solução consensual às peculiaridades do caso concreto, consideradas a personalidade do agente, natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do ato de improbidade, bem como as vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso.[6]
Outras condicionantes podem ser estipuladas, pois assim permitido pelo caput do art. 17-C, desde, porém, que razoáveis e proporcionais e se a situação recomendar. Por exemplo, prevista na própria lei, de adoção de mecanismos e procedimentos internos de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.[7]
Deve ser lembrado, inclusive como advertência, que as várias instâncias ministeriais estaduais e federais, em virtude da inexistência de disposições legais específicas até a edição da Lei 14.230/2021, possuem orientações próprias aos seus membros, incluindo requisitos, como a confissão da infração administrativa, e obrigações, como de pagamento de multa civil, de não contratar com o poder público e até de exoneração a pedido do cargo, emprego ou função pública ocupada, especialmente estas, de discutibilíssima legalidade diante do novo e detalhado regramento legal.
As condições ou obrigações complementares, eventualmente justificáveis pela dimensão social do fato ímprobo, não podem ser mais severas do que as legisladas, e a negociação não pode ser competitiva. Deve ser integrativa, fonte de valor para as duas partes, tipo ganha-ganha. Cada uma deve firmar o acordo com o sentimento de haver atendido aos seus interesses, com as maleabilidades admissíveis, sem submissões infundadas ou abusivas. Integrativa é a negociação em que as partes buscam obter os melhores resultados para ambas, sem pendência para qualquer delas, com recíprocas concessões visando o atendimento de todos e não somente o de um dos interesses dos envolvidos.
Em termos de formalidades, o ente federativo lesado deve ser sempre ouvido e o acordo aprovado pelo órgão do Ministério Público competente para apreciar as promoções de arquivamento de inquéritos civis, se anterior ao ajuizamento da ação, e judicialmente homologado, se verificadas pelo juiz a legalidade da medida e a voluntariedade do investigado, ouvido e assistido por advogado em audiência que deve ser especialmente designada para este fim. [8] A homologação é ato de natureza declaratória e integrativa do negócio jurídico, o qual passa então a produzir efeitos jurídicos. A intervenção judicial deve limitar-se ao controle da legalidade do acordo (cumprimento das formalidades prévias, assistência de advogado e voluntariedade da pessoa que o celebra). A lei não concede ao juiz poderes de intervenção no mérito do negócio, até porque, pelo princípio da imparcialidade, não lhe é dado substituir o Ministério Público e estabelecer cláusulas ou condições.[9]
Considerando que o poder de propositura do acordo é exclusivamente do Ministério Público, não cabe recurso judicial diante da sua recusa a proposta feita pelo interessado. Também não há recurso administrativo a órgão superior da Instituição, por falta de previsão legal.
No eventual descumprimento do acordo, o investigado ou demandado ficará impedido de celebrar novo ajuste pelo prazo de cinco anos,[10] e o Ministério Público ajuizará ou dará prosseguimento à ação já iniciada.
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Antes, a Resolução nº 179/2017 do CNMP, previu a celebração do acordo nas hipóteses configuradoras de improbidade administrativa, sem prejuízo do ressarcimento ao erário e da aplicação de uma ou algumas das sanções previstas em lei, de acordo com a conduta ou o ato praticado.
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Art. 3º, § 2º: As sanções desta Lei não se aplicarão à pessoa jurídica, caso o ato de improbidade administrativa seja também sancionado como ato lesivo à administração pública de que trata a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 (anticorrupção), sendo que os sócios, os cotistas, os diretores e os colaboradores de pessoa jurídica de direito privado não respondem pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica, salvo se, comprovadamente, houver participação e benefícios diretos, caso em que responderão nos limites da sua participação (art. 3º, § 1º).
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Art. 17-B, § 5º: As negociações para a celebração do acordo a que se refere o caput deste artigo ocorrerão entre o Ministério Público, de um lado, e, de outro, o investigado ou demandado e o seu defensor.
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Conforme estabelece o inc. III do § 1º do art. 17-B.
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Art. 17-B, § 4º: O acordo a que se refere o caput deste artigo poderá ser celebrado no curso da investigação de apuração do ilícito, no curso da ação de improbidade ou no momento da execução da sentença condenatória.
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Art. 17-B, § 1º, inc. III, § 2º: Em qualquer caso, a celebração do acordo a que se refere o caput deste artigo considerará a personalidade do agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do ato de improbidade, bem como as vantagens, para o interesse público, da rápida solução do caso.
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Art. 17-B, § 6º.
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Art. 17-B, § 1º, incs. I, II e III.
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Art. 17-B, § 1º, incs. I, II e III.
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Art. 17-B, § 7º.